SÂNDI VOCÁLICO EXTERNO NA FALA DO RIO DE JANEIRO

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SÂNDI VOCÁLICO EXTERNO NA FALA DO RIO DE JANEIRO Vanessa Meireles de Oliveira SILVA 1 RESUMO: Este trabalho refere-se à descrição do sândi vocálico externo na fala do Rio de Janeiro. Mostramos que, nessa variedade, há dois tipos de sândi vocálico externo, a elisão e a ditongação, em oposição à manutenção do hiato. Propõe-se que os dois tipos de sândi sejam interpretados como resultantes da ação do Princípio do Contorno Obrigatório (PCO). Na fala do Rio de Janeiro, as principais variáveis linguísticas relevantes para a implementação do fenômeno observado são a natureza das vogais, o acento e a presença de um monomorfema na primeira posição do encontro vocálico. PALAVRAS-CHAVE: sândi; ditongação; elisão. ABSTRACT: This paper refers to the description of the external vocalic sandhi in the speech of Rio de Janeiro. We will show that, in this variety, there are two types of external vocalic sandhi, the elision and the diphthongization, in opposition to the maintenance of the hiatus. We propose that the two types of sandhi be interpreted like results of the action of the Obligatory Contour Principle (OCP). In the speech of Rio de Janeiro, the principal linguistic variables relevant to the application of the phenomena observed are the nature of the vowels, the accent and the presence of a monomorphemic word in the first position of the vocalic sequence. KEY-WORDS: sandhi; diphthongization; elision. 1 Introdução Neste trabalho, expõe-se o funcionamento do sândi vocálico externo na fala do Rio de Janeiro com base na análise de um corpus representativo. Os trabalhos de Bisol (1996a, 1996b, 2000, 2003) sendo referências fundamentais para o estudo desse fenômeno no Português Brasileiro (PB), as hipóteses e os resultados neles apresentados constituíram o ponto de partida para a análise do corpus recolhido para este estudo. Bisol estabelece que, do encontro entre duas vogais na fronteira vocabular, podem ocorrer elisão se a primeira vogal é /a/ diante de vogal diferente (camis usada), ditongação se uma das vogais é alta (camisawsada), ou degeminação se as vogais forem idênticas (camisazul). Verificou-se, na fala em foco, as ocorrências do sândi e suas restrições de aplicação. Mostra-se que na fala estudada, há apenas elisão e da ditongação na fronteira entre palavras, a degeminação sendo apenas um caso particular de elisão em que as vogais são idênticas. Ainda na fala estudada, as variáveis linguísticas pertinentes para a aplicação do sândi são a natureza e o acento das vogais envolvidas e a presença de um monomorfema na primeira vogal da sequência vocálica. Apresenta-se por fim uma discussão dos fenômenos à 1 Universidade Paris VIII Vincennes Saint-Denis, vanessameireless@gmail.com. 1

luz da atuação do Princípio do Contorno Obrigatório PCO (LEBEN, 1973), tendo em vista uma unificação da análise tradicional. 2 O corpus da fala do Rio de Janeiro O corpus deste estudo é constituído de 950 enunciados apresentando um encontro vocálico na fronteira entre palavras. Em todas as sequências deste tipo, observou-se se um tipo de sândi ocorria ou se era a manutenção do hiato que era constatada. Os enunciados foram extraídos de seis entrevistas orais disponíveis no site do projeto VARPORT (www.letras.ufrj.br/varport). Os resultados obtidos mostram que a manutenção do hiato é o caso predominante para as sequências analisadas (55,15%) e que a ditongação (24,84%) é mais produtiva que a elisão (10,52%) e que a degeminação (9,47%). As dimensões extralinguísticas analisadas (idade, registro culto e popular) não parecem pertinentes: como já foi mostrado em vários trabalhos, o sândi é um fenômeno condicionado essencialmente pelo contexto linguístico. As variáveis linguísticas que foram analisadas são: (a) a natureza da vogal 1 e da vogal 2, (b) o acento de V1 e V2, (c) a extensão da palavra que contém V1 e a extensão da palavra que contém V2, (d) a categoria lexical / funcional das palavras envolvidas, (e) a natureza oral ou nasal da segunda vogal. A análise mostra que os principais fatores linguísticos a considerar quanto à aplicação do sândi são: (1) o acento que, se principal em V2, impede a realização do sândi, (2) a extensão da primeira palavra (que, ao tratar-se de um monomorfema, não pode ser apagado), (3) a natureza das vogais (que determina que determina se a elisão e/ou a ditongação são possíveis). 3 A restrição imposta pelo acento O contexto ideal para o sândi é a sequência de duas vogais átonas, e o sândi nunca acontece se as duas vogais são tônicas. Além destes extremos, a segunda vogal pode ter um acento primário. Já quando sobre ela recai o acento principal de enunciado, a elisão não ocorre: Elisão (entre vogais de natureza diferente): 1) Vogal tônica + vogal tônica (hiato) Paquetá é grande 2) Vogal tônica + vogal átona (hiato) Está igual está na balança 3a) Vogal átona + vogal tônica (acento primário) (sândi) a onda é menor 3b) Vogal átona + vogal tônica (acento principal) (hiato) 2

