Leia o caderno especial sobre a Era Vargas no jornal "O Globo".



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Transcrição:

EravargasOGlobo21Ago04.doc Link: http://oglobo.globo.com/jornal/especiais/vargas/ Acesso em 22 agosto 2004 21/08/2004-22h34m Era Vargas, um legado que até hoje marca o país O Globo RIO - Meio século atrás, um tiro no coração pôs o ponto final na trajetória do mais importante político da História brasileira. Protagonista de um tempo apaixonante, da transformação do Brasil numa nação industrializada, Getúlio Vargas suicidou-se no auge de uma crise política, na manhã da terça-feira 24 de agosto de 1954, mas deixou um legado que até hoje marca o país - embora nunca tenha estado tão em xeque - além da assinatura em empresas importantes para a economia nacional, como Petrobras, Companhia Siderúrgica Nacional e Eletrobrás, todas criadas por ele. Uma saga de cartas e conspirações, comícios e conchavos, paixões e lágrimas. Em um caderno especial, o jornal "O Globo" reconta a história da Era Vargas, analisando seus atos e esquadrinhando sua personalidade. A revelação de que o caudilho começou na vida pública como promotor, em Porto Alegre; as reflexões que fez com a filha, Alzira, durante o desterro político, e as cartas que falavam em morte; o relato até hoje emocionado daqueles que assistiram aos últimos momentos do líder; e a discussão sobre a culpa de Vargas por ter mandado a judia comunista Olga Benário Prestes para a prisão na Alemanha de Hitler são alguns temas abordados. Leia o caderno especial sobre a Era Vargas no jornal "O Globo". Rio, 22 de agosto de 2004 Getúlio Vargas Versão impressa Meio século atrás, um tiro no coração pôs o ponto final na trajetória do mais importante político da História brasileira. Protagonista de um tempo apaixonante, da transformação do Brasil numa nação industrializada, Getúlio Vargas suicidou-se no auge de uma crise política, na manhã da terça-feira 24 de agosto de 1954, mas deixou um legado que até hoje marca o país embora nunca tenha estado tão em xeque além da assinatura em empresas importantes para a

economia nacional, como Petrobras, Companhia Siderúrgica Nacional e Eletrobrás, todas criadas por ele. Uma saga de cartas e conspirações, comícios e conchavos, paixões e lágrimas. Neste caderno especial, O GLOBO reconta a história da Era Vargas, analisando seus atos e esquadrinhando sua personalidade. A revelação de que o caudilho começou na vida pública como promotor, em Porto Alegre; as reflexões que fez com a filha, Alzira, durante o desterro político, e as cartas que falavam em morte; o relato até hoje emocionado daqueles que assistiram aos últimos momentos do líder; e a discussão sobre a culpa de Vargas por ter mandado a judia comunista Olga Benário Prestes para a prisão na Alemanha de Hitler são alguns temas abordados nestas 16 páginas. Nas reportagens foram entrevistados 22 especialistas, entre cientistas políticos, sociólogos, economistas, historiadores e arquitetos, das mais prestigiadas instituições do Brasil, empenhadas no estudo da Era Vargas. O mergulho no mundo acadêmico foi complementado por depoimentos de parentes, amigos e assessores que conviveram até os últimos instantes com o presidente. Os confrades dos tempos de São Borja também foram entrevistados para o relato das primeiras histórias de Vargas, um personagem que, morto no meio da década de 50, segue vivo século XXI adentro. As muitas mortes de Vargas O político que se suicidou no poder desaparece e renasce em diversos momentos da vida brasileira até hoje Aydano André Motta e Chico Otavio mito político que nasceu num suicídio e deixou seguidores pelos anos afora é apenas uma das mortes sofridas por Getúlio Vargas ao longo de sua trajetória. A se considerar homem e pensamento, o pêndulo varguista continua, em controvérsias como a reforma trabalhista e a intensidade da presença do Estado na economia. Por toda a História brasileira contemporânea, Vargas morre e ressuscita, num vaivém que se mantém até os dias de hoje. O político que, entre ditadura e eleições indiretas, passou 15 anos no poder, para depois voltar, em 1951, aclamado democraticamente, suicidou-se três anos depois, mas reviveu com seu herdeiro, João Goulart. Morreu de novo na deposição de Jango pelos militares em 1964; renasceu com a eleição indireta de seu ministro da Justiça e articulador político, Tancredo Neves, para morrer de novo na ascensão do globalizador Fernando Collor. A volta se dá com o nacionalista Itamar Franco e a nova morte, esta proclamada, na Era Fernando Henrique.

