SIMULAÇÃO DO MOVIMENTO DA CARGA EM MOINHOS DE BOLAS UTILIZANDO O MÉTODO DOS ELEMENTOS DISCRETOS

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Transcrição:

SIMULAÇÃO DO MOVIMENTO DA CARGA EM MOINHOS DE BOLAS UTILIZANDO O MÉTODO DOS ELEMENTOS DISCRETOS E.S. Ramos¹, R.M. Carvalho¹ e L.M. Tavares¹ ¹Laboratório de Tecnologia Mineral, Programa de Engenharia Metalúrgica e de Materiais (PEMM/COPPE) Universidade Federal do Rio de Janeiro Centro de Tecnologia, Bloco F, Sala 210, Cidade Universitária, Rio de Janeiro, RJ, CEP 21945-970. Tel. 21 22901615, fax 21 22901615 E-mail: rodrigo@metalmat.ufrj.br RESUMO Com a recente evolução da modelagem matemática mecanicista dos processos de cominuição, o entendimento de como a energia mecânica é transferida às partículas no interior de moinhos de bolas se torna cada vez mais importante. Isso se deve ao fato que, para prever a distribuição granulométrica do produto gerado pelo moinho o modelo efetivamente calcula o somatório dos produtos da quebra de cada um dos milhares de eventos que ocorrem no interior desse equipamento a cada segundo. Como é praticamente impossível dispor de sensores capazes de informar a energia envolvida em cada impacto entre corpos moedores, lança-se mão da simulação dos seus movimentos utilizando o Método dos Elementos Discretos (DEM). Entretanto, para que possa reproduzir fielmente a realidade, esse modelo requer que um conjunto de parâmetros de contato específicos de cada material, seja devidamente medido ou calibrado. Com o objetivo de fornecer informações a respeito do comportamento dos corpos moedores para a validação do modelo mecanicista da moagem, foi realizada a caracterização minuciosa dos parâmetros de contato através de experimentos de laboratório com um minério de ferro. De posse dos parâmetros, simulou-se o movimento dos corpos moedores em um moinho de bolas descontínuo, em diferentes velocidades de rotação, graus de enchimento e distribuições de tamanhos e bolas. Os resultados mostram que, quando os parâmetros de contato entre as partículas são calibrados adequadamente, o DEM permite prever de forma quantitativa o regime de movimento das partículas no interior do moinho, podendo, ser aplicado com maior confiança na previsão da moagem. PALAVRAS-CHAVE: DEM; método dos elementos discretos; moinhos; calibração de parâmetros. 440

1. INTRODUÇÃO O método dos elementos discretos (Discrete Element Method DEM) é uma ferramenta que, em anos recentes, vem se tornando cada vez mais importante ao possibilitar a simulação e previsão do comportamento de sistemas particulados, seja na indústria mineral, siderúrgica, farmacêutica, agrícola, entre outras. Uma das importantes aplicações do DEM é como parte de um modelo mecanicista para processos de redução de tamanho de partícula (Carvalho e Tavares, 2009). Esse modelo associa mecanismos de quebra de partículas às energias de colisão, combinando as descrições quantitativas do regime mecânico do moinho aos modelos que descrevem a resposta de um determinado material sujeito a esforços. Outra opção seria a utilização do DEM combinado a um modelo de quebra discreto (Discrete Grain Breakage - DGB) e simular a quebra completa no moinho, entretanto essa abordagem está limitada ao poder computacional, sendo atualmente inviável de ser realizada, existindo ainda dúvida sobre a fidelidade do DGB na descrição da quebra de partículas (Tavares e Carvalho, 2010). Para que se obtenham dados confiáveis sobre o regime energético de um moinho, é necessário que as simulações representem o mais fielmente possível à realidade. Dessa forma, além de uma geometria e parâmetros operacionais adequados, faz-se necessário que os parâmetros de contato entre os diferentes materiais (minério, revestimento, corpos moedores) correspondam à realidade física que descrevem. Assim, o presente trabalho mostra que é possível, com o auxílio de ensaios simples de bancada, aliados a uma criteriosa caracterização, seguida de simulação computacional e validação e, se necessário, ajuste fino dos parâmetros, a caracterização de um sistema de partículas e seus contatos. A partir dos parâmetros de contato adequadamente ajustados, previsões utilizando o método dos elementos discretos podem ser utilizadas com confiança na descrição do ambiente mecânico, o qual ocupa uma posição central no modelo mecanicista da cominuição proposto na COPPE-UFRJ (Tavares e Carvalho, 2010). 2. MÉTODO DOS ELEMENTOS DISCRETOS O Método dos Elementos Discretos é um algoritmo de aplicação imediata da segunda Lei de Newton, no qual, para cada partícula pertencente a um domínio, se aplicam as leis do movimento, calculando sua velocidade, posição e momento a cada instante de tempo (Cundall e Strack, 1979). Da mesma forma, para cada contato entre duas partículas, um modelo determina qual será a intensidade do contato e dos esforços. O modelo utilizado no presente trabalho foi o de Hertz-Mindlin, sem deslizamento. O software utilizado para as simulações foi o EDEM 2.3 (DEM Solutions Ltd., Edinburgh, Escócia, Reino Unido), que é um ambiente de simulação do DEM que se caracteriza por uma poderosa interface gráfica. Ele permite trabalhar com geometrias complexas, oferecendo a opção de se importar arquivos tipo CAD ou construí-las utilizando ferramentas no próprio software, podendo atribuir propriedades de um material e dinâmica às geometrias. As partículas são geradas pelo próprio software, utilizando um modelo de partícula esférica. Alternativamente, ele permite que partículas com formato irregular sejam modeladas a partir de combinações de partículas esféricas. Entretanto, o tempo de processamento demandado nesses casos também aumenta de forma 441

