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Transcrição:

AS VIBRANTES NA FALA DE AMERICANOS APRENDIZES DO PORTUGUÊS (VIBRANTS USED IN THE SPEECH OF A GROUP OF AMERICANS LEARNERS OF PORTUGUESE) Alessandra DUTRA (Universidade Estadual de Londrina) ABSTRACT: In this work, we investigate the vibrants used in the speech of a group of Americans learners of Portuguese who live in the North of Parana. To study the variation in these American learners speech, we analyze the linguistic and extra linguistic conditioning factors. KEYWORDS: phonetic variation; vibrants; linguistic and extra linguistic conditioning factors. 0. Introdução Aprender uma segunda língua constitui uma tarefa bastante complexa, pois o aprendiz se depara com um amplo conjunto de estruturas diferentes de sua língua materna. E, co mo mostram as pesquisas, a língua materna apresenta muita influên cia na aprendizagem de uma outra língua. Estudiosos como Lado (1957), Mascherpe (1970) e Broselow (1984) afirmam que o indivíduo ao aprender uma língua estrangeira é levado a transferir para a língua a ser aprendid a caract erísticas do sistema lingüístico de sua língua nativa tais como: fon emas e seus alofones, padrões de acento e rit mo, entoação e interação co m out ros fonemas. Percebemos esse fato quando um falante nativo da Língua Portuguesa apresenta dificuldade ao pronunciar a fricativa interdental surda [Π] e a fricativa interdental sonora [ ] da Língua Inglesa, em palavras como think [ ΠΙΝ κ] e mother [ µ ε], pois estes sons não existem no qu adro de consoantes do portugu ês, fazendo com que o aprendiz empregue [s] ou o [t] at é que ele des envolva a habilidade para pronunciar esses sons. Já um falante nativo da língua inglesa, no início de seu aprendizado da língua portuguesa tende a realizar a lateral alveolar /l/ em final de sílaba, sal [ σαr] e salta [ σαrτ α], enquanto os falantes do português brasileiro, exceto em algumas regiões como o extremo sul do país, vocalizam o /l/, sal [ σαω] e salta [ σα ωτ α]. Nesta pesquisa, investigamos o uso variável das vibrantes na fala de americanos nativos do inglês aprendizes do português. Pressupondo serem essas variações condicionadas por fatores lingüísticos e extralingüísticos, investigamos os seguintes contextos lingüísticos: início de sílaba precedendo vogal em início de vocábulo - rosa [ ζα], redondo [Ρεδο δυ]; precedendo vogal em grupo consonantal em início e meio de vocábulo - prata [ πρατα], retrato [ηε τ ατυ]; em início de sílaba precedendo vogal em meio de vocábulo - sereja [σε εζα], correio [κο ΡεΙυ]; pós-vocálica medial - porta [ π τα], carta [ καρτα] e pós-vocálica fin al - cantar [κα τα ], falar [φα λαρ ]. Tod avia, devido a disponibilidade de espaço em u ma comunicação, trataremos apenas dos contextos: início de sílaba precedendo vogal em Estudos Lingüísticos XXXIII, p. 477-482, 2004. [ 477 / 482 ]

início de vocábulo e precedendo vogal em grupo consonantal em início e meio de vocábulo. Dos fatores extralingüísticos destacamos - sexo, faixa etária e estilos de linguagem que favorecem as variantes características da língua portuguesa ou determinam a resistência de variantes próprias da língua materna (inglês). 1. Procedimentos metodológicos 1.1. Os informantes Nossos dados foram obtidos de um grupo constituído por 11 americanos falantes nativos da língua inglesa e falantes do português como segunda língua, residentes em Londrina, região norte do Paraná. Tendo em vista nossa percepção de que os fenômenos fonético-fonológicos estudados se apresentam de modo diferente na fala dos informantes, de acordo co m a idade, agrup amos os informantes em três fai xas etárias: de 45 a 65 anos; de 35 a 45 anos e de 15 a 22 anos. 1.2. O instrumento de coleta de dados Elaboramos nosso instrumento de coleta de dados em quatro partes, de forma que os informantes pudessem produzir vários estilos de linguagem e, assim, pudéssemos