Critérios genéricos de ponderação para a definição do regime de exercício de funções dos elementos da comissão restrita A profunda reforma do sistema de protecção de crianças e jovens em risco, materializada na Lei nº147/99, Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, implica uma ampla reorganização das actuais Comissões de Protecção de Menores, a diversos níveis nomeadamente o relativo ao seu funcionamento, que agora assume duas modalidades, sem perda da natureza da Comissão como uma só entidade. Isto é o funcionamento pode ser em plenário comissão alargada e com um número reduzido de membros comissão restrita. Na modalidade de comissão restrita (CR), a Lei determina o seu funcionamento em permanência o que implica antes de mais a definição do conteúdo deste conceito. Na lógica do sistema de protecção e na ratio da norma, deve entender-se que se atribui à comissão restrita um regime de disponibilidade permanente e imediata para intervir nas situações que lhe são sinalizadas, independentemente do dia e da hora em que a sinalização ocorre. Isto é, para além da presença de todos ou da maioria dos seus membros nas reuniões que impliquem a decisão de caso, a presença física nos restantes períodos de tempo pode ser dispensável, devendo apenas ser estabelecido um regime de prevenção rotativa por todos ou por alguns dos seus membros, nos dias e nas horas considerados como necessários, em cada comissão, designadamente nos períodos nocturnos e fins de semana. A Lei determina também que na modalidade de CR, os membros que a constituem podem exercer funções a tempo completo ou a tempo parcial, devendo tal ser fixado na respectiva portaria de reorganização ou de criação de cada Comissão. Ou seja, a lei estabelece a participação activa de todos os membros que compõem a CPCJ e a obrigatoriedade ao exercício efectivo das funções (artigo 22º), consagrando, no entanto, que estas funções podem ser exercidas em tempo completo ou em tempo parcial, de duração variável, de acordo com as necessidades de cada comissão, aferidas nomeadamente pelo número e natureza das solicitações. 1
Na comissão restrita é ainda exigida, por lei, a presença de saberes específicos que assegurem a desejável interdisciplinaridade na apreciação e decisão dos casos. E para que esta exigência seja efectivamente cumprida, a lei permite que, sempre que nenhum dos membros da comissão seja detentor de alguma das valências específicas, sejam cooptados técnicos para suprir a falta. Relativamente a esta matéria entende-se que as duas valências do saber que são indispensáveis para o diagnóstico e para o acompanhamento dos casos são o serviço social e a psicologia, sendo por isso estas as que preferencialmente devem ter uma presença mais duradoira na comissão. O cotejo destes dois imperativos (por um lado o exercício efectivo de funções a tempo completo ou a tempo parcial e por outro, a obrigatoriedade da presença de membros com formação em áreas específicas), implica a definição dos critérios que permitam identificar os membros que podem ser escolhidos para exercer as suas funções, em tempo completo ou parcial, em cada comissão, tendo em conta as suas formações académicas específicas. Em síntese, relativamente ao funcionamento da comissão restrita, a Lei de Protecção consagra: a) o seu funcionamento em permanência, o que significa disponibilidade imediata para intervir nas situações sinalizadas, qualquer que seja o momento em que ocorram; b) a presença e o exercício de funções dos membros que constituem a comissão restrita é sempre exigível, podendo no entanto essas funções serem exercidas a tempo completo ou parcial consoante o número e a natureza das solicitações, que é naturalmente variável em cada comissão; c) os saberes mais relevantes para o diagnóstico e acompanhamento das situações são a psicologia e o serviço social, sem prejuízo da obrigatoriedade da presença das outras valências, nomeadamente para as decisões relativas aos casos. O presente documento procura definir algumas linhas orientadoras para fixação dos referidos critérios genéricos tendo como referência o número mínimo de horas de trabalho necessárias para a intervenção, cotejado com duas variáveis: A) o volume 2