significativa. Normalmente o EDEM permite simular centenas de milhares de partículas, podendo, em alguns casos, ultrapassar 4 milhões de partículas representadas em uma única simulação. A fim de que seja adequadamente utilizado, o modelo de contato sem escorregamento de Hertz-Mindlin (Mindlin, 1949), requer informações intrínsecas de cada material, sendo elas: a massa específica, módulo de elasticidade de Young, módulo de cisalhamento e o coeficiente de Poisson, conforme listado na Tabela I. Além disso, o modelo requer o conhecimento de parâmetros relativos ao contato entre pares de materiais: coeficiente de restituição, coeficiente de atrito estático e coeficiente de atrito de rolamento. Um dos grandes trunfos do software EDEM é sua poderosa capacidade de pósprocessamento das simulações, permitindo ao usuário extrair praticamente todo o tipo de informação gerada pelo método dos elementos discretos. Por exemplo, ele permite extrair dados sobre a distribuição energética das colisões, velocidade, posição em função do tempo, volumes, preenchimentos, permitindo a captura de vídeo e imagens, entre outras informações. Entretanto, tendo em vista a conveniência de presumir no software que as partículas apresentam forma esférica, enquanto, na realidade partículas minerais apresentam formato irregular, é necessária uma escolha apropriada dos parâmetros de contato. Assim, se torna necessário que ensaios de bancada sejam realizados para calibração desses parâmetros com ainda mais cuidado. Diversas das propriedades dos materiais necessárias para o EDEM podem ser extraídas da literatura, conforme é apresentado na Tabela I. Ainda, para esferas de aço são sugeridos os seguintes valores para os coeficientes de restituição, atrito estático e de rolamento para o contato aço-aço: 0,7, 0,2, e 0,01, respectivamente (EDEM 2.1.2 User Guide). Tabela I Relação de parâmetros utilizados nas simulações Parâmetro Aço (revestimento e corpos Minério de Fonte moedores) ferro Razão de Poisson 0,30 0,25 Gercek, (2006) Módulo de cisalhamento 70 0,1 MATBASE (2011) (GPa) Massa específica (kg/m³) 7800 3800 LTM 3. METODOLOGIA Foram realizados experimentos a fim de se determinar o conjunto de parâmetros de contato que melhor descrevem o comportamento da população de partículas no interior de um moinho de laboratório, operando sob condições operacionais variadas. 3.1. Coeficientes de restituição O coeficiente de restituição entre duas superfícies relaciona a quantidade de energia aproveitada após colisões, sendo, de fato, uma medida da energia dissipada em uma colisão (Li et al., 2004). Seu papel é importante principalmente ao se avaliar o regime energético no interior dos moinhos. Um valor elevado de coeficiente de restituição, faz com que a energia dos choques seja melhor aproveitada na geração de quantidade de movimento das partículas envolvidas no contato. 442