estudar a fala dos informantes tanto em um contexto formal quanto informal. Optamos, então, pela organização de coleta de dados proposta por Labov (1972: 79-89), na qual ele afirma que o instrumento de coleta de dados elaborado e dividido dessa maneira permite ao pesquisador coletar os mesmos fenômenos em vários estilos de linguagem. A primeira parte do instrumento para a pesquisa de campo se caracterizou por uma conversa espontânea com os informantes. A segunda constituiu-se de um questionário dirigido com 59 perguntas, buscando elicitar itens nos quais os falantes nativos do inglês pudessem apresentar di ficuldades na realização das vibrantes. As primeiras 41 perguntas foram elaboradas através de assuntos diversos e as demais versaram os campos semânticos da natureza e partes do corpo. Na terceira parte do instrumento de coleta de dados, foi proposto aos informantes que lessem dois textos escolhidos previamente pelo pesquisador, sendo um deles a música João e Maria Chico Buarque de Holanda e o outro a fábula A raposa e as uvas de Monteiro Lobato. Na parte final do instrumento, foi solicitado aos aprendizes do português que lessem uma lista de 72 palavras contendo verbos no infinitivo plural de nomes, plural de verbos, ditongos, verbos no gerúndio e diversos substantivos. Esta lista também contou com 24 pares de palavras como milha / minha, novo / nova. 1.3. O recurso utilizado na entrevista Na realização da entrevista utilizamos o gravador digital SONYMD walkman no intuito de garantir fidelidade e precisão durante os registros da coleta de dados, pois, além da alta qualidade de som que ele apresenta há a possibilidade de se reproduzir palavras ou sons em faixas, podendo ouvi-las de modo repetido ou aleatório. Estes Estudos Lingüísticos XXXIII, p. 477-482, 2004. [ 478 / 482 ]

recu rsos trazem ao inquiridor maior rapidez, facilidade, rigor e g arantia d e seguran ça nas atividades de transcrição fonética 1. 1.4. Transcrição e registro dos dados A transcrição fon ética dos dados foi realizada co m o auxílio de u m programa de computador chamado Speech Analyzer (analisador de fala). Para a utilização deste recurso, foi necessário transportar os dados gravados no aparelho SONYMD walkman para um CD-room. Devido à quantidade de informações, editamos os dados num outro programa chamado Sound Forge e só então se pode analisar no programa Speech Analyzer. 2. O uso das vibrantes As vibrantes apresentam diversas realizações fonéticas na língua portuguesa e, ao qu e parece, também em muitas outras línguas cujos traços articulatórios não são bem evidentes, o que leva os estudiosos, muitas vezes, a classi ficações divergentes em relação a certas articulaçõ es. Tendo em vista os vários matizes fonéticos encontrados nas vibrantes e pouca relevância de certos nuances fonéticos para nossa pesquisa, propomos, neste trabalho, uma classificação de modo a dar conta do uso variável das vibrantes, considerando apen as as realizações qu e resultam em diferenças b em marcadas no português do grupo de americanos pesquisado em relação ao português de falantes nativos do Brasil. Desse modo, consideramos, em nossa análise, a vibrante alveolar simples (o tepe), a vibrante alveolar retroflexa e, sob a denominação vibrante posterior, as realizações vibrante múltipla velar, fricativa velar e fricativa glotal. A retroflexa ocorre em final de sílaba no português falado em uma grande extensão territorial do Brasil particularmente no interior de São Paulo e norte do Paraná -, aparecendo raramente entre vogais e em início de palavra e não aparece em grupos consonantais. Já, na língua inglesa, ocorre em grupos consonantais, entre vogais e em início e final de vocábulo. Mascherpe (1970) considera a retro flexa co mo u ma semivogal alveolar que apresenta muitas realizações fonéticas. Ele afirma que, em alguns dialetos americanos, essa variante não é produzida depois