Antropologia da Ciência e da Tecnologia: dobras reflexivas

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Transcrição:

Antropologia da Ciência e da Tecnologia: dobras reflexivas

Conselho Editorial Alex Primo UFRGS Álvaro Nunes Larangeira UTP André Parente UFRJ Carla Rodrigues PUC-RJ Ciro Marcondes Filho USP Cristiane Freitas Gutfreind PUCRS Edgard de Assis Carvalho PUC-SP Erick Felinto UERJ Francisco Rüdiger PUCRS J. Roberto Whitaker Penteado ESPM João Freire Filho UFRJ Juremir Machado da Silva PUCRS Marcelo Rubin de Lima UFRGS Maria Immacolata Vassallo de Lopes USP Michel Maffesoli Paris V Muniz Sodré UFRJ Philippe Joron Montpellier III Pierre le Quéau Grenoble Renato Janine Ribeiro USP Rose de Melo Rocha ESPM Sandra Mara Corazza UFRGS Sara Viola Rodrigues UFRGS Tania Mara Galli Fonseca UFRGS Vicente Molina Neto UFRGS Apoio:

Antropologia da Ciência e da Tecnologia: dobras reflexivas Orgs: Claudia Fonseca Fabíola Rohden Paula Sandrine Machado Heloísa Salvatti Paim

Autores, 2016 Capa: Cléo Magueta (sobre foto de Mário Eugênio Saretta Poglia) Projeto gráfico e editoração: Niura Fernanda Souza Revisão: Matheus Gazzola Tussi Editor: Luis Antônio Paim Gomes Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Bibliotecária Responsável: Denise Mari de Andrade Souza CRB 10/960 A636 Antropologia da Ciência e da Tecnologia: dobras reflexivas / organizado por: Claudia Fonseca, Fabíola Rohden, Paula Sandrine Machado e Heloísa Salvatti Paim. -- Porto Alegre: Sulina, 2016. 310 p. ISBN: 978-85-205-0750-6 1. Antropologia. 2. Antropologia da Ciência. 2. Ciências Sociais. I. Fonseca, Claudia. II. Rohden, Fabíola. III. Machado, Paula Sandrine. IV. Paim, Heloísa Salvatti. Todos os direitos desta edição são reservados para: EDITORA MERIDIONAL LTDA. CDD: 301 CDU: 572 Editora Meridional Ltda. Av. Osvaldo Aranha, 440 cj. 101 Bom Fim Cep: 90035-190 Porto Alegre/RS Fone: (0xx51) 3311.4082 www.editorasulina.com.br e-mail: sulina@editorasulina.com.br Julho/2016

Sumário Prefácio... 7 Otávio Velho Apresentação... 9 Claudia Fonseca, Fabíola Rohden, Paula Sandrine Machado, Heloísa Salvatti Paim Antropologia das ciências no Brasil: dobras reflexivas...15 Fabíola Rohden, Claudia Fonseca, Paula Sandrine Machado, Heloísa Salvatti Paim Parte 1 Antropologia como forma de exposição do social Ciência, arte, religião: conexões, dissoluções...35 Emerson Giumbelli Os objetos e suas artes...63 Fernanda Arêas Peixoto Objetos científicos: armadilhas para suscitar a natureza...81 Pedro P. Ferreira Expondo Exu: algumas notas sobre práticas de exposição em religião, artes e ciências...99 Mattijs van de Port

Parte 2 Técnicas estabilizadoras em contextos controvertidos Politizando incertezas: o sensoriamento remoto e o desmate no Brasil...119 Marko Monteiro A unidade do estado como processo técnico...149 Ciméa B. Bevilaqua Culturas de objetividade, epistemologias cívicas e o suspeito transnacional. Uma proposta para mapeamentos teóricos em estudos sociais da genética forense...181 Helena Machado e Filipe Santos Narrativas em torno da utilização de embriões de origem humana na investigação científica: saúde, ética e cidadania...207 Susana Silva, Bruno Rodrigues Alves, Helena Machado, Catarina Samorinha e Cláudia de Freitas Parte 3 Modos de participar, modos de viver, modos de conhecer Impasses do ambientalismo no baixo Madeira: o caso mura...235 Marta Amoroso O componente ambiental dos projetos de desenvolvimento: transformação, coexistência e conflito na Amazônia brasileira...259 Lorena Cândido Fleury Propriedade intelectual, genética de plantas e ativismo transnacional...281 Guilherme F. W. Radomsky Sobre os autores...305

