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Transcrição:

Investimento em sustentação e defesas físicas no mangue vermelho: uma demanda conflitante? Lygia Del Matto, Luanne Caires, Andrés Rojas & Adriana Acero RESUMO: A alocação de recursos para diferentes funções do metabolismo vegetal pode envolver demandas conflitantes. Em espécies lenhosas, o crescimento requer alto investimento em biomassa de sustentação, o que pode reduzir recursos disponíveis para defesas físicas contra herbivoria. A demanda conflitante entre sustentação e defesa pode ser maior em ambientes com limitação de recursos, como manguezais. Investigamos se um maior investimento em sustentação se relaciona a um menor investimento em defesas físicas em Rhizophora mangle. Medimos o investimento em área de raízes escoras (controlado pela idade da planta) e a resistência foliar. Não encontramos relação entre resistência foliar e área das raízes escoras. A demanda conflitante pode se expressar entre sustentação e defesas químicas, como a produção de taninos. Também é possível que a demanda conflitante entre sustentação e defesas seja mediada por outras funções da raiz, como captação de água, e por variações em condições ambientais, como salinidade. PALAVRAS-CHAVE: limitação de recursos, manguezal, herbivoria, resistência foliar, Rhizophora mangle. INTRODUÇÃO O desenvolvimento vegetal depende da disponibilidade de recursos no ambiente, que devem ser alocados para diferentes funções, como sustentação, crescimento, defesa e reprodução. Em condições de limitação de recursos, ocorrem demandas conflitantes de alocação, visto que o uso de recursos em uma dada função reduz a quantidade de recursos disponíveis para investimento em outra (Berendse et al., 2007). Por exemplo, uma demanda conflitante comum em plantas envolve a limitação do crescimento em prol da reprodução, com redução da taxa de crescimento durante a fase reprodutiva, na qual os recursos são alocados principalmente para a produção de flores e frutos (Hanley et al., 2007). Demandas conflitantes também podem ocorrer entre investimento em crescimento e investimento em defesas contra herbivoria (Berendse et al., 2007). Em espécies lenhosas, o investimento em crescimento envolve tanto o alongamento vertical quanto a expansão em diâmetro, o que requer o desenvolvimento de estruturas de sustentação da planta, como aumento do número de raízes ou da área do sistema radicular (Jackson et al., 2007). Já o investimento em defesas envolve tanto estratégias químicas, como a produção de toxinas e compostos que reduzem a digestibilidade dos tecidos vegetais (Hanley, 2007), quanto estratégias físicas, incluindo estruturas como espinhos, acúleos, tricomas e esclerificação foliar, que dificultam o acesso dos herbívoros aos tecidos nutritivos das folhas (Rosenthal & Kotanen, 1994; Boege & Maquis, 2005; Hanley et al., 2007). Diferente das defesas químicas, as defesas físicas são estruturais e requerem alta utilização de carbono. Uma vez que o carbono também é utilizado na produção de tecidos de sustentação, deve haver uma demanda conflitante mais acentuada de alocação deste nutriente entre características de sustentação e de defesas físicas (Hanley et al., 2007). Em manguezais, a instabilidade do solo gerada pelo alagamento periódico em função da dinâmica das marés acarreta uma forte pressão para o desenvolvimento de estruturas de sustentação. Manguezais também são ambientes em que há limitação de nutrientes (Feller, 1995), principalmente devido à deficiência de nitrogênio e fósforo induzida pela salinidade e processos de oxidação e redução (Ball, 1988; Madi et al., 2015). Uma vez que há grande limitação de nutrientes, o alto investimento em suporte pode reduzir a quantidade de recursos disponíveis para esclerificação das folhas, um tipo de defesa comum em espécies de mangue (Chapin et al., 1987; Feller, 1995). Algumas espécies típicas de manguezais, tais como Rhizophora mangle (Rhizophoraceae), também 1