Mas não acaba, diante da chegada ao poder do metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva, migrante nordestino filho da política de industrialização iniciada por Vargas, responsável pela criação do BNDES e de empresas como Petrobras, Eletrobrás e CSN. Apesar de modificadas por privatizações e alterações profundas em sua gestão, são todas ainda protagonistas da economia nacional. Historiadores enxergam a sucessão de mortes e ressurreições dentro da coleção de contradições que marcam a saga do político gaúcho. Apesar das mudanças no seu percurso biográfico (por exemplo: de chefe do Estado Novo a dono da retórica trabalhista radical do seu segundo governo), ele não deixava de ser ambíguo, ou mesmo contraditório analisa Antonio Luigi Negro, professor do Departamento de História da Universidade Federal da Bahia. Equilibrando-se no ABC Ele lembra, numa prova entre muitas, a visita de Vargas ao ABC paulista, em 1943, quando o pai dos pobres precaveu-se como ditador para se avistar com o povo. Segundo um sindicalista da época, Philadelpho Braz, todo o pessoal foi recolhido e a polícia política tinha permissão para limpar a área. O presidente foi à inauguração da Cerâmica São Caetano, a primeira usina de refratários do país e, interessado em quebrar o gelo dos paulistas uma ameaça a seu poder, ficou em pé sobre uma telha produzida na fábrica. Sorridentes com o malabarismo, empresários e trabalhadores se uniram no entusiasmo desenvolvimentista. Enfim, Vargas sabia que era preciso se equilibrar entre o apelo ao trabalhismo, a imagem de mãe dos ricos e o combate ao sindicalismo independente. Não hesitava ele em governar, para tal, com os recursos da espionagem, da polícia, da propaganda e da truculência. E isso em ambos os governos ensina Negro. A ambiguidade também surge no estilo de fazer política adotado por Getúlio Vargas a vida inteira. A imagem de firmeza e radicalismo cevada pela trajetória de outro herdeiro, Leonel Brizola é uma falácia que o tempo ajudou a consolidar. O culto à personalidade típico do caudilho restringia-se às aparições públicas. No cotidiano do poder, Vargas era conciliador, um negociante nato que preferia aglutinar, jeito que valeu a ele até um rótulo quase excludente: o mais mineiro dos gaúchos.

Ou o mais gaúcho dos mineiros arremata o economista Sérgio Besserman Vianna, diretor do Instituto Pereira Passos (IPP), outro especialista na Era Vargas. Em todas as atitudes, ele tinha a postura de negociar, ser prático, pelos seus objetivos. Ex-eleitor de Vargas, em quem afirmou ter votado em 1950, o expresidente Fernando Henrique apontou o caudilho como um presidente contraditório, por ter criado os direitos trabalhistas e, por outro lado, promovido a repressão e o autoritarismo no Estado Novo (1937-45). Naquele momento, o nacional-estatismo era muito importante, mas o Brasil mudou muito. Não dá mais para manipular a sociedade e o sistema partidário, nem há condições para uma sociedade nacional total, estatizante ponderou, em 1997. Controvérsia ainda viva A Era Vargas sofreu em junho outro revés com a morte de seu último herdeiro declarado, Leonel Brizola. O ex-governador do Estado do Rio e do Rio Grande do Sul foi enterrado em São Borja, cidade ícone do trabalhismo, ao lado de Vargas e Jango. Mas está longe de ser o fim, na avaliação da professora Maria Luíza Tucci Carneiro, do Departamento de História da USP. Morte não pressupõe o fim. Morre Vargas, mas o que se tem é a persistência de um pensamento autoritário, que ressurge em diferentes momentos. Tem horas que recua, tem horas que se fortalece sustenta ela. O momento do Lula é o retorno, mascarado de pensamento democrático, que se vale de censura para controlar a informação. Pelo que consultei em documentos históricos, quando se fala em controle da informação, controle do cidadão, o discurso de vigilância por parte do Estado nos alerta para o perigo do autoritarismo. A pesquisadora também enxerga defeitos na doutrina trabalhista: Houve desenvolvimento, mas Vargas privilegia uma elite industrial e em nenhum momento fala em reforma agrária. Não conseguiu derrubar a barreira entre ricos e pobres. Favorece o técnico da indústria, mas deixa de fora o trabalhador rural e o braçal critica ela, pondo lenha numa controvérsia, como se vê, mais viva do que nunca. www.oglobo.com.br/pais

