1 CALIBRAÇÃO DO NÚMERO DE CURVA (CN-SCS) PARA DIFERENTES MANEJOS DA CAATINGA NA REGIÃO SEMIÁRIDA DO CEARÁ J. R. de Araújo Neto 1 ; E. M. Andrade 1 ; J. C. N. Santos 1 ; E. A. R. Pinheiro 1 ; H. A. Q. Palácio 2 RESUMO: O presente estudo teve como objetivo a calibração do parâmetro Número de Curva (CN) para diferentes manejos da vegetação Caatinga no semiárido do Ceará. O trabalho foi desenvolvido em três microbacias experimentais, denominadas de B1, B2 e B3 com áreas de 2,06; 1,15 e 2,80 ha, respectivamente, localizadas no município de Iguatu, Ceará. O monitoramento foi realizado entre as estações chuvosas dos anos de 2008 e início de 2011 Na microbacia B1 a cobertura vegetal foi mantida inalterada enquanto que na B2 foi aplicado um raleamento para produção de pastagem e na B3 foi manejada com queima e plantação de pastagem. Os resultados mostraram que o manejo da vegetação influencia na produção de escoamento nas microbacias refletindo no CN. O menor CN de 72,3 foi verificado na microbacia raleada, 4,1% a menos que na microbacia preservada que apresentou CN de 75,4 sugerindo ser esse um manejo excelente para produção de pastagem de maneira sustentável do ponto de vista do escoamento. Já a prática da queimada deixando o solo exposto, influenciou para gerar os maiores escoamento o que produziu um CN de 88,5. Tanto na calibração como na validação os modelos apresentaram bons coeficientes de Nash e Sutcliffe superiores a 0,6. PALAVRAS-CHAVE: escoamento superficial; modelagem hidrológica; microbacias hidrográficas. CALIBRATION CURVE NUMBER (CN-SCS) FOR THE DIFFERENT MANAGEMENTS CAATINGA IN THE SEMIARID REGION CEARÁ SUMMARY: This study aimed to calibrate the parameter Curve Number (CN) for different management of Caatinga vegetation in the semiarid, State of Ceará. The study was conducted in three experimental watersheds, called B1, B2 and B3 with areas of 2.06, 1.15 and 2.80 ha, respectively, in the Iguatu county, Ceará. The monitoring was conducted between the rainy seasons of 2008 and early 2011. B1 in the watershed land cover was kept unchanged while the B2 was a thinning applied to pasture production and B3 were managed with burning and planting forage. The results showed that the management of vegetation influences the runoff in Universidade Federal do Ceará, Centro de Ciências Agrárias, Departamento de Engenharia Agrícola. junior.bg@bol.com.br, eandrade@ufc.br, juliocesarnds@yahoo.com.br, evertovest@yahoo.com.br 2 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará, Campus Iguatu. helbaraujo23@yahoo.com.br
watersheds reflecting the CN. The lower CN of 72.3 was observed in the watershed thinning, 4.1% less than that presented in the watershed preserved CN of 75.4 indicating that it is an excellent management for forage production in a sustainable manner from the standpoint of runoff. Since the practice of burning leaves the soil exposed, the biggest influence to generate the runoff that produced a CN of 88.5. Both the calibration and validation models showed good Nash and Sutcliffe coefficients over 0.6. KEYWORDS: runoff; hydrologic modeling; watershed. INTRODUÇÃO O escoamento superficial corresponde ao segmento do ciclo hidrológico relacionado ao deslocamento das águas sobre a superfície do solo. A estimativa do escoamento superficial é essencial para a avaliação do potencial de produção de água de uma bacia hidrográfica e o planejamento de medidas de conservação do solo e da água (MUÑOZ-ROBLES et al., 2011). Um método simples e utilizado comumente para estimativa de escoamento superficial no Brasil é a técnica do Número de Curva do Serviço de Conservação do Solo-SCS dos EUA (FIGUEIREDO, 2011). O método do SCS baseia-se no conceito