processual que identificamos como critério de ponderação 1 e B) as problemáticas predominantes que identificamos como critério de ponderação 2. Com qualquer destes dois critérios de ponderação, faz-se um segundo cruzamento com o entendimento relativo às valências que consideramos fundamentais para o funcionamento da CR, a psicologia e o serviço social, como atrás referido. Assim, para a aplicação destes dois critérios, dividiu-se o tempo de trabalho semanal em 10 partes, correspondendo a 5 manhãs e 5 tardes. A. Critério de ponderação 1 Em aplicação deste critério, o trabalho da comissão restrita, a tempo completo e a tempo parcial, é determinado pelo volume processual de cada comissão 1, de acordo com o Quadro 1, onde se estabelece a correspondência entre o volume processual anual e a percentagem de tempo semanal que os membros/técnicos devem despender para o trabalho efectivo na comissão. Quadro 1: Disponibilidade semanal dos membros da Comissão Restrita em função do volume processual Volume processual das CPM disponibilidade semanal de cada membro/técnico Entre 0 e 20 crianças/jovens sinalizadas anualmente 10% da semana 1 manhã ou tarde Entre 21 e 50 crianças/jovens sinalizadas anualmente 20% da semana 2 manhãs ou tardes Entre 51 e 80 crianças/jovens sinalizadas anualmente 30% da semana 3 manhãs ou tardes Entre 81 e 100 crianças/jovens sinalizadas anualmente 40% da semana 4 manhãs ou tardes Entre 101 e 150 crianças/jovens sinalizadas anualmente 50% da semana 5 manhãs ou tardes Entre 151 e 400 crianças/jovens sinalizadas anualmente 60% da semana 6 manhãs ou tardes Mais de 400 crianças/jovens sinalizadas anualmente 70% da semana 7 manhãs ou tardes No Quadro 2 desenha-se um possível cenário de distribuição dos técnicos de serviço social (que passaremos a designar de T1) e de psicologia (T2) pelas horas semanais, tendo em conta as percentagens correspondentes ao volume processual das Comissões tal como se apurou no Quadro 1. A distribuição pelos tempos semanais patente neste quadro 1 Relativamente às CPCJR a instalar em 2000 este critério é reportado ao número de crianças e jovens em risco sinalizadas pelas entidades locais, em cada concelho, ponderado com a população residente com 19 ou menos anos de idade. Numa primeira fase, todas as Comissões a instalar de novo, funcionarão, genericamente, em regime de tempo parcial. 3
desempenha uma função meramente indicativa; caberá a cada Comissão organizar-se da forma que mais lhe convier no sentido de garantir as percentagens de tempo semanal definidas para cada escalão de volume processual. A cargo de cada Comissão fica também a definição da necessidade de presença dos restantes elementos da comissão restrita, a respectiva distribuição de tarefas e os momentos em que deve ocorrer, para além da presença obrigatória para a decisão de caso. Quadro 2: Cenário do exercício de funções dos elementos da Comissão Restrita: serviço social e psicologia Manhã Tarde Manhã Tarde 2 Elementos - 10% semana 2 Elementos- 20% da semana 2 Elementos- 30% da semana Manhã Tarde 2 Elementos- 40% da semana Manhã Tarde 2 Elementos- 50% da semana Manhã Tarde 2 Elementos- 60% da semana Manhã Tarde 2 Elementos- 70% da semana Manhã 4
Das leituras dos Quadros 1 e 2, constata-se que por exemplo uma Comissão de Protecção que em 1999 2 tenha sido chamada a intervir em situações de até 20 crianças/jovens deverá garantir, em termos mínimos, o trabalho dos membros/técnicos com formação em psicologia e em serviço social durante o período de 1 manhã ou de 1 tarde, correspondendo a 10% da semana. Pelo mesmo raciocínio uma Comissão que tenha intervindo nos casos de entre 81 e 100 crianças/jovens durante o referido ano deverá garantir, pelo menos, o trabalho dos membros/técnicos com formação em psicologia e serviço social durante 40% da semana, o que corresponde, para cada técnico, a 4 manhãs ou 4 tardes (ou 2 manhãs e 2 tardes, por exemplo). Tal como as Comissões que em 1999 intervieram em situações de mais de 400 crianças/jovens (aquelas que maior volume processual apresentam) devem garantir a disponibilidade de tempo do psicólogo e do assistente social durante, pelo menos, 70% do período semanal, o que equivale, por exemplo, à permanência física durante as 5 manhãs e 2 tardes, ou seja 2 dias completos mais três manhãs. B. Critério de ponderação 2 Tendo em vista aferir e ajustar as necessidades de disponibilidade para o exercício de funções dos membros/técnicos pode ter-se em conta subsidiariamente, as problemáticas dominantes nos casos sinalizados às CPM, sendo que este critério tem por base a legitimidade e a necessidade de intervenção da Comissão, e não uma prioridade definida em função da gravidade e dos efeitos de cada problemática. Isto é, é construído a partir das atribuições das Comissões de Protecção e da exigência em termos de disponibilidade de tempo por parte dos técnicos para o acompanhamento das situações. Acresce que partimos também da frequência com que as problemáticas foram sinalizadas pelas Comissões de Protecção. Tal significa que, por exemplo, se atribui Prioridade 4 a problemática como a ingestão de bebidas alcoólicas ou o uso de estupefacientes, não por que se considerar que sejam problemáticas de importância ou relevância menor (todos 2 A referência deve ser o Relatório Anual de Actividades das CPM em 1999, CNPCJR/IDS, 2000. 5