A vida como barganha política Misturando-se ao personagem que criou, Vargas utilizou a morte para resolver as crises e tornar-se imortal Aydano André Motta e Chico Otavio o apontar o Colt 32 de cabo de madrepérola contra o próprio coração e puxar o gatilho, Getúlio Vargas estava fazendo política. Pelo menos três cartas, escritas em momentos diferentes, separados por décadas, mostram o presidente usando a própria vida como trunfo nos duelos do exercício do poder. Nos textos pontilhados de amargura, Vargas demonstra, com todas as letras, não admitir a traição ou felonia, como dizia e, contra ela, estava sempre pronto ao martírio. Psicólogos, psiquiatras e psicanalistas analisaram, a pedido do GLOBO, as três cartas, escritas em 10 de agosto de 1932 (início da Revolução Constitucionalista), 13 de abril de 1945 (dias antes do fim do Estado Novo) e a carta-testamento, de agosto de 1954, na versão manuscrita, divulgada pela família anos após o suicídio. Da leitura dos especialistas, emerge uma certeza: para Vargas, ou a vida ficava do jeito que ele desejava, ou, como reza a frase lendária, o caminho era entrar para a História. A morte, para Getúlio, era uma forma de não morrer traduz a psicanalista Tânia Leão Pedrozo, professora da PUC carioca e integrante da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro. Ele se apresenta como alguém que não admite ser julgado, a não ser pelo Criador. A idéia da morte é muito glorificada, sinalizando que se toda a entrega não fosse feita, só ela preservaria seu poder acrescenta Tânia, lembrando que o suicídio escondia, no caso dele, uma fantasia grandiosa. O padrão dos suicidas Coordenadora do Laboratório de Estudos e Intervenções sobre o Luto da PUC de São Paulo, Maria Helena Pereira Franco ressalva que o conjunto de cartas é pequeno para uma análise mais profunda, mas comenta as três peças. Na de 1932, a queixa de traição chega a ser redundante enquanto ele se elege vítima de si mesmo, naquilo que considera o maior valor: Não cair em desonra, nem sair pelo ridículo. No documento de 1945, o ensaio é ainda mais sólido.

E nela talvez se delineie o sentido dado ao gesto do suicídio, nove anos depois: Ao mesmo tempo que mostro minha indignação, puno os traidores e alço-me a patamares inatingíveis aos olhos do povo observa Maria Helena. Para ela, a idéia se ratifica em 1954, na primeira sentença da carta: Deixo à sanha dos meus inimigos o legado da minha morte. A psicóloga reencontra a atitude no trecho em que Vargas deseja que o sangue de um inocente sirva para aplacar a ira dos fariseus. Mais uma vez na posição de vítima de si mesmo, ele apresenta interpretações paranóicas acerca dos movimentos políticos, inclusive com falhas no pensamento lógico: por que prestar contas ao Senhor de ações positivas que teria tomado como governante? É claramente a carta de quem pretende punir com sua morte os que o traíram analisa ela, detectando um padrão encontrado em documentos de suicidas, que buscam gerar culpa nos outros, pelo seu ato, de modo a não se responsabilizar. Nas cartas, a morte rivaliza, em aparições, com outro sentimento que Vargas odiava ao extremo: a traição. A ignomínia duma revolução branca não m o permitiu. Escolho a única solução digna para não cair em desonra, nem sair pelo ridículo, escreveu o caudilho, em 1932, a respeito das notícias assustadoras sobre a Revolução Constitucionalista. Alguns meses antes da deposição, numa conspiração militar contra o Estado Novo, o presidente ensaia uma resistência que se revelaria impossível: Resistir à violência para me depor é um dever. Primeiro, porque não resistir seria um ato de franqueza, incompatível com a dignidade do cargo e a felonia dos agressores. Segundo, porque constituiria um mau exemplo para o futuro. Lúcido e consciente, estou resolvido a esse sacrifício, marcando a consciência dos traidores. O suicídio eutanásico A consciência completa do que fazia está presente também na carta derradeira, assinala Ray Pereira, mestre em psicologia social. Ele considera que o ato de Vargas foi, na verdade, um suicídio eutanásico. Os poucos elementos que permitem alguma análise demonstram que o presidente estava seguro, embora muito angustiado e tenso. Sua opção pelo suicídio aconteceu pelo entendimento que o

sofrimento, a perseguição e a humilhação que o aguardavam seriam da ordem do insuportável aponta o psicólogo. Para Fátima Vasconcellos, chefe do serviço de psiquiatria clínica da Santa Casa, Vargas desfila uma depressão melancólica no três textos e mistura o homem e o personagem o pai dos pobres. Os textos, raciocina ela, mostram que a idéia do suicídio pode ter surgido muito antes de 1954, alimentada pela certeza de que a vida carregava uma missão inescapável. Lendo de forma retrospectiva, vê-se que era muito provável que ele pensasse concretamente no suicídio. Getúlio se achava portador de uma missão e não é incomum pessoas assim se suicidarem diante do fracasso explica ela. Como gesto político, foi um ato de frieza, que teve também como motivação a desesperança. A psicanalista Eliana Helsinger, da Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro, concorda que a saída política pela via da própria morte sempre esteve nas cartas, com status de única alternativa possível. Ele era um ditador, um estadista, mas antes de tudo um personagem dele mesmo. Quando se sentiu, como nos diz na cartatestamento, abandonado pelos amigos, perseguido pelos inimigos, acusado de um crime que não cometeu, só lhe restou prestar contas ao Senhor. Não poderia ser diferente. Sentindo-se traído, foi fiel a ele mesmo conclui a psicanalista. Para sacramentar o ato político de alvejar o próprio coração, os especialistas lembram que o sacrifício tem muito de agressão aos adversários. Por mais encurralado que estivesse, Vargas mantinha-se implacável com os inimigos sobretudo os traidores. A carta-testamento é forma inconsciente de agressão diz Fátima Vasconcellos. O ato suicida tem muito de destrutivo com os outros referenda Tânia Pedrozo, confirmando que, na odisséia de Getúlio Vargas, a política sobreviveu à morte. COLABOROU Carter Anderson Foi uma noite bárbara Testemunhas reconstroem os momentos derradeiros e lamentam até hoje não ter impedido suicídio

