Palavras Chaves: Políticas Públicas; Gênero; Mulheres; Violência; Lei Maria da Penha.

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O impacto da(s) teoria(s) feminista(s) na criação e implementação de políticas públicas no enfrentamento à violência contra as mulheres: a proposta de alternativas frente ao estudo comparativo das realidades distintas dos municípios de Marília-SP e Maringá-PR Camila Rodrigues da Silva 1 Anderson de Carvalho Fujikawa 2 Resumo: O presente projeto teve como objetivo analisar como as políticas públicas para as mulheres foram implementadas nos âmbitos municipais a partir da descentralização das mesmas da Federação, observando as formas de apropriação e ressignificação das teorias feministas através de um estudo e análise dos municípios de Marília-SP e Maringá-PR, no período de 2006 a 2010. Nosso campo de observação focou, substancialmente, nas políticas públicas de enfrentamento à violência contra as mulheres, analisando as formas e a capacidade de inserção das teorias feministas em suas formulações. Conseguinte, a partir da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), sua aplicação e competência jurídica no fortalecimento da rede pública de atendimento às mulheres em situação de violência, propusemos a construção de um software e um protocolo de atendimento a serem implantado nas redes de ambas as cidades. Palavras Chaves: Políticas Públicas; Gênero; Mulheres; Violência; Lei Maria da Penha. 1. Considerações Iniciais No Brasil, diversos grupos e movimentos de mulheres e/ou feministas foram formados entre o final da década de 1960 e meados da década de 1980. Muitas militantes partilharam das causas feministas engajadas nos movimentos de luta contra a ditadura militar no país (1964-1984), participaram das lutas armadas transgredindo os 1 **Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho campus de Marília, mestranda em Ciências Sociais FFC/UNESP, pesquisadora do Laboratório Interdisciplinar de Estudos de Gênero LIEG. E-mail: camila.rodrigues37@yahoo.com.br 2 Universidade Estadual do Oeste do Paraná, professor do Centro de Ciências Sociais Aplicadas, mestre em Ciências Sociais FFC/UNESP. E-mail: anderson_fujikawa@yahoo.com 1

comportamentos designados como próprio das mulheres (SARTI, 2001). As críticas sobre a normatização comportamental imposta pela cultura patriarcal se fortaleceram com a resistência feminina à ditadura; grupos de intelectuais influenciadas pelas teorias feministas européias e estadunidenses levaram esta luta para as universidades, buscando ressignificar conceitos e discutir práticas científicas notoriamente marcadas pela dominação masculina, tornando o campo do conhecimento um aliado potencial às lutas feministas. Com a intensa formação de movimentos feministas e de mulheres em várias partes do mundo, principalmente na década de 1970, os papéis sociais atribuídos às mulheres e aos homens passaram a ser questionados. Dentro deste debate a utilização do termo Homem para designar a espécie humana foi contraposta ao argumento de que este homem universal não englobava questões específicas da Mulher, questões estas até então deixadas de lado ou tomadas por pouca importância. Conseguinte, a própria categoria Mulher sofreu fortes críticas por sua homogeneidade, principalmente nos Estados Unidos, muitas feministas apontaram que o termo no singular privilegiava algumas e não contemplava a diversidade que a categoria constituía (PEDRO, 2005). Mulheres negras, índias, mestiças, pobres, trabalhadoras, muitas delas feministas, reivindicavam uma "diferença" - dentro da diferença. Ou seja, a categoria "mulher", que constituía uma identidade diferenciada da de "homem", não era suficiente para explicá-las. Elas não consideravam que as reivindicações as incluíam. Não consideravam [...] que o trabalho fora do lar, a carreira, seria uma "libertação". Estas mulheres há muito trabalhavam dentro e fora de do lar. O trabalho fora do lar era para elas, apenas, uma fadiga a mais. Além disso, argumentavam, o trabalho "mal remunerado" que muita mulheres brancas de camadas médias reivindicavam como forma de satisfação pessoal, poderia ser o emprego que faltava para seus filhos, maridos e pais (PEDRO, 2005, p.82). O termo no plural apresentava-se mais acolhedor as múltiplas diferenças que a categoria compunha, reconhecendo as diversas reivindicações dos distintos segmentos. Porém, a partir do final da década de 1980 a categoria Gênero apresentou-se mais adequada para explicar as diversas assimetrias existentes entre mulheres e homens em diferentes sociedades e/ou culturas. 2

