INTOXICAÇÃO POR NIEREMBERGIA HIPPOMANICA EM BOVINOS, RIO GRANDE DO SUL, BRASIL. INTOXICATION BY NIEREMBERGIA HIPPOMANICA IN CATTLE, RIO GRANDE DO SUL, BRAZIL. Eliza Simone Viegas Sallis 1, Margarida Buss Raffi 2, Daniela Isabel Brayer Pereira 2, Claudio Severo Lombardo de Barros 3 RESUMO São descritos três surtos de intoxicação por Nierembergia hippomanica em bovinos em pastoreio. Os surtos ocorreram nos municípios de Uruguaiana e Itaquí, Rio Grande do Sul, durante o outono e inverno. Os animais afetados tiveram acesso a uma pastagem de azevém (Lolium multiflorum) infestada por Nierembergia hippomanica. A morbidade variou de 2,5% a 19% e, a mortalidade variou entre 2,5 a 11,9%. Num surto não houve mortalidade. Os sinais clínicos incluíam diarréia escura, sialorréia, tremores musculares, incoordenação motora e olhar fixo para o flanco, indicando cólica. O diagnóstico de intoxicação por Nierembergia hippomanica foi realizado com base nos dados epidemiológicos e sinais clínicos. Palavras-chave: Plantas tóxicas, Nierembergia hippomanica, diarréia, doenças de bovinos, patologia. ABSTRACT Three outbreaks of Nierembergia hippomanica poisoning in cattle at pasture are described. The outbreaks occurred during the fall and winter on two farms of Rio Grande do Sul (towns of Uruguaiana and Itaqui), Brazil. Affected cattle had access to pastures of ryegrass (Lolium multiflorum) heavily infested by Nierembergia hippomanica. Morbidity ranged from 2,5 % to 19% and mortality varied from 2,5 % to 11,9%. Mortality was not observed in one of the outbreak. The clinical signs were dark diarrhea, sialorrhea, tremors, incoordenation and colic signs. The diagnosis of Nierembergia hippomanica poisoning was based on the epidemiological and clinical data. 1 Depto Med. Vet.-FZVA/PUCRS, Uruguaiana, RS. E-mail: simone@pucrs.campus2.br 2 Depto Patologia Veterinária, Universidade Federal de Pelotas (UFPel). 3 Depto Patologia, Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
127 Intoxicação por... Key words: poisonous plants, Nierembergia hippomanica, diarrhea, diseases of cattle, pathology. incluíam hemorragias na mucosa INTRODUÇÃO Nierembergia hippomanica é uma planta da família Solanaceae, perene, nativa da Argentina de 20 a 50 cm de altura. Possui um subarbusto lenhoso na parte gastrointestinal e no encéfalo congestão generalizada (ODINI et al., 1995). Neste trabalho são relatados casos de intoxicação espontânea por N. hippomanica em bovinos no Rio Grande do Sul e a reprodução inferior, de onde nascem os talos eretos, experimental da toxicose, pela glabros ou pubescentes, folhosos até o ápice administração da planta a um bovino. e ramosos na parte superior. O período de floração da planta ocorre na primavera, principalmente em outubro e novembro, quando a planta é considerada mais tóxica (BURKART, 1979). É encontrada no Brasil, Uruguai, Argentina e África do Sul (RIVERO & FEED, 1993; ODINI et al., 1995; SALLIS, 1998; BOTHA et al., 1999). No Brasil a planta ocorre associada a pastagens cultivadas no Rio Grande do Sul, onde é conhecida como mio-mio miúdo ou mio-mio bravo (SALLIS, 1998). Em bovinos, a ingestão de N. hippomanica, MATERIAL E MÉTODOS Os dados epidemiológicos e sinais clínicos da intoxicação espontânea por N. hippomanica em bovinos, foram obtidos do proprietário do estabelecimento, e através de visitas no local onde ocorreu a intoxicação. Para reprodução experimental foi utilizado um bovino, macho de 18 meses de idade e 100 kg de peso vivo, que foi confinado e suplementado com ração, feno e água à vontade. A planta foi colhida no local onde afeta o sistema digestivo, mas geralmente ocorreram os casos espontâneos de não causa mortalidade. Em ovinos e eqüinos predominam sinais clínicos de distúrbios nervosos (ODINI et al. 1995). Experimentos com N. hippomanica foram realizados em cobaias, coelhos e cães, intoxicação e foi mantida congelada a - 15 o C, por 15 dias (Figuras 1 e 2). Imediatamente antes de cada administração a planta era descongelada e administrada manualmente, por via oral, ao terneiro. induzindo nestes animais, doença A planta foi administrada durante caracterizada por diarréia, dispnéia, quatro dias na dose total de 3,5 kg convulsões, tremores musculares e morte perfazendo 35 g/kg. (RAGONESE, 1955). Lesões de necropsia