de que a lâmina de escoamento superficial produzida em um dado evento é uma função da altura total da lâmina precipitada e de um parâmetro, denominado Curva Número (CN), que representa as perdas que ocorrem, principalmente, devido à infiltração, à interceptação vegetal e à retenção em depressões do terreno (TYAGI et al., 2008). Os valores de CN são obtidos para cada tipo de uso e cobertura do solo em uma tabela padrão do SCS, levantada em função de condições originárias nos EUA, e leva em conta o tipo e a densidade de cobertura sobre a área em conjunto com quatro grupos de solos classificados de acordo com a taxa de infiltração Lima et al. (2007). Desta forma, emerge a importância do desenvolvimento de pesquisas que sejam capazes de calibrar esse parâmetro mediante diferentes cenários de uso e ocupação do solo para diferentes regiões, a fim de aplicações mais próximas do real em modelos hidrológicos. Nesse contexto, o presente trabalho tem como objetivo a calibração do Número de Curva para diferentes manejos da vegetação Caatinga no semiárido do Ceará. MATERIAL E MÉTODOS A área de estudo está localizada no semiárido Cearense, na bacia hidrográfica do Alto Jaguaribe, em microbacias experimentais pertencente ao IFCE, Campus Iguatu. O clima da região é do tipo BSw h (semiárido quente), com temperatura média mensal superior a 18ºC. A precipitação média anual da região é de 970 mm, onde as maiores alturas pluviométricas concentram-se principalmente nos meses de janeiro a maio. Foram monitoradas três microbacias experimentais, no bioma de vegetação Caatinga, denominadas de B1, B2 e B3, durante os anos de 2008 e início da estação chuvosa de 2011, com áreas de respectivamente 2,06; 1,15 e 2,80 ha. O solo nas três microbacias em estudo é classificado como Vertissolo Ebânico Carbonático Típico, classificados de acordo com a EMBRAPA (2005). A microbacia B1 foi mantida inalterada durante o estudo, sem intervenção humana, representando condições naturais de pequenas bacias rurais do semiárido do Nordeste. A microbacia designada de B2 foi propositadamente alterada durante os anos de monitoramento
2009 e 2010, nela foi aplicado tratamento de raleamento da Caatinga. Já a microbacia B3 foi, no ano de 2010, submetida ao tratamento da queimada com plantação de forragem, sendo a prática da queimada a mais utilizada pelos agricultores da região na remoção da vegetação. O monitoramento hidrológico das microbacias experimentais foi realizado a partir de estações automáticas equipadas com pluviógrafos (registro a cada cinco minutos) e calhas Parshall, responsável pela medição do deflúvio superficial. Com os dados de precipitação (P) e precipitação efetiva (Pe) determinou-se a capacidade de armazenamento do solo (S), necessária na obtenção do CN. Foram utilizados 36, 30, 13 eventos para respectivamente as microbacias B1, B2 e B3. O ajuste manual do CN foi realizado pelo método da tentativa e erro em repetidas execuções do modelo e análise dos resultados, adotando como critério a relação entre a precipitação efetiva calculada com a medida até que o coeficiente de Nash e Sutcliffe atingisse valor máximo para aquele grupo de dados. Tanto na calibração como na validação do CN o critério utilizado foi o coeficiente de confiança definido por Nash e Sutcliffe (1970) que pode variar entre - e 1, sendo que os maiores valores indicam melhor ajuste entre dados observados e estimados. Os coeficientes de Nash e Sutcliffe foram definidos como NS-Cal. para o grupo de eventos de calibração, sendo metade dos eventos de cada microbacia, e NS-Val. para os eventos de validação. Para a validação do CN levou-se em consideração a umidade antecedente do solo. RESULTADOS E DISCUSSÃO