Prefácio Otávio Velho Este livro fala por si mesmo. Por isso talvez valha a pena começar registrando que a V Reunião de Antropologia da Ciência e da Tecnologia (ReACT), da qual o livro é produto, constituindo-se em verdadeiros anais desse encontro, demonstrou um impressionante amadurecimento de uma nova comunidade de antropólogos e amigos da antropologia. Impressionante e surpreendente, levando-se em conta que o primeiro desses encontros deu-se somente em 2007. Desde então, nesse curto período, pesquisadores procedentes de campos de trabalho os mais variados foram se reorganizando, inclusive numa dimensão regional e internacional crescente. Reorganizando-se sem necessariamente apagar as suas marcas de origem, mas para estabelecer um diálogo tendo como referência o estudo da ciência e da tecnologia, constituindo assim uma rede que tem demonstrado grande capacidade de atração e profícuos resultados aqui muito bem exemplificados. Se nos primeiros encontros foi-se tateando na construção de balizas comuns e no reconhecimento desse campo e de seus marcos, creio que agora se estabeleceu e no momento certo um equilíbrio entre essas atividades permanentes, por um lado, e a apresentação de resultados de pesquisas, que tiveram, por sua vez, uma forte associação ao trabalho etnográfico em um número de fato impressionante de situações. O amadurecimento dessas pesquisas permite, inclusive, estender o diálogo cada vez mais para além das fronteiras da antropologia, atingindo, mesmo, intelectuais oriundos dos próprios grupos estudados. E com isso caminha-se na direção de uma verdadeira antropologia simétrica. Simétrica, sem obscurecer o valor de um conhecimento legítimo oriundo da reflexão e da pesquisa, apenas não pretendendo o seu monopólio e afirmando a presença necessária dos interlocutores. 7

Nesse movimento, inclusive, creio que se contribui poderosamente para uma reflexão da própria antropologia sobre si mesma. Com que autoridade pode uma antropologia apartada fazer a crítica ou apresentar as limitações de uma ciência apartada, sem sequer saber reconhecer, por sua vez, a diversidade que se oculta sob esse rótulo de ciência? Essa impossibilidade está aqui demonstrada ao se trilhar caminho alternativo, constituindo-se, assim, uma referência estratégica para o conjunto da disciplina, inclusive e salientemente para uma reavaliação do seu antropocentrismo, bem como para um reposicionamento associado a essa reavaliação não só das relações com os animais não humanos, mas também de temas clássicos que dizem respeito às religiões, às artes, à cidadania, ao Estado e muito mais. As possibilidades são infindas e portadoras de consequências fundamentais. Acredito que a imagem forte de ciências na vida é nesse sentido extremamente pertinente. Assim, esse encontro e este livro, que é o seu fruto imediato, expressam, sem dúvida, um marco. E abrem imensas perspectivas a serem exploradas. Além do que já foi mencionado, seria possível agregar a exploração da questão geral da relação entre fluidez e estabilização, não só no âmbito da ciência, mas na vida em geral, buscando alcançar níveis de complexidade e concretude crescentes, o mesmo ocorrendo com noções como a de modernidade. Fora e dentro da disciplina, a rede certamente encontrará com predisposição de simetria, ampliada, importantes subsídios para o avanço dessas e de outras questões. Não custa lembrar, por exemplo, que já para Baruch Espinosa (1632-1677), num tempo em que a ciência e a metafísica não estavam em conflito, o universo material inteiro participaria do par movimento-repouso, e isso é objeto de elaboradas considerações. Creio que aqui deve transparecer como as oportunidades nas quais tenho podido ler os trabalhos apresentados nas ReACTs (como neste livro), e participar desses encontros, têm sido motivo de alegria. Os textos e os debates ressoam em mim por muito tempo e são extremamente estimulantes para as minhas próprias reflexões. Espero que esse efeito se repita para os leitores deste livro e que todos possamos ser portadores da boa nova que este espírito de dedicação e de criatividade generosa nos traz. 8

Apresentação Este volume se origina das interações e debates realizados na V Reunião de Antropologia da Ciência e da Tecnologia (V ReACT), ocorrida entre os dias 20 e 22 de maio de 2015 no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Nesse evento estiveram reunidos(as) pesquisadores(as) e estudantes do Brasil e de outros países com o intuito de aprofundar as discussões antropológicas tomando como ponto de partida distintas interfaces com a(s) ciência(s). A V ReACT teve como intuito promover um debate que discutisse o potencial e as contribuições da antropologia na construção de perspectivas analíticas acerca das ciências, conhecimentos, saberes, tecnologias e inovações. O evento, desde suas edições anteriores, tem se convertido em um importante fórum de discussão acerca de pesquisas, objetos, abordagens e perspectivas teóricas e epistemológicas do campo da antropologia da ciência e da tecnologia (ACT), em interface com outras matrizes disciplinares e campos de atuação. As Reuniões de Antropologia da Ciência e da Tecnologia têm sido realizadas a partir da articulação entre os grupos de pesquisa que conformam a Rede de Antropologia da Ciência e da Tecnologia (ReACT). Esses grupos, laboratórios ou núcleos de pesquisa começaram a surgir de forma mais institucionalizada em meados da década passada. Entre eles, podemos citar o grupo de pesquisa Conhecimento, Tecnologia e Mercado (CTeMe) e o Grupo de Estudos Interdisciplinares em Ciência e Tecnologia (GEICT), na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); o Grupo de Estudos de Antropologia da Ciência e Tecnologia (GEACT), na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); o Grupo de Pesquisa Ciências na Vida: produção de conhecimento e articulações heterogêneas, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 9