Nadar contra ela (*contrela) 4) Vogal átona + vogal átona (sândi) acho que era exagerado Bisol exemplifica a proibição do sândi imposta pelo acento principal com os exemplos (a) e (c): a) *Ela mastigav'ervas b) Ela mastigav'ervas amargas (elisão) c) *com'uvas d) Com'uvas maduras (elisão) O acréscimo de uma palavra em (b) e (d) muda a posição do acento principal, deixando o contexto livre para a aplicação do sândi. Resta o caso em que as duas vogais são átonas e os casos em que a V1 é átona e V2 possui apenas um acento primário, contextos que não impedem a aplicação do sândi, que não acontece entretanto. Por isto dizemos que o sândi vocálico é um fenômeno variável, pois, satisfeitas as duas condições básicas (V1 inacentuada e V2 sem acento principal), o sândi pode ou não acontecer. Segundo Bisol, o acento de direita é mais forte que o acento de esquerda pois uma particularidade da elisão quando as vogais são idênticas (quer dizer, o que a autora considera como uma degeminação) é a possibilidade de elidir a primeira vogal, mesmo se ela é tônica, mas nunca diante de uma vogal que recebe o acento principal. No nosso corpus não houve ocorrências deste caso, exceto nas expressões cristalizadas d água / n água. Isto corrobora, a nosso ver, o fato de que a elisão e a degeminação apresentam um comportamento similar neste aspecto: Degeminação 1) Vogal tônica + vogal tônica (hiato) é época de chuva 2) Vogal tônica + vogal átona (hiato) portanto que a água tá até 3a) Vogal átona + vogal tônica (acento primário) (sândi) e essa água ali já está limpa 3b) Vogal átona + vogal tônica (acento principal) (hiato) é na aba 4) Vogal átona + vogal átona (sândi) nós estamos até esperando água ainda O papel proibidor do acento principal é explicado por Bisol como uma proteção da estrutura prosódica: 3

O sândi externo tem por domínio qualquer unidade prosódica maior do que a palavra, estendendo-se esse domínio da frase menor à maior, independentemente do nome que venha a tomar. O cabeça de tais domínios prosódicos é o ultimo pé ou sílaba que porta o acento principal. Preservar o elemento forte de um constituinte é regra geral. Perdê-lo tem o custo de uma reorganização rítmica total. (BISOL, 2000, p. 324). Segundo Bisol, a ditongação não seria afetada por esta restrição visto que, contrariamente à elisão, não leva à perda de nenhum segmento. Entretanto, este é um contexto minoritário de aplicação no nosso corpus, o único exemplo de ditongação diante de acento principal é pra ver o quê qu[e e]ra. Os outros casos não estão sintaticamente completos, são cortados por uma hesitação do locutor. 4 O monomorfema Outra restrição ao sândi, ainda segundo Bisol, é a impossibilidade de apagar um elemento monomorfêmico. Quando V1 é um monomorfema, isto é, um morfema constituído de um único segmento fônico, ele não pode ser eliminado, sob pena de que se perca uma informação sintática ou semântica. No nosso corpus a elisão não acontece quando a estrutura silábica do morfema ao qual pertence V1 é do tipo V, o que pode ser explicado como uma restrição contra o apagamento de um elemento (monomorfêmico) que não deixaria traços. Estes são os exemplos de Bisol (2000, p. 326-328): Falei a Orlando Cuida da entrada Moro na esquina Mora na Holanda *falei Orlando *cuida [den]trada *moro [nis]quina *mora [no]landa mas: Recado para Elisa Recado pra Elisa Recado [parelisa] Recado [prelisa] Da mesma forma, no nosso corpus, quando V1 é um morfema de forma V, o sândi não é possível: Não-sândi porque não acabou [a en]chente ainda não Se V1 pertence a uma estrutura do tipo C*V, o sândi pode acontecer: Sândi d[e en]chente ainda [d ĩ ɛ t ɪ] Nestes exemplos, como não se trata de monomorfemas constituídos de um único segmento, o sândi acontece. Nos exemplos de Bisol, [na] e [da] são dois monomorfemas 4