Para os eventos estudados, com base nos dados de precipitação e precipitação efetiva, determinou-se o armazenamento (S) e calibrou-se o número de curva (CN) que podem ser verificados juntos com os valores de coeficiente de escoamento (C) na Tabela 1. Verificou-se uma correlação entre os valores de CN e C para as microbacias em estudo. Estudos realizados por Lima et al. (2007) apontaram essa relação, e, ainda mostraram uma equação empírica que relaciona o parâmetro CN com o coeficiente de escoamento C. Considerando a similaridade entre as microbacias em estudo os valores desses coeficientes já indicam a influência do manejo da vegetação na produção do escoamento. Tabela 1- coeficiente de escoamento (C), armazenamento (S), número de curva calibrado (CN) e coeficiente de Nash e Sutcliffe de calibração para as microbacias em estudo Microbacias Manejo aplicado C S (mm) CN NS-Cal. * B1 Caatinga nativa 0,16 80,2 75,4 0,75 B2 Raleamento 0,10 97,3 72,3 0,76 B3 Queima com forragem 0,27 33,0 88,5 0,80 * NS-Cal. = Coeficiente de Nash e Sutcliffe usado como critério para calibração do CN. Ainda na Tabela 1 verifica-se que a microbacia B1 apresentou, para os anos hidrológicos em estudo, S de 80,2 mm e CN de 75,4 próximos aos valores observados por Figueiredo (2011) também para vegetação Caatinga, no período de 2005 e 2010, que observou S de 80 mm e CN de 78. O método SCS busca representar as perdas hídricas potenciais de uma bacia; quanto menor o valor do parâmetro CN, maior será o armazenamento inicial de uma bacia, reduzindo a possibilidade de escoamento (TYAGI et al., 2008). Nesse sentido, verifica-se que a microbacia B2 apresentou o maior S de 97,3 mm e o menor CN de 72,3, valores inversos foram verificados na microbacia B3 com S de 33 mm e CN de 88,5.
Os menores CN para a B2, 4,1% a menos que na microbacia preservada, ocorreu provavelmente, pelo fato do maior desenvolvimento da vegetação herbácea no manejo do raleamento da Caatinga, que promove uma maior oportunidade de penetração da radiação solar e consequentemente desenvolvimento da vegetação rasteira possibilitando uma maior oportunidade de infiltração. Esse comportamento corrobora com resultados encontrados por Muñoz-Robles et al. (2011) onde observou que em áreas com maior cobertura herbácea no semiárido do sudeste da Austrália ocorreu um amplo controle do escoamento. Já a prática da remoção da vegetação pela queimada na microbacia B3 aumenta significativamente o valor do CN (17,4% a mais em relação à microbacia preservada), possivelmente pela ausência da cobertura do solo o que proporciona um maior escoamento. Kang et al. (2001) na China, indicaram que a enxurrada na região do país, decorrente das chuvas verão (intensidade alta), em áreas sob cultivo e cobertura vegetal foram significativamente menor que os de áreas de solo descoberto (sem cultura vegetal ou mesmo resíduos de culturas), havendo, portanto decréscimo do escoamento superficial com o aumento da cobertura vegetal. Esses resultados observados para os manejos aplicados evidenciam que as áreas onde a vegetação nativa foi preservada e até mesmo onde foram manejadas somente na forma de raleamento, contribuíram para aumentar a infiltração da água no solo e diminuir as perdas de água por escoamento superficial, ressaltando o importante papel que a cobertura vegetal pode desempenhar no controle das perdas de água, principalmente quando se considera a irregularidade e a baixa precipitação pluvial da região semiárida do Nordeste do Brasil, como resultados relatados por Albuquerque et al. (2001). Resultados encontrados por Santos et al. (2007) avaliando as perdas de água em diferentes coberturas superficiais também no semiárido do