Influência da taxa de resfriamento na corrosão em aço inoxidável fundido

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Transcrição:

ISSN 1517-7076 Revista Matéria, v. 13, n. 2, pp. 322 328, 2008 http://www.materia.coppe.ufrj.br/sarra/artigos/artigo10923 Influência da taxa de resfriamento na corrosão em aço inoxidável fundido MARIANO, N.A. I ; MUROLO, J.P. I ; PEREIRA, V.F. I ; PALLONE, A.S.N. I ; TOMMASELLI, M.A.G. II ; I Universidade São Francisco - USF - Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Ciência dos Materiais - Itatiba, SP, Brasil, CEP: 13251-900 e-mail: neide.mariano@saofrancisco.edu.br, joaopaulomurolo@gmail.com, victorfpereira@gmail.com, neto.pallone@gmail.com II Universidade Federal da Grande Dourados - Faculdade de Ciências Exatas e Tecnológicas Dourados, MS, Brasil, CEP: 79804-970 e-mail: mariatomaseli@gmail.com RESUMO As indústrias de extração de petróleo e produção de gás têm utilizado de forma crescente os aços inoxidáveis, por serem ligas que combinam boa propriedade mecânica a resistência à corrosão e são economicamente viáveis, para aplicações em linha de escoamento onshore e offshore. Estes materiais geralmente exibem excelente resistência à corrosão, tenacidade e soldabilidade. Entretanto, de todos os tipos de corrosão, a corrosão de localizada por pite é o processo mais difícil de controlar. O presente trabalho estuda o efeito da taxa de resfriamento na corrosão dos aços inoxidáveis martensíticos 13Cr-4Ni-0,02C e 13Cr-2Ni-0,1C. Foi observado que o aumento da taxa de resfriamento levou a formação de uma microestrutura refinada e com estruturas dendríticas. A taxa de corrosão foi determinada por ensaio de imersão e foi observado que quanto maior a taxa de resfriamento, maior a taxa de corrosão para os aços estudados. A densidade de pite, profundidade de pite e taxa de corrosão foram maiores para o aço 13Cr-2Ni- 0,1C. Isto se deve por apresentar uma microestrutura mais refinada e maior quantidade de estruturas dendríticas, que podem atuar como sítios nucleantes no processo de corrosão. Palavras chaves: aço inoxidável, pite, taxa de solidificação, ensaio de imersão. Influence of cooling rate on corrosion of casting stainless steel ABSTRACT The oil drilling and gas production industries has been making increasing use of stainless steels because of their good combination of mechanical propriety and corrosion resistance and economicallyviables alloys for onshore and offshore pipeline applications. These materials usually exhibit excellent corrosion resistance, toughness and weldability. However, of all the different types of corrosion, localized pitting corrosion is the most difficult process to control. The present work studies the effect of the cooling rate on corrosion of martensitics stainless steels 13Cr-4Ni-0,02C and 13Cr-2Ni-0,1C. It was observed that higher cooling rate led to the formation of a finer microstructure and with dendritics structures presence. The corrosion rate was determined by immersion tests and it was observed that the higher cooling rate, the higher the corrosion rate for the studied steels. Pitting density, pitting depth, and corrosion rates were all higher for 13Cr-2Ni-0,1C steel. This is due to its more refined microstructure and more dendritics structures that can act as nucleation sites for the corrosion process. Keywords: stainless steel, pitting, solidification rate, immersion test. 1 INTRODUÇÃO O processo de corrosão é particularmente preocupante no setor petrolífero, pois podem provocar falhas de equipamentos ou componentes quando em serviço, causando acidentes catastróficos para o ecossistema. Como conseqüência, a partir da década de 80, houve um aumento na utilização de ligas resistentes à corrosão e desde então, materiais de elevados custos, como o aço inoxidável duplex tem sido Autor Responsável: MARIANO, N.A. Data de envio: 11/07/07 Data de aceite: 16/01/08

