98 Introdução Distribuição Espaço-temporal das Queimadas no Bioma Cerrado no Período de 1992 a 2007* 1 1 ; 1 ; 1 1 No Brasil o Bioma Cerrado encontra-se localizado predominantemente no Planalto Central, e é o segundo maior bioma do país em área, sendo superado apenas pelo Bioma Amazônia. Nesse bioma, 61 % da área correspondem à sua cobertura vegetal natural. Desses 61 % de cobertura vegetal natural, a região fitoecológica savânica abrange 61 % dessa área, com a região fitoecológica florestal e campestre correspondendo a 32 % e 7 %, respectivamente. Fisionomicamente, a formação florestal corresponde às áreas com predominância de espécies arbóreas, com a presença de dossel, contínuo ou não. A formação savânica refere-se a áreas com árvores e arbustos espalhados sobre estrato graminoso, de formação de dossel contínuo (RIBEIRO; WALTER, 1998; BRASIL, 2007). O Cerrado, dada a sua localização e sua extensão territorial, apresenta diferentes padrões de circulação regional. A porção mais setentrional da Região Nordeste apresenta baixos valores pluviométricos típicos de um clima semi-árido, sendo a época chuvosa proveniente, em sua grande maioria, das correntes perturbadas de leste e da ondulação da zona de convergência intertropical (ZCIT) (CAVALCANTI, 1982). Na porção que corresponde à região do Centro-Oeste e Sudeste do Brasil existe uma estação seca no inverno e uma estação chuvosa no verão. O objetivo deste trabalho é analisar a distribuição espaço-temporal das queimadas no Bioma Cerrado, no período de 1992 a 2007, relacionando-as com o comportamento climatológico da região. Material e Métodos Para a criação do banco de dados foi utilizado o Sistema de Processamento de Informações Georeferenciadas (CÂMARA et al., 1996). Este foi criado com uma base cartográfica georeferenciada, na qual os focos de queimada foram espacializados em suas respectivas localizações. A distribuição espacial e temporal das queimadas foi obtida com base nos dados disponíveis no Banco de Dados de Queimadas do CPTEC (http://www. cptec.inpe.br/queimadas). * Menção honrosa da sessão 8 do tema Caracterização, Conservação e Uso da Biodiversidade. 1 Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais INPE. Av. dos Astronautas, 1.758, d. Granja, CEP 12227-010, São José dos Campos, São Paulo. bayma@dsr.inpe.br
99 Fig. 1. Localização da área de estudo e as classes de cobertura da terra, no ano de 2002. Os focos de queimadas disponíveis foram agrupados em grades com resolução de 4 km, totalizando, desta forma, em cada ponto de grade, o total de focos encontrados naquela região geográfica no período de 1992 a 2007. Após este processamento, os valores totais de queimada por grade foram submetidos ao processo de interpolação linear, transformando as informações pontuais em uma grade de valores com as dimensões acima descritas, permitindo assim uma melhor visualização e espacialização dos dados. O processamento final consistiu no cruzamento das classes do Mapa de Cobertura Vegetal do Bioma Cerrado, na escala de 1:5.000.000, obtidos junto à Secretaria de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente (MMA), com os dados de queimadas espacializados no SPRING. Resultados e Discussão O gráfico dos valores médios e máximos de queimadas acumulados em 16 anos de observações está demonstrado na Fig. 2. Os valores máximos representam o maior valor encontrado nas médias dos polígonos. Os valores médios correspondem à média do somatório de cada polígono e são obtidos com base na equação 1: (1) onde representa a média dos valores de queimada de um polígono e representa o número total de polígonos de uma classe.
100 Percebe-se que as áreas correspondentes à formação savânica apresentam os maiores focos de queimadas no primeiro e terceiro trimestre, enquanto que regiões referentes às áreas antrópicas contabilizam os maiores números de focos no segundo e no quarto semestre. Ademais, é possível perceber que a vegetação secundária apresentou uma evolução quantitativa em relação aos números de focos de queimadas no decorrer do tempo. A distribuição dos focos de queimadas pode ser mais bem compreendida com a análise do comportamento climatológico do país. A climatologia disponibilizada pelo CPTEC, extraída de dados do INMET, correspondente ao período de 1961 a 1990, é uma climatologia feita até a década de 1990 que abrange os 30 anos (Fig. 3). Na Fig. 4, pode ser observada a distribuição espacial dos focos de queimada acumulados entre 1992 e 2007. Considerando os mesmos períodos trimestrais, observa-se que no primeiro trimestre (janeiro, fevereiro e março) (Fig. 3a e 4a) uma elevada precipitação, média, e a baixa ocorrência de queimadas, com 132 focos. No segundo trimestre (abril, maio e junho) os valores de precipitação na região central do país diminuem (entre 50 mm e 200 mm), característica do deslocamento da Alta Subtropical do Atlântico Sul (ASAS), e o número total de queimadas aumenta significativamente, 1.954 focos, em relação ao período anterior apesar de a vegetação não se encontrar totalmente seca, o que dificulta eventuais queimadas (Fig. 3b e 4b). a) de janeiro a março, b) de abril a junho, c) de julho a setembro e d) outubro a dezembro. Fig. 2. Média e máxima da concentração de focos de queimada para as classes de uso da terra.
