MUDANÇAS NO TRABALHO DOCENTE O CASO DAS UNIVERSIDADES PARANAENSES. Regina Célia Habib Wipieski Padilha UNICENTRO/UNIMEP re.habib@uol.com.



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MUDANÇAS NO TRABALHO DOCENTE O CASO DAS UNIVERSIDADES PARANAENSES Regina Célia Habib Wipieski Padilha UNICENTRO/UNIMEP re.habib@uol.com.br Resumo: Este estudo tem como objetivo discutir algumas das mudanças ocorridas na docência nas universidades públicas estaduais paranaenses. Nele, tomamos o trabalho docente na universidade como um trabalho intelectual e consideramos importante discuti-lo, pois ele vem se tornando principal força de produção. O saber, o conhecimento, a ciência têm recebido novos significados e, cada vez mais, passam a ser mercadorizados, cumprindo o fenômeno previsto por Braverman (1987) quando apontava que a ciência é a última e depois do trabalho a mais importante propriedade social a converter-se num auxiliar do capital. Analisamos as implicações disso na esfera acadêmica e discutimos encaminhamentos políticos voltados para as universidades paranaenses que podem manifestar efeitos da nova ordem produtiva e da reforma de Estado. Palavras-chave: trabalho docente; universidade; globalização. A docência universitária no Paraná apresenta características complexas, como complexo e plural é o Estado com suas regiões de nuances políticas, econômicas e sociais variadas. O trabalho docente nas universidades públicas estaduais paranaenses tem sido historicamente construído ao longo do processo de desenvolvimento do ensino superior no Estado, sujeito a inúmeras influências. Entender as alterações que ocorreram no âmbito do trabalho docente implica a consideração de alguns elementos históricos que apontam para peculiaridades desse sistema. A presença de universidades no Paraná esteve concentrada, até 1960, na capital Curitiba - onde estavam sediadas a Universidade Federal do Paraná 1 UFPR e a Pontifícia Universidade Católica do Paraná. No interior, a partir do final da década de 1940 foram criadas faculdades isoladas ao invés de universidades possivelmente isso tenha decorrido da inexistência de tradição universitária no Brasil. Esse processo de interiorização do ensino superior 1 Em relação à UFPR, datam de 1892 as primeiras manifestações no sentido de criá-la, mas o projeto não avançou em função do Movimento Federalista. Em 1912, no entanto, a reduzida intelectualidade paranaense viu a necessidade de se expandir a fim de defender o Estado. A perda da Região do Contestado para o Estado de Santa Catarina na época impele lideranças políticas à luta pela universidade. Em 1913 a instituição iniciou seu funcionamento como entidade particular, porém, encontrou dificuldades com a primeira Guerra Mundial e, com ela, a recessão econômica. Em 1920 foi determinado seu fechamento tendo em vista que o governo federal não recebia bem, à época, as iniciativas independentes dos Estados. Contraditoriamente, o governo criou a Universidade do Rio de Janeiro nessa época. Para driblar a lei e continuar funcionando, a universidade paranaense foi desmembrada em faculdades e, por mais de trinta anos luta por sua restauração. Somente no início da década de 1950 é que as faculdades foram reunidas e foi constituída novamente a universidade.

no Paraná teve início no governo de Moysés Troya Lupion, em 1949, quando da criação da primeira faculdade paranaense em Ponta Grossa. Dessa forma, o ensino superior paranaense foi sendo construído e até a década de 1970 foram criadas vinte faculdades, sendo a maior parte 2 delas de Filosofia, Ciências e Letras. A estrutura organizacional delas atendia ao previsto no Decreto Lei 1.190, de 1939, que estabelecia a organização da Faculdade Nacional de Filosofia, bem como seus programas de curso, padrão a ser seguido em todo o país. A faculdade tinha como finalidades: a) preparar trabalhadores intelectuais para o exercício das altas atividades de ordem desinteressada ou técnica; b) preparar candidatos ao magistério do ensino secundário e normal; c) realizar pesquisas nos vários domínios da cultura, que constituam objeto de ensino. (BRASIL, 1939). Algumas das Faculdades de Filosofia paranaenses passaram a ofertar cursos de pós-graduação a fim de resgatar, dessa forma, as metas mais avançadas de especialização e pesquisa, mas de modo geral, a função integradora prevista no modelo humboldtiano para elas ficou comprometida. Teixeira (1989) assim entende essa situação: a instituição se nacionalizou tomando como seu parâmetro não as escolas de medicina, mas as de direito, e se fazendo instituições escolares de ensino oral por meio dos livros acaso existentes. Já em 50 somavam-se às dezenas, não passando, muitas vezes, de precárias escolas normais de preparo do professor de nível médio, cujo sistema de ensino entrou em expansão explosiva. (TEIXEIRA, 1989, p.91). Muitas instituições paranaenses, ainda que tivessem sido denominadas de Faculdades de Filosofia, nunca criaram tal curso. Candau (1987) explica tal situação pelo fato de que inexistiram parâmetros para esse tipo de ensino, pois a tradição brasileira era a de escolas profissionais isoladas. A função integradora 3 dessa faculdade não foi aceita pelas demais escolas o que a fez se voltar para os cursos de licenciatura. Como as demais faculdades de filosofia do país, as paranaenses não conseguiram atingir os ideais mais elevados de desenvolverem estudo que embasassem as escolas profissionais e se voltaram para a profissionalização para o magistério. 2 Dessas faculdades, 8 eram de Filosofia, Ciências e Letras, 4 de Direito, 4 de Ciências Econômicas, 2 de Odontologia, 1 de Medicina e 1 de Educação Física. 3 Segundo o modelo humboldtiano, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras deveria ser o órgão central do ensino superior, lócus da formação básica preparatória para as escolas profissionais e espaço propício às inovações