Sallis, E.S.V. et al. 128 Espécimes de Nierembergia em floração foram colhidas da pastagem de azevém e enviadas ao curso de Ciências Biológicas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul para identificação. RESULTADOS Os casos de intoxicação espontânea ocorreram em dois estabelecimentos rurais dos municípios de Uruguaiana e Itaquí, no outono e inverno, em bovinos que estavam em pastagem de azevém (Lolium multiflorum), contaminado com N. hippomanica. Essa pastagem era escassa, pois houve severa estiagem na época de seu crescimento. Os primeiros casos (município de Uruguaiana) ocorreram em um rebanho de 325 bovinos de 1-2 anos de idade. Oito animais adoeceram e morreram. Os sinais clínicos iniciaram 5 dias após os bovinos terem sido introduzidos no potreiro invadido pela planta, que mostrava evidências de ter sido consumida. No ano seguinte foram colocados nesse mesmo potreiro 120 terneiros, de 8 meses de idade. Quatro a seis dias após, seis terneiros apresentaram sinais clínicos de intoxicação, caracterizados por diarréia escura, sialorréia, tremores musculares, incoordenação motora, movimentos constantes dos membros e cabeça e, olhar fixo para o flanco indicando cólica. Após a observação dos primeiros casos, os animais foram retirados do potreiro e, não se observaram novos casos clínicos. No estabelecimento do município de Itaquí, de um total de 42 bovinos de sobreano, oito manifestaram sinais clínicos de intoxicação aproximadamente quatro dias após terem sido introduzidos num potreiro infestado por N. hippomanica. Cinco desses bovinos morreram. Nas propriedades que ocorreram os casos de intoxicação, as sementes de azevém utilizadas para plantio eram de outra procedência e de qualidade inferior, quando comparada aos anos anteriores. O terneiro do experimento mostrou, no segundo dia após o início da administração da planta (após a ingestão de 20 g/kg) apatia, diarréia aquosa e escura. Esses sinais clínicos foram seguidos por anorexia, sialorréia intensa e tremores musculares. Esse terneiro se recuperou quatro dias após o início dos sinais clínicos. DISCUSSÃO E CONCLUSÃO A intoxicação espontânea por N. hippomanica, descrita neste trabalho, ocorreu em diferentes épocas do ano, indicando que podem ocorrer surtos se houver condições epidemiológicas favoráveis. Provavelmente a planta é pouco palatável e a ingestão ocorre por desconhecimento ou em época de carência
129 Intoxicação por... de forragem, já que os bovinos estavam em uma pastagem de azevém escassa, invadida por N. hippomanica. Nos casos de intoxicação espontânea ocorridos no RS observaram-se índices de morbidade de 2,5% a 19% e a mortalidade variou entre 2,5% a 11,9%, sendo que num surto não houve mortalidade, pois os animais foram retirados da pastagem assim que manifestaram os primeiros sinais clínicos. No Uruguai, ODINI et al. (1995) observaram nos casos de intoxicação espontânea morbidade de 10% a 80%, e não houve mortalidade. O diagnóstico de intoxicação espontânea deve ser realizado com base nos dados epidemiológicos e sinais clínicos, uma vez que as principais alterações macroscópicas e microscópicas observadas em bovinos e ovinos, são hemorragias gastrointestinais que ocorrem, também, em outras enfermidades (ODINI et al, 1995). Os casos de intoxicação espontânea observados nos municípios de Uruguaiana e Itaquí, estão associados à utilização de sementes forrageiras contaminadas com sementes de N. hippomanica, devendo-se tomar medidas para evitar a difusão da planta. Experimentalmente, N. hippomanica mostrou-se tóxica para o bovino com a administração de 35 g/kg, que apresentou sinais clínicos semelhantes aos dos bovinos afetados pela intoxicação espontânea. No entanto, o terneiro do experimento demonstrou sinais clínicos mais discretos e recuperou-se rapidamente. É possível que a planta tenha perdido toxidez pelo congelamento. Há relatos que a planta seca também perde a sua toxicidade (ODINI et al., 1995; BOTHA et al., 1999) REFERÊNCIAS BOTHA, C.J.; SCHULTZ, R.A; VAN DER LUGT, J.J.; RETIEF, E.; LABUSCHAGNE, L.. Neurotoxicity in calves induced by the plant, Nierembergia hippomanica Miers var. violacea Millán in South Africa. Onderstepoort Journal of Veterinary Research, v. 66, p. 237-244, 1999. BURKART, A. Flora Ilustrada de Entre Rios (Argentina). Colección Científica del I.N.T.A., Tomo VI, V Bueno Aires. 1979. ODINI, A.; RIVERO, R.; RIET-CORREA, F.; MÉNDEZ, M.C.; GIANNECHINNI, E. Intoxicación por Nierembergia hippomanica em bovinos y ovinos. Veterinaria, Uruguai. v. 31, p. 3-8, 1995. RAGONESE, A.E. Plantas Tóxicas para el ganado en la región Central Argentina.
Sallis, E.S.V. et al. 130 Revista de la Facultad de Agronomía de La Plata, v. 31, p. 264-268, 1955. Editorial Hemisferio Sul do Brasil. Pelotas, RS, Brasil, p. 323-326, 1993. RIVERO, R. & FEED, O. Intoxicação por Nierembergia hippomanica. In: RIET- CORREA, F.; MÉNDEZ, M.C.; SCHILD, A.L. Intoxicações por plantas e micotoxicoses em animais domésticos. SALLIS, E.S.V. Intoxicação por Nierembergia hippomanica. In: RIET- CORREA, F.; SCHILD, A.L.; MÉNDEZ, M.C. Doenças de Ruminantes e Equinos. Pelotas. Ed. Universitária/UFPel, p. 491-494, 1998. FIGURA 1 - Pastagem de Lolium multiflorum infestada por Nierembergia hippomanica, município de Itaquí, RS. FIGURA 2 - Nierembergia hippomanica, município de Uruguaiana, RS.