Além disso, integram também a ReACT o Laboratório de Antropologia da Ciência e da Técnica (LACT), da Universidade de Brasília (UnB); o Laboratório de Antropologia das Controvérsias Sociotécnicas (LACS), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); o Laboratório de Sociologia dos Processos de Associação (LaSPA), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); e o Laboratório de Etnografia e Interfaces do Conhecimento (LEIC), sediado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). As reuniões que ocorreram na UFRJ (2007), UFMG (2009), UnB (2011) e Unicamp (2013) tiveram a promoção e organização feitas pelos respectivos grupos de pesquisa atuantes nessas universidades, que também puderem imprimir suas marcas na definição das prioridades temáticas tratadas em cada evento. A V Reunião de Antropologia da Ciência e da Tecnologia (V ReACT), nesse sentido, teve como proposta aprofundar discussões que tangenciassem os nexos entre ciência, tecnologia, cultura e poder. Essa temática está em congruência com a proposta do Grupo de Pesquisa Ciências na Vida, do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (UFRGS). Fundado em 2012, o grupo Ciências na Vida é resultado de uma interlocução entre pesquisadores(as) que culminou no evento internacional Ciências na vida: antropologia da ciência em perspectiva, realizado em Porto Alegre durante o mês de agosto de 2011. 1 Como enfoque particular desta edição do evento, em virtude das abordagens privilegiadas pelo grupo, destacamos a preocupação em entender como, em contextos específicos, o conhecimento científico enreda-se com as experiências cotidianas das pessoas. Propusemos discutir, dessa forma, como os sujeitos forjam maneiras de agir, nomear e vir a conhecer um mundo em que os objetos híbridos da ciência e da tecnologia ocupam uma centralidade cada vez maior. Ao mesmo tempo, almejávamos discutir como os estudos etnográficos de ciência e tecnologia reposicionam os questionamentos feitos pela tradição clássica da disciplina, tendo um impacto particular sobre a teoria e a prática antropo- 1 Ver Fonseca, Claudia; Rohden, Fabíola; Machado, Paula S. (Orgs.). Ciências na vida. São Paulo: Editora Terceiro Nome, 2012. 10

lógicas, e como podem contribuir para o campo mais geral dos Estudos Sociais da Ciência e da Tecnologia. Considerando o panorama das produções recentes em pesquisa na área e a agenda de temas de crescente relevância que devem merecer a atenção reflexiva dos(as) pesquisadores(as), definimos um conjunto de eixos transversais que orientaram as discussões das mesas-redondas e dos simpósios temáticos na quinta edição do evento. A referência a esses eixos permite identificar alguns dos tópicos e abordagens mais gerais a partir dos quais a antropologia da ciência e da tecnologia tem se organizado no Brasil. Foram eles: efeitos da produção de conhecimento, intervenções e gerenciamentos tecnológicos; políticas globais e efeitos locais relativos às inovações tecnocientíficas; direitos, tecnologias de governo e cidadanias; corpo, saúde, biomedicina e tecnociência; transformações climáticas, ambientes e territórios; transversalidades entre ciência, religião e arte; produção de conhecimentos e multiplicidades ontológicas; antropologia das tecnociências, diferentes inspirações e perspectivas teóricas; ressonâncias dos estudos da ciência e tecnologia no ensino, teoria e pesquisa antropológicas. A V ReACT reuniu 176 participantes inscritos oficialmente, sendo que um número bem maior de pessoas assistiu às diferentes atividades do evento, distribuídas entre seminários temáticos (STs) e mesas-redondas (MRs). Os seminários temáticos foram promovidos a partir da seleção pela comissão científica de 75 trabalhos dentre os 138 enviados. Esses trabalhos foram organizados em nove STs, alguns deles com sessão dupla, totalizando 13 sessões, nas quais estudantes e pesquisadores(as) de diversas regiões do Brasil e da América Latina puderam apresentar e debater suas pesquisas na área de antropologia da ciência e da tecnologia. Os STs que compuseram a programação da V ReACT foram: 1) Animais não humanos, redes e pesquisas; 2) Direitos e ciências: interfaces entre saberes especializados; 3) Políticas públicas e produção de conhecimentos; 4) Ambientes, empreendimentos e expertises; 5) Transformações climáticas e saberes; 6) Técnicas, artefatos e controvérsias; 7) Pretensões disciplinares e desafios; 8) Corporalidades, saberes e tecnologias; e 9) Medicalização e suas distintas facetas. Os textos apresentados nesses STs foram disponibilizados através dos Anais Eletrônicos, previamente à realização do evento (disponíveis em: http://ocs.ige.unicamp.br/ojs/react). 11