aplicado em grande escala, mesmo em ambientes poucos agressivos [1-2], devido à sua excelente resistência à corrosão e excelentes propriedades mecânicas. No final dos anos 90, uma nova classe de aços inoxidáveis martensíticos, foi proposta ao segmento da indústria do petróleo, com a finalidade de oferecer uma alternativa prática e econômica para substituição dos aços carbono com inibidores de corrosão e parte dos aços inoxidáveis austeníticos e duplex utilizados em linhas de escoamento nas indústrias petrolíferas em campos de produção offshore [3-5]. Esta característica foi atribuída ao fato de que a diminuição do teor de carbono favorece o enriquecimento de cromo em solução sólida, uma vez que não ocorre a precipitação de carbonetos de cromo do tipo Cr23C6 e também pela adição de níquel e molibdênio. Dessa forma, essa classe de aço, denominada de supermartensítico foi classificada em baixa liga (0,01C-11Cr-2Ni-0,06Mo), média liga (0,01C-12Cr-4,5Ni-1,5Mo) e alta liga (0,01C-12Cr-6,5Ni-2,5Mo). Essa divisão permitiu que as ligas apresentassem propriedades mecânicas semelhantes, porém, com comportamentos diferentes quanto à resistência à corrosão, para as aplicações em ambientes de produção de gás e petróleo com quantidades variáveis de CO2, H2S e teores de cloretos [6-10]. Segundo JOHANSON et al. [11] a quantidade dos elementos de liga e os tratamentos térmicos podem influenciar na microestrutura. O diagrama de Schaeffler, [12], apesar de ter sido desenvolvido para metais depositados por soldagem, tem se mostrado uma ferramenta útil para estimar a microestrutura obtida sob resfriamento rápido. O diagrama é expresso em termos de cromo equivalente (Creq), para elementos estabilizantes da ferrita e níquel equivalente (Nieq), para elementos estabilizantes da austenita. O diagrama sofreu várias alterações levando se em conta a composição química e o modo de solidificação nos aços inoxidáveis [12, 13]. Se a taxa de resfriamento for elevada, a austenita se transforma em martensita e dependendo da relação níquel equivalente (Ni eq ) e cromo equivalente (Cr eq ) a microestrutura pode ser formada por ferrita, ferrita-martensita ou totalmente martensita. O alto teor de carbono, em torno de 0,15%C, nos aços inoxidáveis martensíticos fundidos convencionais, pode provocar uma grande quantidade de peças defeituosas com altos índices de trincas a quente, micro-rechupes e inclusões. Estes defeitos são decorrentes, principalmente, do grande intervalo entre as linhas liquidus e solidus (fase presente é a ferrita delta, δ), do diagrama de equilíbrio das liga Fe-Cr [13]. A liga 13Cr-4Ni devido ao baixo teor de carbono (~0,06%C) e adição de molibdênio apresenta uma redução no intervalo entre as linhas liquidus e solidus, proporcionando diminuição da ocorrência de defeitos de solidificação e melhor soldabilidade, dispensando tratamentos térmicos após soldagem e pré-aquecimento do metal de base [14]. A adição de elementos de liga como o cromo, silício e molibdênio promovem a diminuição dos limites da faixa de temperatura onde a ferrita delta é estável, ao passo que elementos de liga como o níquel e manganês aumentam. Desta forma, depois que a solidificação é completada, a microestrutura é constituída principalmente de martensita com pequenas quantidades de ferrita delta e austenita [13]. No entanto, como a solidificação em geral ocorre sob condições fora do equilíbrio, devido à difusão dos elementos de liga e aliada ao fato que existem outros elementos de liga além do cromo e do níquel, o uso de diagramas de fases é muito limitado. Após o processo de solidificação os aços inoxidáveis martensíticos são temperados e revenidos para melhorar as propriedades mecânicas, porém, uma alta temperabilidade pode acarretar dificuldades em aplicações que requerem usinabilidade e soldabilidade, vindo a prejudicar o desempenho desses materiais. Comercialmente, as condições de têmpera e revenido são otimizadas para conceder ao aço resistência mecânica e tenacidade. Segundo MERTENS [15], estes aços são endurecidos sob resfriamento rápido após a austenitização em temperaturas entre 1000 o C e 1100 o C. O objetivo deste trabalho foi estudar o efeito da taxa de resfriamento na corrosão dos aços inoxidáveis martensíticos 13Cr-4Ni-0,02C e 13Cr-2Ni-0,1C, através da densidade de pite, profundidade de pite, taxa de corrosão e fator de pite. 2 MATERIAIS E MÉTODOS Os aços foram recebidos na condição bruta de fusão, na forma de corpos de prova cilindros, apresentando diâmetro de aproximadamente 5cm e comprimento de 25cm. Os aços na condição bruta de fusão foram refundidos, utilizando um forno de indução elétrica, com capacidade mínima de carga de 4 kg. Os aços foram fundidos num cadinho e vazado em um molde metálico na forma de cunha e as temperaturas de solidificação foram obtidas com o auxílio de termopares do tipo Pt/Pt-10%Rd em posições pré-definidas no molde. A Figura 1 mostra a cunha obtida após a solidificação com as indicações das regiões nas quais foram obtidas as taxas de resfriamento, analise microestrutural e determinação da taxa de corrosão. 323

