Repetição, com Estilo 1.

Documentos relacionados
FREUD E LACAN NA CLÍNICA DE 2009

52 TWEETS SOBRE A TRANSFERÊNCIA

Referências Bibliográficas

CEP CENTRO DE ESTUDOS PSICANALÍTICOS

6 Referências bibliográficas

CEP -CENTRO DE ESTUDOS PSICANALÍTICOS. Curso de Formação em Pasicanálise. Ciclo IV 3ª Noite

A CLÍNICA DA EXCEÇÃO OU A CLÍNICA DO AMOR EM JACQUES LACAN

Latusa Digital ano 1 N 8 agosto de 2004

Componente Curricular: Psicoterapia I Psicanálise Professor(a): Dalmir Lopes Período: 8º TURNO: Noturno Ano:

O ATO PSICANALÍTICO NO CAMPO DO GOZO. verificação e comprovação. Sendo esse o tema de nosso projeto de mestrado,

A CLÍNICA DO EXCESSO; OU A CLÍNICA DO AMOR EM JACQUES LACAN

OS TRABALHOS ARTÍSTICOS NÃO SÃO PRODUTOS DO INCONSCIENTE 1

7 Referências Bibliográficas

6 Referências bibliográficas

MULHERES MASTECTOMIZADAS: UM OLHAR PSICANALÍTICO. Sara Guimarães Nunes 1

O estudo teórico na formação do psicanalista Uma lógica que não é a da. identificação 1

5 Referências bibliográficas

ALIENAÇÃO E SEPARAÇÃO. Mical Marcelino Margarete Pauletto Renata Costa

Revista da ATO escola de psicanálise Belo Horizonte Inibição, sintoma, angústia: função de nominação Ano II n.1 pp ISSN:

CLÍNICA, TRANSFERÊNCIA E O DESEJO DO ANALISTA 1 CLINIC, TRANSFERENCE AND DESIRE OF THE ANALYST. Fernanda Correa 2

Demanda de cura na inexistência do Outro como engendrar aí a psicanálise? 1

Psicanálise e Saúde Mental

Latusa digital ano 2 N 13 abril de 2005

DESEJO DE ANALISTA. Ana Lúcia Bastos Falcão 1. O x da questão

Profa. Dra. Adriana Cristina Ferreira Caldana

As Implicações do Co Leito entre Pais e Filhos para a Resolução do Complexo de Édipo. Sandra Freiberger

Tempos significantes na experiência com a psicanálise 1

ANALISTAS E ANALISANDOS PRECISAM SE ACEITAR: REFLEXÕES SOBRE AS ENTREVISTAS PRELIMINARES

Referências bibliográficas

Escritores Criativos E Devaneio (1908), vol. IX. Fantasias Histéricas E Sua Relação Com A Bissexualidade (1908), vol. IX. Moral Sexual Civilizada E

Revista da ATO escola de psicanálise Belo Horizonte A economia pulsional, o gozo e a sua lógica Ano 4, n.4 p ISSN:

A repetição na Historiografia: uma abordagem Lacaniana e Koselleckiana.

AS DEPRESSÕES NA ATUALIDADE: UMA QUESTÃO CLÍNICA? OU DISCURSIVA?

A resistência como potência

O sintoma como exigência pulsional Symptom as a drive demand

CENTRO DE ESTUDOS PSICANALÍTICOS

VII Encontro da IF-EPFCL O QUE RESPONDE O PSICANALISTA? ÉTICA E CLÍNICA. 6-9 de julho de

Latusa digital ano 2 N 13 abril de 2005

A INCOMPREENSÃO DA MATEMÁTICA É UM SINTOMA?

Ser o Sinthoma #07 A SATISFAÇÃO EM LALANGUE O ATO E O SIGNIFICANTE DA TRANSFERÊNCIA

7. Referências Bibliográficas

A ESSÊNCIA DA TEORIA PSICANALÍTICA É UM DISCURSO SEM FALA, MAS SERÁ ELA SEM ESCRITA?

