DOI: 10.4025/4CIH.PPHUEM.751 EDUCAÇÃO PATRIMONIAL: O CAMINHO MAIS EFICAZ PARA PRESERVAÇÃO Ana Paula Brito 1 Michael Douglas Nóbrega 2 Orientador: Prof. Doutor Ângelo Emílio Pessoa 3 INTRODUÇÃO As políticas públicas para a preservação patrimonial é um salto para o futuro na história do Brasil, à medida que está preservando sua história, e valorizando sua cultura. A discussão patrimonial entrou no Brasil nas primeiras décadas do século XX, como uma característica da construção da identidade nacional, tão importante para época. E as propostas metodológicas para Educação Patrimonial foram introduzidas a partir do 1º Seminário realizado em 1983, no Museu Imperial, em Petrópolis, RJ, baseado no trabalho pedagógico desenvolvido no Inglaterra (Heritage Education). Todavia, ainda existem muitos problemas quanto à preservação patrimonial. Entre os principais problemas podemos destacar as seguintes questões: Como preservar algo que não se reconhece o valor? Se o patrimônio é uma herança, como preservar, quando a população não se reconhece, não se identifica? Problemas como esse são históricos, e possuem uma longa trajetória. Assim como a Educação no Brasil. Esta ao longo de sua história sempre teve muitos déficits, que caminham dos problemas estruturais aos pedagógicos. Quer sejam por problemas na administração pública, que domina na maioria dos casos, quer seja pelos profissionais da área que se acomodam com a precariedade e nada fazem para reverter tal quadro. Mas porque ela tem déficits devemos abandoná-la e procurar alternativas? Pelo contrário, devemos estimulá-la e provocá-la, assim como a seus agentes, sejam eles passivos ou ativos. Muito se tem falado nos órgãos públicos de revitalização, conservação, preservação, e até educação. Mas a que ponto essa educação vai atingir as camadas mais populares da sociedade? A que ponto essa consciência, e essa educação irão atingir todos os níveis da comunidade? Boa parte dos bens tombados e conservados no Brasil já reflete um caráter elitista. Por sua consistência (forma física), que compõe as grandes propriedades que resistem
3938 mais tempo pela sua composição. Em contraposição, por exemplo, com as senzalas, entre outras manifestações, que são feitas com materiais de pouca qualidade. Agora imaginemos se a população não for educada sobre a importância e como aqueles bens refletem sua memória. Em pouco irá validar o conceito de patrimônio utilizado como herança de uma memória coletiva, pois ela só irá estar preservada entre os restauradores e profissionais dessa área de estudo. Mas e as crianças? E os adolescentes que são responsáveis por considerável fatia na degradação do patrimônio? Porque não fomentar na base uma consciência patrimonial? EDUCAÇÃO PATRIMONIAL Mas de fato, o que seria essa educação patrimonial? Trata-se de um processo permanente e sistemático de trabalho educacional centrado no Patrimônio Cultural como fonte primária de conhecimento e enriquecimento individual e coletivo. 4 Um processo de troca, inclusão, com um sócio-construtivismo, numa construção coletiva do conhecimento. Uma vez que ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém se educa a si mesmo; os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo. 5 A educação é uma prática contínua e coletiva, que se apresenta inter-relacionada com o outro e com o meio, numa construção infindável. ********* Há, no entanto, muitos problemas quanto ao modo como algumas pessoas tratam a educação patrimonial. Uma das tais é encará-la exclusivamente como metodologia do estudo do patrimônio, gerando por vezes, uma intensificação da idéia de patrimônio como coisa velha e acabada. Á medida que não há uma inclusão dos alunos no processo histórico dos mesmos. Levar alunos para conhecerem museus ou os diversos patrimônios não é, contudo praticar a educação patrimonial. Mas sim fazer com que identifiquem os valores que os patrimônios possuem e seus significados no passado e no presente, de modo que haja uma relação com a história deles. Levando os alunos a um reconhecimento individual e coletivo. Discutir Memória, História, Patrimônio. É levar o patrimônio para a escola, não apenas a escola para o patrimônio. Promover uma interação e a prática interdisciplinar com temas transversais, valorizando a multidisciplinaridade nas ações, de modo a propiciar a diversidade de olhares sobre uma mesma realidade. O seguinte quadro demonstra essa diversidade.
