23_27 interfaces estruturais betão-betão comportamento estrutural de pilares de betão armado reforçados por encamisamento de betão armado Eduardo Júlio ISISE, DEC FCTUC, Portugal ejulio@dec.uc.pt RESUMO Uma das técnicas de reforço de pilares de betão armado, adoptada quando se pretende um significativo aumento de resistência a cargas verticais e/ou laterais, é o encamisamento de betão armado. Este método apresenta como vantagens: não ser necessária nenhuma tecnologia adicional, para além da utilizada em construção nova; a distribuição uniforme de rigidez que, ao contrário da introdução de paredes resistentes, pode dispensar a necessidade de reforçar as fundações; e o aumento de durabilidade e resistência ao fogo, por contraponto com os métodos que compreendem a utilização de componentes metálicas e/ou a colagem de elementos com resinas de epóxido. A prática corrente na aplicação desta técnica baseia-se em pressupostos empíricos, como sejam: o incremento da rugosidade da superfície do pilar original, para aumentar a aderência ao betão adicionado; a utilização de um agente de ligação, normalmente uma resina de epóxido, com o mesmo fim; a aplicação de conectores metálicos, igualmente com o mesmo propósito; e a adopção de um grout, atendendo à habitualmente reduzida espessura do encamisamento. Neste artigo apresenta-se o resultado de diversos estudos realizados com o objectivo de quantificar a influência dos parâmetros anteriormente referidos no comportamento monotónico e cíclico de pilares de betão armado reforçados por encamisamento de betão armado. Concluiu-se que a maioria dos procedimentos considerados na prática corrente são desnecessários, na maioria das situações, ou mesmo contraproducentes, noutros casos. 1. INTRODUÇÃO A indústria da construção civil é uma das que tem maior impacte ambiental: na extracção e processamento de matéria-prima, na produção e transporte de materiais, na construção e na ocupação do solo. A melhor forma de garantir a sustentabilidade do sector é apostar na reabilitação do espaço construído. Nos países, tal como Portugal, em que a maioria das construções foram edificadas no Século XX e em betão armado, justifica-se dirigir a investigação científica para a reabilitação deste tipo de estruturas. Os métodos utilizados na construção nova são, regra geral, low-tech e baseados num conhecimento empírico. Na reabilitação, a realidade não é muito distinta. A técnica de reforço de pilares por encamisamento de betão armado é disso um bom exemplo [1]. Com efeito, a prática corrente consiste em aumentar a rugosidade da superfície do pilar original, para aumentar a aderência entre este e o betão adicionado; aplicar um agente de ligação, normalmente uma resina de epóxido, com o mesmo fim; aplicar conectores metálicos, com o mesmo propósito; e utilizar um grout, devido à habitualmente reduzida espessura do encamisamento, mas a influência destes parâmetros não havia sido avaliada até recentemente. Relativamente ao aumento de rugosidade da superfície do pilar original, convém esclarecer que, no caso de pilares que apresentam degradação do betão, parcial ou generalizada, este deve ser removido. No entanto, em muitas situações de reforço, o betão encontra-se saudável, visando a remoção da camada superficial única e exclusivamente o aumento de rugosidade da superfície. De salientar ainda que, frequentemente, esta operação é realizada utilizando martelos de agulhas, método que, comprovadamente, danifica o betão, produzindo micro-fissuração do substrato e, consequentemente, reduzindo a aderência entre o betão de reforço e o elemento original, mesmo quando são usados equipamentos de baixa potência. A influência deste parâmetro na resistência ao corte e à tracção de interfaces betão-betão foi alvo de diversos estudos conduzidos pelo autor [2,3,4], sendo descrita em detalhe no presente número da Construção Magazine em [5]. No presente artigo, retiram-se ilações exclusivamente sobre a influência da rugosidade no comportamento monotónico e cíclico cm_23
