variedade de mecanismos de resistência



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Artigo Betalactamases de Espectro Ampliado (ESBL): um Importante Mecanismo de Resistência Bacteriana e sua Detecção no Laboratório Clínico Manuel Alves de Sousa Junior 1,2, Edvana dos Santos Ferreira 1, Gildásio Carvalho da Conceição 2,3 1 - Universidade Católica de Salvador - UCSal 2 - Laboratório de Análises Clínicas da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de Salvador (APAE - SSA) 3 - Hospital Universitário Professor Edgard Santos - UFBA Resumo As betalactamases formam um grande grupo de enzimas que são capazes de hidrolizar o anel betalactâmico de penicilinas, cefalosporinas e monobactâmicos (antibióticos betalactâmicos). Dentre as betalactamases, destacam-se as betalactamases de espectro ampliado (Extended-Spectrum Betalactamase - ESBL). A produção de ESBL é mediada por plasmídeos que conferem ampla resistência aos antimicrobianos que contém o anel betalactâmico em sua estrutura e agem neste anel betalactâmico rompendo-o e inativando assim, o antibiótico. Escherichia coli e Klebsiella pneumoniae são as espécies bacterianas mais comumente encontradas produzindo ESBL, a detecção destas enzimas já foi observada em diversas outras espécies de Enterobacteriaceae e Pseudomonadaceae. Pacientes com infecções por enterobactérias produtoras de ESBL não devem ser medicados com antibióticos betalactâmicos, o que acarretaria em falha terapêutica e agravamento do quadro infeccioso. A detecção presuntiva de ESBL não acarreta custos adicionais ao laboratório, visto que os antimicrobianos necessários para tal detecção podem compor o conjunto de discos utilizados na rotina laboratorial em antibiogramas. O trabalho do laboratório de microbiologia é imprescindível na detecção das enterobactérias produtoras de ESBL. A detecção precoce destas bactérias multirresistentes é de suma importância para se instaurar o tratamento adequado e as medidas de isolamento dos pacientes, necessárias para se evitar a disseminação destes patógenos em surtos comunitários e nosocomiais. Palavras-chaves: ESBL, resistência bacteriana, betalactamases Introdução D iversos mecanismos emergentes de resistência aos antimicrobianos foram recentemente descritos e alguns deles são de difícil detecção pelas metodologias laboratoriais de rotina. Embora exista uma grande variedade de mecanismos de resistência aos antibióticos betalactâmicos, um dos mecanismos mais importantes é a produção de betalactamases, que são enzimas capazes de hidrolizar o anel betalactâmico de penicilinas, cefalosporinas e outros antimicrobianos relacionados, tornando-os inativos. Entre estes destacamos a produção de betalactamases de espectro ampliado (Extended-Spectrum Betalactamase = ESBL) principalmente em algumas espécies de bactérias Gram-negativas (1). A primeira referência à resistência antibiótica surgiu nos anos 152

40 com as penicilinas, tendo ressurgido com o advento dos novos antibióticos nos anos 50 e 60. Atualmente, o mecanismo de resistência causa enormes problemas terapêuticos com implicações de saúde pública (2). As betalactamases são produzidas por bactérias Gram-positivas e Gram-negativas. As bactérias Gram-negativas apresentam um número extraordinário de betalactamases, sobretudo cromossômicas e plasmidiais. Há evidências de que as enzimas que inativam os antibióticos betalactâmicos eram produzidas pelas bactérias muito antes da introdução e aperfeiçoamento destes antibióticos no uso clínico. O uso amplo e, às vezes, indiscriminado destes antimicrobianos certamente auxiliou na disseminação da resistência, mas não se pode responsabilizar a utilização clínica pelo aparecimento das betalactamases (3). Em 1983 foram detectados na Alemanha (Frankfurt) os primeiros isolados clínicos de Klebsiella pneumoniae e Escherichia coli resistentes às cefalosporinas de terceira geração. Desde então, têm sido descritas em todo mundo numerosas enzimas dos tipos TEM e SHV com este fenótipo de resistência (4). Muitas bactérias apresentam também pequenas moléculas de DNA circular conhecidas como plasmídeos, que são independentes do DNA cromossômico e carregam genes que não são essenciais para a vida. Possuem a propriedade de serem transferidos de uma bactéria para outra (conjugação) levando características genéticas até então inexistentes na célula receptora. Muitas vezes, os plasmídeos carregam genes que conferem à bactéria resistência a antibióticos. Essa é uma característica genética muito importante para a bactéria, pois permite sua sobrevivência mesmo na presença de uma substância nociva (5). As ESBL hidrolizam as cefalosporinas (exceto as cefamicinas) e os monobactâmicos, não hidrolizando, entretanto os carbapenêmicos. A ação hidrolítica destas enzimas é bloqueada pelos inibidores de betalactamase (ácido clavulânico, sulbactam e tazobactam). Um dos principais problemas causados por estas enzimas é decorrente do fato de sua produção ser induzida durante a terapêutica antimicrobiana. Dessa