LITERATURA LUSO-BRASILEIRA Adriana Leite/ Ana Maria/ Telma Paes
O CONTEXTO HISTÓRICO Vê-se que a obra se ocupa do período de 1855 a 1890, época cuja importância é fundamental na evolução da sociedade brasileira. Neste período de nossa história, temos a economia do café, extinção do trabalho escravo e o emprego da mão-de-obra livre. Há grandes transformações urbanas e a população cresce a cada dia. O autor procura registrar a transição Império/República, o que dá ao texto o nível histórico.
POSSIBILIDADES DE LEITURA EM ESAÚ E JACÓ Reflete a posição política de um homem tido como alheio aos movimentos de tal natureza. O escritor retoma, no título, a referência bíblica típica de sua ficção remetendo a história de Pedro e Paulo ao episódio do Antigo Testamento (Gênesis, capítulos 27 a 33). Os gêmeos nos trazem reflexões políticas que, certamente, ocupavam o imaginário da época, além de Flora, apaixonada pelos irmãos, que caracteriza a indecisão, marca registrada da obra machadiana, que nada afirma sem, logo a seguir, meter a dúvida de permeio. Machado de Assis utiliza as duas personagens Pedro e Paulo para, em cada uma, incorporar seu espírito hesitante e em constante luta íntima na grande questão que nos traz esta obra: Monarquia X República.
ESAÚ E JACÓ Penúltima obra escrita por Machado de Assis, foi publicada em 1904. A princípio considerado um Romance de Costumes, atualmente é tido como obra de complexo entendimento, tal a elaboração estética que apresenta no contexto da produção machadiana.
A HISTÓRIA BÍBLICA DE ESAÚ E JACÓ Esaú e Jacó são filhos gêmeos que Isaac e Rebeca concebem na velhice. Rebeca, que sentia os filhos lutarem em seu ventre, ora a Deus, que lhe responde: "Há duas nações em teu seio, dois povos saídos de ti, se separarão, um povo dominará o outro, o mais velho servirá ao mais novo." Quando adultos, Esaú cede o direito de primogenitura ao seu caçula.
NA FICÇÃO LITERÁRIA ESAÚ E JACÓ Esaú e Jacó intitulam o ultimo volume dos manuscritos deixados pelo Conselheiro Aires. Esaú e Jacó conta a história de dois irmãos gêmeos: Pedro e Paulo, filhos de Natividade e Santos, e que, assim como os personagens bíblicos Esaú e Jacó, brigavam desde o ventre, segundo nos conta o primeiro capítulo: "Brigaram no ventre da mãe, que tem? Cá fora também se briga. Seus filhos serão gloriosos..."
O TÍTULO ESAÚ E JACÓ Advertência Quanto ao título, foram lembrados vários, em que o assunto se pudesse resumir. Ab ovo, por exemplo, apesar do latim; venceu, porém, a ideia de lhe dar estes dois nomes que o próprio Aires citou uma vez: Esaú e Jacó.
Ab Ovo Expressão latina que significa desde o ovo, isto é, desde a origem, desde o começo. Aqui o autor parece referir-se aos personagens Pedro e Paulo.
Conselheiro Aires = Autor/Narrador Quando o Conselheiro Aires faleceu, acharam-lhe na secretária sete cadernos manuscritos, rijamente encapados em papelão. Cada um dos primeiros seis tinha o seu número de ordem, por algarismos romanos, I, II, III, IV, V, VI, escritos a tinta encarnada. O sétimo trazia este título: Último.
A NARRATIVA É submetida à visão de mundo do Conselheiro Aires, pois os fatos falam através de seu ponto de vista. O discurso do Conselheiro Aires é assumido pelo narrador, sendo este mero intermediário. Aires representa alguém que ironicamente, possui a verdade ou sobre ela reflete. A posição de Aires fundamenta a narrativa.
QUEM É CONSELHEIRO AIRES? Tem entre 40 a 42 anos na narrativa (Cap. XII/ Esse Aires). Belo tipo de homem, chegara dias antes do Pacífico com uma licença de seis meses. Viúvo, não foi propriamente casado. Não amava o casamento. Casou por necessidade do ofício; cuidou que era melhor ser diplomata casado do que solteiro, e pediu a primeira moça que apareceu ao seu destino
A PAIXÃO POR NATIVIDADE. Tempo houve em que ele gostou de Natividade. Não foi propriamente paixão; não era homem disso. Gostou dela como de outras jóias e raridades, mas tão depressa viu que não era aceito, trocou de conversação. Gostava de mulheres, sobretudo bonitas, mas nem as queria à força nem as curava de persuadir. Era extremamente cordato. Foi por esse tempo que Santos pensou em casá-lo com a cunhada, recentemente viúva. Esta parece que queria. Natividade opôs-se, nunca se soube por quê. Não eram ciúmes, inveja não creio que fossem. O desgosto de cedê-lo a outra,ou tê-los felizes ao pé de si, posto que o coração é o abismo dos abismos.
