Estrutura e comportamento de tempestades supercélulas no Estado de São Paulo, Brasil Gerhard Held 1, Ana Maria Gomes 1, Kleber P. Naccarato 2 1 Instituto de Pesquisas Meteorológicas, Universidade Estadual Paulista, Bauru, S.P. 2 Grupo de Eletricidade Atmosférica, Instituto de Pesquisas Espaciais, São José dos Campos, S.P. gerhard@ipmet.unesp.br ABSTRACT IPMet has been studying the structure of severe thunderstorms since 1992, when the first of its two S-band Doppler radar was installed in Bauru, with the objective to improve its Nowcasting products and alerts issued for the Civil Defense, Emergency Services and the public. Six days have been selected from the past 18 years of radar observations to document the occurrence of supercells, some of them spawning tornadoes (up to the Fujita Scale F3 strength) or producing hail swaths extending several hundreds of kilometers. The majority of supercells could be tracked for >5 hours. The analysis revealed, amongst other storm signatures, that the tornadic cells, as well as other simultaneously occurring supercell storms, had radar reflectivities of 50-60 dbz during most of their life cycle, moved very rapidly (>50 km.h -1 ) and were characterized by strong rotational shear of up to 5,0x10-2 s -1. Deploying NCAR s TITAN Software, much greater severity parameters (VIL=70,6 kg.m -2, MAX-Z= 60 dbz, sustained VOL= 500 to >1000km 3 for 4 hours) were yielded for the supercell in May 2004, than for any of the tornadic or other supercells. The temporal evolution of VIL values showed a rapid decrease close to the time of the observed destructive winds at ground level (e.g., tornado touch-down) and the intensive lightning activity (Cloudto-Ground) of the cells prior to the tornado touch-down, dropped to very low stroke frequencies during the mature tornado stage, after which it increased again. In contrast, the supercell storms, which did not spawn a tornado, had relatively constant flash rates. Palavras-chave: Tempestades Severas, Radares Banda-S Doppler, Supercélulas, Tornados, Descargas Atmosféricas. 1 INTRODUÇÃO No Estado de São Paulo, localizado na região sudeste do Brasil, tempestades severas freqüentemente são responsáveis por enchentes repentinas nas cidades e/ou destruição de colheitas inteiras e propriedades devido ao granizo ou vendavais (microexplosões, tornados), resultando em milhões de Reais em prejuízos anualmente, perda de vidas e deixando muitos feridos (Held et al., 2001). O Instituto de Pesquisas Meteorológicas (IPMet), em Bauru, tem realizado estudos observacionais sobre a estrutura tridimensional de tempestades e eventos de precipitação nas regiões central e oeste do Estado de São Paulo, utilizando informações de seus dois radares banda-s Doppler, desde 1992. A primeira supercélula registrada pelo radar de Bauru ocorreu em 14 de maio de 1994 (Gomes et al., 2000). Entretanto nenhum outro evento similar foi observado durante os anos seguintes e, portanto considerou-se que supercélulas e especialmente tempestades tornádicas eram eventos raros no sudeste do Brasil, uma vez que pouco desses tipos de evento tinha sido observado no raio de alcance dos radares. Entretanto, esta concepção mudou quando os primeiros tornados, a maioria deles associados com supercélulas, foram observados pelos radares do IPMet em maio de 2004 (F1 e F2, de acordo com a escala Fujita), seguido de um outro F3 em maio de 2005 (Held et al., 2005, 2006). No estudo destes últimos eventos tornádicos, a partir de 2004, foram incluídos uma