maneira, quando a amostra bacteriana é detectada pelo laboratório de microbiologia, ela é aparentemente sensível às cefalosporinas de terceira geração e penicilinas de amplo espectro, porém, durante o tratamento pode ocorrer indução da produção de grandes quantidades de enzimas e o paciente começar a evoluir mal, ocorrendo "recidiva" da infecção. Uma nova amostra da bactéria é isolada e esta poderá se mostrar resistente a um antimicrobiano (utilizado para o tratamento) para o qual a bactéria era inicialmente sensível, podendo até ser interpretado como erro laboratorial quando da avaliação da primeira amostra (6) Quando produzem estas enzimas, os organismos tornam-se altamente efetivos pela inativação de diversos antibióticos betalactâmicos. Assim, os Clínicos devem se familiarizar com o sig- 153

Figura 1 - Microfotografia eletrônica de duas Escherichia coli em processo de conjugação nificado clínico destas enzimas e de ESBL em laboratórios de microbiologia clínica, evidenciar as pos- estratégias potenciais para procedimentos com este crescente síveis falhas terapêuticas de diversos antimicrobianos em pacientes problema (7). É de suma importância avaliar com infecções por bactérias produtoras de ESBL e demonstrar que a freqüência de bactérias produtoras de ESBL para que se possa a sua detecção pode e deve ser estabelecer como rotina no laboratório de microbiologia clínica a tórios de microbiologia clínica. uma prática rotineira em labora- inclusão dos antibióticos nos testes de susceptibilidade aos antimicrobianos que auxiliam em tal iden- As bactérias possuem um úni- Genética Bacteriana tificação como ceftriaxona, ceftazidima, cefotaxima, cefpodoxima, pelo citoplasma, composto de DNA co cromossomo circular, disperso aztreonam, tobramicina, ciprofloxacina e os discos que possuem se totalidade das informações, (cadeia dupla) que contém a qua- os inibidores associados como incluindo as indispensáveis à vida amoxicilina/ácido clavulânico, sulbactam/ampicilina ou ticarcilina/ Os plasmídeos replicam-se in- da célula (8). ácido clavulânico. Esta seleção dependentes do cromossomo, pode ajudar ao Clínico, evitando carregam genes que não são essenciais para a vida das bactéri- ocorrência de falha terapêutica. Os objetivos deste trabalho são as e podem ser transferidos, de abordar a importância da detecção vez em quando por conjugação, de uma bactéria para outra. A transferência de fragmentos de DNA cromossômico e de plasmídeos é altamente disseminada nos procariotos, sendo uma das causas da notável diversidade genética observada nas bactérias (3). O problema da resistência se agrava, pois a transferência de plasmídeos ocorre entre células bacterianas de uma mesma população e entre as bactérias de diferentes gêneros (10). Muitas vezes carregam genes que conferem à bactéria resistência aos antibióticos, como por exemplo o gene que codifica alguma ESBL (5) (Figura 1). Uma conseqüência dos eventos genéticos ligados à transferência plasmidial tem sido observada na rápida propagação de resistência a antibióticos transmitida por plasmídeos em populações bacterianas após uso indiscriminado dos antibióticos em ambientes comunitários e hospitalares (11, 12). As bactérias podem transferir material genético de uma para outra por meio de quatro mecanismos: conjugação, transformação, transdução e transposição (13). A conjugação é um processo de transferência de genes que requer o contato célula-célula, diferindo dos demais processos; onde na transformação ocorre captação de DNA solúvel no meio por células doadoras, na transdução ocorre transferência gené- 154

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tica com auxílio dos bacteriófagos e na transposição, os genes são transferidos dentro de uma mesma célula por intermédio dos transposons (DNA). Estes segmentos podem "saltar" ou autotransferirem-se de uma molécula de DNA (plasmídeo, cromossomo) para outra (plasmídeo, cromossomo, fago) (9,10). Antimicrobianos São produtos naturais de fungos e bactérias ou sintéticos produzidos em laboratórios, capazes de impedir o crescimento de microorganismos ou mesmo destruílos. Algumas drogas antimicrobianas são bactericidas (matam microorganismos), enquanto outras são bacteriostáticas (inibem a sua multiplicação). Em pacientes com o sistema imune funcionando em condições adequadas, ambas as classes de drogas são efetivas e agem como auxiliares ao sistema eliminando a infecção. O principal objetivo do uso de um antimicrobiano é o de prevenir ou tratar uma infecção, diminuindo ou eliminando os organismos patogênicos e se possível, preservando os germes da microbiota normal. É improvável que um único agente quimioterápico possa apresentar todas as qualidades necessárias para utilização no tratamento eficaz de infecções microbianas. Portanto, podem-se fazer comparações entre os agentes disponíveis para selecionar o mais apropriado para o tratamento (9). A ação antimicrobiana é direcionada contra alvos peculiares nos microorganismos (estruturas e/ou vias