Endogamia: possíveis conseqüências e formas de controle em programas de melhoramento de bovinos de corte 1.

Documentos relacionados
Pró-Reitoria de Pesquisa, Inovação e Pós-Graduação. Resumo Expandido

26 a 29 de novembro de 2013 Campus de Palmas

Monitoramento de Acasalamentos em Programas de. Melhoramento Genético

Estudo genético de diferentes populações de bovinos utilizando dados simulados 1

Avaliação genética. Os pais não transmitem o seu genótipo aos descendentes e sim uma amostra aleatória de genes.

Consangüinidade ou Endogamia. Consangüinidade ou Endogamia. Coeficiente de Consangüinidade

DELINEAMENTO DE PROGRAMAS DE MELHORAMENTO UTILIZANDO INFORMAÇÃO GENÔMICA

Seleção: Processo que dá preferência a certos indivíduos para a reprodução da geração seguinte.

CAPÍTULO 3 Estudo de definição alternativa da. stayability na raça Nelore

MELHORAMENTO GENÉTICO E CRUZAMENTOS DE OVINOS

Simulação de dados para avaliação genética de rebanhos de gado de corte

O EQUILIBRISTA. Ou, por que não consegue interpretar a informação?

Interpretação dos Sumários de Avaliação de Touros

ENDOGAMIA NA RAÇA NELORE

PUBVET, Publicações em Medicina Veterinária e Zootecnia. Intervalo de gerações e tamanho efetivo do rebanho Tabapuã no Estado da Bahia

GENÉTICA DE POPULAÇÕES

INTRODUÇÃO AO MELHORAMENTO ANIMAL

Estudo genético quantitativo de uma população de ovelhas da raça Santa Inês

A Chave Mestra do Melhoramento Genético Avaliação Genômica

ENDOGAMIA NA RAÇA HOLANDESA NO BRASIL

Parâmetros Populacionais do Rebanho Gir Mocho Registrado no Brasil. Population Parameters of the Registered Polled Gir in Brazil

Melhoramento de Espécies Alógamas. Melhoramento de Espécies Alógamas 06/06/2017 INTRODUÇÃO

Melhoramento de Espécies Alógamas

Aparentemente fácil de ser entendida, a seleção apresenta-se como uma

Efeito da endogamia sobre pesos aos 120 e 210 dias de idade em um rebanho experimental de bovinos Nelore Mocho criados no bioma Cerrado

FORMAÇÃO DE NOVAS RAÇAS DE BOVINOS DE CORTE INTRODUÇÃO

Genética Quantitativa I Capítulo 11. Seleção

BOVINOS RAÇAS PURAS, NOVAS RAÇAS, CRUZAMENTOS E COMPOSTOS DE GADO DE CORTE. Moderador: Prof. José Aurélio Garcia Bergmann UFMG

LGN 313 Melhoramento Genético

Aula 5 Melhoramento de Espécies Alógamas

PARÂMETROS POPULACIONAIS NA RAÇA GIR DO INSTITUTO DE ZOOTECNIA POPULATION PARAMETERS IN THE GIR OF INSTITUTO DE ZOOTECNIA

Variabilidade genética e limite da seleção em populações de diferentes tipos de acasalamento

Melhoramento de Alógamas

7 Melhoramento de Espécies Autógamas

V Simpósio da Sociedade Brasileira de Melhoramento Animal

Efeitos da seleção individual e da seleção baseada no BLUP em populações diferentes, quanto ao tipo de acasalamento

PROVAS OBJETIVAS ZOOTECNIA(GENÉTICA E MELHORAMENTO ANIMAL, PARASITOLOGIA, SANIDADE ANIMAL, PRODUÇÃO ANIMAL)

Avaliação da Endogamia e suas implicações no ganho genético e limite de seleção em diferentes populações simuladas de bovinos 1

Quantitativos + Qualitativos 17/03/2016. Variabilidade Genética Como surgem as variações genéticas? Mutações! Controle Genética e Herdabilidade

A PESQUISA EM MELHORAMENTO GENÉTICO ANIMAL DA EMBRAPA PECUÁRIA SUDESTE

Aula 7 Melhoramento de Espécies Autógamas

TEORIAS E MÉTODOS MELHORAMENTO GENÉTICO ANIMAL

CONTROLE DO REBANHO Controle genealógico

Melhoramento gené.co de bovinos leiteiros: estratégias para u.lização de vacas F1