combinados. A elisão da vogal resultaria na perda de um morfema (preposição ou artigo), que deve ser preservado. Bisol considera o caso dos monomorfemas como uma relação entre morfologia e prosódia. Segundo Abaurre (1996), trata-se antes de uma relação entre fonologia e sintaxe. Veloso (2003) tentou explicar esta questão em diferentes modelos teóricos: a Morfologia Prosódica Clássica (MARANTZ 1982, McCARTHY & PRINCE 1986 entre outros), a Morfologia Prosódica baseada na Teoria da Otimalidade (KAGER 1999) e a Morfologia Distribuída (HALLE & MARANTZ 1993, BOBALJIK 1995). Em todo caso, a degeminação desconhece esta restrição já que, tratando-se de duas vogais idênticas, o elemento apagado continuaria a ser identificado na vogal subsistente como nestes exemplos de Bisol (2000, p. 326-328): Recado à Maria (a + a) Mora na aldeia mora naldeia Perto da alameda perto dalameda No nosso corpus, este caso é muito raro nas estruturas silábicas do tipo V (1 caso: quanto [à a]limentação), a preferência sendo por duas sílabas ou mais. Para esta variável, os resultados dos apagamentos entre vogais iguais e diferentes são similares, o que constitui um argumento para a hipótese de que se trata aqui do mesmo fenômeno, além do comportamento similar no que se refere ao acento da primeira vogal. A ditongação parece evitar igualmente a estrutura silábica do tipo V em primeira posição vocálica (somente 8 casos). Quanto menos sílabas há nas palavras em questão, mais a ditongação é frequente, à exceção evidentemente da estrutura monossilábica V. Tanto para a elisão quanto para a degeminação, a extensão da palavra que contém V2 não tem nenhum papel aparentemente. Para a ditongação, a estrutura silábica da segunda palavra é predominantemente do tipo V. Analisando a categoria à qual pertencem as palavras da sequência, podemos constatar que a elisão não acontece entre uma palavra funcional e um clítico no nosso corpus. Em relação à primeira palavra, a elisão é mais frequente quando se trata de uma palavra lexical, seguido do clítico e por último da palavra funcional. A proporção é a mesma para a categoria da segunda palavra. A degeminação não acontece entre clíticos e acontece raramente se a primeira palavra é um clítico ou uma palavra funcional. A ditongação ocorre mais frequentemente entre um clítico e uma palavra de qualquer categoria. Pensamos que isto se deva à dimensão da palavra: quanto mais curta ela é, mais a ditongação se aplica facilmente. 5 A natureza das vogais Segundo Bisol, a vogal a, em primeira posição, apresentaria a possibilidade de elisão, de ditongação com a vogal subsequente ou de degeminação, em oposição à manutenção do hiato. O contexto englobando as vogais /I/ e /U/ seriam suscetíveis de ditongação e manutenção do hiato. No corpus analisado, a elisão é mais frequente quando a vogal 1 é posterior. Se assumirmos, como Bisol, que a vogal /a/ é posterior, ocorrem: (a) diante de vogal diferente, 62 casos de elisão de /a/; 25 de /I/; 13 de /U/; (b) diante de vogal idêntica, 66 casos de elisão de /a/, 18 de /I/ e 6 de /U/. Bisol considera que a elisão da vogal /a/ seria motivada diante de uma vogal posterior, já que processos de assimilação são favorecidos entre segmentos similares. A autora afirma 5