Esse coeficiente pode ser determinado experimentalmente utilizando-se ensaios de queda de peso, nos quais a queda de uma partícula sobre uma superfície é registrada por uma câmera de alta velocidade de aquisição (1000 frames por segundo). Normalmente são realizados ensaios com duas alturas de queda e para cada uma delas, é necessário que a queda seja repetida 20 vezes com diferentes partículas. Desta forma registram-se as posições da partícula antes e após o choque com a superfície, permitindo, portanto, o cálculo de suas velocidades imediatamente antes e após o choque. O coeficiente de restituição é calculado extraindo-se a raiz quadrada da razão entre a velocidade após e a velocidade antes do choque. Nesse trabalho foram calculados os coeficientes de restituição para os pares de contato minério-aço e minério-minério, no qual foi necessário construir uma superfície de minério compactada e fixada com resina (Tavares et al, 2011). 3.2. Coeficientes de atrito entre partículas de minério O teste para determinação desses coeficientes de atrito consiste em preparar um leito de partículas de minério, dispostas em uma espécie de caixa e, em seguida, apoiar um tubo de acrílico preenchido com partículas. O tubo é removido verticalmente fazendo com que as partículas em seu interior escoem, resultando em uma pilha formada sobre o leito de minério. O ângulo formado pela pilha de minério foi medido com auxílio de um transferidor eletrônico. Cada teste foi repetido pelo menos 20 vezes. O ângulo de repouso, como é chamado este teste, é um dos mais importantes parâmetros na caracterização de materiais granulares, sendo diretamente influenciado pelos coeficientes de atrito de rolamento e de atrito estático (Zhou et al., 2001). A simulação do ensaio por DEM lançou mão de uma simplificação, na qual a superfície de partículas de minério foi substituída por uma superfície plana caracterizada pelos mesmos parâmetros de contato de minério. Para se estudar o efeito combinado dos coeficientes de atrito estático e de rolamento na interação minério-minério, foi construído um plano fatorial que permitiu determinar um modelo matemático do efeito desses parâmetros no ângulo de repouso das partículas de minério. A Figura 4 mostra a simulação para o contato minério - minério com os parâmetros ótimos. 3.3. Coeficientes de atrito entre as partículas de minério e a superfície de aço Tendo em vista que no DEM as partículas de minério são modeladas como esferas, essas devem possuir uma resistência ao rolamento que as façam se comportar como se apresentassem formato irregular. Desta forma o ensaio de ângulo de rolamento consiste em determinar experimentalmente o ângulo de inclinação necessário para que partículas acomodadas em uma determinada superfície (aço) se movimentem (Figura 1). A fim de se obter uma boa estimativa da medida, o teste foi repetido pelo menos 10 vezes. Em seguida determinou-se, com o auxílio da simulação, qual o par de parâmetros de atrito que melhor representa o resultado experimental. Da mesma maneira que foi realizado para o ensaio de ângulo de repouso, também foi elaborado um plano fatorial de experimentos com o objetivo de avaliar os efeitos dos coeficientes de atrito entre partículas de minério e aço. 3.4. Ensaios de movimento no moinho tubular Com o intuito de se verificar se o DEM é capaz de reproduzir fielmente o movimento que ocorre no interior de moinhos de bolas, foram realizados diversos ensaios de tamboramento sob 443