Avaliação da produção de leite e da porcentagem de gordura em um rebanho Gir leiteiro

Uso combinado de sêmen sexado e acasalamento dirigido sobre uma população de bovinos de corte submetida a seleção: estudo de simulação

TEORIAS E MÉTODOS MELHORAMENTO GENÉTICO ANIMAL

CRUZAMENTOS EM ANIMAIS

TENDÊNCIAS GENÉTICAS PARA CARACTERÍSTICAS DE CRESCIMENTO, ESCORE DE MUSCULATURA E PERÍMETRO ESCROTAL EM UM REBANHO DA RAÇA ANGUS 1

GENÉTICA QUANTITATIVA. Herança Mendeliana x herança poligênica. Ação aditiva Ação dominante Ação sobredominante

INTERAÇÃO GENÓTIPO x AMBIENTE EFEITO DO AMBIENTE

GENÉTICA QUANTITATIVA

AVALIAÇÃO GENÉTICA E PROGRAMAS DE MELHORAMENTO GENÉTICO DE BOVINOS DE CORTE NO BRASIL

Efeito da Endogamia sobre Características de Crescimento de Bovinos da Raça Gir no Brasil 1

EFEITOS NÃO GENÉTICOS SOBRE CARACTERÍSTICAS PRODUTIVAS E REPRODUTIVAS EM REBANHOS NELORE CRIADOS NA REGIÃO NORTE DO BRASIL

ACASALAMENTO DE REBANHOS LEITEIROS. Apresentadores: Ismael Cavazini Sofia Bonilla de Souza Leal

Melhoramento Genético do Milho

ENDOGAMIA E HETEROSE INTRODUÇÃO

POPULAÇÕES COMPOSTAS COMO FONTE DE NOVO MATERIAL GENÉTICO

Tamanho populacional 31/08/2010. Evolução Estocasticidade (Acaso) e Determinismo (Seleção natural) Relação entre o Censo (N) e tamanho efetivo (Ne)

42º Congresso Bras. de Medicina Veterinária e 1º Congresso Sul-Brasileiro da ANCLIVEPA - 31/10 a 02/11 de Curitiba - PR 1

"A escolha do touro como ferramenta para lucratividade em rebanhos leiteiros",

06/06/2017. Melhoramento de espécies autógamas - Método SSD, Método do Retrocruzamento

GENÉTICA QUANTITATIVA

Aula 08. Melhoramento de espécies autógamas - Método SSD, Método do Retrocruzamento

Melhoramento de espécies. Método do Retrocruzamento MÉTODO DESCENDENTE DE UMA SEMENTE (SSD - SINGLE SEED DESCENDENT)

ESTIMATIVAS DE COMPONENTES DE VARIÂNCIA E PARÂMETROS GENÉTICOS PARA GANHO DE PESO EM DOIS REBANHOS DA RAÇA HEREFORD

PPGZOO UFVJM. Volume 1 - Número 1 Novembro/2013. Utilização de acasalamento dirigido para aumentar a produtividade em bovinos de corte

A DEP é expressa na unidade da característica avaliada, sempre com sinal positivo ou negativo:

Efeitos ambientais e genéticos sobre o peso ao desmame de animais da raça Nelore criados no Pantanal Sul-Mato-Grossense

Seleção. Teste da progênie e seleção de sêmen. Resposta à seleção. Intensidade de seleção. Diferencial de seleção (s) Diferencial de seleção (s)

Noções de Melhoramento genético animal

ESTIMATIVAS DE HERDABILIDADES PARA ESCORE VISUAL DE ÚBERE E PESO À DESMAMA EM BOVINOS DA RAÇA NELORE

Comparação de métodos de seleção em populações simuladas de frangos de corte

RAPP 2014 Reunião Anual dos Parceiros PAINT

43ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Zootecnia 24 a 27 de Julho de 2006 João Pessoa - PB

CRIAÇÃO DE NOVILHAS DESMAMA AO PRIMEIRO PARTO 34) TAXA DE CRESCIMENTO Michel A. Wattiaux Babcock Institute