metabólicas), ausentes no organismo humano. Este efeito minimiza o efeito tóxico das drogas antimicrobianas para a espécie humana. Pode ser através da inibição da síntese de parede celular, inibição da membrana celular, inibição da síntese protéica ou através da inibição da síntese de ácidos nucléicos (13). Os antibióticos betalactâmicos constituem uma grande família de diferentes grupos de compostos contendo um anel betalactâmico em sua estrutura (12). As penicilinas e cefalosporinas (betalactâmicos) afetam a síntese dos componentes do peptideoglicano inibindo uma etapa particular, em que ligações cruzadas são formadas entre as cadeias de peptideoglicano, este fato permite uma falha na sustentabilidade da parede celular (9). Os betalactâmicos agem ligando-se às proteínas carreadoras de penicilina na parede celular bacteriana. A resistência a estes agentes geralmente envolve processos que interferem na atuação destas proteínas. Figura 2 - Núcleo central dos antibióticos betalactâmicos Resistência Bacteriana A resistência a antimicrobianos tem aumentado rapidamente nos últimos anos no Brasil e 156

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no mundo, gerando uma necessidade crescente do conhecimento do perfil de sensibilidade das bactérias que mais freqüentemente causam infecções e do modo de disseminação da resistência (15). Muitas bactérias possuem resistência intrínseca a vários grupos de antibióticos, porém o problema da resistência aos antimicrobianos é colocado quando as bactérias sofrem mutações, originando formas resistentes (2). Os mecanismos genéticos que codificam a resistência bacteriana se exteriorizam por seis principais mecanismos bioquímicos de ação: inativação enzimática da droga, alteração da permeabilidade bacteriana à droga, alteração de sistemas de transporte na célula, retirada ativa da droga do meio intracelular, alteração do receptor à droga e modificação do sistema metabólico ativo para a droga e síntese das vias metabólicas alternativas (13). Todos estes mecanismos citados podem ser reunidos em três grupos: inativação enzimática, alteração do sítio de ação do antibiótico e alteração do transporte do antibiótico através do invólucro bacteriano. Um quarto mecanismo, caso específico de resistência as sulfonamidas e trimetropim, se relaciona à capacidade da célula bacteriana de evitar a rota metabólica inibida por estes antibióticos (16). A inibição ou inativação enzimática produzida pelos microorganismos é provavelmente o principal mecanismo molecular de resistência microbiana. Foi inicialmente descrita por Abraham e Chaim, em 1940, que demonstraram em extratos de Escherichia coli uma enzima capaz de inativar a ação da penicilina, provocando a sua abertura por hidrólise e transformando o antibiótico em produto inativo. Com a introdução das cefalosporinas na década de 60, o termo cefalosporinase passou a ser empregado para designar as enzimas que hidrolisavam este grupo de antibióticos betalactâmicos (13). Betalactamases As betalactamases constituem um grupo heterogêneo de enzimas capazes de inativar as penicilinas, cefalosporinas e por vezes os monobactâmicos. Estas enzimas são freqüentemente produzidas por bactérias Gram-positivas e Gramnegativas, aeróbias e anaeróbias, e lizam o anel betalactâmico por hidroxilação irreversível da ligação amida, com inativação do antibiótico. Embora o resultado final de sua ação seja o mesmo, a atividade enzimática é variável de acordo com o tipo de betalactamase produzida e os diversos substratos existentes. Existe uma variação em especificidade de substrato entre as betalactamases: algumas hidroxilam preferencialmente as penicilinas, outras têm atração pelas cefalosporinas e algumas enzimas inativam ambas as classes de antibióticos. Em alguns patógenos, verifica-se a produção de diferentes tipos de betalactamases, onde diferentes cepas podem produzir diferentes enzimas, ou uma única cepa pode produzir mais de um tipo de enzima. Os betalactâmicos são liberados em condições naturais pelos microorganismos produtores e são os resultados de um processo evolutivo e da pressão seletiva que favorecem os produtores de antibióticos. O uso amplo e indiscriminado destes agentes certamente auxiliou na disseminação da resistência, mas não provocou o aparecimento destas enzimas. (3). A produção destas enzimas por determinadas bactérias explica a sua permanência em um foco infeccioso quando o antibiótico utilizado é um betalactâmico. Além disso, pode interferir na sobrevivência de outros microorganismos, sensíveis ao antibiótico, quando o germe produtor faz parte de uma flora bacteriana mista. Pode ocorrer quando, em uma amigdalite tratada com penicilina, o Streptococcus do grupo A (sensível ao antibiótico) permanece ativo mesmo após o tratamento, devido à produção de betalactamases por bactérias que fazem parte da microbiota oral como es- 158