Região inferior (70 C/s) Região central (50 C/s) Região superior (20 C/s) Figura 1: Cunha obtida após a solidificação em coquilha resfriada. A Tabela 1 apresenta a composição química nominal dos aços antes da refusão, obtida por espectrometria de emissão ótica. Tabela 1: Composição química dos aços inoxidáveis martensíticos (% peso) Aço C Si Mn P S Cr Mo Ni Cu W V 13Cr-4Ni-0,02C 0,02 0,95 0,77 0,028 0,006 12,60 0,85 4,10 0,08 0,091 0,05 13Cr-2Ni-0,1C 0,10 0,93 0,66 0,026 0,014 12,60 0,31 1,90 0,05 ----- 0,05 Foram realizados ensaios de imersão em meio marinho sintético com a concentração de 20000ppm de íons Cl- a 60oC, visando determinar a taxa de corrosão nas regiões de diferentes taxas de resfriamento. A densidade e a profundidade dos pites foram determinadas com o auxílio de um microscópio ótico, a área da superfície dos corpos de prova foi calculada segundo a eq. (1), conforme a ASTM G31-72: 2 2 ( D d ) + tπd + tπd A = π 2 (1) onde: A é área da superfície do corpo de prova; D é o diâmetro do corpo de prova e d é o diâmetro do furo do corpo de prova e t é a espessura do corpo de prova. A perda de espessura uniforme em função do tempo de imersão foi determinada durante um período de quatro semanas (672horas) e os resultados foram tratados de forma a fornecer a taxa de corrosão em mpy (miléssimo de polegada por ano), segundo a eq. (2), conforme a ASTM G31-72: ( KW) ( ATρ ) Taxa de corrosão.(mpy) = (2) onde: K é constante (3,45x106); W é a perda de massa em grama; A é a área do corpo de prova em cm2; T é o tempo de exposição em horas e ρ a densidade em g/cm3. Também foi determinado o fator de pite, a partir da relação entre a profundidade máxima de penetração e a profundidade média de penetração do processo de corrosão localizada, determinada segundo a eq. (3), conforme ASTM G49-92. Se o fator de pite for igual a um, representa corrosão uniforme. 324

Fator de pite = profundidade máxima de penetração/ profundidade média de penetração (3) 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO As Figuras 2 e 3 apresentam as microestruturas, obtidas por microscopia ótica, nas regiões: superior, centro e inferior da cunha, para os aços em estudo. A Figura 2a apresenta a microestrutura do aço inox martensítico 13Cr-4Ni-0,02C na região superior da cunha e observa-se uma formação cristalina com dendritas e porosidades. A Figura 2b mostra a microestrutura na região central da cunha, sendo esta mais refinada que a anterior. Na Figura 2c, pode-se observar que a microestrutura da região inferior da cunha apresenta maior refinamento que as regiões anteriores. O refinamento é devido às taxas de resfriamento atuantes na região inferior da cunha ser maiores, promovendo maior nucleação e menor crescimento. (a) (b) (c) Figura 2: Micrografia das regiões da cunha, por microscopia ótica, do aço inox martensítico 13Cr-4Ni- 0,02C. (a) região superior da cunha. (b) região central da cunha. (c) região inferior da cunha. A Figura 3a, mostra a microestrutura apresentada na região superior da cunha do aço inox martensítico 13Cr-2Ni-0,1C, observa-se uma microestrutura com formações cristalinas alongadas. A Figura 3b mostra a microestrutura na região central da cunha e como no aço 13Cr-4Ni-0,02C, apresenta-se mais refinada que na região superior da cunha. A Figura 3c mostra que a microestrutura na região inferior da cunha apresenta maior refinamento que nas regiões anteriores, apresentando uma microestrutura com dendritas e poros. (a) (b) (c) Figura 3: Micrografia das regiões da cunha, por microscopia ótica, do aço inox martensítico 13Cr-2Ni-0,1C. (a) região superior da cunha. (b) região central da cunha. (c) região inferior da cunha. A Figura 4 mostra a morfologia típica dos pites formados, após 168 horas de ensaio de imersão, em meio marinho sintético com 20000ppm de íons de Cl - a 60 o C. Após 672 horas de ensaio de imersão, as superfícies dos corpos de prova foram avaliadas em termos de taxa de corrosão, conforme mostra a Figura 5. Em geral, um pite passa por quatro estágios: iniciação, propagação, finalização e reiniciação. O pite uma vez iniciado apresenta em seu interior pequena concentração do meio corrosivo e nessa condição 325