GENÉTICA QUANTITATIVA I. Herança Mendeliana x herança poligênica. Interações gênicas (alélicas) Ação aditiva Ação dominante Ação sobredominante

Interação genótipo-ambiente

EFEITOS DA ENDOGAMIA EM ZEBUÍNOS COM ENFASE NA RAÇA NELORE

MELHORAMENTO GENÉTICO. Seleção Genômica

EFEITOS FIXOS SOBRE DESEMPENHO PONDERAL EM BOVINOS NELORE NO ACRE

UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA INSTITUTO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS MESTRADO EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS. Cecília Fonseca Poggian

Archives of Veterinary Science v.7, n.1, p.65-69, 2002 Printed in Brazil ISSN: X

PALAVRAS-CHAVE: herdabilidade, ganho de peso, correlação genética, inferência bayesiana

FORMAÇÃO DE POPULAÇÕES COMPOSTAS

Melhoramento de espécies alógamas

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS FACULDADE DE AGRONOMIA ELISEU DEPARTAMENTO DE ZOOTECNIA MELHORAMENTO ANIMAL SELEÇÃO

HERDABILIDADES E CORRELAÇÕES GENÉTICAS PARA PERÍMETRO ESCROTAL E CARACTERÍSTICAS DE CRESCIMENTO EM BOVINOS DA RAÇA CANCHIM 1

Endogamia & Heterose. Leandro S. A. Gonçalves Dr. Genética e Melhoramento de Plantas

Comparação de metodologias de seleção sob oscilação genética

CAPÍTULO 1 Escolha do melhor grupo de. contemporâneos para análises de permanência no. rebanho com a base de dados do PMGRN-USP

MELHORAMENTO ANIMAL II Código: DP0034. Prof. Eduardo Brum Schwengber

Progresso genético e estrutura populacional do rebanho Nelore no Estado da Bahia

ESTRUTURA POPULACIONAL DE UMA LINHA PATERNA DE FRANGOS DE CORTE USANDO ANÁLISE DE REGISTROS DE PEDIGREE

GENÉTICA DE POPULAÇÕES

Cruzamentos. Noções de melhoramento parte 3. Cruzamentos. Cruzamento X Seleção. Como decidir o cruzamento? EXEMPLOS

Transcrição:

Endogamia: possíveis conseqüências e formas de controle em programas de melhoramento de bovinos de corte 1. Roberto Carvalheiro (Consultor, GenSys Consultores Associados S/C Ltda) Eduardo da Cruz Gouveia Pimentel (Doutorando, FCAV/UNESP - Jaboticabal) Introdução Importantes avanços têm ocorrido nos programas de melhoramento animal no sentido de permitir aceleração do progresso genético e maior difusão do material genético superior. Estes avanços colaboraram para que a endogamia recebesse atenção especial de pesquisadores e selecionadores. Apesar do tema endogamia ser de grande importância em outras áreas como, por exemplo, na preservação e manutenção da diversidade genética de diferentes raças e espécies, o enfoque do presente trabalho foi feito no intuito de tentar esclarecer porque há preocupação com a endogamia nos programas de melhoramento atuais. Antes, porém, alguns conceitos primordiais serão discutidos. Endogamia: conceitos básicos Endogamia consiste no acasalamento de animais aparentados ou, mais apropriadamente, no acasalamento de animais mais aparentados do que a média da população ou de uma população base da qual não se conhece os ascendentes. O grau de endogamia de um indivíduo é descrito pelo coeficiente de endogamia (F) ou, formalmente, pela probabilidade de que 2 alelos em um locos tomado ao acaso sejam idênticos por descendência. O F de um indivíduo pode ser calculado como a metade do parentesco entre seus pais. O parentesco, por sua vez, representa a porcentagem esperada de genes em comum entre indivíduos. Como exemplo, o parentesco entre meio irmãos (filhos de um mesmo touro ou vaca) é de 25%, sendo que o acasalamento entre eles resultaria em um animal com F de 12,5%. Atualmente, existem algoritmos computacionais que permitem o cálculo do F de grandes conjuntos de dados de forma rápida e eficiente (ex.: Meuwissen e Luo, 1992). 1 Artigo apresentado no II GEMPEC Workshop em Genética e Melhoramento na Pecuária de Corte, FCAV/UNESP - Jaboticabal, SP, 17/09/04. II Gempec - 2004-1 -