que a elisão da vogal seria até mesmo categórica diante de uma vogal posterior 2. No corpus representativo da fala do Rio de Janeiro, há elisão, no que se refere à vogal a: (a) em 27 casos diante de vogal anterior (9 diante de [ɛ], 10 diante de [e], 17 diante de [i]); (b) em 26 casos diante de vogal posterior (1 caso diante de [o] e 25 diante de [u]); (c) em 66 casos, há apagamento diante de vogal idêntica (os casos classificados como degeminação, na terminologia de Bisol). O apagamento da vogal /i/ acontece mais frequentemente diante de vogal anterior no nosso corpus (diante de [ɛ]: 11 casos, diante de [e]: 11 casos, contra um caso de elisão diante de vogal posterior). A elisão de [u] acontece majoritariamente diante de um a. A ditongação acontece mais frequentemente diante das vogais [ ], [e] e [a]. 6 Uma discussão sobre os tipos de sândi: elisão, ditongação e degeminação Desde sua formação, o português apresenta tendência a evitar o hiato, isto é, duas vogais contíguas. Na poesia, o hiato intervocabular, considerado um defeito do verso, também passou a ser repudiado desde tempos antigos, embora nem sempre isso ocorresse. Segundo Massini-Cagliari (2006), no Português Arcaico (PA), qualquer sequência de vogais pertencentes a duas palavras distintas poderia permanecer em hiato, assim como havia numerosos hiatos intravocabulares. A autora analisou 150 Cantigas de Amor e Cantigas de Amigo selecionadas na coletânea da Biblioteca Nacional de Lisboa e na Coletânea da Ajuda e de Santa Maria. No total, encontraram-se 3.956 casos de sequências vocálicas na fronteira de palavras: 52.8% delas foram resolvidas por elisão da primeira vogal, 45.7% permanecem em hiato e em 1.5% dos casos houve ditongação. A análise da autora mostra que à elisão em PA impunha-se uma restrição: a primeira vogal não poderia ser acentuada e a rima da sílaba final deveria ter o ataque preenchido por ao menos uma consoante (C*V). Como a primeira vogal tinha de ser átona, ela só poderia ser um /e/ 3, um /o/ ou um /a/. A segunda vogal poderia pertencer a uma sílaba pretônica ou tônica, em que as possibilidades são idênticas: /a/ /e/ / / /i/ /o/ /ᴐ/ /u/. No PA, a ditongação é minoritária, pois há pouquíssimos contextos favoráveis à sua implementação: é possível apenas quando a primeira vogal é um [i] (vogal alta e átona, por isto apta a deslocar-se para posição assilábica) e se a vogal é um [a], um [o] ou um [ᴐ]: (1) Mi acorra en mias coitas por ti, e averá (CSM401-98) Massini-Cagliari define a elisão como um caso de sândi vocálico externo em que a vogal átona final da primeira palavra é apagada e uma nova sílaba é formada pela adjunção do ataque da sílaba da primeira palavra à vogal inicial da segunda. A elisão aconteceria mais frequentemente quando a primeira vogal é um /e/ ou um /o/: (2) Muito foi noss amigo u diss : Ave Maria (CSM210-5) 2 Isto é um tanto contraditório com o que a autora afirma para uma seqüência como camisa usada, que poderia ser realizada tanto como camisawsada, com ditongação, tanto como camis usada, com elisão. Trataremos desta questão mais adiante, juntamente com a descrição da ditongação. 3 O fonema /e/ representa aqui as realizações [e] e [i], mas [i] apenas apareceria em formas pronominais ou verbais e em um número reduzido de palavras invariáveis. 6

