AVALIAÇÃO EM ESCALA REAL DA INFLUÊNCIA DA ESPESSURA DO LEITO FILTRANTE NO DESEMPENHO DE UNIDADES DE ESCOAMENTO DESCENDENTE Marcelo Libânio (1) Engenheiro Civil, Mestre em Engenharia Sanitária e Doutor em Hidráulica e Saneamento. Professor Adjunto do Departamento de Engenharia Hidráulica e Recursos Hídricos da UFMG. Pesquisador do CNPq. FOTOGRAFIA Leonardo Mitre Alvim de Castro Acadêmico do 5 o NÃO ano do curso de Engenharia Civil da UFMG. Bolsista de Iniciação Científica do CNPq. DISPONÍVEL Solange Maria Monteiro Couto Técnica Química e Chefe do Setor de Tratamento de Água do Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Unaí (MG). Antônio Carlos de Campos Engenheiro Civil da Fundação Nacional de Saúde e Diretor do Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Unaí (MG). Sérgio Bomfim Pereira Engenheiro Civil e Chefe da Divisão Técnica do Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Unaí (MG). Léo Heller Engenheiro Civil, Mestre em Engenharia Sanitária e Doutor em Epidemiologia - Professor Adjunto do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFMG - Pesquisador do CNPq - Diretor da Escola de Engenharia da UFMG. Endereço (1) : Av. Contorno, 842-8 o andar - Centro - Belo Horizonte - MG - CEP: 30110-060 - Brasil - Tel: (031) 238-1004 - Fax: (031) 238-1870 - e-mail: mlibanio@ehr.ufmg.br RESUMO O trabalho objetiva avaliar a influência em escala real da espessura do leito filtrante de areia, no desempenho de três unidades de escoamento descendente, submetidas a elevadas velocidades de aproximação. Em função de problemas no fornecimento de areia durante a construção, a estação de tratamento de água da cidade de Unaí/MG, vazão média de 140 l/s, dispõe de um dos três filtros com leito filtrante com espessura de apenas 38 cm, enquanto os demais apresentam 75 cm. Os filtros operam com velocidade de aproximação constante de 232 m/dia, com picos de 257 m/dia, enquanto a Norma Brasileira (ABNT, 1989) limita este parâmetro hidráulico na ausência de ensaios em unidades piloto a 180 m/dia. As carreiras de filtração variam de 24 a 48 horas, encerradas pela possibilidade da ocorrência do traspasse antes do consumo total da carga hidráulica disponível. A partir do monitoramento da turbidez da água decantada afluente e do efluente de cada unidade filtrante, iniciado em abril de 1996, concluiu-se que a elevação da espessura do leito de areia no filtro somente se justificaria caso futuramente ocorra: i) Mudança do coagulante primário para cloreto férrico e/ou o emprego de auxiliares de coagulação; ii) Aumento da vazão afluente à estação e conseqüente velocidade de aproximação nos filtros; iii) 20 o Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 1314
alterações bruscas das características das partículas - tamanho e número que conferem turbidez à água bruta. Tais possibilidades haverão de concorrer para maior penetração dos flocos no leito filtrante, podendo reduzir significativamente, pela ocorrência do traspasse, a duração da carreira no filtro dotado de menor espessura de leito filtrante. Adicionalmente, considerando-se a turbidez como parâmetro balizador o manancial que abastece a cidade passaria a ser enquadrado na Classe 4, cujas águas destinar-se-iam à harmonia paisagística e outros usos menos exigentes, pois os valores médios anuais verificados são da ordem de 240 ut, para o limite máximo de 100 ut preconizado pela resolução Conama/86. Desta forma, a perspectiva do crescente uso do solo e da gradual deterioração dos mananciais para abastecimento suscitam a revisão de alguns parâmetros de qualidade de água constantes nessa Resolução, adequando-a à realidade nacional. PALAVRAS-CHAVE: Tratamento de Água, Filtração, Espessura de Leito Filtrante, Resolução Conama/1986. INTRODUÇÃO O abastecimento de água da cidade de Unaí, situada na região noroeste de Minas