O papel do significado local na realização da vibrante em onset silábico em Antônio Prado RS e em Porto Alegre RS

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Transcrição:

O papel do significado local na realização da vibrante em onset silábico em Antônio Prado RS e em Porto Alegre RS Raquel da Costa Corrêa 1 Introdução O estudo de Labov (2008 [1972]) sobre a centralização de /ay/ e /aw/ como marcador de identidade local realizado em Martha s Vineyard destaca que falantes com características sociais semelhantes diferem no grau de centralização na medida em que diferem em sua orientação (positiva ou negativa) para o local, Martha's Vineyard. Atualmente os estudos de variação têm se utilizado de estratégias metodológicas complementares, como a etnografia, para dar conta do significado local da variação nos estudos dos padrões de variação e mudança linguística. Eckert (2003), em suas pesquisas sobre a variação como prática social, admite que a linguagem pertence a um sistema semiótico amplo que inclui fatores como roupas, território, gosto musical, atividades e posturas. A realização variável da vibrante em onset silábico e seus significados sociais em Antônio Prado (RS) e em Porto Alegre (RS) representa realidades gaúchas distintas: em Antônio Prado a utilização de vibrante simples em lugar de múltipla representa a identidade relacionada às raízes dos descendentes de imigrantes italianos; em Porto Alegre, apesar do avanço no uso da fricativa velar [X] (BRESCANCINI; MONARETTO, 2008), o uso de vibrante alveolar [r] poderia ter um significado local [+gaúcho, +nativista] que estaria freando o avanço de [X] em onset, que poderia ser bem maior. O presente trabalho é um projeto de tese e segue a linha de investigação da orientação (positiva ou negativa) ao local (LABOV, 2008 [1972]) e seus efeitos na variação e mudança linguística, buscando complementar as pesquisas já realizadas e suprir a ausência de estratégias metodológicas que consigam explicar o significado local que a variável pode ter em cada uma das 1 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Letras da UFRGS, na linha da Sociolinguística, orientada pela Profa. Dr. Elisa Battisti. 560

comunidades de fala Antônio Prado (RS) e Porto Alegre (RS) considerando suas particularidades no cenário rio-grandense. O objetivo geral da pesquisa é verificar os efeitos da orientação ao local na variação e mudança linguística em Porto Alegre (RS) e Antônio Prado (RS). E os objetivos específicos são (1) verificar a frequência geral de realização de vibrante alveolar e de fricativa velar em Porto Alegre (RS) utilizando dados atuais, coletados através do Projeto Língua POA 2, e em Antônio Prado (RS) utilizando os dados do BDSer 3 ; (2) comparar os resultados atuais com os resultados obtidos em pesquisas anteriores realizadas com base nos dados do Projeto VARSUL 4 ; (3) identificar e descrever os efeitos da orientação para o local na variação e mudança linguística em Antônio Prado (RS) e Porto Alegre (RS). A vibrante em onset silábico no Brasil: uma breve delimitação do tema Na posição de onset absoluto, há tanto a produção de fricativas velares quanto a de vibrantes alveolares e tepes. Vibrantes e tepes nessa posição, entretanto, estão relacionadas a fatores sociolinguísticos. Por exemplo, são realizadas por falantes bilíngues descendentes de alemães e italianos em estados como o Rio Grande do Sul e Santa Catarina, em cujas capitais predomina a produção da fricativa velar. Em Porto Alegre, Brescancini e Monaretto (2008) atestam a predominância de fricativa velar, seguida de vibrante alveolar. O mesmo ocorre em Florianópolis, porém na capital catarinense a frequência de uso de fricativa velar é muito maior do que a de vibrante alveolar, que fica bem abaixo de 20%. Em Porto Alegre, a frequência de fricativa velar é menor do que em Florianópolis e 2 O Língua POA é um projeto que objetiva analisar processos fonético-fonológicos variáveis do português brasileiro na comunidade de fala de Porto Alegre, de modo a esclarecer aspectos linguísticos e sócio-históricos que sustentam o emprego das variantes e, assim, contribuir para a descrição do português brasileiro em suas variedades regionais. Está distribuído em quatro zonas da capital gaúcha: Norte, Sul, Leste e Central, sendo dois bairros em cada zona, representando realidades socioeconômicas distintas. 3 Banco de Dados de Fala da Serra Gaúcha é um acervo de entrevistas sociolinguísticas com informantes que habitam os municípios da antiga região de colonização italiana do Rio Grande do Sul (RCI-RS). O acervo é mantido pela UCS (Universidade de Caxias do Sul). 4 O Projeto VARSUL representa a fala de quatro cidades de cada um dos três Estados da Região Sul. No Rio Grande do Sul as cidades são Porto Alegre, Flores da Cunha, Panambi e São Borja. UFPR, UFSC, UFRGS e PUCRS são as universidades mantenedoras do VARSUL. 561