Endogamia: tendências atuais A intensificação do uso de métodos de avaliação genética que permitem identificar animais geneticamente superiores de forma mais precisa, e de biotécnicas reprodutivas que permitem difundir o material genético superior mais rapidamente, contribuíram para que os programas de melhoramento não apenas acelerassem o progresso genético, mas também se tornassem mais propensos ao aumento da endogamia. Um exemplo característico é relatado por Weigel (2001), com relação as principais raças de bovinos de leite dos Estados Unidos. Para a maioria das raças, o crescimento da taxa de endogamia que era em torno de 0,05% ao ano no período de 1960 a 1980, passou para aproximadamente 0,2% ao ano de 1980 a 2000, fazendo com que a taxa média de endogamia passasse de 1% em 1980 para 5% em 2000. Por que a seleção com base em critérios mais precisos pode levar a uma maior endogamia? Os procedimentos atuais de avaliação, que geram as DEPs (diferenças esperadas na progênie), usam a informação de parentes, o que implica que membros da mesma boa família tem mais chance de serem selecionados. Além disso, animais de diferentes rebanhos são comparados e touros com desempenho destacado nos sumários podem ser utilizados por diferentes criadores, aumentando a chance dos animais das gerações futuras descenderem de um grupo relativamente pequeno de touros altamente selecionados e apresentarem maior parentesco entre si. Por que o uso de biotécnicas reprodutivas, como a inseminação artificial (IA) e a múltipla ovulação e transferência de embriões (MOET), podem levar a uma maior endogamia? Por permitir um número muito maior de descendentes por touro, a IA torna possível selecionar um grupo extremamente seleto de touros sem que haja aumento no intervalo de gerações, pois a quantidade de animais necessários para repô-los é pequena. Da mesma forma, porém em menor intensidade, a TE e a FIV atuam sobre as vacas. Se poucos animais forem selecionados como progenitores da próxima geração, haverá maior chance (futura) de acasalamentos entre parentes e o tamanho efetivo da população (Ne) será reduzido. O Ne é um importante parâmetro populacional que serve de termômetro para avaliar os níveis de endogamia, sendo um indicativo da variabilidade genética presente em uma população com número equivalente de animais não aparentados (Weigel, 2003). É importante frisar que o tamanho efetivo da população, e não necessariamente o tamanho da população, é inversamente proporcional a taxa de endogamia. II Gempec - 2004-2 -

Faria et al. (2001), calcularam o tamanho efetivo da população de animais da raça Nelore controlados pela ABCZ (Associação Brasileira de Criadores de Zebu) e encontraram o alarmante resultado de que toda a população controlada apresenta variabilidade genética esperada equivalente a uma população de 68 animais não aparentados. Os autores apontaram que o principal motivo para este resultado foi o uso excessivo de determinados touros. No período de 1994 a 1998, 10 touros (0,096% do total) foram pais de 19,3% dos animais controlados (10.357 filhos/touro). Schenkel et al. (2002), trabalhando com o banco de dados da ABCZ das raças Gir, Guzerá, Indubrasil, Nelore e Tabapuã, observaram que todas as raças, exceto a Guzerá, apresentaram evolução crescente da taxa anual de endogamia (F a ), principalmente após 1980. As raças Indubrasil e Gir apresentaram as maiores F a nos últimos 8 anos avaliados (1992 a 1999). Em todas as raças, a freqüência de animais endogâmicos aumentou rapidamente ao longo dos anos, tendo chegado, em 1999, a níveis de 60% nas raças Nelore e Indubrasil. A endogamia média dos animais endogâmicos, entretando, reduziu ao longo dos anos, estando, em 1999, ao redor de 7,5% para as raças Gir e Indubrasil e inferiores a 4% nas raças Guzerá, Nelore e Tabapuã. Endogamia: possíveis conseqüências As principais conseqüências da endogamia são: redução da variabilidade genética dentro de linhas endogâmicas e aumento da freqüência de homozigose. A variância em uma população endogâmica irá decrescer a medida que os animais se tornarem mais aparentados e, portanto, cada vez mais parecidos. A perda de variação causada pela endogamia impede que o ganho genético que poderia ser obtido seja alcançado. Portanto, em relação ao progresso genético a longo prazo, torna-se importante manter a endogamia abaixo de certos níveis (Van der Werf e Kinghorn, 2001). O aumento da homozigose é desejável para alelos de efeito favorável. Entretanto, cada animal contem uma fração (geralmente pequena) de alelos deletérios indesejáveis que, normalmente, se manifestam apenas em homozigose recessiva. A endogamia aumenta a expressão de alelos recessivos indesejáveis. Cabe salientar que estes alelos precisam estar presentes na população, ou seja, a endogamia não cria nenhum alelo com efeito deletério. Se, por exemplo, a freqüência de um alelo recessivo é de 2,5%, a probabilidade de um indivíduo não endogâmico ser afetado (homozigoto recessivo) é de aproximadamente 0,06%. Um indivíduo com F de 12,5% terá probabilidade em torno de 0,36% de ser afetado. Um aumento considerável. II Gempec - 2004-3 -