Gerais com população da ordem de 60 mil habitantes, efetua-se diretamente através de uma tomada d água no Rio Preto, aduzindo à estação de tratamento uma vazão média de 140 l/s. Para o pleno abastecimento da cidade, soma-se a esta uma vazão da ordem de 45 l/s retirada de alguns poços artesianos. A estação de tratamento de água, construída em 1986, para uma vazão de projeto de 82 l/s, apresenta tecnologia convencional de potabilização, com medidor Parshall para mistura rápida, floculador hidráulico com passagens forçadas (tipo Cox), duas unidades de decantação de escoamento horizontal e três filtros de escoamento descendente. A coagulação é realizada no mecanismo da varredura, com dosagens de sulfato de alumínio de 8 a 44 mg/l. Decorrente das características geomorfológicas e da ocupação da bacia hidrográfica, as características da água bruta principalmente em termos de turbidez apresentam significativas variações ao longo do ano, atingindo por dias sucessivos índices superiores a 1.000 ut. Na Tabela 1 são apresentados os principais parâmetros hidráulicos das operações unitárias que precedem a filtração (LIBÂNIO et al., 1998). TABELA 1: Principais parâmetros hidráulicos intervenientes nas operações unitárias de mistura rápida, floculação e sedimentação. Mistura Rápida Floculação Sedimentação Tmr = 0,27 s Tf = 13,6 min Vs = 2,48 cm/min Gf* nas câmaras = 28,0 /29,3 s 1 Vl = 0,30 cm/s Gmr = 1.646 s 1 G nas passagens entre as câmaras = 23,7 s 1 ql = 1,84 l/s m 20 o Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 1315
Em que: Tmr: Tempo de detenção de mistura rápida; Gmr: Gradiente de velocidade de mistura rápida; Tf: Tempo de floculação; Gf: Gradiente de velocidade; Vs: Velocidade de sedimentação ou Taxa de Aplicação Superficial; Vl: Velocidade longitudinal de escoamento; ql: Vazão linear de coleta de água decantada. Contudo, a maior peculiaridade da estação, cerne do trabalho, reside nas unidades filtrantes. As mesmas são constituídas de leito simples de areia - tamanho efetivo de 0,53 mm e coeficiente de desuniformidade de 1,49 -, assentado sobre camada suporte de pedregulho de 45 cm de espessura. Em função de problemas no fornecimento de areia durante a construção, um dos filtros dispõe de leito filtrante com espessura de apenas 38 cm, enquanto os demais 75 cm. Adicionalmente, os filtros operam com velocidade de aproximação constante de 232 m/dia, com picos de 257 m/dia, enquanto a Norma Brasileira (ABNT, 1989) limita este parâmetro hidráulico na ausência de ensaios em unidades piloto a 180 m/dia. As carreiras de filtração variam de 24 a 48 horas, encerradas pela possibilidade da ocorrência do traspasse antes do consumo total da carga hidráulica disponível. FATORES INTERVENIENTES NA FILTRAÇÃO A retenção de partículas em meio poroso efetua-se por intermédio da conjunção dos mecanismos de transporte e aderência. A prevalência de um ou outro mecanismo é função das características do afluente e dos grãos que constituem o meio poroso. As menores dimensões dos poros de um leito de areia são da ordem de 500 µm, enquanto os flocos apresentam dimensões de 0,1 a 30 µm. Desta forma, somente nas estações nas quais a coagulação/floculação é ineficiente e/ou os decantadores estejam operando com sobrecarga significativa, a ação de coar adquire alguma relevância na retenção das partículas, culminando com a rápida colmatação da camada superior leito filtrante (EDZWALD, 1998). Segundo Yao et al. (apud CLEASBY, 1990) para as partículas de menores de dimensões, que não são retidas pela ação de coar do leito filtrante, a sedimentação, a interceptação e a difusão constituem os principais mecanismos de transporte responsáveis pela eficiência da filtração. Tais pesquisadores desenvolveram modelos matemáticos nos quais a eficiência da filtração é inversamente proporcional à velocidade de aproximação, ao diâmetro dos maiores grãos constituintes do leito filtrante e à viscosidade dinâmica da água. Secundariamente, a densidade o tamanho e a forma das partículas afluentes à unidade filtrante haverão de influenciar o desempenho da mesma. Nesta vertente, o emprego de auxiliares de coagulação concorre para a formação de flocos mais resistentes ao cisalhamento - em diversas situações obtém-se o mesmo resultado 20 o Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 1316