condições operacionais variadas e tipos de partículas, uma vez que a velocidade de rotação, o grau de enchimento e o preenchimento de vazios, influenciam diretamente o consumo energético do moinho, e desta forma, a eficiência da moagem (Austin e Concha, 1994). As condições operacionais estão descritas na Tabela II. O moinho foi equipado com uma tampa acrílica transparente, de forma que foi possível observar o movimento durante os primeiros 30 segundos da operação. Esse tempo se mostrou suficiente para que o movimento da carga atingisse o regime estacionário. A operação do moinho foi registrada utilizando uma câmera fotográfica digital com velocidade de captura de 30 frames por segundo. Após a captura das imagens, medidas foram realizadas dos ângulos do pé e ombro da carga. A fim de minimizar a subjetividade das análises, duas pessoas devidamente treinadas realizaram as medidas. Conforme é ilustrado na Figura 3, o ombro da carga representa o ponto no qual as partículas começam a se afastar da carcaça do moinho iniciando sua queda, enquanto que o pé da carga é o ponto mais baixo no qual as partículas iniciam seu movimento de subida novamente, descontando aquelas partículas provenientes da catarata, quando esta existir (Austin e Concha, 1994). A principal vantagem desse procedimento é que permite quantificar a qualidade das simulações quando em comparação com os experimentos. As variáveis avaliadas nos testes de tamboramento foram a velocidade do moinho (54,5 a 66,7 rpm), faixa de tamanho das partículas de minério (9,5-6,3 mm a 0,300-0,212 mm) e a carga de bolas (15 kg a 34 kg). O moinho empregado possui diâmetro e comprimento de 30 cm, com barras elevadoras de 7 mm de altura. 90º ombro 180º 0º Figura 1 Representação esquemática do ensaio de medida do ângulo de rolamento 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO pé 270º Figura 2 Foto do moinho de bolas equipado com a tampa de acrílico. As setas indicam as posições de ombro e pé da carga Os ensaios de queda livre indicaram coeficientes de restituição de 0,35 para a colisão minério-aço e 0,51 para a colisão minério-minério. Nestes ensaios a forma das partículas de minério desempenha um papel importante pois, dependendo da geometria do contato, o quique da partícula pode não ocorrer na direção vertical, tornando a medição do coeficiente de restituição ruidosa. A fim de evitar esse efeito negativo, ensaios de queda nos quais ocorreu esse tipo de comportamento foram descartados. O ângulo de repouso médio obtido para partículas de minério de ferro foi de 19,3º, com desvio padrão de 1,0º. O mesmo ensaio foi simulado por DEM para diversos valores de coeficientes de atrito, obedecendo ao planejamento fatorial estabelecido. Os ângulos de repouso obtidos em cada uma das simulações serviram de base para construção da superfície de resposta (Figura 3.a), baseada nas interações lineares e quadráticas com os coeficientes de atrito estático (cae) e de atrito de rolamento (car). 444

Do ensaio de ângulo para determinação dos coeficientes de atrito entre as superfícies de aço e minério foi obtido o ângulo de 20,2º com desvio padrão de 3,9º. Já as simulações realizadas originaram a curva de resposta apresentada na Figura 3.b. De posse das curvas de resposta de cada ensaio (rolamento e repouso), foi possível obter diversas soluções viáveis para o par de parâmetros (cae-car) que melhor representava o ângulo obtido experimentalmente. Entretanto, sabe-se que ao utilizar valores altos de coeficientes de atrito na simulação de ensaios de tamboramento, o movimento da carga apresenta comportamento irreal. Desta forma, foram selecionados os pares que apresentaram o menor valor total dos coeficientes de atrito (car+cae). Assim, os parâmetros ótimos determinados são apresentados na Tabela II. A Figura 4 apresenta a simulação do ensaio de ângulo de repouso com os parâmetros ótimos mostrados na Tabela II, que mostra muito boa correspondência com os resultados obtidos experimentalmente. (a) (b) Figura 3 Curvas dos planos fatoriais dos ensaios de ângulo de repouso (esquerda) e do ângulo de rolamento (direita) experimento simulação Figura 4 - Pilha formada por 2 kg de partículas de minério de ferro, comparando o resultado da simulação correspondente ao se utilizar parâmetros ótimos de contato ao resultado de experimento Tabela II Parâmetros ótimos obtidos dos ensaios de bancada Ensaio/Simulação Contato Coef. de atrito Coef. de atrito de Ângulo estático (cae) rolamento(car) experimental ( ) Ângulo de Repouso Minério-Minério 0,35 0,20 19,3 Ângulo de Rolamento Minério-Aço 0,39 0,36 20,2 A partir dos ensaios de tamboramento (Figura 2), foram registrados os ângulos referentes às posições de pé e ombro da carga para cada condição operacional. Nos casos em que a carga foi composta de bolas de aço e partículas de minério, as posições (pé e ombro) correspondem exclusivamente ao movimento das bolas. Os experimentos confirmaram relações do comportamento da carga já estabelecidas em literatura (Austin e Concha, 1994), como por exemplo, o aumento do ângulo do ombro com o aumento da frequência de rotações do moinho. Foi observado ainda que o preenchimento de vazios entre os corpos moedores, realizado por partículas de minério, influencia o movimento da carga, existindo ainda o efeito do tamanho dessas partículas. A Figura 5 apresenta imagens comparativas entre experimentos e as respectivas simulações em DEM. Em geral a correspondência se mostrou muito boa, sugerindo que o procedimento de calibração previamente 445