A DIPLOMACIA DE CONSELHEIRO AIRES. Era cordato, repito, embora esta palavra não exprima tudo exatamente o que quero dizer. Tinha o coração disposto a aceitar tudo, não por inclinação à harmonia, senão por tédio à controvérsia. (Cap. XII)
O DISCURSO MÍTICO EM ESAU E JACÓ Relacionado a um contexto popular contextualizado na consulta de Natividade à Cabocla do Morro do Castelo. Relacionado à antiguidade clássica, na citação a Ésquilo, o criador da tragédia grega, e sua peça As Eumênides e à personagem Pítia, sacerdotisa do templo de Apolo que pronunciava oráculos na sofisticada Grécia.
PROFETIZANDO O FUTURO Natividade e sua irmã Perpétua sobem o Morro do Castelo para consultar Bárbara, a cabocla vidente. Essa motivação e a cena da entrevista com a adivinha caracterizam o discurso mítico, a esfera da religiosidade e da crendice. Nesse caso, relacionado a um contexto popular.
A CABOCLA DO MORRO DO CASTELO - Coisas futuras! Murmurou finalmente a cabocla. (...) - Coisas bonitas, coisas futuras! - Serão grandes, oh! Grandes! Deus há de dar-lhes muitos benefícios. Eles hão de subir, subir, subir... Brigaram no ventre de sua mãe, que digo. Quanto a qualidade da glória, coisas futuras!
A GRAVIDEZ DE NATIVIDADE Todos os oráculos têm o falar dobrado, mas entendem-se. Natividade acabou entendendo a cabocla, apesar de não lhe ouvir mais nada; bastou saber que as coisas futuras seriam bonitas, e os filhos grandes e gloriosos. (...) Não tivera gestação sossegada, efetivamente sentira movimentos extraordinários, repetidos, e dores, e insônias... (...)
CABOCLA & IRMÃOS DAS ALMAS Bastou saber que as coisas futuras seriam bonitas, e os filhos grandes e gloriosos para ficar alegre e tirar da bolsa uma nota de cinquenta mil réis Natividade tão fora de si que, ao ouvir-lhe pedir: Para a missa das almas! tirou da bolsa uma nota de dois mil-réis. (...) O irmão das almas também era alma.
A INFÂNCIA DOS GÊMEOS Obedeciam aos pais sem grande esforço, posto fossem teimosos. Nem mentiam mais que outros meninos da cidade. Ao cabo, a mentira é alguma vez meia virtude. Assim é que, quando eles disseram não ter visto furtar um relógio da mãe, presente do pai, quando eram noivos, mentiram conscientemente, porque a criada que o tirou foi apanhada por eles em plena ação de furto. Mas era tão amiga deles! Contavam sete anos.
DESCOBERTA A MENTIRA Mas, por que é que vocês até agora não me disseram? teimava a mãe. Não sabendo mais que razão dessem, um deles, creio que Pedro, resolveu acusar o irmão: Foi ele, mamãe! Eu? Redarguiu Paulo. Foi ele, mamãe, ele é que não disse nada. Foi você! Foi você! Não minta! Mentiroso é ele! Cresceram um para o outro. Natividade acudiu, não tanto que impedisse a troca dos primeiros murros. Seguroulhes os braços a tempo de evitar outros, e, em vez de os castigar ou ameaçar, beijou-os com tamanha ternura que eles não acharam melhor ocasião de lhe pedir doce. Tiveram doce; tiveram também um passeio, à tarde, no carrinho do pai.
A VANTAGEM EM BRIGAR De noite, na alcova, cada um deles concluiu para si que devia os obséquios daquela tarde, o doce, os beijos e o carro, à briga que tiveram, e que outra briga podia render tanto ou mais. Sem palavras, como um romance ao piano, resolveram ir à cara um do outro, na primeira ocasião.
PEDRO X PAULO Mais dissimulado Estudante de medicina no RJ. É favorável à monarquia. Considera poder ser o primeiro ministro do Império. Comprou um retrato de Luis XVI. Mais agressivo. Estudante de direito em SP. É favorável à república; Considera a possibilidade de ser o primeiro presidente da República. Comprou uma gravura de Robespierre.
AS GRAVURAS DE LUIS XVI E ROBESPIERRE 1754-1793 Rei da França (1774-1791), quando subiu ao trono, as finanças reais não se encontravam em situação favorável, assim permanecendo até ao eclodir da Revolução Francesa, altura em que Luís XVI foi deposto. 1758 1794 Advogado e político francês, Robespierre foi importante personalidade na Revolução Francesa. Foi um dos que pediram a condenação do rei Luís XVI, guilhotinado em 21 de janeiro de 1793.
CAPÍTULO XXVII Mas se duas velhas gravuras os levam a murro e sangue, contentarse-ão com a sua esposa? Não quererão a mesma mulher?
FLORA Quem a conhecesse por esses dias, poderia comparála a um vaso quebradiço ou a flor de uma só manhã, e teria matéria para uma doce elegia. Inexplicável, segundo o conselheiro Aires. Gosta dos dois irmãos, procurando conciliá-los. Concorda com as opiniões de Pedro(monarquista) e de Paulo (republicano). É Personagem contraditória.