3939 O que se propõe é que haja realmente uma cadeia interdependente em torno da educação patrimonial. Pois Identidade, História, Memória, Cultura e Interdisciplinaridade se cruzam em seus conceitos e representações. Cada palavra carrega em si uma diversidade de atuações e significados, e essa pluralidade é essencial na educação patrimonial. No entanto, o que acontece na maioria dos casos em que elencam ser educação patrimonial, é promover excursões da escola aos patrimônios, geralmente igrejas, em que os professores de história, geografia e português pedem relatórios do passeio a seus alunos. E tal aula se configura mesmo em uma visita, onde os alunos olham o objeto da visita e ouvem sua história. Mas a história do patrimônio isolado. Que tipo de educação que está sendo passada a esses alunos? Que imagem eles terão um dia após a visita do mesmo patrimônio? Qual será a importância que este terá para sua vida? Será que esses mesmos alunos um dia levarão seus filhos para conhecerem esse patrimônio? Questões como essas fazem toda a diferença para a preservação patrimonial, porque não basta restaurar um monumento, é necessário educar sobre o patrimônio, e saber como trabalhar com essa educação. Fazer com que as pessoas se identifiquem neles, que reconheçam o valor material e histórico que os patrimônios possuem. Pois apenas com uma consciência patrimonial existirá de fato uma preservação real. MEMÓRIA E PATRIMÔNIO CULTURAL A educação patrimonial está indissociada da memória. De acordo com o conceito de Michael Pollak, entendemos que a memória é seletiva, uma vez que nem tudo fica gravado, é em parte herdada, não se restringe a vida física da pessoa, e é um fenômeno construído.
3940 A memória é um elemento constituinte do sentimento de identidade, tanto individual como coletiva, na medida em que ela é também um fator extremamente importante do sentimento de continuidade e de coerência de uma pessoa ou de um grupo em sua reconstrução de si. 6 A memória será, portanto, um elo entre o patrimônio e o indivíduo, uma vez que será construída uma ponte com os lugares de lembrança, de identidade, lugares construídos com a função de mediar passado e presente. Lugares que nos trazem recordações de um passado nunca mais alcançado. Lugares de resto, vestígios, porque é impossível a reconstrução/reconstituição total e completa. De fato, o que sobrevive não é o conjunto daquilo que existiu no passado, mas uma escolha efetuada quer pelas forças que operam no desenvolvimento temporal do mundo e da humanidade, quer pelos que se dedicam à ciência do passado e do tempo que passa os historiadores. 7 Portanto, entendemos que a educação patrimonial seria o elo entre os lugares de memória e o Patrimônio. E o que seria esse patrimônio? Etimologicamente falando, patrimônio significa uma herança paterna. Bens de família. Logo, é um legado do passado. É verdade que muitos desses bens nos chegaram através de heranças, porém eles não são simplesmente legados de uma geração a outra, eles são construídos, recriados, apropriados. Do mesmo modo, a permanência desse patrimônio no tempo resulta de ações e interpretações dos diferentes grupos humanos, que partem sempre do presente em direção ao passado. 8 E essas ações dependem intrinsecamente de ações educativas, pois esta permanência não reside apenas nas restaurações. Porque entre outros, a restauração é importante no que tange aos patrimônios materiais, todavia, não devemos esquecer os patrimônios imateriais. O CAMINHO DA PRESERVAÇÃO A educação é a saída para muitos problemas no Brasil, e com a questão da preservação patrimonial não seria diferente. Pelos motivos supracitados, entendemos, no entanto que não é todo tipo de educação que leva a um reconhecimento e uma preservação. Sendo necessário desconstruir o ideal de educação. Pois na educação patrimonial o educador deve ser entendido como mediador. Unindo o saber frio ao saber quente, sendo o saber frio, o intelectual e o
3941 saber quente, as experiências populares. Ouvindo a comunidade, reconhecendo e incorporando a realidade local. Analisando o patrimônio cultural, como possuidor de um caráter dinâmico e flexível, uma vez que as manifestações culturais não podem ser congeladas, pois as sociedades e a cultura são dinâmicas. Com ações como mediar os alunos antes de levá-los aos patrimônios, de modo a destacar a importância da questão patrimonial. Levar o patrimônio para a sala de aula, antes de levar a sala de aula para os patrimônios. Promovendo uma relação entre presente, passado e futuro, envolvendo a memória, a história e a identidade. Diferenciando-se assim da abordagem convencional, pois essa preparação não se restringirá ao objeto da visita, mas a importância da temática, para eles, de forma individual e coletiva. Podendo assumir posturas políticas, formando cidadãos, educando os sentidos num caráter pedagógico, utilizando à maiêutica, no sentido de provocar a resposta do aluno, pelo aluno. Desenvolvendo assim, maior interesse e estimulando sua capacidade interpretativa. PRESERVAÇÃO