realizado em bancada se mostrou bastante adequado na reprodução do movimento da carga no moinho de bolas. A Figura 6 apresenta uma comparação dos ângulos do pé e do ombro da carga obtidos nos experimentos àqueles correspondentes à simulação por DEM. Ela também mostra uma correspondência muito boa para as três simulações realizadas. Exceções são os casos de medidas do ângulo do pé da carga, quando somente partículas de minérios se encontravam presentes, nas quais as simulações tenderam a subestimar ângulos para as condições investigadas. Figura 5 Comparação entre o movimento da carga no moinho de laboratório (linha superior) e as respectivas simulações em DEM utilizando os parâmetros de contato ótimos. Da esquerda para a direita: 29,8 kg de bolas de aço de 25 mm de diâmetro (54,5 rpm), 15 kg de bolas mais 1,6 kg de partículas de minério na faixa de 9,5-6,3mm (54,5 rpm), 6 kg de minério na faixa 1,70-1.18mm (66,7 rpm) e 5 kg de minério na faixa 9,5-6,3 mm (60 rpm) Figura 6 Ângulos do ombro (esquerda) e pé (direita) obtidos dos experimentos, comparados aos resultados das simulações por DEM 5. CONCLUSÕES A metodologia empregada para caracterização dos parâmetros de contato para simulações em DEM se mostrou satisfatória. As simulações do movimento da carga em um moinho de bolas operando em batelada assemelharam-se aos correspondentes experimentos. A metodologia empregada na análise do movimento da carga moedora é capaz de verificar a validade dos parâmetros de contato ótimos. Entretanto, se tornou evidente que a determinação de todos os parâmetros de contato exclusivamente com base no resultado do ensaio de tamboramento pode levar a soluções múltiplas, caso ensaios adicionais, como o do ângulo de repouso, não forem utilizados. 446

O procedimento de caracterização utilizado permite que as simulações em DEM sejam utilizadas na modelagem mecanicista da moagem. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem ao CNPq, AMIRA e VALE pelo apoio financeiro ao estudo e a DEM Solutions pelo fornecimento do EDEM através do seu programa acadêmico. REFERÊNCIAS Austin, L.G., Concha, F.A., Diseño y Simulación de Circuitos de Molienda y Classificacion. Programa Iberoamericano de Ciencia y Tecnología para el Desarrollo. Ed CYTED, 1994. Carvalho, R.M., Tavares, L.M., Dynamic modeling of comminution using a general microscale breakage model, Computer-Aided Chemical Engineering, 27, 519-524, 2009. Cundall, P.A., Strack, O.D.L., A discrete numerical method for granular assemblies, Geotechnique, 29, 47-65, 1979. EDEM 21.2 User Guide. DEM Solutions, Ltd., Edinburgh, Scotland, UK. Copyright 2010. H. Gercek, Poisson s ratio values for rocks - Department of Mining Engineering, Zonguldak Karaelmas University, Zonguldak, Turkey - Accepted 22 April 2006 - Available online 24 July 2006. Li, T., Zhang, J., Ge, G., Simple measurement of restitution coefficient of irregular particles. Research Note, 2004. Material Properties of Ferrous Metals. Disponível em:< http://www.matbase.com/material/ferrous-metals>. Acesso em 26 de janeiro de 2011. Mindlin, R. D., Compliance of elastic bodies in contact, Journal of Applied Mechanics, 16, 259-268, 1949. Tavares, L.M., Carvalho, R.M., Barrios, G.K.P., Strege, S., Kwade, A., Contact parameter estimation for DEM simulation of handling of iron ore pellets, Minerals Engineering, 2011 (submetido). Zhou Y.C., Xu B.H., Yu A.B., Zulli P., An experimental and numerical study of the angle of repose of coarse spheres, Powder Technology 125, 45 54, 2002. 447