conhecida como mangue vermelho, desenvolvem raízes escoras, que são ramificações do caule que se fixam ao substrato fornecendo sustentação (Gill & Tomlinson, 1977). A produção dessas raízes varia de acordo com a instabilidade do solo, com plantas em locais mais instáveis possuindo maior investimento em sustentação (Prado et al., 2013). Nosso objetivo foi investigar a relação entre investimento em sustentação e investimento em defesas físicas usando R, mangle como modelo de estudo. Nossa hipótese era de que um maior investimento em sustentação estaria relacionado a um menor investimento em defesas físicas. MATERIAL & MÉTODOS Coleta de dados Realizamos o estudo em um manguezal, localizado no bairro Guaraú (24 36 90 S, 47 01 92 O), município de Peruíbe, estado de São Paulo. Amostramos 20 indivíduos em duas áreas de mangue, uma instável e outra menos instável, de modo a garantir variação no investimento em sustentação pelos indivíduos de R. mangle. Em função da dificuldade de locomoção no solo lodoso do manguezal, em cada área amostramos os 10 primeiros indivíduos encontrados ao longo de um percurso de 50 m perpendicular ao rio, que atravessa o manguezal. Excluímos da amostra indivíduos que estivessem agregados (mais de dois indivíduos com cruzamento de raízes), de modo a evitar possíveis influências da presença de outro conjunto de raízes escoras no investimento em sustentação de cada indivíduo. Após selecionar cada indivíduo, medimos o raio maior e menor da área de sustentação das raízes e inferimos que a área de sustentação seria equivalente à área de uma elipse, obtida pela fórmula: área = 3,14 * raio menor * raio maior. Para controlar o efeito da idade da planta sobre a área de sustentação, medimos o perímetro à altura da ramificação mais alta de raiz escora (PAR), pois é esperado que plantas mais velhas tenham maior valor de PAR em comparação a plantas mais jovens. Como variável operacional do investimento em raízes, utilizamos os resíduos de uma reta de regressão entre PAR e área de raiz. Os resíduos representam o quanto a planta investiu em raízes, a mais ou a menos, do que seria esperado para a sua idade, controlando assim o efeito de maior tempo de produção de raízes escoras por plantas de maior idade. Coletamos duas folhas de cada indivíduo, totalizando 40 folhas. Para tanto, dividimos a copa da árvore em quatro quadrantes e sorteamos um dos quadrantes. No quadrante sorteado, sorteamos ramos e, nos ramos sorteados, sorteamos uma das folhas do segundo par de folhas a partir do ápice. Amostramos o segundo par de folhas de cada ramo para padronizar a idade das folhas, visto que o investimento em defesas físicas pode variar ao longo do desenvolvimento foliar. Como variável operacional de investimento em defesas físicas, utilizamos a resistência foliar (RF), que está relacionada à esclerificação da folha e consequente redução na palatabilidade e na digestibilidade do material vegetal (Steneck, 1982; Bjorkman & Anderson, 1990). Para calcular a RF, recortamos uma amostra foliar de 1,5 cm x 5 cm para todas as folhas. Cada amostra foi aderida com fita adesiva à base e ao corpo de um dinamômetro de 500 g (Figura 1). Acoplado ao dinamômetro havia um recipiente no qual adicionamos água até a folha se partir, separando a base do dinamômetro de seu corpo (Figura 1). Medimos o volume de água necessário para que a folha se partisse e, em seguida, convertemos esse valor para Newtons (N), que corresponde ao valor de RF. Figura 1. Esquema do procedimento usado para calcular a resistência foliar, que é a força necessária para romper uma amostra foliar de 1,5 cm x 5 cm. Análise estatística Para testar se resíduos maiores da regressão linear entre PAR e área de raiz estão relacionados a uma menor resistência foliar, realizamos uma regressão linear dos valores máximos de RF em função dos resíduos de cada indivíduo amostrado. Os valores máximos de RF representam o potencial máximo dos indivíduos em alocar recursos em defesas físicas e, como houve grande variação de RF entre folhas de um mesmo indivíduo, é no valor máximo que a demanda conflitante de alocação de recursos deveria se manifestar. Para construir nosso cenário nulo, em que a resistência foliar não está relacionada à área de raiz controlada pela idade da planta, permutamos 5.000 vezes os valores de RF entre os indivíduos. Em cada permutação, obtivemos o valor do coeficiente angular da reta de regressão linear entre RF e os 2