A estratégia de combinar endogamia e seleção, visando eliminar alelos recessivos indesejáveis, é uma estratégia que pode ser muito onerosa, especialmente para animais de grande porte e elevado intervalo entre gerações, e de alto risco, podendo comprometer a manutenção e o desenvolvimento da população em questão. Outra conseqüência do aumento da homozigose é a prepotência, ou capacidade do animal de gerar descendentes mais semelhantes a si. A prepotência está relacionada ao número de gametas possíveis de um animal produzir. Quanto maior a homozigose, menor é a diversidade de gametas produzidos por um animal. A prepotência ocorre principalmente em características de herança simples e poligênicas de herdabilidade alta. Touros prepotentes produzem progênie mais uniforme, o que pode ser um grande benefício para rebanhos comerciais e para aumentar a credibilidade dos selecionadores frente aos usuários de sua genética. Ortiz Peña et al. (2004), evidenciaram a existência de touros que imprimem superioridade e maior uniformidade a sua progênie, no conjunto de dados da Associação Paraguaia de Criadores de Nelore. Especulou-se que a prepotência poderia ser um dos fatores associados ao resultado. Uma terceira conseqüência do aumento da homozigose é a depressão endogâmica. Muitas vezes, este efeito não é tão facilmente observado quanto a expressão de alelos recessivos indesejáveis em características de herança simples, pois ele está associado com a queda gradativa do desempenho de características poligênicas. A depressão endogâmica é a manifestação de combinações gênicas desfavoráveis e, portanto, ocorre em características influenciadas por efeitos genéticos não aditivos. Por isso, ela normalmente é interpretada como o efeito inverso da heterose (combinações gênicas favoráveis). Existem, entretanto, algumas distinções importantes entre os mecanismos genéticos que atuam sobre estes fenômenos, conforme salientado por Lynch e Walsh (1998), e que não serão descritos pois fogem do objetivo desta apresentação. Smith et al. (1998) observaram, em vacas holandesas, que a cada um ponto percentual de aumento da taxa de endogamia houve tendência de queda de aproximada 37kg de leite, 1,2kg de gordura, 1,2kg de proteína por lactação, além da idade ao primeiro parto ter aumentado em 0,4 dias, o intervalo entre partos em 0,3 e a vida produtiva diminuído em 13,1 dias, com perda de lucro estimada de US$ 23.11 ao longo da vida produtiva (Weigel, 2003). Isso significa que uma vaca com F de 6,25%, teria perda econômica esperada de US$ 144.44 (23,11 x 6,25) ao longo da vida produtiva. II Gempec - 2004-4 -

