ANÁLISE CRÍTICA DA SÚMULA 492 DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, SEGUNDO O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE Leticia Soares Padoan (PIBIC/Fundação Araucária), Maurício Gonçalves Saliba (Orientador), email: lspadoan@yahoo.com.br Direito, Direito Público. Universidade Estadual do Norte do Paraná/Campus Jacarezinho Palavras-chave: ato infracional, medidas socioeducativas, tráfico de drogas. Resumo O resumo expandido a ser apresentado aborda de maneira crítica a Súmula 492 do Superior Tribunal de Justiça, que, tendo por base precedentes sobre o assunto, decidiu que somente a prática de ato infracional análogo ao tráfico de drogas não pressupõe a internação do menor. Na abordagem feita, vemos que o ato infracional é descrito como a conduta criminal ou contravenção penal, e é praticado apenas por adolescentes de 12 a 18 anos. Os menores infratores ficam imunes às penas submetidas aos adultos, pois se encontram na situação de pessoas em desenvolvimento, sendo penalmente inimputáveis, sendo a eles aplicadas medidas socioeducativas. Rapidamente, tratamos sobre estas, e fazemos breve análise à Lei 11.343 de 23 de agosto de 2006, a Lei de Drogas. Introdução O presente trabalho tem como propósito a análise da Súmula 492 do Superior Tribunal de Justiça, visto a realidade brasileira na aplicação das Medidas Socioeducativas. A referida Súmula aborda tema recorrente e atual, dada a errada aplicação da Medida de Internação aos menores infratores que cometem ato infracional análogo ao tráfico de drogas, quando o Estatuto da Criança e do Adolescente traz em seu corpo, claramente, ser inadequado tal enquadramento, em seu artigo 122. Revisão de Literatura Foi feita pesquisa bibliográfica, utilizando-se de obras doutrinárias, teses, dissertações, precedentes, jurisprudências, bem como leis vigentes em território nacional. Os dados foram obtidos mediante análise e comparação de textos, doutrinas e legislação. Resultados e Discussão A Carta Magna brasileira em seu artigo 228, diz que os menores de 18 anos são penalmente inimputáveis, ou seja, não são sujeitos praticantes de crimes, nem mesmo podem ser julgados sob o aspecto penal, como os são os adultos, visto que adotado o conceito tripartido do crime, seja ele fato típico, ilícito e culpável, afastando-se no último critério a responsabilização penal das condutas por eles praticadas. Os menores estão submetidos a uma legislação especial, que vem a ser a Lei 8.069 de 13 de Julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
O ECA, instituído em 1990, pela Lei 8.069 de 1990, visa à proteção da infância e da juventude: jovens de até 18 anos que se encontram ainda em fase de desenvolvimento. O Estado brasileiro não prevê a prática de crimes por menores de 18 anos, pois estes se encontram em estágio de desenvolvimento, de formação como pessoa e de aprendizado educacional, porém, é necessário ressaltar que estes cometem infrações na vida real, não podendo ser acobertados pelo sistema. Dizer que o menor é inimputável penalmente não significa que há impunidade dos mesmos. Para isso, foram introduzidas no Sistema Jurídico Brasileiro, numa parte especial deste, as Medidas Socioeducativas. Os menores que cometem atos infracionais, ou seja, cometem ato análogo a crime ou contravenção penal, como alude o artigo 103 do Estatuto da Criança e do Adolescente, o fazem de maneira similar aos adultos. Por isso, diz-se haver três tipos de atos infracionais cometidos por adolescentes, separados por grau de periculosidade: existem os atos infracionais leves, graves e gravíssimos. O ato infracional leve verifica-se quando o adolescente pratica um fato de potencial ofensivo não tão grave, que tenha, no Código Penal, pena máxima de dois anos, como por exemplo a ameaça (artigo 147 do CP). Os graves são observados quando da prática de ato pelo menor cujo potencial ofensivo é mais grave, muito embora não apresentem violência ou grave ameaça, verificados, por exemplo, na prática de furto (artigo 155 do CP). Os atos infracionais gravíssimos são aqueles em que se encontra violência ou grave ameaça, tendo também, no Código Penal, pena mínima superior a um ano, como o homicídio (artigo 121 do CP). Quanto mais grave se apresenta o ato infracional, mais rígida será a medida adotada pela autoridade: pode-se partir para a liberdade assistida, para a semi-liberdade ou para a internação. O adolescente, autor de infração, não será privado de sua liberdade em caso algum, exceto quando apreendido em flagrante, ou com ordem que contenha fundamento de autoridade competente. A medida socioeducativa adotada para cada caso deve ser essencialmente cumprida pelo menor infrator em questão, sendo intransferível para outrem, conforme o Princípio da Intranscendência. As medidas