CARACTERIZAÇÃO GEOLÓGICA E GEOQUÍMICA DE UM DEPÓSITO PALUDOSO EM TERRA DE AREIA (PLANÍCIE COSTEIRA NORTE), RS, BRASIL.

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Transcrição:

CARACTERIZAÇÃO GEOLÓGICA E GEOQUÍMICA DE UM DEPÓSITO PALUDOSO EM TERRA DE AREIA (PLANÍCIE COSTEIRA NORTE), RS, BRASIL. Paulo César Pereira das Neves 1 ; Flávia Schenato 2 ; Emerson Alberto Prochnow 3 1 Faculdade de Química e Curso de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática (PPGECIM), ULBRA (nevespc@yahoo.com.br); 2 Faculdade de Biologia e Curso de Pós- Graduação em Energia, Ambiente e Materiais (PPGEAM), ULBRA; 3 Faculdade de Química, ULBRA. Abstract. Geological and geochemical characteristics of a peat bog formed after the last Pleistocenic Glacial Stage, in Terra de Areia county, Northern Coastal Plain, Rio Grande do Sul state (Brazil) has been studied by isotopic data ( 14 C) and palynological, mineralogical and geochemical analysis. The deposit occurs in the Lagoon/Barrier III System, formed in the interdunes portion of a pleistocenic beach ridges system. The depositional palaeoenvironment evolution took place in the Upper Pleistocene after a lagoon system established in a relatively dry and cold climate regime. In the Pleistocene/Holocene transition and during the Lower Holocene the palaeoenvironment was gradually filled by the sedimentary and vegetational materials, changing to an oligotrophic lake. The progressive eutrophization of the palaeoenvironment has leaded to the establishment of a peat bog deposit with marked acidity and reduction conditions, supported by the paleopalynological records and geochemical data. Finally, in the Upper Holocene significant paleoclimatic variations occurred which gradually changed the climate to a hot and wet regime leading to the formation of the swamp forest over the environment. Palavras-chave: Geologia do Quaternário; Turfas; Planície Costeira do Rio Grande do Sul. 1. Introdução Áreas de turfeiras contém uma biodivesidade muito rica, mas são muito suscetíveis às mudanças ambientais e às interferências causadas pelas atividades humanas (Shotyk 1988, 2002; Weiss et al. 2002). As áreas de turfeiras e solos orgânicos bem preservados consistem, atualmente, em reservas naturais da biosfera (domínio de Mata Atlântica) e, portanto, apresentam um particular interesse sob o ponto de vista ecológico e de desenvolvimento sustentável. Estudos integrados e multidisciplinares são importantes para o conhecimento de suas características globais e para a sua futura preservação. O depósito paludial de Terra de Areia localiza-se na Planície Costeira Norte do Estado do Rio Grande do Sul (29º33 40 S; 50º02 60 W) e corresponde às áreas de turfeiras desenvolvidas nas porções de cava dos antigos cordões litorâneos pleistocênicos. O local encontra-se próximo às rochas vulcânicas da Formação Serra Geral (Bacia do Paraná) e está inserido nos terrenos definidos pelo CECO-UFRGS (1984) e Villwock & Tomazelli (1995), como fácies Qbc 3 e Qp 4, correspondentes ao sistema Barreira-Laguna III da região (Figura 1). A fisiografia do local estudado corresponde a uma ampla depressão, preenchida por sedimentos escuros típicos de depósitos paludiais turfáceos (fácies Qp 4 ), que apresentam uma origem lagunar, com retrabalhamento fluvial. As porções marginais à depressão são formadas por terrenos arenosos mais altos (Qbc 3 ) que margeiam, em contato brusco, a zona paludosa baixa. Estudos geológicos, geoquímicos, geocronológicos e palinológicos foram desenvolvidos em uma seqüência de sedimentos de 4,8 m de espessura, do depósito de Terra de Areia, com o objetivo de caracterizar os processos evolutivos do ecossistema turfáceo, durante a transição