de vogal. A nosso ver, essas diferen ças estruturais silábicas em qu e a retro flexa ap arece na língua inglesa, podem ter influência no que se refere a permanência dessa vibrante em estruturas silábicas da língua po rtuguesa em qu e ela normal mente não ap arece. O tepe ocorre entre vogais e em grupos consonantais em todas as variedades do português brasileiro, realizando -se em fin al de sílaba algu mas v ezes. N a língua inglesa, os fonemas /τ/ e /δ/ são produzidos como tepe em alguns vocábulos em posição intervocálica e em final de vocábulo precedido de vogal. Essa consoante é chamada no inglês de flapped /ρ/. As vibrantes posteriores 2 apresentam distribuição diversifi cada: a vibrante 1 Ver pesquisa de campo do projeto do Atlas Lingüístico do Brasil ALIB-PR. 2 Embora o modo de articulação das posterior es, na maioria das vezes, seja fricativo, por questão de simplificação da denominação, continuaremos chamando de vibrante essas Estudos Lingüísticos XXXIII, p. 477-482, 2004. [ 479 / 482 ]

velar ocorre em posição pré-vo cálica em início e meio de vocábulo, as fricativas vel ares e glotais podem aparecer em posição pré e pós-vocálica, conforme variedades lingüísticas regionais do português brasileiro. Na língua inglesa, a fricativa glotal aparece em posição pré-vo cálica, e é geral mente desvozeada, embora uma realização vozeada pode ser ouvida ent re vogais em palavras como ahead. Não encontramos registros da vibrante velar e da fricativa velar no sistema fonético fonológico do inglês. 2.1. Posição pré-vocálica em início de palavra Em posição pré-vocálica em início de vocábulo realizam-se, no português do grupo de falantes pesquisado, as variantes retroflexa, rosa [ ζα], tepe, redondo [Ρε δο δυ], e posterior, rato [ ηατ Υ]. O conhecimento de que, na língua portuguesa, apenas as articulaçõ es posteriores ocorrem em posição pré-vo cálica em início de vocábulo, já foi totalmente assimilado pelas faixas etárias mais jovens, que realizam categoricamente a variante posterior. Já, na faixa etária mais velha, embora haja predomínio da posterior (50%), depreendemos a retroflexa (31,08%) e o tepe (18,92%). (ver tabela 1). Tabela 1 - Uso das vibrantes em posição pré-vocálica em início de vocábulo de acordo com três faixas et árias: VIBRANTES 1ª FAIXA 2ª FAIXA 3ª FAIXA Retroflexa 23 (31,08%) 0 0 Tepe 14 (18,92%) 0 0 Posterior 37 (50%) 46% (11 %) 51 (100 %) Total 74 (100 %) 46 (100 %) 51 (100 %) Antes de apresentar os resultados sobre o uso das vibrantes em posição prévocálica em início de vocábulo de acordo com os estilos de linguagem, é preciso comentar que, tanto em início de vocábulo quanto em grupos consonantais, consideramos relevantes somente os dados da 1ª faixa etária. Os estilos de linguagem 3 são relevantes em relação ao uso da retroflexa e do tepe: os índices de uso da retroflexa diminuem gradativamente a medida em que os estilos de coleta de dados se tornam mais formais - exceto o de leitura de pares de palavras e os do tepe e da posterior, ao contrário aumentam exceto também no estilo de leitura de pares de p alavr as. (v er t abela 2). articulaçõ es. 3 Na pesquisa variacionista, considera-se a leitura de pares de palavras semelhantes um estilo mais formal de linguagem do que a leitura de texto. Neste, embora o falante se preocup e co m a homogenei zação de u ma linguagem, ele não percebe qu ais aspectos estão sendo observados, já naquele estilo, o pesquisador permite ao falante refletir/av aliar sua fala. (Labov, 1972 ). Estudos Lingüísticos XXXIII, p. 477-482, 2004. [ 480 / 482 ]