a de vibrante alveolar é maior. Fig. 1: Frequência geral das variantes da vibrante em ataque (onset) em Porto Alegre (RS) e Florianópolis (SC). Fonte: Brescancini e Monaretto, 2008, p. 56. Observando esses resultados e admitindo a ideia de Eckert (2003) de que a linguagem seja parte um sistema semiótico que envolve fatores como roupas utilizadas pelos falantes, território onde vivem, gosto musical, atitudes e posturas, formulamos a hipótese de que a orientação positiva para o local (Porto Alegre-RS) e a atitude de querer parecer mais rio-grandense estaria causando certo refreio ao avanço da produção de fricativa velar na capital gaúcha. O mesmo ocorre em Antônio Prado (RS), onde a realização de vibrante simples (ou tepe) em contextos onde se esperaria a realização de vibrante múltipla demonstra orientação positiva para o local e valorização das raízes italianas. O bilinguismo ativo ainda presente, principalmente na zona rural, reforça o falar marcado por características dos dialetos trazidos pelos imigrantes italianos. O município se apresenta através do slogan Antônio Prado: a cidade mais italiana do Brasil, utilizando-se do artesanato, das roupas, das casas tombadas, das músicas aprendidas com os antepassados, das atividades de lazer e de trabalho cultivadas pelos imigrantes para, através da valorização da italianidade, atrair turistas e fazer jus ao slogan do município através de festas e eventos como a FenaMassa e a Noite Italiana. Pressupostos teóricos Em 1963, Labov mostrou, através da pesquisa sobre a centralização de /ay/, que variáveis fonológicas podem assumir significados locais muito texturizados. A altura do núcleo de /ay/ 562

funcionava como um recurso simbólico de luta pelo destino da ilha de Martha s Vineyard. Quando Labov chegou a Martha s Vineyard o crescimento da quantidade de turistas e de casas de veraneio estava trazendo grandes mudanças para a vida e economia da ilha, e os habitantes da ilha estavam divididos quanto a essa incursão dos falantes do continente. De um lado, pessoas engajadas na economia local de pesca, dominada pelo falar inglês de antigas famílias da ilha, viam a situação como uma ameaça ao controle local da vida e da economia da ilha. Outros viam o comércio de verão como uma oportunidade. A questão do controle do continente versus a cultura tradicional da ilha, então, foi a luta ideológica central na comunidade local. Labov mostrou que a pronúncia de /ay/ era um recurso simbólico dessa luta, como o abaixamento do núcleo veio a ser associado não simplesmente ao continente, mas a implicações locais de uma orientação continental. Os moradores mais envolvidos com a comunidade de pesca local e os jovens que estavam fora e planejavam retornar para a ilha mais tarde estavam resistindo e revertendo esse abaixamento, mostrando um alto índice de elevação. (ECKERT, 2003) Para Eckert (2003) sempre que uma diferença linguística se torna distintiva, os termos dessa distinção são baseados em relações sociais que a cercam. É na interação social do dia a dia que comunidades constroem ideias compartilhadas em si mesmas, nos outros e nas diferenças entre eles. Enquanto um grupo de pessoas não tem razões particulares para se agrupar entre elas, se prestará pouca atenção ao que elas têm em comum e em contraste com outros. Quando certas circunstâncias criam um interesse na diferença e ganham destaque, o significado social da variável pode tornar-se bastante específico. A autora destaca que o significado da variação situa-se no seu papel na construção de estilos e propõe que este papel seja investigado. É o que pretendemos com a presente pesquisa. Para ela, as variáveis não se encaixam em um estilo com um significado específico, mas assumem tal significado no processo de construção do estilo, e isso mostra que esse estilo (como língua) é uma prática em que as pessoas criam significado social, de forma que estilo é a manifestação visível do significado social. A autora diz ainda que a seleção de variáveis para realizar alternâncias de estilo é baseada na interpretação do falante sobre o significado potencial de recursos disponíveis. No caso do estudo de /ay/ e /aw/ na ilha de Martha s Vineyard por Labov, em 1963, a 563