Pleistoceno/Holoceno até o Holoceno Superior. 2. Métodos e Técnicas A seqüência de sedimentos do depósito de Terra de Areia foi amostrada em um perfil central, com profundidade de 4,8m, em uma seção longitudinal da área da turfeira. As amostras foram coletadas com aparelho de Hiller e os testemunhos acondicionadas em tubos de PVC, para as diversas análises em laboratório. Os dados isotópicos e as datações radicarbônicas ( 14 C) foram determinados em duas amostras de sedimentos, em profundidades de 4,36 e 1,80m, no laboratório Beta-Analytic, Flórida (EUA). A identificação mineralógica foi efetuada por Difração de Raios-x (DRX-UFRGS), em amostras de sedimento total, com um difratômetro D5000 Siemens, com filtro de níquel e radiação Co-Kα, 40kV e 40mA. As análises químicas das amostras de sedimento foram realizadas por Espectrofotometria de Absorção Atômica (EAA), no Laboratório de Análise Instrumental da ULBRA, utilizando um espectrofotômetro marca Perkin-Elmer modelo 4000. Para as análises palinológicas foi utilizado o método de acetólise de Faegri & Iversen (1989), no Laboratório de Palinologia (UFRGS). As observações das lâminas foram realizadas em microscópio óptico LEITZ, em 400 e 1000x, com contagens estatísticas segundo Mosiman (1965). 3. Resultados e Discussões A região de Terra de Areia é caracterizada por uma série de sistemas intercalados de cristas arenosas e depressões paludosas, que correspondem às fácies Qbc 3 e Qp 4, respectivamente, de acordo com Horn F o (1987), e que representam as feições vestigiais do Sistema Barreira/Laguna III, da Planície Costeira Norte do Rio Grande do Sul (CECO 1984; Villwock & Tomazelli 1995). Segundo Horn F o (1987), a fácies Qbc 3 corresponde às cristas de antigos cordões litorâneos pleistocênicos relacionada a uma ingressão marinha do Pleistoceno Superior (Villwock & Tomazelli 1995), com idade atribuída em 120 ka., representando, portanto, antigos níveis praiais relacionados aos eventos transgressivos do Neopleistoceno. Os depósitos Qbc 3 em Terra de Areia ocorrem ritmicamente intercalados pelos depósitos Qp 4 (baixadas paludosas), desde os patamares vulcânicos da Formação Serra Geral, a NW, até as proximidades do rio Cornélios, entre os sistemas lagunares Itapeva-Quadros, a SE. A fácies Qp 4 corresponde a uma sedimentação de ambiente lagunar, com retrabalhamento fluvial que, após a formação de Qbc 3, preencheu as porções de cavas preexistentes vindo a constituir-se em um depósito paludoso turfáceo. Os dados radiocarbônicos 14 C obtidos em sedimentos da base da seqüência, a 4,36m de profundidade, apontam idades de 23,8 + 0,5 Ka (Neves 1991), colocando a base do depósito no último estágio glacial pleistocênico. As análises paleopalinológicas mostram uma assembléia com predominância de vegetação campestre de características xéricas (Poaceae, tipo Baccharis, tipo Vernonia, Polygalaceae, Amaranthus- Chenopodiaceae, Cuphea, Gomphrena, Alternanthera e Scrophulariaceae) (Neves 1991; Neves & Lorscheitter 1995), sugerindo condições climáticas mais secas, compatíveis com uma fase marinha regressiva. Os dados palinológicos sugerem, ainda, que a região interdunas funcionava provavelmente como um lago salino que, estratigraficamente, é marcado como Fase I (4,8 a 4,2 m de profundidade) (Figura. 2). Em 11 ka (idade inferida) (limite Pleistoceno/Holoceno), os dados palinológicos mostram uma redução acentuada da vegetação de campo, com um significativo aumento das macrófitas aquáticas (Cyperaceae, tipo Blechnum, Eryngium), e o surgimento das formações florestais com seus elementos pioneiros (Alchornea, Palmae, Myrsine, Celtis), além

da presença significativa de Cyatheaceae e tipo Microgramma entre os pteridófitos e zigósporos de algas clorofíceas como Zygnema e Debarya. Para essa época sugere-se um regime climático menos frio e mais úmido, típico do final do último estágio glacial pleistocênico, com evidências do início de uma fase transgressiva do mar. Este estágio marca o início da eutrofização do paleolago que, estratigraficamente, é marcado pela Fase II (4,2-3,5m de profundidade) (Figura 2). A fase subseqüente está relacionada à fase de estabelecimento dos pântanos na Planície Costeira sulriograndense (presença de esporos de Sphagnum), em um regime de clima mais quente e úmido (Fase III, 3,5 2,0 m de profundidade) (Figura 2). Nesta fase, o ambiente lagunar deveria estar em fase de eutrofização, com o registro paleopalinológico demonstrando uma baixa representatividade de componentes de campo e um declínio dos componentes de mata, concomitantemente a um grande avanço dos componentes de pântano (tipo Blechnum, Cyperaceae, Osmunda, Typha). Finalmente, a partir de 4,12 + 0,09 Ka (idade 14 C determinada em sedimentos a 1,8m de profundidade; Neves 1991) ocorre uma retomada da vegetação arbóreoarbustiva, que domina todo o ecossistema (Myrtaceae, Myrsine, Ilex, tipo Cucurbitaceae, Palmae, tipo Urticaceae, Meliaceae, tipo Roupala, Daphnopsis, Fabaceae, Anacardiaceae, Malpighiaceae, Drymis) (Neves 1991; Neves & Lorscheitter 1995), com composição florística bastante semelhante às matas de restinga paludosas atuais. Esta fase é marcada como Fase IV (2,0-0,0 m de profundidade) (Figura 2) e o ambiente já deveria estar totalmente colmatado pelas dinâmicas sedimentar e vegetacional. Estudos geoquímicos preliminares dos sedimentos do depósito paludial de Terra de Areia, têm mostrado ampla correspondência aos eventos geológicos e evolutivos da área durante os últimos 24 ka. Em profundidades que marcam as Fases II e III (entre 4,0 a 2,0 m) observa-se um aumento significativo na concentração de FeO, MnO, K 2 O e Na 2 O nos sedimentos. Esta profundidade corresponde ao início do processo de colmatação do lago salino com o subseqüente estabelecimento do ambiente paludial. Neste estágio, o ambiente torna-se enriquecido em matéria-orgânica e com características francamente redutoras, o que beneficia a concentração e precipitação de fases contendo ferro e manganês nos sedimentos, bem como, a retenção de elementos de origem marinha, como sódio e potássio. A maior concentração de ferro e manganês está relacionada à relativa abundância de carbono orgânico, nestes níveis, que governa as reações redox do sistema. No caso do ferro, a redução progressiva do metal associada à concomitante redução microbiológica do sulfato, leva à precipitação de fases minerais sulfetadas, tais como a pirita, conforme determinado pela Difração de Raios-x. No entanto, a concentração de manganês no sedimento deve estar associada à complexação do Mn 2+ pela matéria orgânica sólida. Já o Al 2 O 3 e MgO mostram aumentos significativo nos teores em profundidades mais rasas, que marcam a sedimentação da Fase IV (acima dos 2,0 m). O aumento da concentração destes elementos pode estar indicando uma mudança na fonte dos sedimentos que se depositaram em períodos mais recentes, durante os últimos 4,12 + 0,09 Ka. Nesta fase, a sedimentação é basicamente argilosiltosa mostrando uma contribuição maior de sedimentos continentais, provenientes das rochas vulcânicas básicas da Formação Serra Geral. A diminuição na concentração K 2 O e Na 2 O nos sedimentos mais rasos também está relacionada a esta mudança de sedimentação e a maior influência de águas de origem continental, que promovem a lixiviação destes elementos mais solúveis nos níveis rasos da seqüência. 4. Conclusões O depósito paludoso de Terra de Areia evoluiu a partir do último estágio