noss amigo = nosso + amigo ; diss Ave = disse + Ave A autora pôde constatar que há uma diferença quando a vogal apagada é um /a/ em relação ao apagamento de /e/ e de /o/. A vogal /a/, em particular, é apagada mais frequentemente frente a um outro /a/ ou a um /e/, o hiato sendo a solução preferível nos outros casos. Por essa razão, a autora conclui que se trata de um processo outro que o de elisão clássica : (3) O q me faz peãdandar (1202-9) peãd andar = peãda + andar Não haveria elisão quando as vogais consecutivas são idênticas, mas sim uma crase que resultaria numa vogal longa. Para justificar essa ideia, há o fato de que a única restrição ao fenômeno, segundo a qual o ataque da primeira sílaba deve ser preenchido por uma consoante no mínimo, não é respeitada. Outro argumento é o de que o fenômeno pode acontecer mesmo se a primeira vogal é tônica, enquanto que a elisão nunca acontece se a primeira vogal é acentuada. Assim, no PA haveria três tipos de sândi vocálico externo: a elisão, a crase e a ditongação. Ainda segundo Massini-Cagliari, os condicionamentos dos três tipos de sândi citados seriam fundamentalmente linguísticos. Tratando da língua moderna, Bisol (1996a, p. 167) afirma que o sândi vocálico externo é um processo de ressilabação que resulta em elisão, ditongação ou em degeminação: O Sândi externo é provocado por choque de picos silábicos, uma das sensibilidades métricas do português, que, ao apagar uma sílaba, deixa unidades flutuantes, as quais, ao serem licenciadas prosodicamente ou ao deixarem de ser, produzem como resultado final a elisão, a ditongação ou a degeminação. O processo de ressilabação ocorre em virtude da sensibilidade métrica do português ao choque de picos silábicos. Quando se sucedem dois núcleos vocálicos, não protegidos por acento ou pausa, o choque silábico apaga o primeiro núcleo e a sílaba que ele projeta. A perda da primeira sílaba deixa seus elementos flutuantes, sem identidade prosódica. O mecanismo da ressilabação é ativado, motivado pelo Princípio do Licenciamento Prosódico (ITÔ, 1986), segundo o qual todo elemento linguístico deve pertencer a uma estrutura superior na hierarquia prosódica. Os elementos flutuantes serão, então, associados à sílaba seguinte, de acordo com o Princípio de Sonoridade Sequencial, pelo qual a sonoridade da sílaba aumenta em direção ao núcleo e diminui a partir dele em direção à coda. A unidade mínima da hierarquia prosódica sendo a sílaba, um segmento não incorporado à sílaba subexistente é apagado. Considerando um modelo hierarquizado da estrutura silábica, a elisão se realizaria em etapas: no choque entre os núcleos vocálicos, o primeiro núcleo desassocia-se de sua sílaba; como não é reassociado a nenhuma posição, ele é apagado; o ataque da primeira sílaba associa-se, então, ao núcleo da segunda: (4) Elisão segundo Bisol (1996b, p. 58). 7

a. b. c. d. σ σ σ σ σ choque res elisão R R R R R A N N N A N A N C V V C V V C V V C V z a u z a u z a u z u ka miza uzada kamizuzada Para Bisol, a elisão é mais precisamente o apagamento da vogal a diante de outra vogal. A autora afirma que, mesmo que outras vogais possam desaparecer segundo as variedades da língua, o apagamento da vogal a seria um fato geral do português. No nosso corpus, os casos de elisão da vogal a representam 39% das possibilidades, ao lado de 12% de casos de elisão da vogal /i/ e 10% de casos de elisão com a vogal /u/. Em virtude desses resultatos quantitativos, consideramos que, na fala do Rio de Janeiro, a elisão engloba as três vogais átonas finais /a/, /I/ e /U/. A degeminação aconteceria quando duas vogais idênticas se encontram. Segundo Bisol, o choque de melodias idênticas ativa o Princípio do Contorno Obrigatório, PCO (LEBEN, 1983), que proíbe dois sons idênticos consecutivos. As duas vogais sofreriam uma fusão, seguida de redução da vogal longa resultante: (5) Degeminação segundo Bisol (1996b, p. 64-65). a. b. c. σ σ σ σ choque ress. PCO R R R R b A N N N A N C V V C V V C V V z ɐ a z ɐ a z ɐ a kamiza azuw 8

d. e. f. σ σ σ redução = R R R A N A N A N C V V C V V C V e z a: z a z a kamiza:zuw kamizazuw Isto equivale a dizer que, como na elisão, ocorre a perda de um segmento. Veloso (2003) discute uma interpretação mais simples, em que o PCO atuaria fundindo as duas vogais sem alongá-las previamente. A regra de encurtamento seria, então, uma fase desnecessária. Pensamos que seja mais econômico ainda considerarmos que no PB a degeminação seja apenas um caso de elisão em que a vogal apagada pertence a um grupo de vogais idênticas. Isto permite unificar dois processos que redundam num mesmo resultado: a perda de uma mora e de uma melodia: (6) σ σ σ No PA e no Português Europeu (PE) moderno, sim, podemos falar em crase, já que a quantidade permanece a mesma. No PE moderno, assim como no PA, as moras são conservadas. Como já havia sugerido Lüdtke (1953), no PE Moderno, o timbre [a] (versus [ɐ]) traduz o peso silábico em sílaba átona (casa ['kazɐ] + azul [ɐ'zuł] = casazul [kazazuł], em que ɐ + ɐ = a): (7) µ µ µ + = z ɐ a z a 'ka.zɐ a.'zuw kaza'zuw 9