Cláudia Lamego e Daniela Name ram 4h30m da madrugada de 24 de agosto. À porta do elevador que o levaria ao seu quarto, no Palácio do Catete, Getúlio Vargas recomenda a seu secretário particular, Guilherme Arinos de Mello Franco: Garoto, vai embora para casa, depois tua noiva vai dizer que estou atrapalhando o casamento. Ele havia deixado a reunião ministerial que decidiria seu destino no governo e, com insuspeito bom humor, despedia-se do amigo. Estávamos esperando o elevador, naquele momento trágico, mas doutor Getúlio não perdeu o humor. Deu uma gargalhada e me mandou embora, dizendo que não queria atrapalhar o meu noivado. Um homem que, quatro horas depois, iria se matar relembra Arinos, 50 anos depois. Com 89 anos, Arinos guarda na memória o passo-a-passo daquela noite. Trabalhando diretamente com Vargas desde 1942, tendo até morado no sítio do presidente em São Borja durante seu exílio, o secretário ouviu o tiro fatal de uma sala anexa ao quarto, em que estava, segundo ele, com o ajudante-de-ordens Hernani Fittipaldi, major da Aeronáutica. Ficamos conversando, eu e o Fittipaldi, depois vieram poucas pessoas. Um homem chamado doutor Macedo, criador de ovelhas no Rio Grande do Sul, que era amigo íntimo dele, daqueles poucos que tratavam doutor Getúlio de você. O patrão foi dormir e ficamos ali, olhando pela janela o público, espicaçado pelas campanhas do Carlos Lacerda, vociferando contra o presidente. Foi dali que ouvi o tiro, por volta das 8h, e pensei que era da rua. Olhei pela janela e vi que não era. Voltei, a Alzira (Vargas, filha de Getúlio) entrou no quarto, entrei atrás dela. Foi uma noite bárbara. Fittipaldi, que hoje mora em Brasília, diz não se lembrar da presença de Arinos no quarto. Ao falar dele, o ajudante-de-ordens revive a velha rixa com os civis, dizendo que os militares eram as pessoas mais próximas de Vargas: Eu não tinha relações com Arinos. Mas do presidente era muito próximo, uma das pessoas mais íntimas. O ajudante-de-ordens é uma espécie de secretário, tratado como se fosse da família. Arinos e Fittipaldi concordam, pelo menos, num ponto: a última reunião ministerial foi feita no primeiro andar do Palácio do Catete. Em

visita ao local, em dias diferentes, os dois chegaram a apontar para historiadores do Museu da República em quais cadeiras alguns ministros estavam sentados. Arinos conta que, a certa altura, um dos generais presentes foi à cozinha pedir a um funcionário que providenciasse sanduíches para os presentes. O funcionário disse que não era possível porque não havia pão no palácio. Todos iam ter que agüentar a fome. Quer dizer, se resolvêssemos resistir, como Tancredo Neves e Alzirinha queriam, iríamos todos morrer de fome brincou Arinos. Cada um tem, no entanto, uma observação diferente sobre a disposição do presidente de se suicidar. Arinos lamenta não ter feito nada para impedir: Eu deveria ter percebido que ele estava prestes a fazer aquilo, foi uma estupidez minha. Alzira me pediu para não deixá-lo subir sozinho. Havia uma preocupação sobre o que ele poderia fazer. Essa disposição do tudo ou nada era antiga no presidente. Ele até aceitava que se falasse mal dele, mas não se podia atacar o seu cargo. Fortunato, o Anjo Negro Outro personagem próximo ao presidente, Gregório Fortunato era chamado de Anjo Negro, mas caiu do céu para o inferno ao ser culpado pela morte do homem que mais adorava. Chefe da guarda pessoal de Vargas, ele é a peça-chave que liga os dois tiros que mudaram a História: o que assassinou o major Rubem Vaz no atentado contra Carlos Lacerda e o que Vargas disparou contra o próprio peito. Cria da fazenda dos Vargas em São Borja, Fortunato era um homem rude, que fora soldado na luta dos gaúchos contra os argentinos. Alto e fortíssimo, foi convocado às pressas para o Rio em 1938, depois que a família Vargas tinha resistido praticamente sozinha ao ataque integralista ao Palácio do Catete. Gregório cumpriu seu papel à risca. Era completamente apaixonado por Getúlio e chegava a carregá-lo no colo quando era necessário diz o secretário municipal de Meio Ambiente Alfredo Sirkis, autor do roteiro de Anjo da guarda, filme que vai contar a saga de Fortunato, sob a direção de Roberto Farias.

