AS MOLDAGENS Em GESSO E SUA CONSERVAÇÃO A conservação de acervos museológicos é uma das grandes preocupações que se abrem hoje no campo da preservação de bens culturais. Com foco nesta questão, destacamos os bens culturais que representam a coleção de esculturas de precioso valor para o ensino das artes visuais adquiridas no período da Academia por influência da missão Francesa no Brasil. Estas obras encontram-se em sua maioria, localizadas no MNBA e outra parte no Museu D.João VI-EBA e são constituídas por moldagens em gesso da Antiguidade greco-romana ao Renascimento. Pois bem, pensando na preservação destas obras enquanto bem cultural e como referência para o ensino das artes visuais nos dias atuais. Apresentamos neste trabalho algumas considerações sobre o estado de conservação destas moldagens ao analisar alguns fatores que podem influenciar e comprometer seu aspecto estético e formal, quando apontamos algumas questões físicas e funcionais sejam elas provocadas pelo edifício museu, que ao mesmo tempo em que protege pode degradá-la, seja pelo ambiente (o lugar onde se encontra), por intenções ou intervenções inadequadas. Destacamos como exemplo no final de nossa exposição o processo de conservação e restauração de moldagem que atualmente passa por procedimentos de intervenção devido a intenções e intervenções inadequadas. A conservação de obras de esculturas em gesso Na conservação e restauração de esculturas, neste caso em gesso, precisamos estar atentos à especificidade do estudo que envolve não só o caso em análise, mas todo e qualquer bem material que entrará em processo de conservação e restauração, pois uma ação equivocada pode levar a uma perda irreparável à história do patrimônio. Segundo Marilúcia Bottalo I, quando se desenvolve uma ação com a intenção de preservação, devemos compreender os aspectos materiais e construtivos da obra, contudo, devemos considerar seus atributos, significados e simbologia. Pois é no aspecto imaterial que, muitas vezes, se justifica a conservação de objetos que não são valiosos somente por sua forma de confecção ou pela preciosidade de seus componentes. Desta forma Botallo afirma que para manter a integridade da obra é preciso estar comprometido com a sua essência, sendo este aspecto que a torna original e diferente em relação a qualquer outra obra. Conservar para não restaurar é um dos primeiros objetivos que se deve ter em mente, ao pensar na preservação de bens culturais. Deste modo evita-se a intervenção maior nos valores estéticos e históricos da obra. Mas quando não é possível a concretização de tal objetivo, realiza-se a restauração, com a finalidade de trazer a unidade figurativa da obra, desde que isso seja possível sem cometer um falso artístico ou um falso histórico, e sem cancelar nenhum traço da passagem da obra de arte no tempo (Brandi, 2004) II. Este tratamento deve se limitar ao mínimo necessário que garanta a estabilidade estrutural do objeto, sem causar quaisquer alterações físicas, químicas ou formais desnecessárias (Schäfer, 2006) III. Segundo consta no código de ética do conservador-restaurador (1978), a conservação-restauração, 136
seria o conjunto de práticas específicas, destinadas a estabilizar o bem cultural sob a forma física em que se encontra, ou, no máximo, recuperando os elementos que o tornem compreensível e utilizável, caso tenha deixado de sê-lo (ECCO, Duvivier, 1998) IV. Para tais ações o conservador-restaurador deve estar sujeito a um Código Ética e Deontológico da profissão que nunca deve ser ignorado, pelo contrário, deve ser sempre aplicado em cada intervenção de Conservação e Restauro de obras de arte, independentemente do seu valor artístico, histórico ou cultural. Para a intervenção de conservação consciente em obras de escultura em gesso é preciso compreender os vários aspectos que envolvem a construção da obra e de seus acabamentos, ou seja, seus materiais e técnicas, compreendendo a obra de escultura na sua totalidade. Desta forma podemos criar metodologias adequadas para intervir na obra, que no caso em análise seriam ações de conservação seguindo as seguintes etapas: identificação da obra, análise do estado de conservação, proposta de tratamento e intervenção de conservação. Sob esta perspectiva destacamos certos aspectos que nos parecem fundamentais para a conservação de obras em espaços museus que contem esta tipologia, quando pensamos na integridade física e visual das mesmas. Outros aspectos a considerar na análise do estado de conservação de acervos escultóricos. Verificase na