σ σ σ µ µ µ µ + = z ɐ ɐ z a 'ka.zɐ ɐ.'zuł kaza'zuł A ditongação, segundo Bisol, é a reunião da vogal final de um vocábulo e inicial de outro quando uma das vogais do grupo é átona e alta. Desse modo, no exemplo camisa usada haveria duas opções para evitar o hiato: cami[zu]sada (com elisão) e cami[zaw]sada (com ditongação). Em princípio não haveria prioridade de aplicação de um processo em relação ao outro, na medida em que a escolha seria guiada por razões não ligadas ao contexto linguístico. Esta é a representação do processo de ressilabação que conduz à formação de um ditongo segundo Bisol: (8) Ditongação segundo Bisol (1996b, p. 59). a. b. c. σ σ σ σ choque R R R R b A N N N A N C V V C V V C V V z a u z a u z a u kamiza uzada res d. e. σ σ R R A N Cd A N Cd C V V C V V z a u z a w kamizawzada 10

Bisol afirma que, segundo o princípio de sonoridade, a vogal a, mais sonora, é colocada na posição de núcleo e a vogal u, na de coda. No nosso corpus a formação de ditongos decrescentes é raríssima (apenas dois casos). Bisol, de resto, assume que, no choque entre os núcleos vocálicos, é a primeira sílaba que está condenada a desaparecer: as sílabas postônicas, sendo mais fracas prosodicamente (como Câmara Jr. (1977) já havia notado), são perdidas no processo de ressilabação. O que, por um lado, tende a relativizar o argumento da maior sonoridade do a em camisa usada, e, por outro, explica o predomínio da formação de ditongos crescentes no nosso corpus na maior parte dos casos. De fato, quando há duas vogais altas, em que teoricamente a formação de um ditongo crescente seria tão possível quanto a de um ditongo decrescente, em que o princípio de sonoridade não pode decidir qual será o núcleo, já que ambas as vogais têm a mesma sonoridade, o que podemos observar na prática é que, neste contexto, a formação de um ditongo crescente impõe-se, corroborando o fato de que a ressilabação se faz em torno da segunda sílaba: (9) [i u]ma queda d'água forte [yu] *[iw] (10) n[u i]nício [wi] *[uy] Podemos pois afirmar que, no falar do Rio de Janeiro, [a] final diante de vogal apresenta apenas duas soluções: a elisão ou a manutenção do hiato, embora a primeira seja mais frequente. O PCO, base do sândi vocálico O ponto comum às duas variedades de sândi elisão e ditongação é a instabilidade do hiato, ou seja de dois núcleos silábicos consecutivos. Por outro lado, quando as vogais partilham um traço, anterior ou posterior, o sândi é mais frequente. Este paralelismo leva-nos a considerar que o conjunto dos fenômenos em jogo se deve à ação do Princípio do Contorno Obrigatório, que proíbe, ou pelo menos desfavorece, dois elementos idênticos contíguos, sejam eles posições silábicas ou traços segmentais. Em suma, defendemos a generalização do papel do PCO, que Bisol havia reservado exclusivamente para a explicação da degeminação, às duas alternativas ao hiato no falar estudado: (11) Elisão (12) Ditongação 11