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tafilococos, moraxelas ou bactérias anaeróbias (13). Os inibidores de betalactamases são compostos que se assemelham o suficiente aos antibióticos betalactâmicos para uniremse às betalactamases, de forma reversível ou irreversível, para proteger os antibióticos da destruição. Não é surpreendente que estes compostos, que podem realizar o mesmo funcionamento dos antibióticos betalactâmicos, também possuam uma atividade antibacteriana limitada por si mesmos. Os três inibidores de betalactamases que têm sido aplicados na medicina clínica são o ácido clavulânico, o sulbactam e o tazobactam. Possuem efeitos contra penicilinas produzidas por Staphylococcus e têm eficácia variável contra as enzimas cromossômicas ou plasmidiais das bactérias Gram-negativas. O ácido clavulânico e o tazobactam são superiores ao sulbactam em atividade contra as betalactamases transmitidas por plasmídeos de microorganismos Gram-negativos, inibindo as ESBL. Algumas enzimas de amplo espectro são resistentes à atividade dos três compostos (17). Vários fatores determinam a eficácia de combinações de inibidores, antibióticos, enzimas e cepas bacterianas específicas. Estes fatores incluem a magnitude com que os antibióticos ou os inibidores induzem a atividade das betalactamases, a quantidade de enzima produzida, e a eficácia do inibidor contra o tipo específico de betalactamase produzida. Entre as betalactamases de amplo espectro, algumas são bloqueadas por diferentes inibidores e outras não são afetadas pela sua presença (17). ESBL (Extended-Spectrum BetaLactamase) As ESBL constituem um grupo de enzimas derivadas das betalactamases clássicas TEM-1, TEM- 2 e SHV-1 (6). Estas enzimas conferem resistência às cefalosporinas de amplo espectro, penicilinas e monobactans (aztreonam), sendo que essas amostras permanecem sensíveis às cefamicinas e carbapenêmicos. Outra característica fenotípica importante é que essas enzimas são sensíveis à ação dos inibidores de betalactamases, como sulbactam, ácido clavulânico e tazobactam. As enzimas foram denominadas de ESBL devido ao fato da maioria dessas enzimas serem codificadas por genes localizados em plasmídeos, que geralmente carregam genes de resistência a outros antimicrobianos, tais como aminoglicosídeos, trimetropim, sulfonamidas, tetraciclinas e cloranfenicol. As cepas produtoras de ESBL são geralmente multirresistentes. A produção de betalactamases é o principal mecanismo de resistência das bactérias Gram-negativas. O grau de resistência irá depender da quantidade de enzima produzida, da habilidade dessa enzima em hidrolisar o antimicrobiano em questão (potência) e da velocidade com que o betalactâmico penetra pela membrana externa da bactéria (permeabilidade da membrana). A superprodução de enzimas induzíveis cromossômicas ou plasmidiais pode inativar antibióticos como o imipenem ou as cefalosporinas de terceira geração que eram resistentes à degradação por quantidades normais de enzimas. As ESBL inativam muitas das cefalosporinas de terceira geração, enquanto que os carbapenêmicos são relativamente resistentes a estas enzimas versáteis. As bactérias Gram-negativas têm estado suficientemente cheias de recursos como a produção de betalactamases que inativam antibióticos em forma específica, como o imipenem, que são resistentes à ação da maior parte das outras enzimas (17). O primeiro relato de cepas produtoras de ESBL ocorreu em Frankfurt, na Alemanha em 1983, onde enzimas do tipo SHV foram isoladas de Klebsiella pneumoniae e Escherichia coli. A análise destas cepas demonstrou posteriormente que a resistência devia-se à produção de uma betalactamase plasmidial transferível, derivada de SHV-1, sendo denominada SHV-2. Desde 160

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então, têm sido descritas em todo mundo numerosas enzimas dos tipos TEM e SHV com este fenótipo de resistência. Cepas de Klebsiella spp e Escherichia coli são as bactérias mais comuns produtoras de ESBL, porém já foram detectadas em diversas espécies de Enterobacteriaceae e em Pseudomonas aeruginosa. Atualmente existem mais de 150 ESBL descritas, das quais mais de 90 são do tipo TEM e mais de 25 dos tipos SHV e OXA (14). As enterobactérias produtoras de ESBL têm sido isoladas com maior freqüência em amostras procedentes de pacientes hospitalizados, porém também podem ser encontradas em amostras de origem comunitária. Estes isolamentos podem aparecer de forma esporádica, sem relação epidemiológica ou dar lugar a surtos nosocomiais. O tubo digestivo atua como reservatório potencial destes microorganismos multirresistentes. Além disso, é o habitat adequado para que a resistência se transmita a outras espécies bacterianas (4). O aparecimento de surtos nosocomiais devido a estes microorganismos depende tanto das condições ambientais (elevado consumo de cefalosporinas de terceira geração, manipulação dos pacientes, etc.) como das características especiais do microorganismo (fatores de virulência, aderência, etc). Além do consumo de antibióticos de amplo espectro, outros fatores de risco são importantes para adquirir infecção/colonização