> 1 > 2 de pilares de betão armado reforçados por encamisamento de betão armado. Quanto à influência da utilização de agentes de ligação na resistência ao corte e à tracção de interfaces betão-betão, esta foi igualmente objecto de estudos conduzidos pelo autor [6]. Concluiuse que, adoptando uma metodologia adequada para aumentar a rugosidade do substrato, e.g. jacto de areia, é contraproducente aplicar um agente de ligação, uma vez que a resistência ao corte e à tracção da interface será significativamente inferior. Por este motivo, este parâmetro não foi considerado nos estudos descritos no presente artigo. No que respeita à influência da utilização de conectores metálicos na resistência ao corte e à tracção de interfaces betão-betão, esta foi também considerada em estudos conduzidos pelo autor [7]. No presente artigo, analisa-se exclusivamente a influência da aplicação de conectores no comportamento monotónico e cíclico de pilares de betão armado reforçados por encamisamento de betão armado. Analogamente, a influência da utilização de um grout na resistência ao corte e à tracção de interfaces betão-betão foi objecto de estudos conduzidos pelo autor [8]. Com a adopção de um grout de elevados desempenhos auto-compactável obtiveram-se roturas coesivas, em ensaios slant shear, em lugar de roturas adesivas. Por esta razão, esta foi a solução adoptada no encamisamento dos modelos ensaiados no âmbito dos estudos descritos no presente artigo. 2. ESTUDO EXPERIMENTAL Com base nos resultados dos estudos anteriormente referidos, foram programados dois conjuntos de ensaios, monotónicos e cíclicos, para avaliar o comportamento até à rotura de pilares reforçados com encamisamento de betão armado. Na Figura 1, apresenta-se um esquema da instalação utilizada nos ensaios monotónicos e nos ensaios cíclicos. Todos os modelos foram produzidos, com uma única betonagem, tendo-se adoptado um betão C16/20 e um aço S400. Para o encamisamento de betão armado foi adoptado uma argamassa comercial, Sikagrout, autocompactável e de elevados desempenhos, e um aço S400. As dimensões definidas para a secção transversal do pilar original e para a espessura do encamisamento foram 0,20 0,20 m 2 e 35 mm, respectivamente. Devido à limitação de curso dos actuadores, adoptou-se um modelo encastrado na base e livre no topo, com uma altura de 1,35 m, correspondente a metade da altura de um pilar inserido num pórtico, tendo em conta a axissimetria da deformada devido a um deslocamento horizontal imposto. Para evitar o confinamento indesejado da secção do topo do pilar reforçado, adoptou-se uma altura de 0,90 m para o encamisamento. O pilar foi armado simetricamente com três varões de 10 mm de diâmetro em cada face. Para armadura longitudinal de reforço foram adoptados varões idênticos, os quais foram ancorados na sapata em furos previamente executados com 250 mm de profundidade utilizando uma resina de epóxido comercial, Hilti HIT-HY 150. A armadura transversal do pilar original consistia em cintas de 6 mm de diâmetro espaçadas 150 mm e a armadura transversal do reforço em cintas idên- > Figura 1: Esquema da instalação de ensaio, instrumentação e secção transversal [10]. > Figura 2: História de deslocamentos impostos adoptada nos ensaios cíclicos [11]. 24_cm
> 3 > 4 ticas mas com metade do espaçamento e colocadas desfasadas relativamente às primeiras, uma vez que esta é a geometria mais eficaz para obter um comportamento monolítico do pilar reforçado de acordo com estudos anteriores [9]. O sistema de carregamento consistiu na aplicação simultânea de uma carga vertical constante de 170 kn e de um deslocamento horizontal imposto crescente, no caso dos ensaios monotónicos, ou obedecendo a um histograma pré-definido (Fig. 2), no caso dos ensaios cíclicos, solicitando o modelo em flexão composta plana. A carga vertical foi aplicada através de um sistema tubular consistindo em dois pares de perfis UNP soldados, colocados na base e no topo do pilar e ligados através de dois cabos de pré-esforço, traccionados por meio de um macaco hidráulico. Para manter a carga vertical constante durante o ensaio, foi utilizada uma bomba ligada ao macaco, a qual foi modificada introduzindo uma electroválvula de forma a baixar a pressão sempre que a carga ultrapassava uma tolerância pré-definida e aumentando-a sempre que a carga descia abaixo desta. O deslocamento horizontal foi imposto através de um actuador hidráulico posicionado a 1,0 m da base da sapata, ligado ao modelo e a uma parede de reacção do laboratório, com ambas as extremidades rotuladas para evitar a introdução de esforços secundários. A base da sapata foi fixada à laje de reacção por meio de um sistema tubular, idêntico ao utilizado para aplicar a carga vertical, e de varões Dywidag pré-esforçados com uma força de pelo menos 50 kn para impedir o deslizamento ou a rotação da sapata. A carga axial foi medida com uma célula