separação continente-ilha e as diferenças dialetais que vêm com a separação fazem desses ditongos recursos estilísticos primordiais para a construção de estilos que incorporam a separação de alguma forma. A comunidade de prática é um local nobre da construção estilística. Cada falante participa de uma variedade de comunidades de prática ou conjunto de pessoas que praticam uma atividade em conjunto uma banda de garagem, uma família, um escritório. A comunidade olha para a paisagem social, interpretando essa paisagem e construindo o seu lugar e posição dentro dela. E o lugar dos indivíduos na comunidade está intimamente relacionado com a sua participação nesse processo de construção. Uma parte importante do processo de construção de significado é a caracterização e avaliação de pessoas e grupos nessa paisagem, e também suas práticas estilísticas. A prática estilística envolve adaptação de variáveis linguísticas disponíveis para a construção de significado social no nível local. Por isso, Eckert (2003) defende um estudo de variação que traça o caminho de uma variável a partir do seu estado geral de disponibilidade para a sua implementação específica, considerando essa abordagem uma inversão da abordagem tradicional de variação, que se concentra em variáveis em virtude do seu papel no sistema dialetal ou na mudança linguística em andamento. Os estudos iniciais e inovadores de variação buscavam padrões de variação em grandes populações, focados em correlações de variáveis linguísticas com as grandes categorias demográficas de classe, sexo e idade. A partir dessa tradição surgiu uma visão do significado social como diretamente associado com determinado por essas categorias. Tem sido comum ver as variáveis como marcação de grupo, ou afiliação com classe e gênero (e diferenças etárias como representação de tempo aparente). Esses padrões demográficos gerais são tanto o resultado como a fonte do significado social na variação, e compreendê-los requer explorar a relação entre significado local e essas distribuições maiores. É o que pretendemos explorar na presente pesquisa, especificamente no que diz respeito à realização da vibrante em onset silábico nas comunidades de fala de Antônio Prado (RS) e Porto Alegre (RS). Partimos da hipótese de que a realização de vibrante simples ( ) em lugar de múltipla (e suas variantes alveolar [r] e fricativas [x] e [h]) em Antônio Prado e a realização de 564

vibrante alveolar em uma comunidade de fala (Porto Alegre) onde a realização de fricativa velar parece estar ocupando um espaço cada vez maior, representa a orientação positiva dos falantes para o local através da construção de significados através da prática estilística. O usuário de vibrante simples em Antônio Prado e o usuário de vibrante alveolar em Porto Alegre parecem utilizar a variação para a construção de um personagem (persona). Nik Coupland (COUPLAND, 1980; COUPLAND, 1985; COUPLAND, 2000) forneceu uma exploração do uso de variação para construir personagens. Seu estudo sobre um disc jockey na rádio Cardiff (COUPLAND, 2000) mostra um falante usando uma variedade de características dialetais, incorporando uma variedade de significados sociais, já que ele se move em um espaço social complexo. Seu uso estratégico de uma gama de características dialetais produz uma persona dinâmica em vez de uma adaptação aos tipos estáticos. Variação, neste caso, é um recurso para incorporar em uma variedade de espaços sociais, que lembra os atos de identidade descritos por Lepage & Tabouret-Keller (LEPAGE; TABOURET-KELLER, 1985). A presente pesquisa pretende investigar de que forma a orientação para o local tem influenciado na variação e na mudança linguística em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, e em Antônio Prado, município de colonização italiana. Metodologia A presente pesquisa sustenta-se essencialmente na Teoria da Variação (LABOV, 2008 [1972]). Os resultados serão obtidos através da Análise de Regra Variável (CEDERGREN; SANKOFF, 1974), utilizando-se da etnografia (SPRADLEY, 1979) e da variação como prática social (ECKERT, 2000) para compreender como questões de orientação (positiva ou negativa) ao local podem estar agindo sobre a variação e a mudança linguística relacionadas ao emprego da vibrante em onset silábico em Porto Alegre (RS) e em Antônio Prado (RS). Os resultados da análise estatística podem levantar questões sobre a difusão das alternantes ou sua estabilidade no sistema. Com o objetivo de elucidar essas questões, realiza-se, inicialmente, a análise do conteúdo das entrevistas sociolinguísticas, obtendo-se informações sobre as práticas sociais (ECKERT, 2000) dos moradores de Porto Alegre (RS), revelando-se o encaixamento social 565