análise sobre descargas elétricas associadas às áreas de tempestade, em colaboração com o Grupo Eletricidade Atmosférica (ELAT) - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). 2 - MATERIAL E MÉTODOS Os radares do IPMet estão localizados na área central e oeste do Estado de São Paulo, em Bauru e Presidente Prudente, respectivamente (Figura 1). Ambos possuem abertura do feixe de 2 e um alcance qualitativo de 450 km (PPI de 0 ou 0,3, a cada 30 ou 15 min), cobrindo o Estado de São Paulo, e quantitativo de 240 km, com varredura volumétrica gerando informação a cada 15 ou 7,5 minutos, com resolução de 1 km na radial (250 m desde março de 2006) e 1 em azimute, registrando dados de refletividade e velocidade radial. A Rede Brasileira de Detecção de Descargas (BrasilDat) atualmente contempla 47 sensores no total (maioria deles estão instalados fora da área mostrada na Figura 1), com uma eficiência de detecção de 80-90 % (CG = descargas nuvem-solo) e uma precisão de localização de 0,5-2,0 km (Pinto Jr., 2003). Observações de descargas elétricas confiáveis estão disponíveis a partir de 1999. Figura 1 Rede de radares do IPMet (BRU = Bauru; PPR = Presidente Prudente), mostrando anéis para os alcances de 240 e 450 km. Sensores de descargas elétricas estão marcados em vermelho. Para as análises foram usados os produtos gerados com o software proprietário Sigmet/IRIS/Analysis, e o software livre TITAN (Thunderstorm Identification, Tracking, Analysis and Nowcasting; Dixon e Wiener, 1993), do NCAR (National Center for Atmospheric Research), implementado e adaptado em 2005/2006, de modo a atender às necessidades operacionais no IPMet. O TITAN produz uma variedade de parâmetros importantes para um limiar selecionado de refletividade e volume através de toda a duração das tempestades (área, volume, fluxo de precipitação, VIL [conteúdo de água líquida integrado na vertical], refletividades máximas, métricas de granizo, direção e velocidade de propagação, etc), para cada varredura volumétrica, bem como o rastreamento de células, incluindo suas separações e fusões. O TITAN possui ainda a facilidade da sobreposição do campo das descargas elétricas em relação aos ecos de radar, incluindo a separação em cargas positivas e negativas. Para as análises o TITAN foi utilizado com uma resolução de 1km na horizontal e 750 m na vertical. Um limiar de 40 dbz para a refletividade e um volume >16 km 3 foi selecionado para a identificação das células. 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO No presente estudo é apresentado um resumo dos resultados de todos os casos identificados de ocorrência de supercélulas até o presente. Por limitações de páginas, apenas dois desses casos são apresentados em detalhes. Os dias estudados até o presente são: 14 de maio de 1994 (uma supercélula com duração >5 horas), 17 de outubro de 1999 (rastro deixado pelo granizo se estendendo por 200 km durante 4 horas), 21/22 de maio 2004 (uma supercélula com duração >5,5 horas), 25 de maio de 2004 (duas supercélulas se deslocando em paralelo por >8,5 horas e >5 horas, respectivamente, sendo que somente a de menor duração produziu um tornado F2), 24 de maio de 2005 (duas supercélulas se deslocando em paralelo por >3 e 4 horas, respectivamente, sendo que somente uma produziu um tornado F3) e 24 de julho de 2007 (rastro de granizo por mais ou menos 300 km, e período de duração 5 horas). É importante destacar, que todos, com exceção de um dos eventos, ocorreram durante
o mês de maio, que é um mês do outono austral, e, portanto um período de transição das condições de verão, que traz ar tropical úmido advectado da Amazônia, para o regime de inverno, quando sistemas baroclínicos (frentes frias), vindos do sul-sudoeste, afetam o interior central e oeste do Estado de São Paulo. Todos os horários estão em Hora Local (HL = UT- 3h), excluindo o das análises geradas com o software TITAN (utiliza UT). 3.1 21/22 de maio de 2004 Um sistema frontal se deslocando de sudoeste durante as primeiras horas do dia 21 de maio de 2004, atingiu as regiões oeste e central do Estado de São Paulo, e continuou ativo após a meia noite atingindo as regiões ao sul de Minas Gerais. Devido a grande instabilidade presente foi observada a ocorrência de tempestades severas em varias regiões do estado. Uma supercélula, que se formou no flanco oeste do complexo de tempestades foi observada pelo menos durante 7 horas. Foi confirmado que a mesma causou extenso dano ao longo do seu caminho nas regiões norte do Estado (Ribeirão