As cidades paranaenses que sediaram as faculdades passaram a ocupar a posição de prestadoras de serviços educacionais para sua região ou microrregião colaborando na implantação dos demais graus do ensino. A vocação educacional das regiões se ampliou e foi pela via da multiplicação de cursos que a expansão destas instituições foi se dando ao longo do tempo. (PARANÁ, 1991, p. 6). O governo federal, ao promover a descentralização do ensino superior para os governos estaduais por meio da lei 5540/68 possibilitou a criação de instituições de ensino superior em outras regiões que não as capitais e destacou a organização universitária como forma privilegiada para a ampliação do sistema de ensino superior brasileiro. Decorrente disso, através da Lei 6.034, de 06 de novembro de 1969, foram efetivadas as universidades estaduais de Ponta Grossa, Maringá e Londrina atendendo às regiões centro-oriental, sudoeste e norte, consideradas pólos de abrangência geoeducacional. A Universidade Estadual Ponta Grossa, UEPG, Universidade Estadual de Maringá, UEM e a Universidade Estadual de Londrina, UEL, foram criadas como fundações de direito público e, após sua instalação instituíram o ensino pago até 1987 já que a Lei 5.540 remetia à instituição a escolha da forma jurídica e possibilitava o ensino pago. A criação das universidades paranaenses, pelo fato de ter se dado na fase da reforma universitária, seguiu a seguinte tendência: os estabelecimentos isolados de ensino superior deverão, sempre que possível incorporar-se a universidades ou congregar-se com estabelecimentos isolados da mesma localidade ou de localidades próximas, constituindo, neste último caso, federações de escolas, regidas por uma administração superior e com regimento unificado que lhes permita adotar critérios comuns de organização e funcionamento (LEI 5.540, art. 8º). A congregação de instituições caracterizou a criação das primeiras universidades estaduais paranaenses permanecendo também quando da criação das universidades de Cascavel Universidade Estadual do Oeste, UNIOESTE - e de Guarapuava - Universidade Estadual do Centro-Oeste, UNICENTRO - no final da década de 1980 e início da década de 1990. Na década de 1970 as recém criadas universidades paranaenses UEM, UEL, UEPG - tiveram de se integrar à política nacional centralizadora e nesse processo a realidade histórica das instituições não foi considerada.

A Reforma Universitária de 1968, fruto do acordo MEC/USAID 4, ensejou a reorganização didática e administrativa para adequação das universidades ao projeto educacional da política vigente que, conforme ressalta Souza (1997) se pautava na idéia do eficientismo técnico-econômico. Foram priorizados os investimentos nas áreas tecnológicas a fim de sedimentar o modelo desenvolvimentista instalado pelo Estado Autoritário. Esses encaminhamentos demandaram a criação de novos órgãos em que proliferaram os setores administrativos. A política centralizadora do governo federal visava o controle por meio da legislação com o respaldo da administração local. A burocratização aumentou e os professores foram excluídos dos centros de decisão. As faculdades ficaram isoladas e a política da universidade passou a corresponder aos objetivos do projeto educacional do regime militar. A racionalidade administrativa no interior das instituições levou ao aumento do controle dos órgãos centrais sobre a vida acadêmica e, no âmbito externo, o controle destas pelos órgãos da administração federal do ensino. (Romanelli, 1989, p. 232). O Conselho Federal de Educação se constituiu numa instância fundamental no contexto dessa cultura de controle e atuou por meio da fixação de Currículos Mínimos dos cursos de graduação. As iniciativas dos órgãos internos da universidade deveriam contar com o aval do Conselho. Em decorrência disso, Guhur (2001), assinala: gerou-se no seio da própria universidade a idéia de que definir opções fundamentais que orientassem suas atividades de ensino, não era de sua alçada, tornando-se qualquer debate a esse respeito inoportuno ou até inútil, uma vez que estavam já prédeterminadas em suas grandes linhas (GUHUR, 2001, p. 174). Ao analisar a atuação dos docentes junto aos colegiados da UEM no período 1976-1979, Guhur definiu seu estilo de coordenação como sendo técnicoadministrativo já que seus integrantes se limitavam ao controle da aplicação das normas internas e externas. Nos anos 80 as universidades paranaenses enfrentaram as dificuldades decorrentes do arrefecimento do panorama econômico do país. Essa década intensificou 4 O acordo MEC/USAID é a fusão das siglas Ministério da Educação (MEC) e United States Agency for International Development (USAID). As medidas impostas pelo acordo atingiam prioritariamente o ensino superior pelo fato dele ocupar posição estratégica no preparo de quadros técnico-profissionais brasileiros alinhados com a política norte-americana.