como a cateterização arterial e/ou urinária (6). É importante conhecer o mecanismo de resistência para que ocorra a determinação fenotípica e genotípica do microorganismo, para posterior relevância epidemiológica do surto. Além de evidenciar se é a mesma cepa que está causando determinado surto ou se são cepas diferentes do mesmo microorganismo. Detecção de ESBL A detecção destas enzimas em isolados de E. coli e Klebsiella pnemoniae é problemática devido à variabilidade fenotípica dos tipos enzimáticos, pois as expressões guardam estreita correlação com os mecanismos de ação dos antibióticos. Alguns métodos têm sido propostos, baseados no fato da produção de ESBL ser afetada pelos inibidores de betalactamases, como o método da fita E-teste (fita dupla), o método da dupla difusão em ágar ou método de aproximação de disco, o método da adição de ácido clavulânico ao disco de ceftazidima e o método automatizado. Apesar da aparente sensibilidade in vitro a vários antimicrobianos, pacientes com infecções por cepas produtoras de ESBL podem não responder à terapia com betalactâmicos e monobactâmicos. Os carbapenêmicos, imipenem e meropenem, são opções terapêuticas indicadas para o tratamento de infecções por cepas produtoras dessas enzimas. Geralmente estas amostras exibem co-resistência às quinolonas e aminoglicosídeos, portanto, o uso destes agentes deve ser baseado no antibiograma. Mutações na cadeia de aminoácidos podem ser responsáveis pela falha na detecção dessas enzimas porque alteram a capacidade ou a velocidade de hidrólise de oximino-betalactâmicos. As ESBL derivadas da enzima TEM e com apenas uma substituição na cadeia de aminoácidos (TEM-7 ou TEM-12) apresentam baixo poder de hidrólise deste grupo de antibióticos, podendo não ser detectadas em testes laboratoriais. Outras, como aquelas derivadas das enzimas TEM-3, TEM-26, SHV-2 e SHV-4, exibem alto poder de hidrólise de betalactâmicos. Por esta razão o betalactâmico que será hidrolisado de maneira mais eficaz varia muito dependendo da enzima (6). Segundo o NCCLS, para as cepas com testes positivos para ESBL no laboratório de microbiologia clínica, devem ser reportadas no laudo como resistentes aos antibióticos betalactâmicos e às combinações de betalactamases com inibidores de betalactamases (mesmo que sensíveis in vitro). Além disso, deve ser acrescentada uma observação re- 162

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latando que os testes laboratoriais sugerem a produção de ESBL, para que se tomem as medidas epidemiológicas adequadas e evitar que estas drogas sejam utilizadas no tratamento (Tabela 1). Os testes disponíveis para detectar cepas produtoras destas enzimas possuem limitações devido à possibilidade das já mencionadas mutações. Interpretações adequadas dos testes de susceptibilidade antimicrobiana são imprescindíveis na detecção deste mecanismo de resistência (18). Discos de tobramicina e ciprofloxacina devem ser incluídos nos testes de detecção, pois geralmente as amostras bacterianas produtoras de ESBL também são resistentes a estes antibióticos (4). Tabela I - Teste para a detecção de ESBL em Klebsiella pneumoniae, K. oxytoca e Escherichia coli segundo o NCCLS Método Teste de Triagem Teste Confirmatório Meio de Cultura ágar Mueller Hinton ágar Mueller Hinton Concentração do disco de Antibiótico Cefpodoxima 10µg ou Ceftazidima 30µg ou Aztreonam 30µg ou Cefotaxima 30µg ou Ceftriaxona 30µg O uso de mais de um agente antimicrobiano para a triagem aumenta a sensibilidade de detecção Ceftazidima 30µg Ceftazidima/ác. clavulânico 30/10µg E cefotaxima 30µg cefotaxima/ác. clavulânico 30/10µg O teste confirmatório deverá ser feito com ambos antibióticos, sozinho e combinado com ác. clavulânico Inóculo econdições deincubação De acordo com as recomendações da padronização do teste de difusão Resultados Cefpodoxima 22mm Ceftazidima 22mm Aztreonam 27mm Cefotaxima 27mm Ceftriaxona 25mm = suspeita de produção de ESBL Um aumento de 5mm no diâmetro para qualquer agente antimicrobiano testado em combinação com o ácido clavulânico comparado com o agente sozinho = produção de ESBL Recomendações do Controle de Qualidade E.coli ATCC 25922 K. pneumoniae ATCC 700603 Cefpodoxima 9-16mm Ceftazidima 10-18mm Aztreonam 9-17mm Cefotaxima 17-25mm Ceftriaxona 16-24mm E. coli = um aumento de 2mm no halo do antibiótico testado sozinho comparado com a zona de inibição quando combinado com ácido clavulânico K. pneumoniae Aumento de 5mm no halo da ceftazidima Aumento de 3mm no halo da cefotaxima 164