apresentam uma morfologia característica de pites cristalográficos ou facetados, como pode ser observado na Figura 4b. Porém quando atinge uma condição suficientemente agressiva dentro do pite, inicia o processo de dissolução ativa, preferencialmente no fundo do pite, dando origem a pites mais profundos e irregulares, como aparência de renda (lacelike pits), como mostrado na Figura 5, na taxa de resfriamento de 70 o C. Produto de corrosão Pite Pite 100μm Região catódica 50μm (a) (b) 50μm Figura 4: Morfologia típica do pite, após 168 horas de ensaio de imersão em meio marinho sintético com 20000ppm de íons de Cl - a 60 o C. (a) aço 13Cr-4Ni-0,02C (b) aço 13Cr-2Ni-0,1C. 18 13Cr-4Ni-0,02C 13Cr-2Ni-0,1C taxa de corrosão (mpy) 15 12 9 6 3 20 30 40 50 60 70 80 taxa de resfriamento ( o C/s) Figura 5: Efeito da taxa de resfriamento na taxa de corrosão, após 672 horas de ensaio de imersão. A densidade de pites, profundidade média dos pites e o fator de pite, estão apresentados nas Tabelas 2 e 3. Pelos resultados obtidos observa-se que a densidade de pites, profundidade de pites e a taxas de corrosão (em termos de perda de espessura), são dependentes da taxa de resfriamento, (conseqüentemente da microestrutura) e do teor dos elementos de liga (pois variam de um aço para outro). O aço 13Cr-2Ni-0,1C apresentou valores superiores de densidade de pites, profundidade de pites e taxa de corrosão em comparação ao aço 13Cr-4Ni-0,02C. Isto se deve por apresentar uma microestrutura, com maior quantidade de estruturas dendríticas, e possíveis precipitados que podem atuar como sítios de nucleação no processo de corrosão, principalmente por pite. Associado a esses fatos pode estar ocorrendo uma maior segregação durante o resfriamento nas ligas 13Cr-2Ni-0,1C. 326

Tabela 2: Densidade de pites e profundidade média dos pites em função da taxa de resfriamento para o aço 13Cr-4Ni-0,02C, após 672 horas de ensaio de imersão Taxa de resfriamento ( o C/s) Profundidade de pites (μm) Densidade de pites n o pites/cm 2 n o pites/área (n o inteiro) Área do cp * (cm 2 ) Fator de pite 20 15 ± 5 11 0,68 (1) 16,2 1,33 50 18 ± 6 12 0,68 (1) 17,7 1,33 70 30 ± 8 15 0,91 (1) 16,5 1,27 Há elementos de liga que contribuem para aumentar a resistência à corrosão, principalmente por pite, como: cromo, níquel, molibdênio e silício (quando na presença de molibdênio). E elementos que diminuem a resistência à corrosão como: silício, enxofre e carbono. O molibdênio tem a ação de inibir ou retardar tanto a nucleação como o crescimento dos pites, devido sua participação efetiva na película passiva, agindo na estabilização e reparo do filme de óxido de cromo, enquanto o silício tem efeito benéfico quando na presença de molibdênio, e quando isolado, o efeito é prejudicial. Observa-se também que o fator de pite obtido para as duas ligas foram maior que um, em todas as taxas de resfriamento, e para as duas ligas foi observado uma variação no fator de pite apenas para a taxa de resfriamento de 70 o C/s. Tabela 3: Densidade de pites e profundidade média dos pites em função da taxa de resfriamento para o aço 13Cr-2Ni-0,1C, após 672 horas de ensaio de imersão Taxa de resfriamento ( o C/s) Profundidade de pites (μm) Densidade de pites n o pites/cm 2 n o pites/área (n o inteiro) Área do cp * (cm 2 ) Fator de pite 20 27 ± 8 18 1,33 (1) 13,5 1,30 50 35 ± 10 24 2,3 (2) 10,6 1,29 70 48 ± 12 40 2,6 (3) 15,4 1,25 4 CONCLUSÃO O aumento da taxa de resfriamento levou a formação de uma microestrutura refinada e com estruturas dendríticas. Quanto maior a taxa de resfriamento para os aços estudados, maior foi a densidade de pites, profundidade dos pites e taxa de corrosão, quando imersos em meio marinho sintético com concentração de 20000ppm de íons Cl - e 60 o C. O aço 13Cr-2Ni-0,1C apresentou valores superiores de densidade de pites, profundidade de pites e taxa de corrosão em comparação ao aço 13Cr-4Ni-0,02C. 5 AGRADECIMENTOS Os autores agradecem a FAPESP pelo suporte financeiro ao Projeto de Auxílio à Pesquisa Processo No 02/04827-2. 6 BIBLIOGRAFIA [1] SMITH, L., CELANT M., Martensitic stainless steels in context, In: Supermartensitic 2002, pp. 14 20, Bruxelas, 2002. [2] PETROBRAS, In: Corporate Communication / International Relations Office. Disponível em: <http://www.petrobras.com.br>. Acessado em fevereiro de 2006. [3] OLSSON, C.O A., LANDLT, D., Passive films on stainless steels Chemistry, structure and growth, Electrochemical Acta, v. 48, pp. 1093-1104, 2003. 327

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