Tabela 2 - Uso das vibrantes em posição pré-vocálica em início de vocábulo, de acordo com quatro estilos de linguagem. Estilos de VIBRAN TES Linguagem retroflexa tepe posterior Total Espontâneo 13 (64,42%) 2 (10,53%) 4 ( 21,05%) 19 (100%) Dirigida 4 (19,04%) 3 (14,28%) 14 (66,66%) 21 (100%) Leitura de texto 2 (11,11%) 5 (27,77%) 11 (61,11%) 18 (100%) Leitura de pares 4 (25%) 4 ( 25%) 8 (50%) 16 (100%) 2.2. As vibrantes em grupos consonantais Em grupos consonantais em que a vibrante é a segunda consoante na língua portuguesa, realiza-se normalmente o tepe (Cristófaro Silva, 2001). No entanto, no português falado pelo grupo de americanos pesquisado, co-ocorrem em grupos consonantais as variant es retro fl exa, retrato [ηε τ ατυ], e tepe, prata [ πρατα]. E m grupos consonantais diferente do que acontece com as vibrantes em posição prévocálica em início de vocábulo, contexto em qu e a retro flexa só aparece n a fala dos informantes da fai xa etária mais velha encontra-se essa variant e nas três fai xas etárias, embora haja predomínio do tepe. Os resultados mostram redução gradual nos índices de ocorrência da retroflexa, da fai xa etária mais velha para a mais jovem, e el evação, também gradual, dos índices de uso do tepe, da faixa etária mais velha para a mais jovem (ver tabela 3). Tabela 3 Uso das vibrantes em grupos consonantais Vibrantes 1ª FAIXA 2ª FAIXA 3ª FAIXA Retroflexa 91 (37,45%) 12 (7,59%) 9 (5,08%) Tepe 152 (62,55%) 146 (92,11%) 168 (94,22%) Total 243 (100 %) 158 (100 %) 177 (100 %) Os resultados referentes ao uso das vibrantes em grupos consonantais de acordo co m os estilos de linguagem na 1ª faixa etária indicam a mes ma tendênci a do desse fenômeno em início de vocábulo, ou seja, a medida em que os estilos vão se tornando mais formais há uma redução dos índices de uso da retroflexa exceto na leitura de pares de palavras e uma elevação nos índices referentes ao uso do tepe exceto, tamb ém, n a leitura d e p ares de palav ras. (v er tabel a 4). Tabela 4 - Uso das vibrantes em grupos consonantais de acordo com quatro estilos de linguagem na 1ª faixa etária. Estudos Lingüísticos XXXIII, p. 477-482, 2004. [ 481 / 482 ]

Estilo de Articulação d as vibr antes linguagem [Ρ] [ ] Total Espontânea 32 (43,83 %) 41 (56 %) 73 (100 %) Dirigida 57 (67,85 %) 28 (32,09 %) 85 (100 %) Leitura de texto 42 (75%) 14 (25%) 56 (100%) Leitura de Pares 21 (72,41 %) 8 (28,64 %) 29 (100%) 3. Considerações finais A análise das vibrantes desenvolvida n a presente seção p arece mostrar que os falantes aprendizes de uma segunda língua lidam com uma diversidade de fatores lingüísticos e extralingüísticos tanto favorecedores quanto inibidores do processo de aprendizagem. Nossa análise parece ter demonstrado que: a) estruturas diferentes da língua materna influenciam no sentido de preservar tais marcas na língua em aquisição; b) os contextos em que são permitidos o uso de fonemas na língua inglesa, condicionam o uso desses mesmos fonemas no português - em posição pré-vocálica em início de vocábulo rato [ ατυ], e em grupos consonantais prato [ π ατυ] e c) fatores ext ralingüísticos como a idad e e os estilos de linguag em foram d eterminant es na aprendizagem do português pelo grupo de americanos pesquisado. RESUMO: Neste trabalho, investigamos as vibrantes na fala de um grupo de americanos aprendizes do português situados no norte do Paraná. Para dar conta da variação presente na fala desses americanos, analisamos os fatores condicionadores lingüísticos e extra lingüísticos. PALAVRAS-CHA VE: variação fonética; vibrantes; condi cionadores lingüísticos e extra lingüísticos. REFE RÊNCIAS BIBLIOG RÁFICA S BROSELOW, Ellen. Uma investigação sobre transferência em fonologia de segunda língua. IR AL, vol XXII/4, nov. 1984. LABOV, William. Sociolinguistics Patterns. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1972. LADO, Robert. Lingüística Contrastiva. Lenguas y Culturas. University of Michigan, 1957. MA SCHERP E, Ma rio. Análise comparativa dos sistemas fonológicos do Inglês e do Português. São Paulo: 1970. Ed: EGRT. SILVA, Thaïs Cristófaro. Fonética e fonologia do Português: roteiro de estudo e guia de exercícios. São Paulo: Contexto, 2001. Estudos Lingüísticos XXXIII, p. 477-482, 2004. [ 482 / 482 ]