têm caráter não só punitivo, mas educativo e pedagógico, pois visam à reintrodução social do adolescente infrator. São aplicadas por um Juiz da Infância e da Juventude, e podem ser: advertência, reduzida a termo; entrega do menor aos pais ou responsável ou a pessoa idônea, mediante termo de responsabilidade, para que aquele não volte a perambular pelas ruas e veja-se em locais que vão de encontro a sua integridade física e mental; reparação do dano por reintegração do bem, e indenização da vítima, pois assim o menor que comete o ato infracional pode perceber o erro e corrigi-lo; orientação e acompanhamento; frequência obrigatória em escolas; requisição de tratamento; inclusão em programas comunitários; acolhimento institucional ou familiar; e colocação em família substituta, que visará sua reintegração e seu bem, itens dispostos pelo artigo 101 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Convém salientar, no presente trabalho, a medida de internação. Ela é adotada em último caso, como media extrema, em que são tratados casos de atos infracionais graves. São nela guardadas medidas coercitivas para reeducação do jovem. Para que seja utilizada, é necessário verificar as disposições encontradas nos incisos e parágrafos do artigo 122 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Ela deverá ser cumprida em estabelecimentos das áreas pedagógica e psicológica, se necessário com conhecimentos criminológicos. Ao analisar o ato infracional análogo ao tráfico de drogas, vemos que, por sua gravidade, sempre foi tratado como infração gravíssima cometida por adolescentes, e com isso, juízes da infância e adolescência a ele aplicavam a medida mais grave elencada no artigo 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente, a internação. Entretanto, se averiguarmos o artigo 122 do ECA, que traz à luz a medida da internação, podemos verificar suas condições de aplicabilidade. Diz o aludido artigo que a internação somente poderá ser aplicada se o ato for cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa, ou se forem cometidas outras infrações graves, reiteradamente, ou mesmo se forem impostas medidas e estas
forem descumpridas por várias vezes e de maneira injustificada. O parágrafo único do citado artigo é claro ao dizer que, existindo outra medida aplicável ao caso, a internação é expressamente vedada. Analisando o ato infracional análogo ao tráfico de drogas, primeiro podemos constatar que seu cometimento não presume, necessariamente, grave ameaça ou violência à pessoa. É notável que no entorno do tráfico há muita violência, como aponta o Instituto Avante Brasil ao citar o relatório do Banco Mundial de 2011 sobre Crime e Violência (GOMES, 2011), contudo a conduta específica de traficar drogas não passa de um comércio ilícito que, em si, não comporta violência alguma. A violência não é ato fundamental, podendo salientar inclusive que, no ato da venda, o comprador busca a substância ilícita por sua vontade. Num segundo momento, há de se observar que não será em todos os casos de ato infracional de tráfico de drogas que o menor infrator terá cometido outras infrações graves reiteradas. Por reiteração no cometimento de outras infrações graves (BRASIL, 1990) entende-se a prática de crimes graves por três vezes anteriores, havendo diferenciação para com a reincidência. Há também de se levar em consideração que há a necessidade de o menor ter descumprido reiterada e injustificadamente outras três medidas socioeducativas aplicadas, como salienta o Ministro Jorge Mussi no Habeas corpus n. 164819. Verificando a incongruência de alguns tribunais na aplicação da medida socioeducativa de internação ao ato de tráfico de drogas, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 492 que traz como redação: O ato infracional análogo ao tráfico de drogas, por si só, não conduz obrigatoriamente à imposição de medida socioeducativa de internação do adolescente (grifo nosso). Convém então fazer breve análise ao tráfico de drogas, tipificado pela Lei 11.343 de 23 de agosto de 2006. Drogas são, na explanação de Renato Brasileiro de Lima (2014, pag. 684) as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União. O crime de tráfico de drogas é tratado pelo artigo 33 da referida Lei, que nos apresenta 18 núcleos de prática do crime em seu caput, sendo considerado o tráfico de drogas crime de ação múltipla ou de conteúdo variado. Há na referida Lei de Drogas, majoração de pena para quem faz uso de menores para o cometimento dos crimes previstos nos artigos 33 a 37. O crime de tráfico de drogas afeta diretamente a saúde pública, tendo como alvo a coletividade. É crime de perigo abstrato, que não supõe dano para ser verificado. No entanto, é necessário observar a importância que o Ordenamento Jurídico Brasileiro