Declaração do México / Conferência Mundial sobre as Políticas 1985 que: O Patrimônio Cultural tem sido freqüentemente danificado ou destruído por negligência e pelos processos de urbanização, industrialização e penetração tecnológica. Ainda mais inacreditáveis são os atentados ao Patrimônio Cultural perpetrados pelo colonialismo, pelos conflitos armados, pelas ocupações estrangeiras e pela imposição de valores exógenos. Todas essas ações contribuem para romper o vínculo e a memória dos povos em relação ao seu passado. A preservação e o apreço pelo Patrimônio Cultural permitem, portanto, aos povos defender sua soberania e independência e, por conseguinte, afirmar e promover sua identidade cultural. Ao destacar a necessidade de preservação do patrimônio cultural e observar em especial os acervos museológicos, que o estado de conservação destes bens sofre a influência das condições físicas e funcionais dos edifícios e dos lugares onde se encontram, ou seja, podem alterar os bens culturais (obras de arte) extrínseca e intrinsecamente. O fato das obras de arte em museus sofrerem a influencia de aspecto físicos e funcionais do edifício e do lugar está na relação da mesma com a arquitetura V. Segundo Montaner no interior de museus podemos observar esta relação nos seguintes elementos: repertórios tipológicos (estilo do edifício e adequação espacial); a ordenação espacial (a distribuição formal e funcional da planta para a percepção do espaço das obras); a materialidade de fundo (leitura dos elementos que compõem o espaço interior, como piso, tetos e paredes e a relação com as obras expostas); iluminação (tipo de iluminação, artificial e natural e sua influência sobre a obra) suportes (relacionam-se com os objetos que estão sendo expostos e ao mesmo tempo, convertem-se em outro tipo de peça de valor artístico, colocando-se num nível intermediário entre a arquitetura do edifício e a identidade de cada peça (Montaner, p. 40) VI. Outro tema arquitetônico que devemos considerar para este estudo é a circulação, ou os percursos, que são as possibilidades e as aberturas para a movimentação do público no sentido da apreensão e fruição da obra. No caso da relação da influência do lugar, ou seja, do ambiente/espaço externo, o meio onde está inserido o edifício, devemos observar a influência de aspectos climáticos, culturais, tecnológicos e históricos. Tais aspectos devem considerados nesta análise, pois segundo Amorim (2008, s/p) VII : 137
a obra de arquitetura é inseparável de seu entorno, não apenas na sua dimensão física, mas também conceitualmente: a arquitetura pode ser concebida somente a partir de sua localização num sítio concreto. Afirmamos que os aspectos acima atuam de igual forma nas obras escultóricas no interior do edifício. Entre os aspectos apresentados, o estudo do aspecto climático é de fundamental importância, pois este aspecto contém os fatores responsáveis pelas alterações físico/química e estéticas no corpo da obra observada. Nesse sentido destacamos fatores/elementos que devem ser considerados: Fatores climáticos globais: radiação solar, altitude, latitude, ventos, massa de água e terra. Elementos do clima: temperatura, umidade do ar, precipitações, movimento do ar. Elementos do clima a serem controlados. Clima urbano, ilha de calor, poluição ambiental (Amorim, 2008, s/p). Verifica-se, portanto, que a obra de arte por meio da forma, texturas e suporte, influencia e é influenciada diretamente pela composição do ambiente, tanto no espaço interno como no externo. Deste modo percebemos que a integridade da condição física e estética da obra de arte é de fundamental importância para a relação que se estabelece com os espaços para os quais foi ou não projetada. Nesse sentido, ressaltamos a seguir alguns pontos para conduzir a análise do estado de conservação de acervos escultóricos em museus, quando influenciados por estes aspectos/fatores. Sejam: Identificação da obra/acervo, compreender a importância de aspectos como: Contexto histórico da obra aspectos políticos, culturais, sociais, políticos e econômicos (como surgiu a idéia? Para que seria utilizada? A que público atenderia? Como era o local onde foram alocadas? Técnica construtiva Compreensão do processo utilizado na sua criação. Local onde se encontram as obras/acervo (prédio onde estavam/estão alocadas as mesmas): Espaço/ambiente interno: aspectos físicos e funcionais (Prédio) na relação com a obra; Espaço/ambiente externo: influência do entorno, no prédio e conseqüentemente nas obras. Análise do estado de conservação