Pelo atentado da Tonelero, Fortunato foi julgado, condenado e preso na penitenciária Lemos de Brito. Seria solto por bom comportamento em 1962, mas foi assassinado na prisão. Antes de morrer, dizia que estava recebendo a ajuda de um colega de cela para escrever a verdadeira versão do atentado em papéis avulsos, que divulgaria quando fosse solto. Vi o revólver cuspindo fogo quatro vezes Armando Nogueira testemunhou atentado que deflagrou a crise Aydano André Motta e Chico Otavio Rio de Janeiro dos anos 50 era um paraíso a salvo de tragédias urbanas contemporâneas, como a violência. Assim, uma troca de tiros naquela Copacabana de cartão-postal seria surpreendente, mesmo que fosse um assalto comum. Mas era pior, era a tentativa de matar o jornalista e deputado Carlos Lacerda, na porta de casa, na Rua Tonelero, o atentado que conduziria Getúlio Vargas ao suicídio. Numa dessas coincidências decisivas, a cena foi testemunhada por Armando Nogueira, à época copidesque do Diário Carioca. Ele chegava em casa, bem na hora do acontecimento que virou o Brasil do avesso. Vi o revólver cuspindo fogo quatro vezes. Eram oito, dez metros de distância recorda Armando, que acabara de sair da redação. De um botequim liguei para o editor-chefe, Pompeu de Souza, pedindo que segurasse o fechamento diz ele, contando uma espécie de Parem as máquinas. Dias de paixão política Isso depois de quase ser preso, como suspeito, com os colegas Deodato Maia e Otávio Bonfim, que foram deixá-lo em casa. Os três só escaparam porque Maia, lacerdista xiita era um tempo de enlouquecidas paixões políticas mostrou sua carteira do Clube da Lanterna, de apoio ao jornalista. Os tiros disparados pelo pistoleiro João Alcino do Nascimento e respondidos por Lacerda e pelo seu segurança, o major-aviador Rubens Vaz, terminaram com a morte do militar e o opositor de Getúlio ferido no pé. Quando chegou à redação, Armando foi orientado a escrever o texto no inédito formato de primeira pessoa. Na verdade, Pompeu queria cristalizá-lo como principal testemunha do crime e garantir, por isso, acesso privilegiado à investigação. O jornalista circulava pelas

entranhas da República do Galeão, monstruosidade jurídica abrigada no inquérito policial-militar iniciado pela Aeronáutica para investigar o crime. O Rio parou à espera de um desfecho. E a crise que andava adormecida renasceu com força conta Armando, falando de uma cidade onde a política semeava paixões de magnitude semelhante às do futebol. O parceiro dele na cobertura do caso foi Gilson Campos, à época repórter e fotógrafo do Diário Carioca. Na noite dos tiros na Tonelero, ele fazia companhia a uma mulher, no ponto do lotação no Centro. Um carro do jornal passou para levá-lo ao Hospital Miguel Couto, onde estavam as vítimas. Gilson usava uma máquina americana Speed Graphic, com lâmpadas. No hospital, ele conseguiu três fotografias, a mais famosa, mostrando Lacerda ferido no pé, carregado por soldados. A outra era do corpo do major Vaz e a terceira, do vigilante ferido na ação. Voltei às carreiras para a redação. Foi um furaço. Não sobrou um exemplar. Desde então, Gilson Campos passou a cobrir a agonia do governo Vargas, do velório de Vaz aos interrogatórios na Base Aérea do Galeão. O jornalista disse que chegou a entrevistar Gregório Fortunato, na cela da Aeronáutica, levado pelo então coronel Délio Jardim de Mattos (futuro ministro da arma). Também acompanhou a tensão no Catete, lugar que não lhe era estranho: Estava acostumado a cobrir as recepções, porque era o único que tinha smoking na redação. No 24 de agosto, Gilson chegou ao Palácio às 2h30m, quase no momento da famosa reunião ministerial. Na entrada, encontrou o general Caiado de Castro, e o oficial informou-lhe que estava tudo bem e que o presidente iria dormir. - Voltei ao jornal. Dormi lá, numa mesa grande, com dois catálogos como travesseiro, até ser despertado com a notícia de que Getúlio se matara. No Catete, a confusão reinava. Fui ao jardim, onde ficava o Corpo da Guarda, e Jango me chamou para mostrar a cartatestamento descreve ele, como Armando Nogueira testemunha ocular da história que mudou os rumos do Brasil.