EFETIVA O centro histórico da cidade de João Pessoa foi tombado em Agosto de 2008 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), como patrimônio nacional, através de uma solicitação feita por representantes da comunidade local. Por seu valor Histórico - sendo uma das primeiras cidades fundadas no Brasil, depois de Rio de Janeiro e Salvador; por seu valor Paisagístico - as edificações compõem um cenário que integra a vegetação de mangue ao rio e ao mar; e por seu valor Artístico - congregando construções de diferentes estilos e épocas. Mas tombar e conservar a estrutura arquitetônica não é o suficiente para uma efetiva preservação. Por isso, a Coordenadoria do Patrimônio Cultural da Prefeitura de João Pessoa (PROBEC), criada pela Lei Nº 11.459, de 18 de Junho de 2008, está implantando nas escolas um programa de educação patrimonial, com os alunos do nono ano do ensino fundamental das escolas municipais. O objetivo principal é promover a inserção dos princípios e concepções da Educação Patrimonial como estratégia de conscientização para a preservação da memória histórica, o reconhecimento e a valorização da cultura local e para a construção de elos entre os bens culturais, a identidade e a cidadania. Em Agosto do ano corrente, foi realizada uma sensibilização com alunos de quatro escolas da rede municipal de ensino, situadas no entorno do centro histórico da cidade. Discutindo questões acerca de patrimônio, material e imaterial, bem individual e coletivo, tombamento, preservação e revitalização, através de exposições orais, brincadeiras, filmes,
3942 dentre outras metodologias lúdicas e interativas. As escolas foram: Escola Frei Afonso, Santos Dumont, João Coutinho e Damásio Franca, todas municipais e de nível fundamental. Uma vez feita esta sensibilização foi realizada aulas de campo, pelo centro histórico da cidade. Ao término da aula, foram realizadas oficinas de aquarela, para que os alunos registrassem a experiência. Além de ser uma forma de fixação da aprendizagem. A partir de uma pré-seleção realizada por cada turma, os trabalhos produzidos pelos alunos foram expostos, dialogando com obras de artistas locais que tratam da temática do patrimônio material e imaterial. E os trabalhos não expostos compuseram um catálogo com todas as produções. Essa experiência piloto foi realizada com técnicos da Coordenadoria de Proteção ao Patrimônio de João Pessoa, Professores das turmas trabalhadas, Técnico do IPHAN, estagiários da Coordenadoria supracitada, das áreas de História, Geografia e Pedagogia, um estagiário do IPHAN e um técnico da Secretaria de Educação e Cultura (SEDEC). A experiência gerou nos alunos uma mudança no olhar, uma vez que eles passavam pelos patrimônios do entorno da escola, e apenas viam. Agora eles passaram a olhar. E esse olhar está associado a um registro. Um registro de sua própria história, contada através daqueles monumentos. Agora há um sentimento de pertencimento dos alunos, para com os patrimônios. Gerando por sua vez, uma preservação material e imaterial, à medida que será preservada a forma física e sua significação. Valorizando assim a comunidade e cultura local. Fotos da sensibilização inicial, realizada nas escolas Frei Afonso e Santos Dumont respectivamente: Escola Municipal Frei Afonso, dia 11/09/2009.
3943 Escola Municipal Santos Dumont, dia 12/09/2009. Fotos: Josélia Martins. NOTAS 1 Graduando em História pela Universidade Federal da Paraíba, PROBEX/UFPB/CNPQ. 2 Graduando em História pela Universidade Federal da Paraíba, PIBIC/UFPB/CNPQ. 3 Professor Doutor da Universidade Federal da Paraíba. 4 HORTA, Maria de Lourdes Parreiras, Evelina Grunberg, Adriane Monteiro. Guia Básico de Educação Patrimonial. Brasília: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Museu Imperial, 1999. p. 6. 5 FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1970. 6 POLLAK, Michael. Memória e Identidade Social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 10, 1992, p. 5. 7 LE GOFF, Jacques. Tradução Bernardo Leitão. História e Memória. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1996. 8 SANTANA, Mariely Cabral de. Alma e Festa de uma cidade: devoção e construção da Colina do Bonfim (2002). BIBLIOGRAFIA POLLAK, Michael. Memória e Identidade Social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 10, 1992, p. 200-212. GRUNBERG, Evelina. Educação Patrimonial Utilização dos Bens Culturais como recursos educacionais, uma proposta metodológica. HORTA, Maria de Lourdes Parreiras, Evelina Grunberg, Adriane Monteiro. Guia Básico de Educação Patrimonial. Brasília: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Museu Imperial, 1999. CARLOS, A. C. Lemos. O que é patrimônio Histórico. São Paulo: Editora Brasiliense, 1982. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1970.
3944 LE GOFF, Jacques. Tradução Bernardo Leitão. História e Memória. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1996. SANTANA, Mariely Cabral de. Alma e Festa de uma cidade: devoção e construção da Colina do Bonfim (2002)