Figura 4 Figura 3 Método E-Teste O método E-teste utiliza uma fita plástica que contém concentrações crescentes do agente em estudo numa placa de Mueller Hinton semeada com o inóculo bacteriano padronizado com a escala 0,5 de MacFarland. Neste caso, em um dos lados da fita existe ceftazidima, e do outro ceftazidima associada a uma concentração fixa de 2µg/mL de ácido clavulânico. A bactéria será considerada produtora de ESBL quando a leitura apresentar uma diminuição de pelo menos duas diluições logarítmicas (quando a razão entre os dois breakpoints for igual ou maior que 8) da ceftazidima/ácido clavulânico em relação ao MIC (Concentração Inibitória Mínima) da ceftazidima. O método se baseia no aumento da sensibilidade em presença do ácido clavulânico, como recomenda o NCCLS para testes confirmatórios de presença de ESBL. Esta técnica é de fácil realização; entretanto, pode gerar resultados confusos se usada isoladamente, pois neste caso será testada somente uma droga (Figura 4). Método da dupla difusão ou método da aproximação de disco A identificação de amostras pro- Figura 5 - Presença de "ghost-zone" dutoras de ESBL pode ser feita mediante a sinergia de duplo disco. Realiza-se a difusão em ágar utilizando uma placa de ágar Mueller Hinton inoculada com uma suspensão bacteriana ajustada com o padrão 0,5 da escala de MacFarland; logo após colocam-se os discos com carga padronizada de 165

aztreonam e cefalosporinas de terceira geração como cefotaxima, ceftazidima, ceftriaxona; dispostos a uma distância de 20mm de discos de amoxicilina / ác. clavulânico. É considerada sinergia positiva (e, portanto, detecta-se a produção de ESBL), quando se observa uma ampliação do halo de inibição em alguma das cefalosporinas ou do aztreonam ou o aparecimento de uma terceira zona irregular de inibição (conhecida como ghostzone) entre o disco composto e o disco de uma das drogas betalactâmicas. Esta técnica é de fácil realização e acessível a qualquer laboratório de microbiologia clínica. Este método é o mais utilizado na rotina laboratorial pelo baixo custo, fácil acesso à metodologia e pelo tempo de obtenção dos resultados. Para cepas isoladas que demonstram zonas de inibição grandes, o disco deve ser colocado a 30mm de distância e para cepas isoladas com zona de inibição menores, uma distância menor deve ser utilizada (20mm). A determinação desta distância constitui a maior dificuldade do método (Figuras 3 e 5). Método da adição do ácido clavulânico ao disco de ceftazidima Este método baseia-se na comparação do tamanho do halo formado em torno dos discos de ceftazidima (30µg) com o halo do disco de ácido clavulânico/ceftazidima (10µg/ 30µg). Um aumento maior ou igual a 5mm no halo de inibição do disco composto em comparação com o halo do disco sem ácido clavulânico, indica bactéria produtora de ESBL. Método automatizado Alguns painéis de microdiluição estão disponíveis, comercializados principalmente para os sistemas MicroScan (Dade Behring) e Vitek (biomériux). A análise fenotípica da bactéria por este método proporciona uma padronização e rapidez, o que garante boa consistência nos resultados em detrimento aos testes em discos, com resultados após 18-24 horas. Todavia, o método automatizado tem algumas desvantagens quando comparado com difusão em ágar, porque certas bactérias não crescem ou o fazem pobremente após 4-5 horas de incubação (Proteus sp, Morganella sp, Providencia sp, Yersinia sp e outras). Outro ponto seria a dificuldade em detectar o baixo nível de expressão deste mecanismo de resistência. Alguns complexos fenotípicos resultantes de combinações destes mecanismos são pobremente diferenciados pelo método automatizado (18). Desvantagens na realização destas técnicas A hiperprodução de betalactamase cromossômica por Proteus vulgaris, Proteus penneri ou Citrobacter koseri (que é uma cefuroximase inibida pelo ácido clavulânico), pode resultar em uma ampliação do halo com a cefuroxima, cefotaxima e ceftriaxona. A hiperprodução desta enzima confere resistência a estas drogas, permanecendo a bactéria sensível à ceftazidima e ao aztreonam (6) A hiperprodução de betalactamase K-1 por K. oxytoca produz ampliação do halo com a cefuroxima, ceftriaxona, aztreonam e cefotaxima, mas nunca com a ceftazidima. A hiperprodução de betalactamases confere resistência a estas drogas, mas não à ceftazidima. Portanto, para diferenciar uma cepa de K. oxytoca hiperprodutora de K-1 de uma produtora de ESBL deve-se realizar sempre o método de determinação do MIC da ceftazidima, observando se este valor se reduz na presença de ácido clavulânico (6) A hiperprodução de SHV-1 por K. pneumoniae, causada pela presença de múltiplas cópias do plasmídeo que as codifica, também pode ocasionar um fenótipo compátivel com a produção de ESBL. Nestes casos, há uma aumento dos MICs da ceftazidima (4-8µg/mL) e do aztreonam (1-2µg/mL), afetando escassamente os MICs da cefotaxima e ceftriaxona (6) A produção de L-2 por Stenotrophomonas maltophila resulta em sinergia positiva com aztreonam devido à ação hidrolítica desta enzima sobre o aztreonam, sendo inibida pelo ácido clavulânico. Portanto, não devemos confundir este tipo de resistência com a provável produção de ESBL (6) 166