Em São Borja, guisado de ovelha e doce de figo Conterrâneos lembram histórias do homem simples que amava os pampas Leticia Helena les saíram da vida cotidiana de São Borja para entrar na história de uma das mais fascinantes personalidades do país. Conterrâneos de Getúlio Vargas, dona Amanda, seu Viriato e seu Bijuja trazem, na ponta da língua, causos dos tempos em que o presidente trocava os salamaleques do Palácio do Catete pelas bombachas, o chimarrão, o doce de figo, o guisado de ovelha e a prosa embaixo da árvore nos pampas gaúchos. Ele nunca deixou de ser um gaúcho de fronteira, que gosta mais de ouvir do que de falar conta o sobrinho-neto, o advogado Viriato Vargas, de 67 anos. O Getúlio, sempre que vinha aqui, mandava guardar o doce de figo da minha avó. Ela dizia que guardava o doce, mas que queria a embalagem de vidro de volta. E ele devolvia conta Deoclécio Barros Motta, o seu Bijuja, de 81 anos, cuja avó, dona Zulmira, era irmã da mãe do presidente. Um dos dias mais felizes da minha vida foi quando ele mandou fazer uma mesa enorme e pediu a todos os empregados que almoçassem com ele, com as mesmas comidas que servia para as visitas. Isso, a gente não esquece diz dona Amanda da Rosa Soares, de 91 anos, que trabalhou na casa do irmão do presidente, Benjamin Vargas, onde ajudava a fazer o guisado de ovelha. Ainda hoje falar de Vargas leva dona Amanda às lágrimas. E é com um misto de emoção e orgulho que ela vai desfiando suas histórias: os elogios ao cafezinho que preparava, a casa sempre cheia de visitas, as risadas no jardim de orquídeas, os aviões com gente importante que não paravam de chegar, a rede pendurada numa árvore. Uma vez, ele chamou as gurias e perguntou se a gente queria andar de avião. Ele era assim, tratava a todos de igual para igual. lembra dona Amanda, que, em pânico, recusou-se a entrar no tal avião. Quando ele morreu, foi uma coisa horrível. E nem gosto de falar nisso. Susto na família Vargas

A morte de Vargas deixou outra vítima na família de seu Bijuja. Sua tia Alda, cunhada do presidente, morreu do coração ao saber que Vargas se matara. Uma vez, ele chegou para mim e falou: Bijuja, vamos para o Rio que eu quero pagar seus estudos, como retribuição aos favores que devo a seu pai. Respondi que não ia. Ele me disse então: Dá para perceber que você é filho de quem é. É tão orgulhoso quanto o pai conta ele, que, por falta de dinheiro, acabou não completando os estudos. Bijuja também foi amigo de infância de João Goulart, outro sãoborjense ilustre. Da convivência com duas personalidades tão ilustres, guardou uma lição: A grandeza deles estava na simplicidade diz ele. Já Viriato, presidente da Sociedade Cultural Getúlio Vargas, administradora do museu em homenagem ao presidente, usa uma história para ir além: A última vez que nos encontramos foi no Natal de 1953. Era engraçado ver que aquele homem, que ficara quase 20 anos no poder, tinha a mesma fala descansada e o mesmo jeito simples de ouvir os outros. Getúlio foi uma personalidade única na História do Brasil. As inéditas cartas do exílio Afastado do poder, Vargas articulou volta com a filha Carter Anderson ma seqüência de cerca de 200 cartas trocadas entre Getúlio Vargas e sua filha Alzira Vargas do Amaral Peixoto, entre 1946 e 1950, revelam como ele costurou sua volta ao poder nos anos vividos no exílio de São Borja, como é chamado o período em que esteve ausente fisicamente dos acontecimentos políticos. Guardadas pela pesquisadora Regina da Luz Moreira, do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas, as cartas mostram um homem impaciente por receber notícias sobre aliados e adversários. Também evidenciam como Alzira tornou-se peça importante nas negociações que levaram Vargas à Presidência, em 1951.