Em bovinos de corte, perdas por depressão endogâmica para características produtivas e reprodutivas foram observadas por Smith et al. (1989), Burrow (1993 e 1998), Shimbo et al. (2000), Schenkel et al. (2002), entre outros. Grosseiramente, a cada aumento de 10% em F há depressão das características em torno de 2 a 7%. Com uma taxa anual de aumento de F em torno de 0,2%, taxa observada por Schenkel et al. (2002) para algumas raças zebuínas, a depressão endogâmica anual esperada seria em torno 0,04% a 0,14%. Programas de melhoramento bem conduzidos, alcançam ganho genético muito superior (de pelo menos 10 vezes) a esta perda estimada, o que evidência que a seleção pode ser efetiva em (mais do que) compensar o efeito negativo da depressão endogâmica. Alguns cuidados devem ser tomados nessa linha de raciocínio, sendo eles: (1) A depressão endogâmica pode não apresentar uma relação linear com o aumento de F, sendo que a partir de níveis críticos a queda no desempenho pode ser mais brusca/acentuada; (2) Curik et al. (2001) evidenciaram falhas em estimar a depressão endogâmica em populações submetidas a seleção, sugerindo que, nestas condições, o efeito real da depressão endogâmica pode ser maior do que o estimado; (3) Não há motivos para perder com a depressão endogâmica. Programas de melhoramento bem conduzidos ganham com a seleção e evitam perda por depressão endogâmica planejando bem os acasalamentos. Endogamia: razões para praticar A endogamia é prática comum de criadores de raças puras (animais registrados) para assegurar uniformidade racial e fixação de características peculiares a certas linhagens de touros famosos. Endogamia também pode ser praticada objetivando criar oportunidade para explorar efeitos genéticos não aditivos. Essa estratégia é muito explorada pela indústria avícola. Tão explorada que atualmente apenas algumas grandes empresas multinacionais são detentoras do material genético que é utilizado pela grande maioria dos produtores comerciais. Cardoso et al. (2002) encontraram evidências da existência de efeitos de heterose e epistasia na raça Nelore. Segundo os autores, os resultados podem ser explicados pelo acasalamento entre diferentes linhagens endogâmicas da raça, formadas ao longo dos anos. Os autores ainda sugeriram a utilização de acasalamento dirigido não apenas para evitar perdas por depressão endogâmica, mas também para explorar os efeitos genéticos não aditivos. II Gempec - 2004-5 -

Endogamia: como/onde controlar? A endogamia pode ser controlada/monitorada/considerada em 4 diferentes fases de um programa de melhoramento, sendo elas: (1) durante a avaliação genética; (2) no momento da seleção dos animais; (3) na definição dos acasalamentos; ou (4) na seleção de acasalamentos, se as decisões das duas últimas fases foram tomadas simultaneamente. Em qualquer uma das estratégias adotadas, a idéia básica é controlar a endogamia sem reduzir o ganho genético, numa visão a curto e/ou longo prazo. Seguem alguns comentários sobre cada opção. (1) Controlar a endogamia na avaliação genética (1.1) Exemplos: - Subtrair (parcialmente) a média das DEPs dos pais no cálculo das DEPs dos filhos (Verrier et al., 1993; Villanueva et al., 1994); - Aumentar artificialmente o valor da herdabilidade (Villanueva et al., 1994, Luo et al. 1995). (1.2) Comentários: - fácil implementação; - estes métodos não permitem controle do tamanho efetivo da população; - problema em reduzir a endogamia a longo prazo. (2) Controlar a endogamia no momento da seleção (2.1) Exemplos: - impor restrições sobre o tamanho efetivo da população; - impor restrições sobre o parentesco dos animais selecionados. (2.2) Comentários: - fácil implementação; - dependendo das restrições impostas sobre o tamanho efetivo da população e/ou sobre o parentesco dos animais selecionados, a redução no progresso genético pode ser significativa. (3) Controlar a endogamia no acasalamento (3.1) Exemplos: - Fixar um valor máximo de endogamia e maximizar o progresso genético (Meuwissen, 1997; Meuwissen e Sonesson, 1998); - Maximizar o progresso genético ajustando para perdas devido à depressão endogâmica com o aumento de F (Boswerger et al., 1994). II Gempec - 2004-6 -