Preto e Batatais). O primeiro eco associado a esta supercélula foi detectado a oeste-noroeste de Assis um pouco antes das 18:00, e o TITAN rastreou sua área de 40 dbz desde às 18:23 até às 01:08, embora esta tempestade continuou em sua trajetória além dos 240 km de alcance do radar de Bauru sem diminuir sua intensidade, conforme pode ser visto nos PPI s de 0,3º (Figura 2a). A tempestade se deslocou com velocidade de 55-60 km.h -1 na direção nordeste. Importante notar que durante o seu período de atividade, >6h45min, esta tempestade, com características de supercélula, se intensificou ainda mais sobre o Rio Tietê em torno de 21:07, provavelmente em associação à penetração de umidade adicional para dentro da tempestade através das correntes ascendentes à frente (eco em azul claro, na Figura 2a). Isto tem sido observado em outros casos analisados, por exemplo, na célula T3 em 24 de maio de 2005, cujo deslocamento foi ao longo do Rio Tietê antes da mesma produzir o tornado (Figura 3a). Figura 2 21/22 de maio de 2004: Imagem composta dos radares, mostrando o rastro dos centróides de 40 dbz para a supercélula entre 18:23-01:08 HL. Nem todos os rastros simultâneos observados são mostrados. Variação temporal da parte mais intensa do rastro da supercélula de 22:30-00:08 HL. A seção temporal durante a segunda parte do rastreio da célula (Track 01; 21:07-01:08; Figura 2b) revelou refletividades máximas 65 dbz para quase todo o tempo de duração da mesma, com uma probabilidade de granizo (POH) de 80 100 % e um índice de FOKR (Foote-Krauss) de 3. O conteúdo de água liquida integrado na vertical (VIL) ficou entre 55-70 kg.m -2, com um máximo de 85 kg.m -2 às 23:37HL.
3.2 24 de maio de 2005 A situação sinótica deste dia foi semelhante ao caso ocorrido há exatos um ano atrás (Held et al., 2006). Precipitação do tipo pré-frontal ocorrendo nas várias regiões do Estado de São Paulo e localizadas mais na parte centro-sul. Pelo menos uma célula isolada embutida neste complexo precipitante gerou um tornado (T3), matando uma pessoa em Capivari e causando danos extensos sobre a região industrial de Indaiatuba (Figura 3a), enquanto uma outra célula com convergência ciclônica (C2) produziu um vendaval com alto poder destrutivo sobre a cidade de Iaras. O deslocamento das duas células é mostrado na Figura 3a. Figura 3 24 de maio de 2005: Imagem composta dos radares, mostrando o deslocamento dos centróides de 40 dbz para a supercélula C2 e a célula tornádica T3. Os horários da primeira e ultima detecção estão em HL. Os centróides preenchidos em vermelho indicam o tornado produzido pela célula T3 e o vendaval destrutivo produzido pela célula C2. Seção temporal da célula tornádica T3 durante a segunda metade do tempo de sua duração (16:08-18:00 HL). A célula tornádica T3 produziu valores de VIL de 5-12 kg.m -2 durante metade de tempo em que foi observada, mas durante a segunda metade pode ser observado dois máximos de VIL, o primeiro máximo de 40,5 kg.m -2 mais ou menos 15 min antes do primeiro touch-down às 17:00 HL (Figura 3b). Figura 4 Posição das descargas nuvem-solo (+ negativa; + positiva) relativas ao centro dos ecos das supercélulas, em intervalos de 7,5 min. 25 de maio de 2004: supercélula C1 e tempestade tornádica T1; 24 de maio de 2005: supercélula C2 e tempestade tornádica T3. Os registros de descargas elétricas, sobrepostos nas imagens do radar indicaram localizações preferenciais dos CGs ao redor e à frente do centro das células tornádicas, mas nas supercélulas os CGs estão dentro e ao redor do centro e com freqüência maior (Held et al., 2006). A atividade elétrica praticamente cessou pouco antes dos tornados tocarem o solo (Figura 4), um resultado também observado para as tempestades supercélulas e tornádicas em