PEDRO, FLORA, PAULO Flora ria com ambos, sem rejeitar nem aceitar especialmente nenhum; pode ser até que nem percebesse nada. Paulo vivia mais tempo ausente. Quando tornava pelas férias, como que a achava mais cheia de graça. Era então que Pedro multiplicava as suas finezas para se não deixar vencer do irmão. E Flora recebia-as todas com o mesmo rosto amigo. Note-se que os dois gêmeos continuavam a ser parecidos e eram cada vez mais esbeltos. Talvez perdessem estando juntos, porque a semelhança diminuía em cada um deles a feição pessoal. Demais, Flora simulava às vezes confundi-los, para rir com ambos. E dizia a Pedro: - Dr. Paulo! - mm E dizia a Paulo: - Dr. Pedro!
TAIS ARTES A SERVIÇO DE TAIS GRAÇAS Flora mudava os nomes, e os três acabavam rindo. A familiaridade desculpava a ação e crescia com ela. Paulo gostava mais de conversa que de piano; Flora conversava. Pedro ia mis com o piano que com conversa; Flora tocava. Ou então faziam ambas as coisas, e tocava falando. (...) Tais artes, postas ao serviço de tais graças, eram realmente de acender os gêmeos, e foi o que sucedeu pouco a pouco.
PARTIDO QUE SOBE & PARTIDO QE DESCE Se há muito riso quando um partido sobre, também há muita lágrima do outro que desce.
O BAILE DA ILHA FISCAL Ocorreu em 9 de novembro de 1889, foi oferecido pelo Imperador Pedro II a oficiais da Marinha chilena que visitavam o Brasil. D.Cláudia pensava no baile da Ilha Fiscal sem a menor ideia de dançar; o baile era um fato político, o baile do ministério, uma festa liberal que podia abrir ao marido as portas de alguma presidência.
OS CONFLITOS DE FLORA Mas de onde viria o tédio de Flora? Com Pedro no baile, não; este era um dos que lhe queriam bem. Salvo se ela queria o que estava em SP (Paulo).Não é certo que preferisse um do que a outro. Se já a vimos falar com a mesma simpatia, o que fazia agora a Pedro na ausência de Paulo, e faria a Paulo na ausência de Pedro.
MONARQUIA X REPÚBLICA Os gêmeos nos trazem reflexões políticas que, certamente, ocupavam o imaginário da época, além de Flora, apaixonada pelos irmãos, que caracteriza a indecisão, marca registrada da obra machadiana, que nada afirma sem, logo a seguir, meter a dúvida de permeio. Machado de Assis utiliza as duas personagens Pedro e Paulo para, em cada uma, incorporar seu espírito hesitante e em constante luta íntima na grande questão que nos traz esta obra: Monarquia X República.
UM PAÍS DIVIDIDO É possibilidade de leitura da obra. As duas nações seriam o próprio Brasil, dividido, na época, entre a Monarquia e a República e até hoje entre o progresso e o conservadorismo, entre a sofisticação e a miséria.
IMPÉRIO É TABULETA VELHA A passagem da Monarquia para a República é motivo de alegoria irônica de Machado em Esaú e Jacó, quinze anos mais tarde, nos conhecidos capítulos das tabuletas de novo, como que um conto inserido na estrutura do romance. No capítulo 49, Tabuleta Velha, o conselheiro Aires acorda no dia seguinte ao Baile da Ilha Fiscal, depois de dormir até as onze da manhã, e à tarde vai passear na rua do Ouvidor. No capítulo 63, Tabuleta Nova, Custódio enfrenta um dilema com a tabuleta da sua confeitaria: decide por chamar Confeitaria do Custódio que o deixaria livre de significados políticos. Mesmo assim, Custódio novamente seria obrigado a fazer uma despesa, o que era seu desespero. O cidadão estava sob a custódia das indefinições.
NÃO HÁ REGIME POLÍTICO IDEAL A não conciliação dos gêmeos representaria, então, a impossibilidade de se chegar a um regime político ideal, o que, nessa obra, explica o já tão comentado pessimismo e ceticismo machadiano.
DUAS NAÇÕES NO BRASIL As duas nações seriam o próprio Brasil, dividido, na época, entre a Monarquia e a República e até hoje entre o progresso e o conservadorismo, entre a sofisticação e a miséria.
INDECISÃO DE FLORA A figura de Flora, indecisa entre os dois irmãos, já foi identificada como uma representação alegórica da própria nação brasileira inexplicável. Seu pai, Batista, é o típico político fisiológico que muda de partido como quem troca de camisa, sem ter qualquer convicção política ou ideológica. No entanto, Machado de Assis nos fornece outra explicação, essa psicológica e não alegórica, para as constantes disputas fraternas. Crianças, ao travarem seu primeiro combate, recebem doces e beijos e um passeio de carro da mãe ao se reconciliarem.