(3.2) Comentários: - métodos flexíveis (diferentes componentes/variáveis podem fazer parte da função a ser maximizada); - resultados favoráveis tem sido evidenciados na literatura; - grande área/oportunidade para estudos; - decisões mal planejadas podem acarretar em redução expressiva no progresso genético; - se decisões forem tomadas apenas em relação a próxima geração, resultados a longo prazo podem não ser otimizados. (4) Controlar a endogamia na seleção de acasalamentos (4.1) Exemplos: - Otimizar função que considere mérito genético, F da progênie e co-ascendência dos animais selecionados (Kinghorn et al., 2000). (4.2) Comentários: - métodos flexíveis (diferentes componentes/variáveis podem fazer parte da função a ser maximizada); - resultados favoráveis tem sido evidenciados na literatura; - grande área/oportunidade para estudos; - resultados dependem da função a ser otimizada; - envolvem decisões em relação a próxima geração ou a longo prazo. - podem requerer redução no progresso genético a curto prazo para maximizá-lo a longo prazo. Endogamia: limitações no controle As principais limitações para o controle da endogamia são: informação de parentesco perdida ou desconhecida; erro (intencional ou não) na informação de parentesco; e tendência de focar o controle apenas na próxima geração. Além de afetar o controle da endogamia, a informação de parentesco incorreta ou desconhecida acarreta em redução do progresso genético que poderia ser alcançado. Endogamia: considerações finais Conforme mencionado anteriormente, a intensificação do uso de métodos de avaliação genética mais precisos e de biotécnicas reprodutivas contribuíram para que os programas de melhoramento se tornassem mais propensos ao aumento da endogamia. O que não significa que II Gempec - 2004-7 -

estes métodos são a causa do aumento expressivo da endogamia. Se bem aplicados, estes métodos permitem que o progresso genético seja acelerado, que os efeitos adversos da endogamia sejam evitados e que os efeitos favoráveis da endogamia sejam explorados. Portanto, caso conseqüências indesejáveis ocorram, a responsabilidade, no geral, é do operador, e não da ferramenta. Biotécnicas moleculares também são ferramentas que possibilitam acelerar o progresso genético e que podem resultar em aumento acentuado da endogamia. Se genes com efeito expressivo sobre características de importância econômica (ex: maciez, resistência) forem identificados e utilizados como critério de seleção de forma mal planejada, a endogamia poderá crescer rapidamente. Para evitar tendência futura de aumento descontrolado da endogamia, algumas considerações finais relevantes a serem refletidas e discutidas, são: (1) Teoria da estimação e teoria da decisão: importantes avanços na pesquisa ocorreram na teoria da estimação e, atualmente, se a qualidade dos dados permitir, consegue-se predizer o mérito genético dos animais de forma razoavelmente precisa. Avanços importantes estão ocorrendo na teoria da decisão, o que tem permitido melhor planejar os acasalamentos e controlar e/ou se beneficiar da endogamia. (2) Seleção unidirecional vs seleção harmônica: seleção unidirecional leva à desequilíbrios, haja visto o exemplo da bovinocultura de leite que durante anos focou a seleção para aumento da produção de leite. Garrick e Enns (2003) e Hansen (2003) descrevem algumas das conseqüências desastrosas desse tipo de seleção. A seleção harmônica, baseada em diferentes características importantes ao sistema de produção, deverá contribuir para que não ocorra aumento descontrolado da endogamia, uma vez que é pouco provável que existam poucos indivíduos/famílias que sejam geneticamente superiores para todas as características de interesse. (3) Mercado único vs mercado diferenciado: a medida que haja mudança no mercado (e ela já está ocorrendo) e que se remunere por aspectos relacionados à qualidade do produto e não apenas por peso da carcaça, espera-se que desequilíbrios (no mesmo sentido do item anterior) sejam evitados. A busca de nichos de mercado diferenciados, seguindo o exemplo australiano, também deverá colaborar para o aumento do tamanho efetivo da população. (4) Múltiplos objetivos e múltiplos programas: é salutar que existam no país diferentes programas de melhoramento genético e que estes lutem pela busca do equilíbrio entre competição e II Gempec - 2004-8 -