No que se refere às mesas-redondas, pesquisadores(as) de diversas universidades brasileiras e estrangeiras integraram as quatro sessões propostas no evento: 1) Antropologia das ciências: inspirações e deslocamentos, com a participação de Claudia Lee Williams Fonseca (PPGAS/UFRGS), Susana Silva (ISPUP/Universidade do Porto), Eduardo Viana Vargas (FAFICH/UFMG), Fabíola Rohden (PPGAS/UFR- GS) e Paula Sandrine Machado (PPGAS/UFRGS); 2) Transversalidades entre ciência, religião e arte, cujos integrantes foram Fernanda Arêas Peixoto (PPGAS/USP), Pedro Peixoto Ferreira (PPGS/UNICAMP), Mattijs van de Port (Universidade de Amsterdam), Emerson Giumbelli (PPGAS/UFRGS) e Guilherme José da Silva e Sá (DAn/UnB); 3) Direitos, tecnologias de governo e cidadanias, com a participação de Helena Machado (CES Universidade de Coimbra), Patrice Schuch (PP- GAS/UFRGS), Ciméa Bevilaqua (PPGA/UFPR), Sergio Carrara (IMS/ UERJ) e Carlos Emanuel Sautchuk (DAn/UnB); e 4) Políticas globais e efeitos locais, com Marta Amoroso (FFLCH/USP), Marko S. Monteiro (DPCT/Unicamp), Lorena Fleury (PPGS/UFRGS), Guilherme Radomsky (PPGS/UFRGS) e Otavio Velho (UFRJ). Esta publicação diz respeito exatamente à divulgação dos trabalhos apresentados nas mesas-redondas, cujos(as) autores(as) manifestaram interesse nessa direção. Este volume constitui, portanto, uma espécie de anais impressos da V ReACT, destinados a permitir o acesso ao produtivo debate que ocorreu no contexto das diferentes sessões das mesas. Todos os trabalhos foram produzidos de forma original para o evento e para esta publicação. Considerando as diversas interfaces possíveis, optamos por organizá-los em três grandes temas de reflexão: Antropologia como forma de exposição do social, centrado num debate provocador sobre os fluxos e fronteiras entre os domínios de arte, ciência e antropologia; Técnicas estabilizadoras em contextos controvertidos, sobre o trabalho investido em e produzido por diversos artefatos das tecnociências; e, finalmente, Modos de participar, modos de viver, modos de conhecer, sobre as diferentes formas que cidadãos comuns forjam para participar em ou resistir contra os grandes empreendimentos da ciência. Esperamos que a riqueza e a multiplicidade de abordagens evidenciadas a seguir inspirem ainda novos debates e contribuições em torno de uma 12

antropologia da ciência e da tecnologia feita no cenário brasileiro. É preciso frisar que a V Reunião de Antropologia da Ciência e da Tecnologia só foi possível graças à colaboração dos membros do comitê organizador: Heloísa Paim, Débora Allembrandt, Larissa Costa Duarte, Lucas Riboli Besen, Roberta Reis Grudzinski, Rodrigo Ferreira Toniol, Vitor Simonis Richter, Glaucia Maricato Moreto, Helena Moura Fietz, Juliana Loureiro de Oliveira, Mário Eugênio Saretta Poglia, Miguel Hexel Herrera, Marcelle Schimitt. Por fim, é necessário acrescentar que tanto o evento quanto a edição deste volume contaram com os recursos oferecidos pela Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior). Além da Capes, agradecemos também os recursos oferecidos pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e pela Propesq/ UFRGS (Pró-Reitoria de Pesquisa/Universidade Federal do Rio Grande do Sul). Os apoios do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (UFRGS), do Instituto Latino-Americano de Estudos Avançados (UFRGS), do Núcleo de Pesquisa em Antropologia do Corpo e da Saúde, do Núcleo de Pesquisa em Sexualidade e Relações de Gênero e do Núcleo de Antropologia e Cidadania, sediados também na UFRGS, foram fundamentais. Ainda nos cabe agradecer aos(às) parceiros(as) da Rede de Antropologia da Ciência e da Tecnologia, aos(às) integrantes da comissão científica e a todos(as) aqueles(as) que participaram na organização do evento, em especial estudantes de graduação e pós-graduação, sem os(as) quais essa oportunidade de interlocução não teria acontecido. Claudia Fonseca, Fabíola Rohden, Paula Sandrine Machado, Heloísa Salvatti Paim 13