de carga colocada entre o macaco hidráulico e o sistema tubular utilizado para a aplicar (Fig. 1, Elemento A). O valor da carga horizontal foi obtido a partir da diferença entre os valores lidos em duas células de carga, colocadas em lados opostos do pilar (Fig. 1, Elementos B e C). A tensão instalada nos varões Dywidag foi medido com quatro células de carga (Fig. 1, Elementos D a G). O deslocamento horizontal imposto foi medido com um transdutor de deslocamentos (Fig. 1, Elemento H). Colaram-se extensómetros resistivos nas armaduras longitudinais e transversais do pilar original e do encamisamento adicionado: em cada varão central, na vizinhança da sapata (Fig. 1, Elementos 1 a 4 e 7 a 10); e na segunda cinta, a partir da base, em faces opostas (Fig. 1, Elementos 5, 6, 11, e 12). Foram construídos um total de sete pares de modelos distintos, de acordo com as conclusões dos estudos prévios, anteriormente mencionados: (M1) modelo não reforçado, para servir de referência; (M2) modelo reforçado com um encamisamento não aderente, materializado com uma película rígida, colocada entre o pilar original e o reforço, sobre a qual ainda se aplicou óleo descofrante; com este modelo pretendia-se obter o limite inferior do comportamento do pilar reforçado; (M3) modelo monolítico, com uma secção transversal de dimensão idêntica à dos modelos reforçados e igual armadura, considerado para se obter o limite superior do comportamento do pilar reforçado; (M4) modelo reforçado sem qualquer tipo de preparação da superfície da interface; (M5) modelo reforçado após tratamento da interface com jacto de areia, por ter sido esta a técnica que demonstrou melhores resultados em termos de resistência ao corte e à tracção da interface em estudos anteriores [2]; (M6) modelo reforçado após tratamento com jacto de areia e com conectores aplicados perpendicularmente à superfície da interface; e (M7) modelo reforçado após tratamento com jacto de areia e após aplicação do esforço axial, contrariamente aos restantes modelos; de facto, na prática, as restantes situações só são possíveis se for considerado um escoramento activo dos pilares a reforçar, o que implica custos adicionais. 3. RESULTADOS Na Figura 3 apresenta-se uma fotografia de um dos catorze ensaios realizados. Os resultados dos ensaios monotónicos foram analisados tendo em conta os seguintes parâmetros: (1) padrão de fissuração; (2) carga de cedência, incluindo uma comparação com valores teóricos; (3) carga máxima, igualmente comparada com a previsão; (4) rigidez inicial e rigidez secante; (5) > Figura 3: Ensaio cíclico do modelo M4 [11]. > Figura 4: Curva histerética do modelo M5 [11]. cm_25
interfaces estruturais betão-betão > Tabela 1: Valores experimentais e valores teóricos da carga de cedência. (*) Este valor foi determinado considerando o facto dos pilares terem sido encamisados após a aplicação do esforço axial > Tabela 2: Valores experimentais e valores teóricos da carga máxima. (*) Este valor não foi considerado, admitindo-se ter ocorrido alguma anomalia durante o ensaio estabilidade da carga axial; (6) análise de extensões nas armaduras longitudinais e transversais do pilar e do reforço; (7) cálculo da contribuição do pilar e do reforço para a resistência global. Os resultados dos ensaios cíclicos foram analisados tendo em conta os mesmos parâmetros e outros obtidos a partir das curvas histeréticas (Fig. 4): capacidade de dissipação de energia; e degradação dos modelos avaliada através de um índice de dano. Os resultados dos ensaios monotónicos revelaram o mesmo padrão de fissuração em todos os modelos à excepção do modelo M2 em que a não aderência do encamisamento foi provocada (Fig. 5). A comparação dos valores medidos da carga de cedência e da carga máxima com os valores calculados assumindo comportamento monolítico e assumindo não aderência do encamisamento (Tabela 1 e Tabela 2) indicaram não ter ocorrido descolamento do encamisamento em nenhum caso, exceptuando obviamente o modelo M2 em que a não-aderência foi provocada. Por este motivo, a carga máxima do modelo M3 (modelo monolítico) não constituiu, ao contrário do planeado, o limite superior. Neste modelo, tanto o pilar original como o encamisamento foram realizados com um betão C16/20, ao passo que, nos restantes, o encamisamento foi realizado com Sikagrout tendose medido aos 28 dias um valor nominal de resistência à compressão da ordem dos 80 MPa. Este estudo encontra-se publicado em [10]. Relativamente aos ensaios cíclicos, verificou-se que, no que respeita a energia dissipada normalizada, todos os modelos tiveram um comportamento qualitativamente semelhante, incluindo o modelo com o encamisamento não-aderente, M2. Registou-se uma diminuição deste parâmetro do quinto para o sexto ciclos e uma menor diminuição deste para o sétimo ciclo. Esta tendência observouse em todos os conjuntos de ciclos de igual amplitude. A única conclusão significativa que pode ser retirada desta análise é que a energia dissipada normalizada do modelo não reforçado, M1, foi menor que o valor correspondente dos restantes modelos. O índice de dano adoptado para avaliar a degradação dos modelos foi seleccionado, pela sua simplicidade, como o cociente entre a rigidez inicial, tomada como a rigidez secante definida pela origem e o pico positivo do primeiro ciclo, e a rigidez em cada ciclo, tomada como a rigidez secante definida pela origem e o pico positivo do respectivo ciclo. Em todos os modelos foi observada uma degradação da rigidez secante de ciclo para ciclo. Exceptuando o modelo nãoreforçado, M1, que apresentou valores mais elevados do que os restantes modelos, não se observaram diferenças significativas considerando este parâmetro. Este estudo encontra-se publicado em [11]. 4. CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS Com base no programa experimental conduzido, pode afirmar-se que um pilar saudável, reforçado com um encamisamento de betão armado com uma espessura inferior a 17,5 % da sua largura, sujeito a carregamento monotónico ou cíclico com um rácio momento flector / esforço transverso de 1,0 m ou superior, apresentará comportamento monolítico, sem ser necessário 26_cm
> Figura 5: Padrão de fissuração do modelo M2 e de um dos restantes modelos [10]. aumentar a rugosidade da superfície da interface, utilizar agentes de ligação ou aplicar conectores metálicos. Estudos numéricos conduzidos posteriormente, indicaram que para pilares com um rácio momento flector / esforço transverso inferior a 1,0 m, sem tratamento da superfície da interface, pode ocorrer descolamento do encamisamento. 5. AGRADECIMENTOS Agradece-se às seguintes empresas pelo seu importante apoio ao desenvolvimento deste trabalho de investigação, nomeadamente com o fornecimento gratuito de produtos: Betão-Liz, Cimpor, Dywidag, Hilti, Pregaia, Secil e Sika. REFERÊNCIAS [1] JÚLIO, E. S., BRANCO, F. e SILVA, V. D., Structural Rehabilitation of Columns using Reinforced Concrete Jacketing, John Wiley & Sons Ltd., Progress in Structural Engineering and Materials 5 (1): 29-37 JAN-MAR 2003. [2] JÚLIO, E. S., BRANCO, F., SILVA, V. D., Concrete-to-Concrete Bond Strength. Influence of the Roughness of the Substrate Surface, Elsevier, Construction and Building Materials 18 (9): 675-681 NOV 2004. [3] SANTOS, P., JÚLIO, E., SILVA, V. D., Correlation between Concrete-to-Concrete Bond Strength and the Roughness of the Substrate Surface, Elsevier, Construction and Building Materials 21 (8): 1688-1695 AUG 2007. [4] SANTOS, P., JÚLIO, E., Development of a Laser Roughness Analyzer to Predict In Situ Concrete-to-Concrete Bond Strength, Thomas Telford, Magazine of Concrete Research. (accepted 3.05.2007) [5] SANTOS, P., JÚLIO, E., Interfaces Estruturais Betão-Betão. Textura, Retracção e Módulo de Elasticidade, Construção Magazine 24, 2.º bimestre de 2008. [6] JÚLIO, E. S., BRANCO, F., SILVA, V. D., Concrete-to-Concrete Bond Strength. Influence of an Epoxy-Based Bonding Agent on a Roughened Substrate Surface, Thomas Telford, Magazine of Concrete Research 57 (8): 463-468 OCT 2005. [7] JÚLIO, E. S., BRANCO, F., Shear Strength between Concrete Layers with Added Reinforcement Crossing the Interface, ACI Structural Journal. (submitted) [8] JÚLIO, E. S., BRANCO, F., SILVA, V. D., LOURENÇO, J. F., Influence of Added Concrete on Concrete-to-Concrete Bond Strength, Elsevier, Building and Environment 41 (12): 1934-1939 DEC 2006. [9] GOMES, A., Comportamento e Reforço de Elementos de Betão Armado Sujeitos a Acções Cíclicas, Tese de Doutoramento, Instituto Superior Técnico, Julho de 1992. [10] JÚLIO, E. S., BRANCO, F., SILVA, V. D., RC Jacketing Interface Influence on Monotonic Loading Response, ACI Structural Journal 102 (2): 252-257 MAR-APR 2005. [11] JÚLIO, E. S., BRANCO, F., Influence of the Interface Treatment on the Seismic Behavior of RC Columns Strengthened by RC Jacketing, ACI Structural Journal. (to be published in JUL-AUG 2008 issue) PUB