das realizações linguísticas em questão. Em Antônio Prado (RS) estas etapas de pesquisa já foram realizadas no período de Mestrado e serão refinadas ao longo do período de Doutorado. Serão utilizados dados levantados de 32 entrevistas sociolinguísticas de informantes de Antônio Prado, pertencentes ao acervo do BDSer, considerando as seguintes características: 2 gêneros, 2 locais de residência (urbano e rural), 4 grupos etários (15-30; 31-50; 51-70; 71 ou mais anos), 2 níveis de escolaridade (1 a 8 anos, primário a fundamental, e 11 ou mais anos, médio a superior). Em Porto Alegre serão utilizados os dados de 48 entrevistas sociolinguísticas do Projeto Língua POA, sendo dois informantes por célula, estratificados da seguinte maneira: 2 gêneros, 4 zonas de Porto Alegre (Central, Norte, Sul e Leste), 3 grupos etários (20-39; 40-59; 60 anos ou mais). A variável dependente a ser controlada na etapa de Porto Alegre é a realização variável de vibrante alveolar. As variáveis sociais incluem Faixa etária, Zona de residência e gênero. As variáveis linguísticas estão sendo definidas e, provavelmente sejam as mesmas analisadas em Antônio Prado: Posição da sílaba na palavra: inicial (rato, roupa), medial (carro, arroz); Número de sílabas na palavra: monossílaba (rã), dissílaba (rato), trissílaba (terreno) ou polissílaba (rigoroso); Tonicidade da sílaba: tônica (parreira), pretônica (reúna), postônica (terra). Referências BRESCANCINI, C.; MONARETTO, V. O. Os róticos no Sul do Brasil: panorama e generalizações. Signum: Estudos Linguísticos, Londrina, n.11/2, p.51-66, dez. 2008. CEDERGREN, H.J.; SANKOFF, D. Variable rules: Performance as a statistical reflection of competence. Language, v. 50, n. 2, Jun. 1974. p. 333-355. COUPLAND, N. Language, situation and the relational self: theorizing dialect-style in sociolinguistics. Stylistic variation in language. P. Eckert and J. Rickford. Cambridge: Cambridge University Press, 2000. ECKERT, P. Linguistic variation as social practice. Malden/Oxford: Blackwell, 2000. ECKERT, P. The meaning of style. Stanford: Stanford University, 2003. 566

LABOV, W. Padrões sociolinguísticos. São Paulo: Parábola, 2008. LABOV, W. Principles of linguistic changes: cognitive and cultural factors. Malden/Oxford/West Sussex: Wiley-Blackwell, 2010. LE PAGE, R. B.; TABOURET-KELLER. Acts of identity. Cambridge: Cambridge University Press, 1985. MONARETTO, V. O. A vibrante: representação e análise sociolingüística. Dissertação (Mestrado) Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1992. MONARETTO, V. O. O status fonológico da vibrante. Letras de Hoje, v. 29, n.4, p.153-157, 1994. MONARETTO, V. O. Um reestudo da vibrante: análise variacionista e fonológica. Tese (Doutorado em Linguística) Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1997. SPRADLEY, J. P. The ethnographic interview. New York: Holt, Rinehart and Winston, 1979. 567