distorções que vinham de décadas anteriores como a elevação dos juros internos, a incapacidade do Estado de gastar e investir, o atraso tecnológico do parque industrial, as altas taxas de inflação, as oscilações na produção diante dos sucessos e fracassos dos planos de ajustes econômicos. A crise enfrentada veio com o fim do milagre econômico. Essa década, considerada pelos economistas de década perdida, teve de enfrentar os reflexos da euforia que endividou o país e submeteu-o ao FMI. Foi durante ela, também, que cresceu o movimento pela democratização 5. Na primeira metade da década de 1990 iniciaram ações no sentido de reestruturar o sistema estadual de ensino superior, pois estratégias públicas passaram a ser exigidas pelo caráter automatizado dos processos industriais e pela irreversibilidade da mecanização de algumas atividades. Uma retaguarda científica e tecnológica passou a ser solicitada pelo aumento da competitividade sistêmica. O governo de Jaime Lerner (1995-2002) estabeleceu como diretriz a reforma do sistema estadual de ensino superior. Tal posicionamento era correspondente às políticas do governo de Fernando Henrique Cardoso tecidas em duas linhas: por um lado pelo MARE Ministério da Administração Federal e Reforma de Estado - através da reforma do aparelho administrativo e, por outro, pelo MEC Ministério da Educação - por meio da garantia de um arcabouço legislativo-normativo. Ações pulverizadas foram deflagradas pelo governo de Jaime Lerner, dentre elas destacamos a Lei 11.500/96 6 aprovada em agosto que autorizou as IES a prestarem serviços e/ou produzirem bens para terceiros, bem como repassarem aos servidores parte da receita decorrente. O governo seguinte, de Roberto Requião 7 - que se estende até o momento não tem atendido aos apelos do movimento dos servidores de reposição das perdas salariais e vem reduzindo o custeio das universidades. Um dos reflexos da redução orçamentária atinge a contratação de novos docentes para atender às necessidades demandadas pelo aumento de cursos e matrículas, bem como para o preenchimento de vagas abertas em face das aposentadorias, óbitos, 5 A população brasileira derrotou a ditadura militar em 1982 e colocou em marcha a transição para um estado de direito democrático. 6 Disponível em http:///celepar7cta.pr.gov.br. 7 O governador Roberto Requião foi eleito para o período 2003-2007 e reeleito para o período 2007-2010.

desligamentos voluntários e afastamentos. A contratação de professores colaboradores 8 se tornou uma prática natural dos departamentos pedagógicos e colegiados de curso para dar sustentação ao ensino de graduação sem implicar em grandes impactos financeiros. Vários mecanismos têm sido utilizados para geração de receitas envolvendo a prestação de serviços, projetos de cooperação e cursos. O quadro de docentes, além de ser insuficiente diante das atividades que se encontram sob sua responsabilidade, tem sido pressionado para a busca de recursos complementares quer seja para o implemento do orçamento institucional, quer seja para a elevação de seus rendimentos. Essa intensificação do autofinanciamento, a nosso ver, indica um processo de privatização das universidades públicas paranaenses. A organização interna das atividades acadêmicas tem se alterado e vem dando ênfase às áreas tecnológicas e a uma formação mais flexível. A avaliação docente tem se pautado prioritariamente na quantificação das publicações feitas em periódicos indexados, especialmente internacionais. Tais práticas remetem a um segundo plano a necessidade de contribuição efetiva a um problema social relevante. Esse contexto no qual estão inseridos os docentes paranaenses comporta também ações do governo Requião em relação à ida ao exterior de pesquisadores para cursarem pós-graduação, complementarem sua formação ou participarem de eventos científicos, mesmo que tais atividades não demandem custeio do governo estadual. Conforme o estabelecido pelo Decreto 5.098/2005 9, os pedidos de afastamento ao exterior dos servidores das instituições estaduais de ensino superior para participarem de seminários, congressos, simpósios, visitas técnicas e eventos assemelhados, ficam previamente condicionados a: participação no evento limitada a um representante por instituição, ressalvadas as situações de relevante interesse, devidamente justificadas; ter o candidato plano de trabalho ou trabalho científico inscrito e aceito para realização e/ou apresentação no destino/evento; ser o interstício, relativo ao retorno do último afastamento de viagem ao exterior, do servidor, superior a 12 meses, ressalvadas situações de singular importância para a instituição, devidamente justificadas; estar o servidor livre de pendências com a instituição e/ou com apresentação de relatórios e demais compromissos referentes à viagem anterior; 8 Esses professores são remunerados em função da carga horária ministrada em cursos de graduação. 9 Disponível em www.pr.gov.br/casacivil/legislacao.shtml.