colaboração, o que (entre outros benefícios) favorecerá a manutenção da variabilidade genética e obtenção de progresso genético a longo prazo. Referências Bibliográficas Boswerger, B. H. G., T. J. Lawlor, Jr., and F. R. Allaire. 1994. Expected sire progeny production gain by balancing inbreeding depression and selection. J. Dairy Sci. 77(Suppl. 1):201. (Abstr.) Burrow, H. M. The effects of inbreeding in beef cattle. Animal Breeding Abstracts 61(1993)737-751. Burrow, H. M. The effects of inbreeding on productive and adaptive traits and temperament of tropical beef cattle. Livestock Production Science 55 (1998) 227 243. Cardoso, V.; Queiroz, S. A.; Brito, F. V.; Fries, L. A. Evidence of heterotic and epistatic effects on postweaning weight gain of Nelore calves. 7 th World Congress on Genetics Applied to Livestock Production, Montpellier, França, 2002. Curik, I.; Sölkner, J.; Stipic, N. The influence of selection and epistasis on inbreeding depression estimates. J. Anim. Breed. Genet. 118(2001), 247-262. Faria, F. J. C. et al. Intervalo de gerações e tamanho efetivo da população na raça Nelore. Anais da 38ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Zootecnia, 2001. Garrick, D. J.; R. M. Enns. 2003. http://www.beefimprovement.org/03proceedings/garrick.pdf Hansen, L. B. 2003. http://www.ansci.umn.edu/petersen_symposium/hansen.pdf Kinghorn, B.P. 2000. The tactical approach to implementing breeding programs. Chapter 22 in Animal Breeding use of new technologies, Kinghorn, B.P., Van der Werf, J.H.J. and Ryan, M. (eds.) Universtiy of Sydney Veterinary Post Graduate Foundation. Luo, Z. W., J. A. Woolliams, and R. Thompson. 1995. Controlling inbreeding in dairy MOET nucleus schemes. Anim. Sci. 60:379-387. Lynch, M.; Walsh, B. 1998. Genetics and Analyses of Quantitative Traits. Sinauer Associates, Sunderland, MA. Meuwissen, T. H. E. 1997. Maximizing the response of selection with a predefined rate of inbreeding. J. Anim. Sci. 75: 934 940. Meuwissen, T. H. E., and A. K. Sonesson. 1998. Maximizing the response of selection with a predefined rate of inbreeding: overlapping generations. J. Anim. Sci. 76:2575-2583. Meuwissen, T. H. E.; Luo, Z. 1992. Computing inbreeding coefficients in large populations. Genet. Sel. Evol. 24: 305 313. II Gempec - 2004-9 -

Ortiz Peña et al. Comparison of selection criteria for pre-weaning growth traits of Nelore cattle. Livestock Production Science 86 (2004) 163 167. Schenkel, F. S.; Lagioia, D. R.; Riboldi, J. Níveis de endogamia e depressão endogâmica no ganho de peso de raças zebuínas no Brasil. Anais do IV Simpósio Nacional de Melhoramento Animal, 2002. Shimbo, M. V. et al. Efeito da endogamia sobre características produtivas de bovinos da raça Nelore. In: Simpósio Nacional da Sociedade Brasileira de Melhoramento Animal, 3., 2000, Belo Horizonte, MG. Anais... Belo Horizonte, 2000. p.388-390. Smith, B.A., Brinks, J.S., Richardson, G.V., 1989. Relationships of sire scrotal circumference to offspring reproduction and growth. J. Anim. Sci. 67, 2881 2885. Smith, L. A., B. G. Cassell, and R. E. Pearson. 1998. The effects of inbreeding on the lifetime performance of dairy cattle. J. Dairy Sci. 81:2729-2737. Van der Werf, J.; Kinghorn, B. Quantitative genetics in animal breeding. Course notes, FCAV - UNESP/Jaboticabal, 2001. Verrier et al., 1993 Verrier, E., J. J. Colleau, and J. L. Foulley. 1993. Long-term effects of selection based on the animal model BLUP in a finite population. Theor. Appl. Genet. 87:446-454. Villanueva, B., J. A. Woolliams, and G. Simm. 1994. Strategies for controlling rates of inbreeding in MOET nucleus schemes for beef cattle. Genet. Sel. Evol. 26:517-535. Weigel, K. A. 2003. http://www.wisc.edu/dysci/uwex/genetics/pubs/10_controlling_inbreeding.pdf Weigel, K. A. Controlling inbreeding in modern breeding programs. J. Dairy Sci. 84(E. Suppl.):E177-E184, 2001. II Gempec - 2004-10 -