Carta 69 (1897) in:... volume 1, p Hereditariedade e a etiologia das neuroses (1896) in:... volume 3, p Mecanismo Psíquico do

Um rastro no mundo: as voltas da demanda 1

O QUE SE TOCA NO TRATAMENTO PSICANALÍTICO Ednei Soares As atualizações da prática psicanalítica a fazem encarar o desafio de responder a dispositivos

UM RASTRO NO MUNDO: AS VOLTAS DA DEMANDA 1 Maria Lia Avelar da Fonte 2

Curso de Extensão: LEITURAS DIRIGIDAS DA OBRA DE JACQUES LACAN/2014

Referências bibliográficas

Latusa digital ano 4 N 30 setembro de 2007

O real no tratamento analítico. Maria do Carmo Dias Batista Antonia Claudete A. L. Prado

ARTES. Futurismo e Surrealismo

A AGRESSIVIDADE NA INFÂNCIA E AS FUNÇÕES PARENTAIS NA ATUALIDADE: UM RECORTE CLÍNICO DA SAÚDE MENTAL

Freud e a Psicanálise

Sofrimento e dor no autismo: quem sente?

A Transferência como Conceito Fundamental da Praxis Psicanalítica

PsicoDom, v.1, n.1, dez

25 ANOS DE HISTÓRIA DO PROJETO FREUDIANO: O PASSADO NO PRESENTE

DIMENSÕES PSÍQUICAS DO USO DE MEDICAMENTOS 1. Jacson Fantinelli Dos Santos 2, Tânia Maria De Souza 3.

A REPETIÇÃO NO CAMPO CLÍNICO

Revista da ATO escola de psicanálise Belo Horizonte Topologia e desejo do analista Ano 3, n.3 p ISSN:

Opção Lacaniana online nova série Ano 5 Número 14 julho 2014 ISSN FPS e sinthome. Paola Salinas

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM TEORIA PSICANALÍTICA Deptº de Psicologia / Fafich - UFMG

O OBJETO A E SUA CONSTRUÇÃO

O DESEJO NA DIREÇÃO DO TRATAMENTO 1

Entretantos, 2014 LACAN COMENTÁRIO DO TEXTO: A DIREÇÃO DO TRATAMENTO E OS PRINCÍPIOS DO SEU

Coordenador do Núcleo de Psicanálise e Medicina

OS ESCRITOS DE JOYCE NOS "ESCRITOS" DE LACAN 1

Incurável. Celso Rennó Lima

O saber construído em análise e a invenção Autor: Mônica Assunção Costa Lima Professora da Puc-Minas Doutora em Teoria Psicanalítica pela

Referências bibliográficas

Referências bibliográficas

OS DIFERENTES MANEJOS DA TRANSFERÊNCIA

O amor: esse encontro faltoso

O Fenômeno Psicossomático (FPS) não é o signo do amor 1

Revista Electrónica de Psicología Social «Poiésis» ISSN Nº 27 Junio de Universidade Federal Fluminense

O real escapou da natureza

Quando o inominável se manifesta no corpo: a psicossomática psicanalítica no contexto das relações objetais

Instituto de Psicanálise e Saúde Mental de Minas Gerais - Almanaque On-line n 18

As vicissitudes da repetição

Père-Version, Perversão ou Infinitização: três saídas possíveis para uma análise

POSSÍVEIS DIMENSÕES DO LUGAR DO ANALISTA NA TÉCNICA FREUDIANA

I n s t i t u t o T r i a n o n d e P s i c a n á l i s e CLaP Centro Lacaniano de Psicanálise e Pesquisa SEMINÁRIO DE FORMAÇÃO PERMANENTE

Latusa digital N 10 ano 1 outubro de 2004

TRADUZIR-SE. "Uma parte de mim é todo mundo. Outra parte é ninguém,fundo sem fundo. Uma parte de mim é multidão. Outra parte estranheza e solidão.

Almanaque on-line entrevista Patrício Alvarez, Diretor do VI ENAPOL.