ter o servidor apoio de órgãos institucionais de fomento, ou, da entidade promotora do evento, ou, ainda, por programas específicos e com recursos próprios da Instituição, desde que, devidamente aprovado pelo colegiado superior competente; ser o servidor substituído em suas atividades durante o afastamento pelos seus pares, sem ônus adicional para a instituição; estar o período de afastamento solicitado circunscrito à realização do evento e ao tempo necessário para viagem. Os pedidos de afastamento ao exterior dos servidores para realização de estudos de pós-graduação, mestrado e doutorado, licença sabática, estágios de doutoramento ou pós-doutoral, também estão condicionados à concessão de bolsa de estudos por programas institucionais de fomento, substituição pelos pares, sem ônus adicional para a instituição; inexistência de programa de estudos similar no Brasil, na área de concentração pretendida, quando se tratar de afastamento para mestrado. Esses encaminhamentos recentes evidenciam a mudança diretamente ligada à investigação universitária. Alcançar maiores e melhores níveis na formação de nível superior e na produção de conhecimentos é uma condição necessária para reverter a tendência de aumento das desigualdades e atingir patamares mais aceitáveis de desenvolvimento para todos. Para tanto há que se contar com instituições universitárias capazes de cumprir efetivamente com sua tarefa de produzir e difundir conhecimentos, o que tem sido cada vez mais difícil de ser conseguido em face da precariedade das condições em que se encontra o sistema de ensino superior público estadual paranaense. Entendemos que existem impeditivos estruturais, relacionados ao modelo sócioeconômico adotado 10, cuja remoção demanda modificações profundas na economia tanto na política externa quanto interna, e impeditivos institucionais, que se vinculam ao modo pelo qual a situação sócio-econômica vai delineando a base legal e institucional de Ciência e Tecnologia. (Dagnino, 2002). Diante disso, é impossível a não ser que se adote uma postura ingênua - considerar a possibilidade de mudar de modo significativo os reflexos nocivos da globalização num período curto de tempo, assim como também o é acreditar que as alterações que se fazem urgentes serão levadas a efeito espontaneamente por aqueles que são favorecidos pela situação. Também não é por meio de um isolamento daqueles que se encontram numa posição desfavorecida que esse quadro vai se alterar. 10 Para Dagnino, no caso brasileiro, os impeditivos estruturais se referem à sua condição periférica.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL, Decreto-Lei N. 1.190, de 4 de abril de 1939. Dá organização à Faculdade Nacional de Filosofia. Disponível em http:///www.senado.gov.br. Acesso em 22 de maio de 2006. BRASIL, Lei N. 5.540, de 28 de novembro de 1968. Fixa normas de organização do ensino superior e sua articulação com a escola média e dá outras providências. Disponível em http://www.senado.gov.br. Acesso em 20 de maio de 2006. BRAVERMAN, Harry. Trabalho e capital monopolista: a degradação do trabalho no século XX. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1987. CANDAU, Vera Maria Ferrão. Novos rumos da licenciatura. Brasília: INEP,1987. DAGNINO, Renato. A relação pesquisa-produção: em busca de um enfoque alternativo. Revista Iberoamericana de Ciência, Tecnologia, Sociedade e Inovação. n. 3, 2002. GUHUR, Jean Vincent Marie. Projeto político pedagógico dos cursos de graduação: projeto indefinido ou encoberto? Universidade Estadual de Maringá. In: Recortes da história de uma universidade pública: o caso da Universidade Estadual de Maringá. Maringá: Eduem, 2001. PARANÁ. Secretaria Especial da Ciência Tecnologia e Desenvolvimento Econômico. Formação e desenvolvimento da rede estadual de ensino superior do Estado do Paraná: contribuições das instituições de ensino superior (IES) na formação de recursos humanos. Curitiba, 1991. ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da Educação no Brasil (1930/1973). Petrópolis: Vozes, 1989. 11 ed. SOUZA, Paulo Nathanael Pereira de. LDB e ensino superior: estrutura e funcionamento. São Paulo: Pioneira, 1997. TEIXEIRA, Anísio. Ensino Superior no Brasil: análise e interpretação de sua evolução até 1969. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1989.