Nordeste, no entanto, para o Estado da Paraíba, observaram que na área com Caatinga nativa a retenção de água foi 5 vezes maior do que as áreas expostas. A relação entre as precipitações efetivas medidas e as estimadas com o uso do CN calibrado apresenta boa correlação em todos os manejos. Pelos índices aplicados, a precipitação efetiva estimada e medida apresentou coeficiente de correlação (r) superior a 0,80 e coeficiente de Nash e Sutcliffe para validação (NS-Val.) maiores que 0,60; mostrando que para o número de eventos em estudo, o CN foi calibrado e validado com boa precisão. Independente do manejo aplicado, os valores de CN calibrados e validados para as microbacias estudadas apresentaram valores superiores a 70 (Tabela 1), podendo ser atribuído à característica sedimentar da geologia onde as microbacias estão inseridas e, também, ao tipo de solo com intensa presença de argila o que confere condutividade hidráulica saturada muito baixa de 0,2 mm.h -1. Araújo e Piedra (2007) mencionaram que os processos envolvidos na formação do escoamento superficial estão mais relacionados à geologia e ao solo do que às atributos climáticos, observando na região sedimentar da bacia de Jaruco em Cuba um maior CN em relação à bacia comparada de Aiuaba no semiárido do Ceará. CONCLUSÕES Para os anos hidrológicos em estudo foi possível a calibração e validação do CN em diferentes manejos da vegetação Caatinga, sendo que a ação antrópica influenciou o escoamento
superficial refletindo no CN. Os menores escoamentos e consequentemente CN de 72,3 na microbacia raleada sugere um excelente manejo para produção de forragem e conservação dos recursos naturais, próximo ao CN encontrado para microbacia nativa 75,4. A prática da queimada com forragem, tornando o solo mais exposto, proporcionou os maiores escoamentos o que influenciou para um CN de 88,5. Os CN gerados podem ser usados para estimativa das lâminas escoadas em condições similares de manejo da Caatinga no semiárido. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALBUQUERQUE, A.W.; LOMBARDI NETO, F.; SRINIVASAN, V.S. Efeito do desmatamento da Caatinga sobre as perdas de solo e água de um Luvissolo em Sumé (PB). Revista Brasileira de Ciência do Solo, Viçosa, v. 25, n. 1, p. 121 128, 2001. ARAÚJO, J. C.; PIEDRA, J. I. G. Comparative hydrology: analysis of a semiarid and a humid tropical watershed. Hydrological Processes, v. 23, p. 1169 1178, 2009. FIGUEIREDO, J. V. Início da geração do escoamento superficial em uma bacia semiárida em Caatinga preservada. Dissertação (Mestrado em Engenharia Agrícola) Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil. 2011. KANG, S.; ZHANG, L.; SONG, X.; ZHANG, S.; LIU, X.; LIANG, Y.; ZHENG, S. Runoff and sediment loss responses to rainfall and land use in two agricultural catchments on the Loess Plateau of China. Hydrological Processes, v. 15, P. 977 988, 2001. LIMA, H. M.; VARGAS, H. CARVALHO, J.; GONÇALVES, M.; CAETANO, H. Comportamento hidrológico de bacias hidrográficas: integração de métodos e aplicação a um estudo de caso. REM: R. Esc. Minas, Ouro Preto, v. 60, n. 3, p. 525-536, 2007. MUÑOZ-ROBLES, C.; REID, N.; TIGHE, M.; BRIGGS, S. V.; WILSON, B. Soil hydrological and erosional responses in patches and inter-patches in vegetation states in semiarid Australia. Geoderma, 160, 524 534, 2011. SANTOS. C. A. G. VAJAPEYAM. R. M. S.; SRINIVASAN, S. Análise das perdas de água e solo em diferentes coberturas superficiais no semiárido da Paraíba. Revista OKARA: Geografia em debate, João Pessoa, v. 1, n.1, p. 1-152, 2007. TYAGI, J. V.; MISHRA, S. K.; SINGH, R.; SINGH, V. P. SCS-CN based time-distributed sediment yield model. Journal of Hydrology, 352, 388 403, 2008.