101 a) b) c) d) a) de janeiro a março, b) de abril a junho, c) de julho a setembro e d) outubro a dezembro. Fig. 3. Climatologia trimestral de precipitação para o Brasil. Fonte: Adaptada de INPE <www.cptec.inpe.br> (2007). O terceiro trimestre (julho, agosto e setembro) apresenta os menores valores de precipitação, sendo o trimestre com o maior número de focos de queimadas, com 3.959 focos (Fig. 3c e 4c). Cabe ressaltar que a vegetação nesse período encontra-se mais seca em função da diminuição da precipitação no período anterior. Segundo Coutinho (1990), as queimadas, principalmente em agosto e setembro, são realizadas por fazendeiros, pois depois de queimada a vegetação rebrota e se torna mais palatável para os animais. Ademais, grandes extensões de vegetação são roçadas e queimadas no fim do período
102 para serem convertidas em novas áreas agrícolas, principalmente para a produção de grãos. No último trimestre (outubro, novembro e dezembro), o volume de chuva começa a aumentar gradativamente devido à atuação de processos convectivos, porém o número de focos de queimadas é elevado (3500) (Fig. 3d e 4d). Apesar desse período apresentar maior umidade do ar, é freqüente a ocorrência de veranicos, com dias quentes e sem chuva, mantendo a vegetação suscetível à ocorrência de queimadas. Nesse contexto, destacam-se municípios como Marajá do Senna, Caxias, Gonçalves Dias, localizados no Estado do Maranhão, que apesar do aumento da precipitação no bioma apresentaram elevados números de focos de queimadas (Fig. 4d). Isso pode ser parcialmente explicado pela diminuição da precipitação pluviométrica, condicionada pelo deslocamento meridional da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), posicionada mais a norte. Com isso a região mais ao norte do Brasil possui valores pluviométricos entre 25 mm e 100 mm, enquanto no resto do país estes valores apresentam variações de 300 mm a 800 mm (QUADRO et al., 1996). a) b) c) d) a) de janeiro a março, b) de abril a junho, c) de julho a setembro e d) outubro a dezembro. Fig. 4. Focos de queimada acumulados entre 1992 e 2007 (em focos/km²).
103 Conclusões A distribuição espacial dos focos de queimadas no Bioma Cerrado apresenta comportamento influenciado pelos padrões climatológicos no país. Regiões no bioma com baixa precipitação média apresentaram elevados números de focos de queimadas, ao longo do período analisado. Exemplo disto é a Região Centro-Leste do Maranhão, onde apesar da média da precipitação no país ter sido elevada, a climatologia do local favoreceu as queimadas devido o deslocamento meridional da ZCIT, influenciando a baixa precipitação na região. As ferramentas disponíveis no Spring foram de grande utilidade para as análises realizadas. Recomenda-se a continuidade dessas análises, a fim de possibilitar uma compreensão cada vez melhor quanto à distribuição espaço-temporal das queimadas neste bioma. Referências CÂMARA, G.; FREITAS, U. M.; SOUZA, R.C. M.; GARRIDO, J. SPRING: Integrating Remote Sensing and GIS by Object-Oriented Data Modelling. Computers and Graphics, v. 15, n. 6, jul. 1996. CAVALCANTI, I. A. Um estudo sobre as interações entre os sistemas de circulação de escala sinótica e circulações locais. São José dos Campos: INPE, 1982. COUTINHO, L. M. Fire in the ecology of the Brazilian Cerrado. In: GOLDAMMER, J. G. ( Ed.). Fire in the tropical biota. New York: Springer-Velarg, 1990a. p. 82-105. (Ecologycal Studies, 84). INPE. Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos. Banco de dados de queimadas. 2008. Disponível em <http://www.cptec.inpe.br/queimadas>. Acesso em: 19 maio 2008. BRASIL. Ministério Do Meio Ambiente. Mapeamento de cobertura vegetal do bioma Cerrado: relatório final. Brasília, DF, 2007. Edital PROBIO 02/ 2004 Projeto Executivo B.02.02.109. Disponível em: <http://mapas.mma.gov.br/geodados/brasil/vegetacao/vegetacao2002/cerrado/ documentos/relatorio_final.pdf>. Acesso em: 13 ago. 2007. (TAVA MINISTERIO) QUADRO, M. F. L.; MACHADO, L. H. R.; CALBETE, S.; BATISTA, N. N. M.; OLIVEIRA, G. S. Climatologia da precipitação e temperatura. Climanálise especial. São José dos Campos: INPE, 1996. p. 136-139. Edição Comemorativa de 10 anos. RIBEIRO, J. F.; WALTER, B. M. T. Fitofisionomias do Bioma Cerrado. In: SANO, S. M.; ALMEIDA, S. P. (Org.). Cerrado: ambiente e flora. Planaltina, DF: Embrapa Cerrados, 1998. p. 89-166.