Oklahoma (Rison et al., 2005). Nenhuma diferença foi encontrada para os parâmetros indicadores de atividade elétrica (pico da corrente, multiplicidade, polaridade) tanto para as células tornádicas quanto para as não-tornádicas. Entretanto, a polaridade parece ser um bom discriminador entre as células convectivas maduras e as regiões estratiformes, com esta ultima produzindo poucas descargas e na maioria positivas, enquanto que as células convectivas na fase de decaimento, geram um grande número de descargas elétricas, na sua maioria positivas. 4 CONCLUSÕES A análise para os seis casos estudados revelou que as células tornádicas, bem como as supercélulas, exibiram refletividades máximas de 50-60 dbz durante a maior parte de sua atividade, se deslocaram extremamente rápidas (>50 km.h -1 ) e foram associadas a intenso cisalhamento rotacional até 5,0x10-2 s -1. O uso do Software TITAN (limiar de 40 dbz, volume 16 km 3 ), produziu parâmetros indicativos de severidade de uma tempestade de magnitudes muito maiores (VIL=70,6 kg.m -2, MAX-Z= 60 dbz, VOL= 500 a >1000km 3 por 4 horas) e sendo produzidos pela supercélula de maio de 2004, do que para qualquer uma das células tornádicas analisadas. A evolução temporal dos valores de VIL mostrou um rápido decréscimo próximo ao horário dos ventos destrutivos observados no solo (tornado tocando o solo), enquanto que os máximos valores de VIL não foram necessariamente observados próximos ao horário em que o tornado tocou o solo, mas em geral num estagio tardio dessa célula. Baseado nas observações de descargas atmosféricas nuvem-solo (CG) observados pela BrasilDat, a intensa atividade elétrica das células anterior ao touch-down do tornado, exibiu uma freqüência mínima dessas descargas durante o seu estágio maduro, e logo após voltou a se intensificar novamente. Em contraste, as supercélulas que não produziram tornados, tiveram uma taxa de descargas elétricas relativamente constante. Considerando a ocorrência de tornados e supercélulas confirmados durante os últimos 18 anos, pode-se concluir que, existe a predominância de situações sinóticas favoráveis para o desenvolvimento de tornados severos nesta região durante o outono austral, a despeito das tempestades serem menos intensas em termos de seus topos e refletividades observadas pelos radares, quando comparados às tempestades que ocorrem durante o verão. 5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DIXON, M. and WIENER, G., 1993. TITAN: Thunderstorm Identification, Tracking, Analysis & Nowcasting - A radar-based methodology, J. Atmos. Oceanic Technol., 10, p.785-797. GOMES, A.M., HELD, G, LIMA, M.A. e CALHEIROS R.V., 2000. Estudo da Evolução de Tempestades Severas na Área Central do Estado de São Paulo por Radar Doppler. Anais, XI Congresso Bras. de Meteor., SBMET, Rio de Janeiro, Outubro 2000, Paper MR00006, p.1921-1929. HELD, G., GOMES, A.M. e NACHTIGALL, L.F., 2001. Severe Storm Signatures Observed by Doppler Radar in the State of São Paulo, Brazil: From Synoptic Scale to Microburst. Preprints, 30 th International Conference on Radar Meteorology, Munich, Germany, July 2001, p.248-250. HELD, G., GOMES, A.M., NACCARATO, K.P., PINTO, O. Jr., NASCIMENTO, E. de L., CORREIA, A.A. and MARCELINO, I.P.V.O., 2005. Analysis of Tornado Characteristics in the State of São Paulo for the Improvement of an Automatic Alert System (Paper P3R.9). Preprints, 32 nd Conference on Radar Meteorology, CD, AMS, Albuquerque, USA, October 2005, 10pp. HELD, G., GOMES, A.M, NACCARATO, K.P., PINTO, Jr. O, and NASCIMENTO, E., 2006. The Structure of Three Tornado-Generating Storms Based on Doppler Radar and Lightning Observations in the State of São Paulo, Brazil. Proceedings, 8 th International Conference on Southern Hemisphere Meteorology and Oceanography, Foz do Iguaçu, April 2006, p.1787-1797. PINTO, O., 2003. The Brazilian lightning detection network: a historical background and future perspectives. Proc., VII Intern. Symposium on Lightning Protection, Curitiba, Brazil, Nov. 2003, p.3-5. RISON, W., KREHBIEL, P., THOMAS, R.J. and HAMLIN, T., 2005. Three-dimensional lightning mapping observations as a compliment to radar observations of storms, Preprints, 32 nd Conf. on Radar Meteorology, Poster JP3J.23, AMS, Albuquerque, USA, Oct. 2005.