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Prevenção e tratamento As medidas básicas de prevenção do aparecimento da resistência bacteriana e disseminação de cepas resistentes consistem na adoção de medidas higiênicas, de desinfecção, no reforço das técnicas assépticas e no isolamento dos doentes afetados (2). Para o controle de surtos ocasionados por cepas produtoras de ESBL têm sido aplicadas medidas como a restrição do consumo de cefalosporinas de terceira geração, isolamento dos pacientes colonizados e/ou infectados e educação das pessoas que trabalham diretamente com os pacientes quanto ao cuidado com a manipulação destes e a correta lavagem das mãos (6). O problema do tratamento das infecções causadas por cepas de bactérias que produzem ESBL é universal e ocorre principalmente em hospitais que utilizam de maneira indiscriminada as cefalosporinas de amplo espectro de ação. O tratamento de pacientes com infecções causadas por cepas que produzem ESBL fica limitado a poucos agentes de amplo espectro de ação, os quais poderão também falhar diante de microorganismos que produzem múltiplas betalactamases, que associadas produzem múltipla resistência. Somente alguns antibióticos betalactâmicos conservam sua atividade frente às enterobactérias produtoras de ESBL. Os carbapenêmicos são os antibióticos mais efetivos, estas drogas são muito resistentes à hidrólise por este tipo de enzima. O uso de antibióticos carbapenêmicos deveria ser moderado, pois tem sido descrito um aumento da resistência a estas drogas. A duração da permanência no hospital (Enfermaria ou Unidade de Tratamento Intensivo - UTI) é um fator primordial, porque, quanto maior a estadia, mais grave a doença, mais intensos os procedimentos invasivos e a administração de antibióticos. É essencial que o laboratório de microbiologia clínica esteja preparado para a detecção destes mecanismos de resistência que têm surgido principalmente em surtos nosocomiais. Discussão Vários trabalhos de prevalência de ESBL relatam porcentagens de microorganismos produtores de ESBL para todas as Enterobacteriaceae e algumas Pseudomonadaceae em diversas partes do mundo. As bactérias isoladas com maior freqüência na produção de ESBL são cepas do gênero Klebsiella seguidas por isolados de Escherichia coli. Alguns autores apresentam porcentagens maiores de outras enterobactérias do que em Klebsiella spp, porém devem ser casos isolados de surtos ou trabalhos em que o número de amostras foi pequeno, o que aumenta a porcentagem final, como Pagani et al que utilizaram apenas 70 cepas encontrando 48% de Proteus mirabilis como produtoras de ESBL e Otkum et al, que encontraram 30% de cepas de Salmonella typhimurium produtoras de ESBL de um total de 75 cepas isoladas. O teste de aproximação de discos é o mais utilizado para realizar a detecção de ESBL, pois não acarreta custos adicionais ao laboratório visto que os antimicrobianos envolvidos neste método podem ser incluídos no antibiograma rotineiro para microorganismos Gram-negativos. Assim, a detecção por este método pode e deve ser realizada em qualquer laboratório de microbiologia clínica mesmo não sendo em ambiente hospitalar, porém alguns aspectos devem ser enfatizados apesar da facilidade de realização na rotina laboratorial. A determinação da distância entre os discos deve ser feita de maneira a permitir a visualização do aumento ou distorção dos halos. Se a amostra formar halos grandes, a distância deve ser aumentada, entretanto se os halos forem menores devese diminuir a distância dos discos para visualizar o efeito da ghostzone, essa variação da distância dificulta a realização do teste, pois deve ser adequada para cada amostra. O NCCLS recomenda a distância de 20mm centro-centro. A interpretação é altamente subjetiva, uma vez que o aparecimento 168

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de uma terceira zona de inibição não pode ser quantificada. O método de E-teste e a análise automatizada requerem custos adicionais ao laboratório, sendo então realizados somente por laboratórios de grande porte e centros de referência. O método de adição de ácido clavulânico ao disco de ceftazidima pode ser realizado em qualquer laboratório de microbiologia, porém acarreta custos adicionais, visto que este disco combinado não está disponível pelo mercado para a terapêutica e não é usualmente utilizado pelos Clínicos. Palasubramaniam & Parasakthi em 2001 na Malásia compararam os três métodos de identificação presuntiva de ESBL (excluindo o método automatizado) e concluíram que o método E-teste com fita dupla combinada mostrou-se mais efetivo em todas as amostras de Klebsiella pneumoniae resistentes à ceftazidima analisadas. Bedenic & Boras em 2001 na Croácia concluíram em seu trabalho sobre os métodos de detecção de ESBL que o método de dupla-difusão necessita de uma padronização mais rigorosa do inóculo com a escala de MacFarland do que os outros métodos manuais, o que demonstra a importância do inóculo para o antibiograma. Segundo Blatt em 2000, o surgimento de resistência bacteriana aos antimicrobianos é inevitável, pela conservação das espécies, mas o controle na utilização dos mesmos pode limitar o aparecimento de cepas multirresistentes. Barbosa et al em 1998, concordam com esta afirmação