glacial do Pleistoceno, a 23,8 ka. O depósito foi originado pela colmatação progressiva de um corpo lagunar isolado, situado na cava de cordões litorâneos do Pleistoceno que, devido às condições intrínsecas do sistema, foi gradualmente transformando-se em um ambiente anaeróbico, ácido e redutor. Os dados palinológicos evidenciam o estabelecimento do ambiente paludial durante as fases que marcam as Fases II e III a partir de 11 ka, aproximadamente. Estudos geoquímicos mais detalhados e integrados aos dados geológicos, geocronológicos e palinológicos deverão contribuir para o entendimento da dinâmica destes ecossistemas e também para traçar um panorama das transformações geológicas e evolutivas destas áreas costeiras do Estado. 5. Referências CECO - CENTRO DE ESTUDOS DE GEOLOGIA COSTEIRA E OCEÂNICA, 1984. Nota Explicativa. In: CECO, ed. Atlas Geológico da Província Costeira do Rio Grande do Sul. CECO/DGC, Instituto de Geociências, UFRGS, Porto Alegre. FAEGRI K and IVERSEN J. 1989. Textbook of pollen analysis. New York: Hafner Press, 295p. HORN F o N O. 1987. Geologia das folhas de Torres, Três Cachoeiras, Arroio Teixeira e Maquiné, Nordeste do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS, 254p. MOSIMAN J E. 1965. Statistical metods for the pollen analyst: multinomeal and negative multinomeal techniques. In: B.KUMMEL; D.M.RAUP (Ed). Handbook of Paleontological Techniques, London: W.H. Freeman Company, p. 636-673. NEVES P C P. 1991. Palinologia de sedimentos de uma mata tropical paludosa em Terra de Areia, Planície Costeira Norte, Rio Grande do Sul, Brasil. Porto Alegre, RS. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS, 230p. NEVES P C P das & LORSCHEITTER M L. 1995. Upper Quaternary palaeovironments in the Northern Coastal Plain of Rio Grande do Sul, Brazil. Quat South Am Ant Penins, 9: 39-68. SHOTYK W. 1988. Reviews of the inorganic geochemistry of peat and peatland. Earth Sci. Rev. 25: 95-176. SHOTYK W. 2002. The chronology of anthropogenic, atmospheric Pb deposition recorded by peat cores in three minerogenic peat deposits from Switzerland. The Sci. of the Total Environ. 292: 19-31. VILLWOCK J A and TOMAZELLI L J 1995. Geologia da Planície Costeira do Rio Grande do Sul. Notas Técnicas, 8:1-45. WEISS D, SHOTYK W, RIELEY J, PAGE S, GLOOR M, REESE S and MARTINEZ- CORTIZAS A. 2002. The geochemistry of major and selected trace elements in a forested peat bog, Kalimantan, SE Asia, and it s implications for past atmospheric dust deposition. Geochim. et Cosmoch. Acta. 66(13): 2307-2323.

Figura 1 Mapa de localização da área estudada. Figura 2 Perfil sedimentar do testemunho estudado.