resíduos, gerando uma distribuição nula de valores de coeficientes angulares. O valor de coeficiente angular observado no nosso estudo só foi considerado diferente do acaso se a probabilidade de ocorrência de valores iguais ou menores a ele na distribuição nula fosse inferior a 5%. RESULTADOS Os resíduos da regressão linear da área de raízes escoras em relação ao PAR foram positivos para 9 indivíduos e negativos para 11 (Figura 2). A RF variou de 4,9 a 13,65 N (média ± desvio padrão = 12,1 ± 2,1 N) entre indivíduos, e a área das raízes variou de 0,28 a 14,94 m² (média ± desvio padrão = 1,11 ± 3,2 m). Não encontramos relação entre os resíduos de regressão linear entre área das raízes e PAR e o índice de resistência foliar (p = 0,233; Figura 3). Figura 2. Regressão linear da área da raiz em relação à idade da planta (representada pelo PAR, isto é, perímetro à altura da ramificação mais alta de raiz escora). Os pontos representam os indivíduos e as linhas representam os resíduos da regressão, ou seja, o investimento em raiz descontando-se o efeito da idade da planta. Linhas pretas e vermelhas correspondem, respectivamente, a um investimento em sustentação superior e inferior ao esperado pela idade da planta. Figura 3. Relação entre resistência foliar (N) e o investimento em área de raízes (m²), estimado pelos resíduos da regressão linear entre a área da raiz e o PAR (perímetro à altura da ramificação mais alta de raiz escora) dos indivíduos de mangue-vermelho. DISCUSSÃO Neste trabalho, investigamos se existe uma demanda conflitante entre sustentação e defesas físicas em uma espécie de planta que ocorre exclusivamente em áreas de manguezais. Para isso, amostramos indivíduos de mangue-vermelho com variação no investimento em área de raízes escoras para sustentação e medimos seu investimento em defesas físicas por meio da resistência foliar. Não encontramos relação entre investimento em sustentação e investimento em defesas físicas. No entanto, observamos que a variação no investimento em defesas físicas foi maior em indivíduos com maior investimento em sustentação. A ausência da relação entre investimento em sustentação e investimento em defesas físicas pode decorrer do uso conjunto de diferentes estratégias de defesa. Além das defesas físicas, indivíduos de R. mangle podem investir em defesas químicas, como a produção de substâncias tóxicas e indigestas (Behmer et al., 2002; Bohlmann, 2008). Em R. Mangle, há produção de taninos, compostos ricos em carbono, que lhe conferem a cor avermelhada no caule e são de baixa digestabilidade (Godoy et al., 1997). Além disso, a produção de metabólitos secundários, como os taninos, é custosa e envolve a quebra de compostos energéticos ricos em carbono, como glicose (Bernays & Chapman, 1994). Dessa forma, a produção de taninos provavelmente requer grande quantidade de carbono e é possível que haja demandas conflitantes entre o investimento em sustentação e defesas químicas, mas não defesas físicas. É possível ainda que a demanda conflitante entre o investimento em sustentação e o investimento em defesas seja mediado pela capacidade de captação de água e pelo gradiente de salinidade no mangue. É razoável supor que um aumento de área de raiz está relacionado a um maior número de raízes e, consequentemente, a uma maior captação de água (Kozlowski & Pallardy, 1997). Assim, indivíduos que investem menos em raízes captam menor quantidade de água em qualquer condição de salinidade e necessitam investir mais em mecanismos que minimizem a perda de água pelas folhas, como o espessamento da cutícula foliar, que é um dos componentes que influencia a resistência foliar (Soares et al., 2014). Essa relação poderia explicar a menor variação no investimento em resistência em indivíduos que investem menos em sustentação. Já indivíduos com maior investimento em raiz conseguiriam captar mais água, reduzindo assim a necessidade de investir em espessamento da cutícula. No entanto, a captação de água por indivíduos com maior investimento em raízes pode ser 3