de Moldagens no Museu D. João VI e Museu Nacional de Belas Artes. Na Identificação das obras/acervo, destacamos:... as moldagens são representações das melhores e mais conhecidas obras de arte da cultura ocidental, reconhecidas por todo o mundo das artes plásticas. Abrangem a arte greco-romana, o renascimento, notadamente o italiano, tendo também obras do aleijadinho, representação maior do barroco brasileiro. Entre essas obras de arte temos a Vênus de Milos, O Lacoonte, o Escravo de Michelangelo, a Vitória de Samotrácia e outros símbolos da história Universal Souza (1985) VIII. Contexto histórico da obra/acervo: aspectos políticos, culturais, sociais, políticos e econômicos... Como surgiu a idéia? A coleção de moldagens da estatuária clássica, a mais interessante do acervo ainda existente na Escola Nacional de Belas-Artes, foi difícil e laboriosamente constituída graças à convicção neoclássica da Missão francesa de 1816, e de seus discípulos imediatos. A justa e sincera admiração daqueles ilustres-mestres pela arte do Mediterrâneo, a necessidade de usá-la como fonte única de estudos e de inspiração, levou-os a uma doutrina pedagógica muito rígida, no ensino ministrado na Academia Imperial das Belas-Artes. (ARQUIVO ENBA, 1957). 138
Atualmente estão localizadas na Escola de Belas-Artes e no Museu Nacional de Belas Artes, devido ao deslocamento da escola para a cidade Universitária (Ilha do Fundão), parte destas obras ficou no MNBA e outra parte foi transferida para o Museu D. João VI. As moldagens em gesso... Para que seria utilizada? A que público atenderia? Foram utilizadas como fonte do ensino nas aulas de desenho/modelagem na ENBA, atendendo ao corpo docente e conseqüentemente ao discente. Como era o local onde foram alocadas? (momento de criação do edifício) Em relação ao local, no interior, as obras foram alocadas nas galerias internas do segundo piso dentro de nichos, segundo projeto do arquiteto Morales. No exterior devemos observar como era o entorno da Escola Nacional de Belas Artes, através de imagens ou documentos escritos de modo a observar comera o trânsito, fluxo de pessoas, prédios no entorno, entre outros fatores. Técnica construtiva As obras em análise representam esculturas em gesso executadas através de moldagem direta sobre obras já construídas/representadas. Após o processo de moldagem, estas obras apresentam-se com as marcas/impressões das uniões chamadas de tasselos/tasselos, onde temos o molde dividido em partes, que posteriormente são unidos e da forma a cópia/moldagem. O estado de conservação moldagens em gesso MNBA/ MDJ VI Como as obras se apresentam hoje?... Apresentam que tipo de alterações?... MNBA MDJ VI Imagem 6. Pequeno Ídolo Sujidade e rachaduras Foto: Benvinda de Jesus Imagem 7. Lacoonte Sujidade e intervenção inadequada Foto: Benvinda de Jesus 139
Quais são ou podem ser as causas destas alterações (aspectos a considerar em relação edifício e ao lugar) MDJ VI atual Local - onde se encontram as obras (prédio onde estão alocadas as mesmas) Imagem 9. Interior museu. Foto: Acervo museu Imagem 8. Interior- acesso ao museu. Foto: Benvinda de Jesus Espaço/ambiente interno: Considerar as mudanças ou alterações de local dos acervos, bem como, reformas, colocação de ar condicionado, paredes, estantes, pedestais, circulação de pessoas, iluminação, entre outros aspectos. O museu D.João VI foi transferido do segundo andar para o sétimo andar no ano de 2008, no mesmo prédio da Reitoria Cidade Universitária, onde se localizava. Houve mudanças museográficas e expográficas, pois este fato poderá ou não alterar a obra física ou esteticamente. Portanto deve-se considerar este aspecto na avaliação. Espaço/ambiente externo: No museu D. João VI, temos a influência do entorno como mar, agentes biológicos (podem ser levados pelos ventos) e em conjunto com a poluição entram ou podem entrar pelas janelas, frestas, aberturas e vão se depositar sobre o acervo. Devemos considerar as mudanças (espaciais) e alterações quando o museu foi instalado na Cidade Universitária no segundo andar e sua posterior transferência para o sétimo andar. Observar o fluxo de automóveis, a vegetação, outros fatores a que também podem ou poderão alterar física e esteticamente a obra. MNBA Atual Local - onde se encontram as obras (prédio onde estão alocadas as mesmas) 140