com o emprego de cloreto férrico como coagulante primário -, possibilitando a sedimentação de partículas nos canalículos formados nos interstícios do leito filtrante e carreiras de filtração mais longas, decorrente da maior penetração de flocos nas camadas inferiores do leito filtrante. Estudos em unidades piloto comprovaram a maior penetração das impurezas para velocidades de aproximação mais elevadas (DI BERNARDO & PREZZOTI, 1993). Aliado aos mecanismos de transporte, a remoção das partículas suspensas efetua-se também por aderência aos grãos do leito filtrante ou às próprias partículas desestabilizadas anteriormente depositadas sobre os mesmos. Uma vez que as forças de repulsão são minimizadas pela ação do coagulante, a colisão das partículas desestabilizadas com os grãos recobertos ou não pode permitir a prevalência das forças de atração de Van der Waals. A resistência dos flocos ao cisalhamento torna-se ainda mais importante com a evolução da carreira, uma vez que a progressiva colmatação dos poros tende a elevar a velocidade intersticial, favorecendo a ruptura dos mesmos e a queda na qualidade do efluente. Desta forma, nas estações de tratamento que empregam a tecnologia convencional de potabilização, o desempenho das unidades filtrantes está intrinsecamente relacionado à eficiência das etapas anteriores. METODOLOGIA DO TRABALHO EXPERIMENTAL A rotina de operação da estação de tratamento, a partir de abril de 1996, passou a contemplar análises, com intervalo de duas horas, da turbidez e coliformes do efluente global das unidades filtrantes e análises mensais do efluente individual de cada filtro. Desta forma, pode-se inferir a real relevância da espessura do leito de areia. As análises de turbidez de água bruta e decantada são realizadas também com intervalo de duas horas. A despeito dos inevitáveis curtos-circuitos no floculador e nos decantadores, estima-se que a água permaneça na estação por aproximadamente duas horas, antes de afluir aos filtros. Assim, a avaliação da eficiência das etapas precedentes à filtração pode ser efetuada pelo cotejo entre a turbidez da água decantada e a turbidez da água bruta afluente à estação registrada com duas horas de atraso. 20 o Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 1317
RESULTADOS Nas figuras 1 e 2 são apresentados os resultados da turbidez efluente de cada unidade filtrante em relação ao padrão de potabilidade vigente e à água bruta e decantada. FIGURA 1: Turbidez efluente de cada unidade filtrante em relação ao limite recomendado pelo padrão de potabilidade. O filtro F2 dispõe de leito filtrante com 38 cm de altura. Turbidez 2,50 2,00 1,50 1,00 Padrão de Potabilidade Filtro 1 Filtro 2 Filtro 3 0,50 0,00 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 Número da Amostra FIGURA 2: Turbidez (em escala logarítmica) efluente de cada unidade filtrante em relação à água bruta e decantada. 3,50 Turbidez (Logarítmo) 2,50 1,50 0,50-0,50 Água Bruta Água Decantada Filtro 1 Filtro 2 Filtro 3-1,50 1 3 5 7 9 11 13 15 17 19 21 23 Número da Amostra 20 o Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 1318