dependente do grau de salinidade do ambiente. Em condições de maior salinidade, como os locais mais afastados do rio (fonte de água doce), a absorção de água será reduzida mesmo que o investimento em raízes seja alto, já que o ótimo de absorção de água pelas raízes ocorre em condições de baixa salinidade, envolvendo menor gasto energético com a eliminação ativa de sal (Lüttge, 2008). Já em condições de menor salinidade, indivíduos que investem mais em raízes teriam a absorção de água facilitada e reduziriam o investimento em espessamento da folha em condições de estresse hídrico baixo. Dessa forma, a localização das plantas no gradiente de salinidade pode justificar a variação no investimento em resistência da folha entre indivíduos com alto investimento em sustentação. Concluímos que não há um padrão de demanda conflitante entre investimento em defesas físicas e sustentação. Essa ausência pode ser abordada em novos estudos, pois pode haver uma demanda conflitante entre sustentação e outras funções, como o investimento em defesas químicas. Além disso, o conflito na alocação de recursos pode ser mediado por outras funções da raiz além da sustentação, como a captação de água, e por condições ambientais, como a salinidade. AGRADECIMENTOS Agradecemos a Diana e Paula pela orientação na elaboração deste manuscrito e pela ajuda em campo e a Gustavo Requena e Adriana Martini pela revisão do texto. REFERÊNCIAS Ball, M.C. 1988. Ecophysiology of mangroves. Trees, 2:129-142. Behmer, S.; S. Simpson & D. Raubenheimer. 2002. Herbivore foraging in chemically heterogeneous environments: nutrients and secondary metabolites. Ecology 83:2489-2501. Berendse, F.; H. Kroon & W.G. Braakhekke. 2007. Acquisition, use and loss of nutrients, pp. 259-283. Em: Functional plant ecology (F. Pugnaire & F. Valladares, eds.). CRC Press, Boca Raton. Bernays, E.A. & R.F. Chapman. 1994. Host-plant selection by phytophagous insects. Chapman & Hall, New York. Bjorkman, C. & D.B. Anderson. 1990. Trade-off among antiherbivore defences in a South American blackberry (Rubus bogotensis). Oecologia, 85:247-249. Boege, K. & R.J. Marquis. 2005. Facing herbivory as you grow up: the ontogeny of resistance in plants. Trend in Ecology & Evolution, 20:441-448. Bohlmann, J. 2008. Insect-Induced Terpenoid Defenses in Spruce, pp. 173-187. Em: Induced plant resistance to the herbivory (A. Schaller, ed). Springer, Berlin. Chapin, E.S.; A.J. Bloom; C.B. Field & R.H. Waring. 1987. Plant responses to multiple environmental factors. BioScience, 37:49-57. Feller, I.C. 1995. Effects of nutrient enrichment on growth and herbivory of dwarf red mangrove (Rhizophora mangle). Ecological Monographs, 65:477-505. Gill, A.M. & P.B. Tomlinson. 1977. Studies on the growth of red mangrove (Rhizophora mangle L.): the adult root system. Biotropica, 9:145-155. Godoy, S.A.; M.A. Mayworm; V. Kurt; A. Salatino & Y. Schaeffer-Novelli. 1997. Teores de ligninas, nitrogênio e taninos em folhas de espécies típicas do mangue. Revista Brasilera de Botânica, 20: 35-40. Hanley, M.E.; B.B. Lamont; M.M. Fairbanks & C.M. Rafferty. 2007. Plant structural traits and their role in anti-herbivore defence. Perspectives in Plant Ecology, Evolution and Systematics, 8:157-178. Jackson, R.B.; W.T. Pockman; W.A. Hoffmann; T.M. Bleby & C. Armas. 2007. Structure and function of root systems, pp. 151-174. Em: Functional plant ecology (F. Pugnaire & F. Valladares, eds.). CRC Press, Boca Raton. Kozlowski, T.T. & S.G. Pallardy. 1997. The physiology of woody plants. Academic Press, San Diego. Lüttge, U. 2008. Physiological ecology of tropical plants. Springer, Berlin. Madi, A.P.; M.R. Boeger & C.B. Reissmann. 2015. Composição química do solo e das folhas e eficiência do uso de nutrientes por espécies de manguezal. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental, 19:433-438. Prado, A.; C. Caiado-Gomes; F. Librán & F. Orocchio. 2013. Variações na morfologia de sustentação em Rhizophora mangle (Rhizophoraceae) em diferentes condições de inundação do solo. Em: Livro do curso de campo Ecologia da Mata Atlântica (G. Machado; P.I.K.L. Prado & A.Z. Martini, eds.). Universidade de São Paulo, São Paulo. 4

Rosenthal, J.P. & P.M. Kotanen. 1994. Terrestrial plant tolerance to herbivory. Trends in Ecology & Evolution, 9:145-148. Soares, S.; D.M. Santana; R.A. Falqueto & M.M. Pereira. 2014. Abordagem ecofisiológica dos manguezais: uma revisão. Biotemas, 27:1-19. Steneck, R.S. 1982. A limpet-coralline alga association: adaptations and defenses between a selective herbivore and its prey. Ecology, 63:507-522. Orientação: Diana B. Garcia & Paulo Z. Giroldo 5