O que determina a dissolução do hiato por elisão ou por ditongação é a natureza da primeira melodia vocálica, que pode ser baixa ou alta. No primeiro caso, o apagamento da melodia acompanha a perda do primeiro núcleo; e, no outro caso, pode haver elisão ou conservação da melodia apesar da perda do núcleo. Note-se que esta representação permite uma descrição sem etapas dos fenômenos, a nosso ver mais econômica. 3 Conclusões A descrição fornecida por Bisol em seus estudos sobre o sândi vocálico externo baseia-se no choque entre os núcleos silábicos e sua posterior ressilabação. Ao curso das etapas apresentadas pela autora, três princípios universais agem, cada um resultando em um tipo diferente de sândi: o Princípio do Licenciamento Prosódico, o Princípio de Sonoridade Sequencial e o Princípio do Contorno Obrigatório. O Princípio do Licenciamento Prosódico leva à elisão, já que um elemento que não pertence a uma estrutura prosódica imediatamente superior é apagada. O Princípio de Sonoridade Sequencial é importante para a ditongação, determinando que o elemento vocálico mais sonoro deve ser posicionado no núcleo e o menos sonoro na posição de coda. O Princípio do Contorno Obrigatório é ativado quando duas vogais idênticas entram em choque, resultando em uma degeminação (fusão seguida de redução da vogal longa resultante). Tendo em conta os resultados observados no corpus da fala do Rio de Janeiro aqui apresentados, pensamos que o Princípio do Contorno Obrigatório tem um papel fundamental em todas as soluções do hiato. O sândi vocálico aí aparece como um fenômeno de natureza melódica, em que o PCO interfere em diferentes níveis: há duas mudanças silábicas, que resultam de interações específicas entre as melodias em jogo. Há dois tipos de sândi vocálico na fala do Rio de Janeiro: a ditongação e a elisão. Reunimos dois fenômenos considerados distintos no PB: a elisão e a degeminação. A degeminação seria apenas um caso de elisão, em que as vogais da sequência em questão são idênticas, evidenciando mais fortemente o papel do PCO. Na fala estudada, a ditongação abrange as vogais /I/ e /U/ em primeira posição, enquanto a elisão abrange as vogais /I/, /a/ e /U/. No corpus analisado, a ditongação é mais produtiva que a elisão, embora o contexto permita tanto a ocorrência de um quanto de outro processo. Um condicionamento elementar do sândi é a natureza das vogais. Os resultados quantitativos com base no corpus mostram que a similaridade entre as vogais favorece a aplicação do sândi. Por esta razão, propomos que o sândi vocálico seja um fenômeno melódico, em que o PCO intervém a diferentes níveis, além do choque entre núcleos silábicos que permite o processo de ressilabação. No que se refere às restrições ao sândi, nosso corpus confirma que a sua aplicação é impossibilitada quando a primeira vogal é acentuada. O acento da segunda vogal também é 12

pertinente, impedindo a elisão e reduzindo consideravelmente a ditongação quando coincide com o acento principal de enunciado. Outro obstáculo à aplicação da elisão, em particular, é a V1 ser um monomorfema constituído de um único segmento, que, para preservar uma informação semântica, não pode ser apagado. A ditongação desconhece esta restrição, já que não resulta na perda do material vocálico. Referências ABAURRE, M. B. M. Acento frasal e processos fonológicos segmentais. In: BISOL, L. (org.). Letras de hoje. Porto Alegre, v. 31, n 2, 1996, p. 41-50. BISOL, L. O sândi e a ressilabação. In: BISOL, L. (org.). Letras de hoje. Porto Alegre, 1996a, v. 31, n 2, p. 159-168.. Sândi externo: o processo e a variação. In: KATO, M. (org.). Gramática do português falado. Convergências. Editora da Unicamp, v. V, 1996b, p. 55-95.. A elisão, uma regra variável. In: BISOL, L. (org.). Letras de hoje. Porto Alegre, v. 35, n 1, 2000, p. 319-330.. Sandhi in Brazilian Portuguese. < Probus >, 15:2, 177-200, 2003. BOBALJIK, J. Morphosyntax: The Syntax of Verbal Inflection. MIT Linguistics, 1995. CÂMARA Jr, J. M. Para o estudo da fonêmica portuguesa. 2ª ed., Rio de Janeiro: Padrão, 1977. HALLE, M. & MARANTZ, A. Distributed Morphology and the pieces of inflection. In The View from Building 20: Essays in Linguistics in Honor of Sylvain Bromberger, ed. K. Hale and S.J. Keyser, 111-176. Cambridge, MA: MIT Press, 1993. ITÔ, J. Syllable Theory in Prosodic Phonology. PhD. Dissertation. Boston / Amherst, MA: University of Massachusetts, 1986. KAGER, R. Optimality Theory. Cambridge: Cambridge University Press, 1999. LEBEN, W. Suprasegmental Phonology. MIT: PhD. Dissertation, 1973. LÜDTKE, H. Fonemática Portuguesa. II Vocalismo. In: Boletim de Filologia, XIV (3-4), 1953, p. 197-217. MARANTZ, A. Re Reduplication. Linguistic Inquiry 13: 483-545, 1982. MASSINI-CAGLIARI, G. Sândi vocálico externo em Português Arcaico: condicionamentos lingüísticos e usos estilísticos. Estudos Lingüísticos. Araraquara: GEL, vol. 35, p. 76-94, 2006. McCARTHY, J. J. & PRINCE, A. Prosodic Morphology. MS, University of Massachusetts and Brandeis, 1986. VELOSO, B. S. O sândi vocálico externo e os monomorfemas em três variedades do português. Dissertação (Mestrado em língua portuguesa): Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, 2003. 13