FORMULAÇÕES FREUDIANAS SOBRE A EXPERIÊNCIA DO INCONSCIENTE PARA O PSICANALISTA EM FORMAÇÃO

EM BUSCA DE LALANGUE: PALAVRAS COMO MODELOS DE SENSIBILIDADE

SUPEREU: NOTAS SOBRE LEI E GOZO. Freud nomeou o supereu como herdeiro do complexo de Édipo, mas não deixou

UMA POSSÍVEL ÉTICA DO OLHAR 1

O estatuto do corpo no transexualismo

AS POSSÍVEIS IMPLICAÇÕES DA AMBIVALÊNCIA ENTRE AMOR/ÓDIO NO DISPOSITIVO TRANSFERENCIAL

Ao término desta unidade, você será capaz de:

Referências bibliográficas

Alguns termos em francês não foram ainda traduzidos e algumas abreviaturas idem. Alguns de vocês poderão fazê-lo...

A estranheza da psicanálise

A PULSÃO DE MORTE E AS PSICOPATOLOGIAS CONTEMPORÂNEAS. sobre o tema ainda não se chegou a um consenso sobre a etiologia e os mecanismos psíquicos

Do fenômeno ao sintoma: impasses e possibilidades na escuta do sujeito na instituição. Claudia Escórcio Gurgel do Amaral Pitanga Doris Rinaldi

Curso de Atualização em Psicopatologia 7ª aula Decio Tenenbaum

A história se repete? Uma análise comparativa do conceito de repetição em Koselleck e Lacan

Instituto de Psicanálise e Saúde Mental de Minas Gerais Almanaque On-line n.7

Transcrição:

O artista é aquele que saiu da trincheira e não cedeu quanto à sua marca diferencial. (Jorge Forbes) Repetição, com Estilo 1. Repetição e o Artista Raymond Queneau, escritor francês, contemporâneo de Lacan, fez parte do movimento surrealista, liderado por André Breton. Separou-se, no entanto, por discordar de um dos princípios elementares do Manifesto Surrealista. Este tentava desenvolver um trabalho de expressão pura do inconsciente sem a mediação da consciência do autor, enquanto que, para Queneau, os trabalhos deveriam ser concebidos depois de extensas e detalhadas considerações da mente consciente. Como muitos surrealistas, ele submeteu-se à psicanálise, mas não para estimular sua criatividade. Destacou-se em 1959 com o famoso Zazie dans le métro que ganhou adaptação da nouvelle vague por Louis Malle, no ano seguinte. 1 Trabalho apresentado ao Corpo de Formação em Psicanálise 2009, Módulo II, pelo Grupo 1: Clara Efigênia V. Brasil, Daniela Maria H. De Lamare, Daniela Gatto Rossi, Garabet Kissajikian Jr., Guilherme Scaff, Jaci Palma Jr., Nekhama Kovari, Taísa Zogbi, Dorothée Rüdiger (sombra) e Elza Macedo (tutora).

Queneau fundou e liderou a OuLiPo (Ouvroir de Littérature Potentielle), um grupo de escritores que se dedicava a aplicar princípios matemáticos combinatórios à literatura, gerando imensas possibilidades de recriação da língua escrita. Em atividade, até hoje, teve como integrantes conhecidos Georges Perec e Italo Calvino, dentre outros. O exemplo mais notável da aplicação destes princípios é o de Exercices de style. A história prosaica de um homem que encontra um estranho duas vezes no mesmo dia é contada de 99 maneiras diferentes, ilustração inequívoca da imensa variedade de estilos lingüísticos que podem ser criados. Ilustração inequívoca da repetição que demanda o novo. Repetição e Arte A repetição na arte é aquela que existe por estar ancorada no real. É a repetição da diferença, e daí seu aspecto criativo singular e incompleto. Freud, em Os Escritores Criativos, quer...saber de que fontes esse estranho ser, o escritor criativo, retira seu material, e como consegue impressionar-nos com o mesmo e despertar-nos emoções das quais, talvez, nem nos julgássemos capazes. (Freud) Os criadores, poetas, artistas, cientistas, cineastas, estão implicados em algo novo. Possuem menos identificações paralisantes e daí a mobilidade pode se manifestar, ou seja, ainda que toquem a mesma música, podem tocá-la em outro tom. Nos artistas há maior coragem e responsabilidade, assumem o risco de uma felicidade que não se encaixa nos modelos prêt-à-porter. A arte toca o corpo, pois não importa mais o sentido e sim o ressoar, o ritmo. Daí, o corolário: reencontrar a singularidade do próprio traço, em qualquer tipo de expressão, é uma maneira de