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Embora as figuras não contemplem todos os resultados, no que tange ao índice de coliformes fecais na água bruta o manancial seria enquadrado como Classe 3, uma vez que em 80 % das amostras analisadas o índice foi inferior a 1300/100 ml, para um limite de 4000/100 ml. Contudo, considerando-se a turbidez como parâmetro balizador o manancial passaria a ser enquadrado na Classe 4, cujas águas destinar-se-iam à harmonia paisagística e outros usos menos exigentes, pois os valores médios verificados são da ordem de 240 ut, para o limite máximo de 100 ut preconizado pelo Conama/86. Desta forma, a perspectiva da crescente uso do solo e da gradual deterioração dos mananciais para abastecimento suscitam a revisão de alguns parâmetros de qualidade de água constantes nessa Resolução, adequando-a à realidade nacional. Da análise dos resultados contidos na Figura 1 depreende-se que, a exceção de uma única amostra, não há praticamente diferença entre os efluentes, indicativo de que para os filtros com 75 cm de espessura do leito, apenas a camada superficial, de espessura inferior a 38 cm, atuava efetivamente na retenção de impurezas, embora a Norma Brasileira preconize espessura mínima de 45 cm. A elevação da espessura do leito de areia no filtro 2 somente se justificaria caso futuramente ocorra: I. Mudança do coagulante para cloreto férrico e/ou o emprego de auxiliares de coagulação; II. III. Aumento da vazão afluente à estação e conseqüente velocidade de aproximação nos filtros; alterações bruscas das características das partículas - tamanho e número que conferem turbidez à água bruta. Tais possibilidades haverão de concorrer para maior penetração dos flocos no leito filtrante, podendo reduzir significativamente, pela ocorrência do traspasse, a duração da carreira no filtro 2. Nas unidades filtrantes nas quais a água decantada aflui abaixo do NA mínimo de operação a altura d água acima do leito filtrante referente à perda de carga inicial para o filtro limpo, entrada afogada, minimiza-se a ruptura dos flocos que não se sedimentaram no decantador. Desta forma, sucede-se uma menor penetração dos flocos no leito filtrante, com maior retenção nas camadas superficiais da areia. Por fim, esta pesquisa confirma a importância da realização de ensaios em unidades piloto precedendo a construção de estações de tratamento, pois muitas vezes a partir dos parâmetros auferidos por intermédio dos mesmos obtém-se economia significativa na implantação das instalações potabilizadoras. Neste caso, poderia ser empregada a espessura semelhante à do filtro 2 (38 cm) para as demais unidades, sem prejuízo na qualidade da água tratada. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem ao CNPq pela concessão das bolsas de Produtividade em Pesquisa para o primeiro e último autores e da bolsa de Iniciação Científica para o segundo autor. 20 o Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 1319
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. ABNT NB-592 - Projeto de Estação de Tratamento de Água para Abastecimento Público, Rio de Janeiro, Associação Brasileira de Normas Técnicas, 1989. 2. CLEASBY, J. L. Filtration in: Water Quality and Treatment, American Water Works Association, cap. 8, p.455-560, 4 th Edition, 1990. 3. DI BERNARDO, l. & PREZOTTI, J.C.S.- Caminhamento da frente de impurezas em meios granulares de filtros operados com taxa constante, Anais do 16 o Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental, Goiânia, vol.2, tomo II, p.279-300, 1991. 4. EDZWALD, J.K. Particle Separation Processes in: Treatment Process Selection for Particle Removal, American Water Works Association / International Water Suplly Association, cap.5, p.144-169, Colorado, USA, 1998. 5. LIBÂNIO, M; TAVARES, F. A. L.; LIBÂNIO, P. A C. & HELLER, L. - Emprego de software de avaliação hidráulica na adequação de estações de tratamento de água, Anais Eletrônicos do XXVI CONGRESO INTERAMERICANO DE INGENIERÍA SANITARIA Y AMBIENTAL, Lima, 1998. 20 o Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 1320