dá a cada crime no Código Penal, pois os tipos penais não podem ser analisados isoladamente, podendo ser encontrado um mesmo bem jurídico em tipos diferentes. Sérgio de Oliveira Médici (pag. 188, 2004) diz que a sequência pode observar uma progressividade crescente ou decrescente, conforme maior ou menor relevância do bem jurídico.. O autor ainda diz que o grau de sua relevância pode ser medido pela quantidade e qualidade da pena aplicada a cada caso, do que em sua disposição geográfica no dispositivo. Quando do cometimento do tráfico de drogas, o bem jurídico abordado e tutelado é a saúde pública, localizada no Título VIII, Capítulo III do Diploma Penal brasileiro. Já o cometimento de atos infracionais contra a vida e contra o patrimônio tem, segundo a posição de Médici, bens jurídicos tutelados com maior relevância para o Ordenamento Jurídico pátrio, que os aborda em progressão descendente, sendo encontrados nos Títulos I e II da referida parte especial, respectivamente. Disso, temos que o ato infracional análogo ao tráfico de drogas apresenta relevância de bem jurídico menor do que a de um ato infracional que atente contra a vida e o patrimônio. Assim, podemos entender que o ato infracional análogo ao tráfico de drogas, se não forem preenchidas as hipóteses do artigo 122 do Estatuto da Criança e do Adolescente, não pode ter a internação como medida socioeducativa aplicada, devendo o magistrado responsável buscar uma alternativa menos danosa ao menor infrator, que ofendeu um bem jurídico com grau de importância não tão grave.
É de se observar, então, que a aplicação da medida de internação, visto o que foi acima explanado, é equivocada. Além de não ser presumida a violência ou grave ameaça, nem sempre há reiteração no cometimento de outros atos infracionais graves e a não observância reiterada de outras medidas impostas. Conclusões O Estatuto da Criança e do Adolescente regula a aplicação das Medidas Socioeducativas aos adolescentes infratores. Dentre suas modalidades de aplicação, a medida de internação se vê como a ultima ratio do direito, não podendo ser empregada se outra menos gravosa a puder ser. Era comum a designação da internação àqueles jovens que cometiam ato infracional análogo ao tráfico de drogas nas decisões tomadas pelos juízes brasileiros. Com sua reiterada imposição, houve grande produção de precedentes que condenavam a adequação dessa medida aos casos referentes a tráfico de drogas, pois inidônea sua adoção, que privaria a liberdade dos menores, quando não preenchidos os requisitos do artigo 122 do ECA. Precedentes originaram a elaboração pelo Superior Tribunal de Justiça da Súmula 492, que traz a seguinte redação: O ato infracional análogo ao tráfico de drogas, por si só, não conduz obrigatoriamente à imposição de medida socioeducativa de internação do adolescente (grifo nosso). Em análise crítica à Súmula acima apresentada, foi abordado que o perigo abstrato do cometimento do ato infracional por ela trazido não é tamanho que seja necessária a privação do adolescente do meio social. Há outras medidas que podem ser aplicadas aos casos apresentados, as quais servirão como reeducadoras sociais, responsabilizando os adolescentes pelos seus atos. Concluindo, apesar da abstrata periculosidade do ato infracional equiparado ao tráfico, a internação imediata do adolescente não se justifica, havendo requisitos legais, dentre os quais os artigos 112 e 122, que balizam e determinam a aplicação da medida pela autoridade judiciária. Agradecimentos Primeiramente agradeço à minha família pelo suporte e incentivo que sempre tive. E em segundo lugar, agradeço ao professor Maurício Gonçalves Saliba por aceitar ser meu orientador na Iniciação Científica, proporcionando que eu pudesse, de maneira incessante, aprofundar-me em assunto tão significativo, atual e interessante. Ainda agradeço à Fundação Araucária, pelo impulso na pesquisa, abrindo portas para que eu a fizesse, por meio do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica. Referências BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF. Senado Federal, 1988.. Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília, DF: Senado Federal, 1990.. Lei de Drogas. Brasília, DF: Senado Federal, 2006. BRASILEIRO DE LIMA, Renato. Legislação Criminal Especial Comentada. 2. ed. Salvador, 2014. 956p. GOMES, Luiz Flávio. Tráfico de Drogas: custo altíssimo, violência e prevenção. Disponível em: <http://institutoavantebrasil.com.br/trafico-de-drogas-custo-altissimo-violencia-e-prevencao/>. Acesso em: 15 jun. 2015.
HC 164819 SP Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 21/09/2010, DJe 18/10/2010 MÉDICI, Sérgio de Oliveira. Teoria dos tipos penais Parte especial do direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. 236p.