conhecemos os efeitos dos comportamentos aditivos no que diz respeito à vivência de trajectórias desviantes), mas porque, no que concerne às atribuições da Comissão de Protecção e à disponibilidade de tempo que exigem dos seus membros, estas problemáticas implicam apenas um trabalho de encaminhamento para outras entidades. Outras problemáticas como a negligência ou o abandono, por seu turno, exigem dos elementos da Comissão de Protecção maior disponibilidade de tempo para o acompanhamento das situações; daí lhes ter sido atribuída Prioridade 1. O Quadro 3 define os níveis de prioridade das problemáticas em função do tipo de acompanhamento técnico que cada nível de problemática exige e também da sua frequência, bem como a respectiva percentagem semanal de disponibilidade dos membros/técnicos com formação em psicologia e serviço social. Para as Comissões a criar, a referência para aplicação do critério é a realidade destas problemáticas sinalizadas no concelho pelas entidades locais. Quadro 3 Disponibilidade semanal dos membros/técnicos da Comissão Restrita em função das problemáticas dominantes PROBLEMÁTICAS Níveis de prioridade Disponibilidade semanal cada técnico Negligência Problemática de PRIORIDADE 1 70% da semana Abandono Problemática de PRIORIDADE 1 70% da semana Maus tratos físicos Problemática de PRIORIDADE 1 70% da semana Maus tratos psicológicos/abuso emocional Problemática de PRIORIDADE 1 70% da semana Abuso sexual Problemática de PRIORIDADE 1 70% da semana Abandono/Absentismo escolar Problemática de PRIORIDADE 2 60% da semana Prática de facto qualificado Problemática de PRIORIDADE 3 50% da semana Mendicidade Problemática de PRIORIDADE 3 50% da semana Corrupção Problemática de PRIORIDADE 3 50% da semana Outras condutas desviantes Problemática de PRIORIDADE 3 50% da semana Trabalho Infantil Problemática de PRIORIDADE 4 30% da semana Exercício abusivo da autoridade Problemática de PRIORIDADE 4 30% da semana Uso de estupefacientes Problemática de PRIORIDADE 5 10% da semana Ingestão de bebidas alcoólicas Problemática de PRIORIDADE 5 10% da semana Como se constata da leitura do Quadro 3, uma Comissão de Protecção cujas problemáticas predominantes que lhe são sinalizadas, são as situações de negligência ou de maus tratos exigirá, pelas características destas problemáticas e necessidades de intervenção directa, uma disponibilidade de 70% da semana (7 manhãs ou 7 tardes, recorde-se) por parte dos técnicos de psicologia ou de serviço social. 6
Ao abandono escolar atribui-se uma disponibilidade de 60% da semana das duas valências técnicas citadas, uma vez que, nestes casos, a participação directa da escola é condição indispensável para a intervenção. Trata-se naturalmente de um mero critério, discutível e passível de correcção em função de cada situação em concreto. O mesmo é igualmente aplicável às restantes ordens de prioridade, sendo certo que este critério é complementar do anterior, com menor peso de ponderação. Isto é assume apenas um peso secundário. A variável a considerar, em primeiro lugar, é o volume processual da CPCJ. À variável problemática dominante deve recorrer-se no sentido de corroborar ou ajustar as necessidades de permanência física das valências técnicas determinadas em função do volume processual. 3. Finalmente, atendendo a que a Comissão de Protecção para o seu funcionamento na modalidade restrita, pode ainda proceder à cooptação de outros elementos nas áreas técnicas mais apropriadas, sempre que tal se revele necessário, apontam-se de seguida no Quadro 4 as valências que consideramos tendencialmente as mais adequadas para o eventual reforço técnico, tendo em conta a natureza das problemáticas vividas pelas crianças e jovens. Quadro 4: Valências técnicas adequadas às problemáticas detectadas 3 PROBLEMÁTICAS Níveis de prioridade Disponibilidade semanal cada técnico Negligência Problemática de PRIORIDADE 1 50%da semana Abandono Problemática de PRIORIDADE 1 50%da semana Maus tratos físicos Problemática de PRIORIDADE 1 50%da semana Maus tratos psicológicos/abuso emocional Problemática de PRIORIDADE 1 50%da semana Abuso sexual Problemática de PRIORIDADE 1 50%da semana Abandono/Absentismo escolar Problemática de PRIORIDADE 2 40%da semana Prática de facto qualificado Problemática de PRIORIDADE 3 30%da semana Mendicidade Problemática de PRIORIDADE 3 30%da semana Corrupção Problemática de PRIORIDADE 3 30%da semana Outras condutas desviantes Problemática de PRIORIDADE 3 30%da semana Trabalho Infantil Problemática de PRIORIDADE 4 20%da semana Exercício abusivo da autoridade Problemática de PRIORIDADE 4 20%da semana Uso de estupefacientes Problemática de PRIORIDADE 5 10%da semana Ingestão de bebidas alcoólicas Problemática de PRIORIDADE 5 10%da semana 3 Esta adequação entre as valências técnicas e as problemáticas detectadas pode servir de referência às Comissões de Protecção na constituição técnica da Comissão Restrita, reforçando uma ou outra área técnica em função das problemáticas dominantes com que lidam. 7