Imagem 10. Galerias de moldagens. Foto: Benvinda de Jesus Espaço/ambiente interno: Analisar a iluminação natural e artificial, as aberturas, janelas, clarabóias, a circulação em torno das obras, a circulação, o deslocamento das obras, a mudança de suporte, o plano de fundo, temperatura interna, umidade relativa, entre outros aspectos. Espaço/ambiente externo: No caso do Museu de Belas Artes, observar a influência do mar, clima, fatores biológicos, e, sobretudo a poluição e as trepidações causadas pelos dos automóveis leves e pesados, entre outros fenômenos que alteram o acervo cientificamente a obra. Exemplo do processo de conservação e restauração de moldagens Imagens do processo de conservação e restauração de moldagem (MDJ VI) que passam por procedimentos de intervenção, devido a intenções e intervenções inadequadas. Imagem 11. Alterações estético-formais e Intervenção de conservação e restauração. Foto: Benvinda de Jesus Considerações finais Diante dos problemas que colocam constantemente em risco nosso patrimônio, verifica-se que as ações de identificação, diagnóstico e a conseqüente implementação de medidas de conservação 141
desconsideram a influência do edifício e dos lugares onde os bens culturais estão localizados. Como é o caso dos acervos escultóricos em museus. Deve-se assim compreender que a arquitetura IX propicia as possibilidades de apreensão das obras de arte. Ao criar um ambiente apropriado, a museologia e a museografia, procuravam relacionar a arquitetura com os objetos, neste sentido se dá a influência dos aspectos aqui propostos e expostos. No trabalho exposto apontamos alguns aspectos que achamos fundamentais, e, que devem estar presentes e incluídos na avaliação do estado de conservação para posterior intervenção no objeto, contribuindo para a preservação destes bens culturais em museus. Pois bem, este trabalho é apenas o início de um caminho a ser percorrido no sentido de preservação da obra de arte em museus, com enfoque em obras de esculturas. é doutoranda do Programa de Pós Graduação em Arquitetura da UFRJ, possui Mestrado em arquitetura na área de restauração e gestão do patrimônio - bens integrados artísticos pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atualmente é restauradora do Museu D.João VI e professora de graduação do curso de conservação e restauração da Escola de Belas Artes - Universidade Federal do Rio de Janeiro. - Conservação e restauração da Escola de Belas Artes - Universidade Federal do Rio de Janeiro. Notas finais I. BOTALLO, M. Ética e preservação. Boletim Abracor, v. 5, n. 2-3, p. 3-5, mar/ago.1998. II. BRANDI, C. Teoria da restauração. São Paulo. Ateliê Editorial. 2004. III. SCHÄFER, Sthefan. O desencontro entre os princípios éticos e a prática de restauro uma questão de (pré) conceitos e de formação Profissional? (XII Congresso ABRACOR, Fortaleza, 2006). IV. ECCO, DUVIVIER, E. M. A, Código de Ética: um enfoque preliminar, in: Boletim da Associação Brasileira de Conservadores-Restauradores de Bens Culturais - ABRACOR, Ano VIII, N. 1 - Julho/1988, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. V. realiza o papel de um poder mediador, porque, enquanto espacialidade, ao mesmo tempo em que dá forma, ela situa algo no espaço, abrangendo não só as formas pertinentes a essa organização, inclusive o ornamento, mas também em essência ela é decorativa, se pensarmos no espaço urbano onde ela está inserida. A modificação da paisagem, em função da obra, passa por um processo de melhoria, decorativismo ou embelezamento. [...] isso vale para toda a decoração, da urbanística ao menor ornamento (BARROS apud OLIVEIRA, 2010, p.235). VI. MONTANER, J. M. Museu contemporâneo: lugar e discurso. In Projeto, nº 144, São Paulo, 1991, p. 34-41. VII. AMORIM, C. N. D. Estudos ambientais bioclimatismo na arquitetura e no urbanismo: plano de curso da disciplina Estudos Ambientais Bioclimatismo. 2 Semestre de 2008. Disponível em: http://e-groups.unb.br/fau/ planodecurso/graduacao /22008/ EstudosAmb.pdf. Acesso em: 02 de set. de 2010. VIII. DIAS, M. G.; GUIMARÃES, A. H. M. Projeto para tombamento e conservação das moldagens das galerias do segundo piso do Museu Nacional de Belas Artes. Rio de Janeiro: [s.n.], 2008. IX. (a arquitetura) realiza o papel de um poder mediador, porque, enquanto espacialidade, ao mesmo tempo em que dá forma, ela situa algo no espaço, abrangendo não só as formas pertinentes a essa organização, inclusive o ornamento, mas também em essência ela é decorativa, se pensarmos no espaço urbano onde ela está inserida. A modificação da paisagem, em função da obra, passa por um processo de melhoria, decorativismo ou embelezamento. [...] isso vale para toda a decoração, da urbanística ao menor ornamento (BARROS apud OLIVEIRA, 2010, p.235). 142