dizendo que somente a utilização indiscriminada dos antibióticos não pode ser responsabilizada pelas resistências emergentes. Porém, Silva & Salvino em 2000, dizem que um longo período de hospitalização e o uso abusivo de cefalosporinas de terceira geração são fatores de risco primordiais para a disseminação de surtos por bactérias produtoras de ESBL; o que demonstra a divergência de autores a respeito do uso indiscriminado de antibióticos como responsável pela múltipla resistência. O papel do laboratório de microbiologia clínica é de extrema importância para o diagnóstico, visto que é a partir da análise do antibiograma que o Clínico deve prescrever o antimicrobiano ao paciente. Se o Clínico prescrever um antibiótico betalactâmico para o paciente portador de uma infecção por bactéria produtora de ESBL poderá acarretar em falha terapêutica, seja por erro do laboratório que pode não ter detectado a produção da enzima ou por equívoco do Clínico ao indicar uma droga dotada de anel betalactâmico. Assim, o paciente não vai responder positivamente ao tratamento e pode ocorrer agravamento da infecção, pois com a diminuição da flora bacteriana normal (que pode se demonstrar sensível ao betalactâmico), certamente ocorrerá uma diminuição da competitividade com a flora normal a depender do sítio anatômico da infecção. Como a produção de ESBL pode ocorrer espontaneamente, há a possibilidade dessa produção se evidenciar no decorrer do tratamento. Então, o paciente que estaria respondendo positivamente à uma infecção por uma bactéria não produtora de ESBL, passa a demonstrar um agravamento do quadro infeccioso e ocorre recidiva da infecção. Uma nova amostra do material clínico pode detectar a presença da produção de ESBL, o que pode ser interpretado como erro laboratorial. As drogas que a totalidade dos autores recomendam para o tratamento das infecções por bactérias produtoras de ESBL são os carbapenêmicos (imipenem e meropenem), por estas drogas não sofrerem hidrólise pela ESBL. No entanto, Kocazeybec & Arabaci em 2002 encontraram 89,7% e 95,1% de sensibilidade in vitro para imipenem e meropenem, respectivamente, em 185 cepas isoladas de enterobactérias. Para as espécies de Klebsiella a sensibilidade foi de 98,4% para imipenem e 100% para meropenem. Já em Pseudomonas aeruginosa a resistência foi de 21,6% para imipenem e 10,8% para meropenem, o que demonstra uma maior resistência para as cepas de Pseudomonas aeruginosa. Esta resistência 170

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vem ocorrendo devido à produção de carbapenamases simultaneamente à produção de ESBL. Assim, as drogas de escolha para o tratamento de bactérias produtoras de ESBL passam a ficar vulneráveis e a demonstrar uma resistência até então desconhecida aos carbapenêmicos. Estes dados alertam para a necessidade do uso racional dos antibióti- cos carbapenêmicos para prevenir a aparição de novos microorganismos multirresistentes. Como observado nas estatísticas, bactérias produtoras de ESBL vêm sendo isoladas de surtos nosocomiais no mundo inteiro. Surtos comunitários também têm ocorrido e mesmo sendo com uma freqüência menor possuem importância epidemiológica. Correspondência para: Manuel Alves de Sousa Junior Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de Salvador - APAE SSA Centro Médico e Laboratorial. Laboratório de Análises Clínicas Setor de Microbiologia Rua Rio Grande do Sul, 545 CEP: 41830-161. Salvador. BA E-mail: masjbiologo@bol.com.br Referências Bibliográficas 1. Francisco W, Jea AHY. Resistência à β-lactamases por Presença de ESBL. www.fleury.com.br/mednews/0301/mdcontfcb0302.htm Acesso em: 15/10/2002. 2. Soares MA. Resistência Antibiótica. Pharmacia Brasileira, p. 59-62, Jan/Fev 2001. 3. Barbosa HM, Torres BB, Furlaneto MC. Microbiologia Básica. Ed. Atheneu, São Paulo, 1998. 4. Silva CHPM. Bacteriologia - Um texto ilustrado. Ed. Eventos, Teresópolis/RJ, 1999. 5. Farah Solange Bento, DNA - Segredos & Mistérios. Ed. Sarvier, São Paulo, 1997. 6. Silva CHPM, Salvino CR. Importância do Reconhecimento das Enterobactérias Hospitalares Produtoras de Beta-lactamases de Espectro Estendido (ESBL) e suas Implicações Terapêuticas. Newslab (41): 104-112, 2000. 7. Nathisuwan S, Burgess DS, Lewis JS. Extended-spectrum beta-lactamases: epidemiology, detection and treatment. Pharmacotherapy. 21(8): 920-8, 2001. 8. Trabulsi LR, Toledo MRF. Microbiologia. Ed. Atheneu, 2ªed., São Paulo, 1996. 9. Pelczar MJ, Chan ECS, Krieg NR, Edwards DD, Pelczar MF. Microbiologia - Conceitos e Aplicações. Ed. Makron Brooks do Brasil, 2ªed, vol. 1, São Paulo, 1996. 10. Tortora GJ, Funke BR, Case CL. Microbiologia. Ed. Artes Médicas Sul, 6ªed, Porto Alegre, 2000. 11. Brooks GF, Butel JS, Ornston LN, Jawetz E, Melnick JL, Adelberg EA. Microbiologia Médica. Ed. Guanabara Koogan, 20ºed., Rio de Janeiro, 1998. 12. Mims C, Playfair J, Wakelin D, Willians R, Roitt I. Microbiologia Médica. Ed. Manole Ltda, 2ªed, São Paulo, 2001. 172

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