destacar o estilo (...) O artista é aquele que saiu da trincheira e não cedeu quanto à sua marca diferencial. (Forbes) É através da análise que se torna possível encontrar um significante que por não remeter a significado algum, traz a marca do Real e da invenção. Ao savoir-faire com seu sinthoma o analisante passa do sonho à criação, da imaginação à invenção, do adiar ao agir. Não é porque há algo que sempre escapa, que não se pode fazer nada:...algo sempre escapa, e do que escapa faz-se algo de bom (Forbes). A repetição no artista, diferente da repetição no neurótico, tem sempre novidade e surpresa. Repetição em Freud Em sua clínica, Freud se deparava com aquilo que insistia, que não cessava em buscar se fazer dizer, que provinha do passado, que não encontrava seu caminho em direção à consciência e que redundava na formação do sintoma. A repetição foi, assim, se transformando, ao longo do percurso freudiano, de um fenômeno clínico a um conceito de grande importância: a compulsão à repetição. Em Recordar, Repetir e Elaborar, de 1914, Freud destaca: o que nos interessa, acima de tudo, é, naturalmente, a relação desta compulsão à repetição com a transferência e com a resistência. Sob o efeito da resistência, o paciente não recorda coisa alguma do que esqueceu e recalcou, mas o expressa pela atuação ou acting out. Repete não como lembrança, mas como ação e sem saber que está repetindo. Mais tarde, em 1920, Freud se deparou com um impasse ao perceber que havia algo que se repetia Para Além do Princípio do Prazer. Deu-se conta de outra espécie de

satisfação que se dá no nível da pulsão e que desafia os princípios do prazer e da realidade. Foi este o momento da formulação do conceito da pulsão de morte. Repetição em Lacan Lacan fez da repetição um dos quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Ele afirma que a repetição nunca é a repetição do mesmo. Há invariavelmente algo novo: O que se repete é sempre algo que se produz. (Lacan) Ou seja, é diferente da reprodução. O que se repete é o real, que volta sempre no mesmo lugar, em que o sujeito procura e não acha. Isso se articula com o gozo que...encontra sua origem na busca, tão repetitiva quanto inútil, do momento de satisfação de uma necessidade, que só se constitui como demanda no só-depois da resposta que lhe foi dada. (Lacan) Lacan busca na Física de Aristóteles dois conceitos acerca da repetição: tiquê e automaton. A tiquê caracteriza-se como o encontro do real, essencialmente faltoso, e que não pode mais se dar a não ser repetindo-se infinitamente. O encontro com o real não está situado no nível do pensamento, mas no nível onde a fala oracular produz nonsense, aquilo que não pode ser pensamento. (Fink) Já o automaton articula-se com a pulsão de morte e com a compulsão à repetição de Freud. É a repetição simbólica, não do mesmo, mas da origem. O real está sempre além do automaton, do retorno, da volta, da reprodução. Em Lacan, a repetição se articula com a subjetividade e está relacionada com poder fazer outra coisa com aquilo que, inicialmente, levava o sujeito ao sintoma. Não existe

uma resposta racional no sentido do entendimento. Só existe uma resposta necessária: fazer uma ação perante isso. (Forbes) Assim, cada sujeito, em sua singularidade, dispõe da possibilidade de fazer algo novo. Referências Bibliográficas FINK, B. A causa real da repetição. IN: FELDSTEIN, R. et alii. Para ler o Seminário XI de Lacan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. FORBES, J. Da palavra ao gesto do analista. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. Você quer o que deseja? Rio de Janeiro: Best Seller 2003. FREUD, S. Além do Princípio do Prazer (1920). ESB, vol. XVIII. Rio de Janeiro: Imago, 1969..Escritores criativos e devaneio (1907-8). ESB, vol. IX. Rio de Janeiro: Imago, 1969., Recordar, repetir e elaborar (1914). ESB, vol. XII. Rio de Janeiro: Imago, 1969. LACAN, J. Seminário 2: O eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise (1953-54). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.. Seminário 8: A transferência (1960-61). de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. Rio. Seminário 11 : Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993.