Eleito nas eleições de dezembro de 1945, Vargas assumiu o mandato de senador pelo PSD gaúcho. Com vários pedidos de licença, só exerceu o mandato em dois dos cinco anos seguintes. Na maior parte do tempo, retirou-se nas estâncias de Itu e Santos Reis. Alzira era o braço direito e esquerdo de Getúlio, que confiava inteiramente nas informações dela. O marido de Alzira, Amaral Peixoto, era deputado federal pelo PSD, membro da direção do partido e a ajudava com muitas informações diz Regina. Em carta de 24 de dezembro de 1947, Vargas já pedia a Alzira, a quem chamava de rapariguinha e minha querida filha, uma série de dados para tomar decisões: Desejo que me informe todas as coisas que te perguntei em cartas anteriores (...) e que me informes também outros assuntos que ainda não perguntei (...) como quais os vereadores petebistas que renunciaram, quais pularam a cerca, que efeito produziu minha resposta ao Baeta, escreveu Vargas, referindose a Paulo Baeta Neves, então presidente do PTB. A babá do PTB Alzira cumpre a missão. Em 11 de agosto de 1948, por exemplo, conta como a possível volta de Vargas alarmou os adversários: Há novamente um esboço de reação dos círculos oficiais e da imprensa contra ti (...) Em parte, pode-se atribuir isso a mais um erro de tática de alguns dos nossos (...) Iniciaram uma campanha de folhetos e discursos com o slogan ele voltará. O entusiasmo com que o público recebeu a campanha assustou a caça, que está novamente tentando se unir contra o grande inimigo, que és tu, escreve Alzira. Receosos de que as cartas fossem interceptadas, Vargas e Alzira contaram com uma rede de emissários, incluindo o vizinho de estância João Goulart. Os dois criaram códigos para referir-se a certas pessoas, como o presidente Eurico Gaspar Dutra, chamado de G. do B. (grãode-bico). Por vezes, Vargas impacienta-se com a demora da filha em lhe responder. Em 6 de agosto de 1949, demonstra sua irritação com a falta de informações de Alzira sobre a movimentação dos três grandes. Segundo Regina, essa é uma referência a PSD, PTB e UDN. Enfim, você cochilou e eu, não preparado pelo conhecimento dos antecedentes, não poderei também responder, diz Vargas, referindose a um pedido de audiência de aliados. Alzira também teve momentos de irritação. Em 5 de outubro de 1949, desabafou: Peço vênia para declarar que a partir desta efeméride

entro, por conta própria e em benefício da minha sanidade física e mental, em férias prolongadas e indeterminadas de meu cargo não reconhecido, nem criado, de babá do PTB. As cartas revelam ainda um Vargas entregue aos prazeres do exílio. Ele fala com entusiasmo do seu viveiro de plantas e pede encomendas de charutos, sementes, remédios e até de um par de óculos. As cartas integram um acervo de seis mil documentos de Alzira, que morreu em 1992. Para catalogar e organizar esse material, o CPDOC está em busca de parceiros que ajudem a financiar o trabalho. A longa trajetória do homem que ocupou por mais tempo a Presidência no Brasil.PRIMEIRO GOVERNO 1930 Março Eleição de Júlio Prestes Julho Assassinato de João Pessoa Outubro Revolução: o movimento que sepultou a Primeira República originou-se da união entre os políticos e tenentes derrotados nas eleições de 1930 que decidiram pôr fim ao sistema oligárquico pelas armas. Após dois meses de articulações, o movimento eclodiu simultaneamente no Rio Grande do Sul e em Minas Gerais, na tarde do dia 3 de outubro; Outubro Deposição de Washington Luís Novembro Posse de Vargas. 1931 Março Lei de sindicalização 1932 Fevereiro Voto feminino Julho Revolução Constitucionalista: Desencadeada em São Paulo, a revolta de forças rebeldes contra legalistas alertou o governo de que

era chegado o momento de pôr um fim ao caráter revolucionário do regime. Em maio do ano seguinte, finalmente se realizaram as eleições para a Assembléia Nacional Constituinte. Outubro Fundação da Ação Integralista Brasileira 1933 Maio Eleição para a Assembléia Constituinte Novembro Instalação da Assembléia Constituinte 1934 Julho Promulgação da Constituição: a importância dos estados foi garantida pelo princípio federalista. No plano social foram aprovadas medidas que favoreceram os trabalhadores, como a criação da Justiça do Trabalho, o salário-mínimo, a jornada de oito horas, férias anuais remuneradas e descanso semanal; Julho Eleição indireta de Getúlio Vargas Julho Criação da Justiça do Trabalho 1935 Março Fundação da Aliança Nacional Libertadora Novembro Levantes comunistas Novembro Instalação do governo popular revolucionário 1936 Abril Prisão de Pedro Ernesto Setembro Criação do Tribunal de Segurança Nacional 1937 Fevereiro Lançamento da candidatura de Armando Sales Oliveira Maio Lançamento das candidaturas de Plínio Salgado e José Américo de Almeida

Julho Divulgação do Plano Cohen Novembro Golpe de Estado: o Congresso Nacional foi cercado por tropas da PM e fechado. No mesmo dia Vargas anunciou à nação, pelo rádio, o início de uma nova era, orientada por nova Constituição. Começava ali o Estado Novo. Novembro Outorga da Constituição Dezembro Fechamento da Ação Integralista Brasileira 1938 Março Levante integralista Abril Regulamentação do salário-mínimo Abril Criação do Conselho Nacional do Petróleo Dezembro Início do programa radiofônico Hora do Brasil 1939 Janeiro Missão Aranha: convencido de que a guerra era inevitável e se alastraria, o governo americano elaborou um plano para assegurar o apoio político e ideológico dos governos latino-americanos. Foi nesse contexto que, no início de 1939, foi enviada a Washington a Missão Aranha; Abril Liberação do câmbio e alta no preço do café Dezembro Criação do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) 1940 Agosto Criação do Serviço de Alimentação da Previdência Social (Saps) 1941 Janeiro Criação do Ministério da Aeronáutica

Março Lançamento da revista Cultura Política Abril Criação da Companhia Siderúrgica Nacional Julho Autorização aos EUA para utilizar bases aéreas e navais no Nordeste 1942 Janeiro Reunião de chanceleres no Rio de Janeiro Janeiro Navios brasileiros são torpedeados na costa e o Brasil rompe com o Eixo Junho Criação da Companhia Vale do Rio Doce Agosto Entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial 1943 Maio Aprovação da Consolidação das Leis do Trabalho Agosto Criação da Força Expedicionária Brasileira Outubro Manifesto dos Mineiros: membros da elite liberal mineira defendem o fim da ditadura do Estado Novo e a redemocratização do país 1944 Julho Primeiro desembarque da FEB na Itália 1945 Maio Início do movimento queremista Outubro Nomeação de Benjamin Vargas como chefe de polícia do Distrito Federal Outubro Queda de Getúlio Vargas e fim do Estado Novo: a entrada do Brasil na guerra teve efeitos contraditórios. De um lado, representava um bom argumento para o governo adiar por tempo indeterminado a consulta popular que deveria validar a Constituição de 1937. De outro, a opção por lutar contra o nazismo colocou em xeque

a manutenção de uma ditadura no país. Foi nesse quadro que o Estado Novo entrou em crise e caiu;.segundo GOVERNO 1950 Abril Getúlio Vargas aceita o lançamento de sua candidatura à Presidência da República Agosto Início da campanha de Vargas, em Porto Alegre Outubro Vitória de Vargas: Getúlio Vargas é eleito para a Presidência da República com 3,8 milhão de votos (64% do total) contra 2,3 milhão de Eduardo Gomes e 1,6 milhão de Cristiano Machado; 1951 Janeiro Vargas toma posse Junho Lançada a Última Hora, de Samuel Wainer Dezembro Vargas envia mensagem ao Congresso, acompanhada de projeto de lei, que trata da constituição da Petrobras 1952 Fevereiro Chega ao Congresso projeto de criação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) 1953 Junho Instauradas as CPIs sobre os empréstimos à Última Hora e à imprensa em geral: o jornal, de cunho popular, era o único a assumir uma posição pró-getúlio e foi combatido pelos opositores do governo. Carlos Lacerda afirmou que Samuel Wainer, seu fundador, era estrangeiro, portanto não poderia possuir ou dirigir qualquer órgão de imprensa no Brasil. O jornal foi acusado de receber financiamentos ilícitos Outubro Vargas sanciona a lei n 2.004, que cria a Petrobras 1954

Janeiro Vargas denuncia as excessivas remessas de lucros para o exterior Fevereiro Publicação do Manifesto dos Coronéis Abril Congresso Nacional reprova a moção de impedimento contra Vargas Maio Vargas anuncia a concessão do aumento de 100% do saláriomínimo Junho Câmara rejeita o pedido de impeachment para Vargas Julho O Supremo Tribunal Federal decide pela constitucionalidade do decreto que elevou o salário-mínimo Agosto, dia 5 Atentado na Rua Tonelero contra Carlos Lacerda em que morre o major Rubens Vaz Agosto, dia 6 Reunião no Clube da Aeronáutica Agosto, dia 7 Climério Eurides de Almeida, da guarda pessoal de Vargas, é acusado de ser o autor do atentado a Lacerda Agosto, dia 8 Gregório Fortunato, chefe da guarda pessoal de Vargas, confessa ter sido o mandante do crime Agosto, dia 9 Vargas dissolve a guarda pessoal e manda deter Gregório Fortunato Agosto, dia 10 Chefes das Forças Armadas decidem convencer Zenóbio da Costa a solicitar ao presidente sua renúncia Agosto, dia 12 Instaurado IPM relativo ao crime da Tonelero. Vargas inaugura a Mannesmann em Minas Gerais Agosto, dia 13 João Alcino do Nascimento confessa ter matado o major Vaz Agosto, dia 14 Assembléia no Clube Militar exige a renúncia de Vargas