As reivindicações femininas ganharam força, no Brasil, com os movimentos da década de 1970 e espaço no poder público a partir da década de 1980. Em 1983 foram criados, em São Paulo e Minas Gerais, os primeiros Conselhos Estaduais da Condição Feminina, visando traçar políticas públicas para as mulheres. Conseguinte, em 1985 foi instaurada, na cidade de São Paulo, a primeira Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM), seguida pela rápida implantação de outras DEAMs em outros estados brasileiros (OLIVEIRA; BARROS; SOUZA, 2010). Neste mesmo ano foi decretada e sancionada a Lei nº 7.353/85 que criou o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM). Durante o período da Assembleia Constituinte (1985 a 1988), movimentos e organizações (regionais e nacionais) articularam-se no objetivo de construir propostas de leis para serem incorporadas na nova constituição. Dentro dessas articulações o CNDM organizou um encontro nacional em Brasília, para o qual se deslocaram centenas de mulheres de todas as regiões do país e na qual, com base nas propostas recebidas anteriormente e discutidas em plenário, foi aprovada a Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes. Em 1988, através do Lobby do Batom, as mulheres brasileiras, tendo à frente diversas feministas e as 26 deputadas federais constituintes, obtiveram significativos avanços na Constituição Federal, garantindo igualdade a todos os brasileiros, perante a lei, sem distinção de qualquer natureza e assegurando que "homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações" (IBGE, 2010). A lei de criação do CNDM foi revogada após cinco anos pela Lei nº 8.028/90, que tirou autonomia administrativa e financeira do órgão, submetendo-o ao Ministério da Justiça e, consequentemente, esvaziando-o. Desmantelado pelo Governo de Fernando Collor de Mello, o CNDM foi reativado pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) em 1995, entretanto ainda subordinado ao Ministério da Justiça e novamente esvaziado entre os anos de 1997 e 1998 (SANTOS; PEREIRA, 2008). Já em 2002, pressionado pela articulação nacional de mulheres, o Governo FHC criou a Secretaria de Estado dos Direitos da Mulher, que no ano seguinte, com a posse do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tornou-se a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), com status de Ministério, abrigando em sua estrutura o CNDM. A partir desta nova estrutura, o CNDM 3

passa a ser um espaço de participação e controle social, deixando de possuir poder deliberativo devido à criação da Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres (OLIVEIRA; BARROS; SOUZA, 2010). Os espaços de discussão e visibilidade das reivindicações femininas ampliaram-se quantitativa e qualitativamente na última década; a SPM foi criada visando à formulação, coordenação e articulação de políticas que promovam a igualdade entre mulheres e homens (BRASIL, 2004). A SPM, juntamente com os movimentos feministas e de mulheres, obteve uma grande conquista, reflexo de décadas de lutas, a Lei nº 11.340/06, sancionada em 07 de agosto de 2006, que ficou conhecida como Lei Maria da Penha: Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências (BRASIL, 2006). A Lei tornou-se símbolo não só da luta de Maria da Penha, mas representa a batalha de milhares de mulheres durante décadas, podendo ser considerada a maior conquista dos movimentos feministas no Brasil. A aprovação da Lei estimulou a inserção do tema da violência contra as mulheres no cotidiano da vida política. Os movimentos de mulheres e feministas, tribunais de justiça, defensores públicos, dentre outras instâncias, organizaram congressos e seminários para discutir os propósitos e as inovações da Lei. Em síntese, pensar a trajetória percorrida pelo movimento feminista brasileiro para a inclusão das mulheres na esfera pública, destaca-se a criação de alguns mecanismos institucionais necessários para a implementação de maior representação e de ação. Os primeiros foram os conselhos de direitos mecanismos de composição mista, com representações do governo e da sociedade civil, com finalidade de elaborar, fiscalizar e controlar as políticas sociais e mais tarde, a criação de organismos de políticas para as mulheres nos governos. 4

A proposta deste projeto compôs, substancialmente, analisar como as políticas públicas para as mulheres foram implementadas nos âmbitos municipais a partir da descentralização das mesmas da federação, observando a apropriação e ressignificação das teorias feministas através de um estudo e análise dos municípios de Marília-SP e Maringá- PR, entre o período de 2006 a 2010. Nosso campo de observação, na primeira fase do projeto, focou nas Políticas Públicas de enfrentamento à violência contra as mulheres, analisando as formas e a capacidade de inserção da(s) teoria(s) feminista(s) na sua formulação. Para tanto tomamos a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), a sua aplicação e agilidade nos municípios acima citados, observando a forma plena de sua competência jurídica e no fortalecimento da rede pública de atendimento à mulher em situação de violência. 2. Objetivo A lei Maria da Penha/2006, enquanto marco legal impulsionou a criação de novas políticas públicas para o enfrentamento da violência contra as mulheres, desde a penalização do agressor, como a criação de serviços de amparo e atendimento às mulheres em situação de violência doméstica. Deste modo, nosso objetivo constituiu na análise da sua aplicação jurídica na formulação e fortalecimento da rede pública de atendimento às mulheres em situação de violência, através da criação de um Protocolo de Atendimento e de um Software a serem utilizados pelos serviços componentes desta rede, como forma de auxiliar a humanização e a agilidade no processo de atendimento às vítimas. 3. Metodologia Nossa proposta de construção do Software e do Protocolo de Atendimento às mulheres vítimas de violência constituiu-se, em primeiro momento, na aplicação destes nos órgãos que segue: - Delegacia Especializada de Atendimento às Mulheres; - Centro de Referência e Atendimento às Mulheres; 5

- Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS); - Centro de Referência de Assistência Social (CRAS); - Casa Abrigo. Sendo órgãos de acompanhamento, gestão, armazenamento e análise dos dados: - Secretaria ou Coordenadoria de Políticas para as Mulheres; - Universidade Estadual Paulista Campus de Marília; - Universidade Estadual de Maringá Campus Sede. Os métodos e técnicas utilizados para o desenvolvimento do presente projeto pretenderam captar as práticas e comportamentos dos(as) agentes que atendem as vítimas e/ou formulam políticas ou ações para estas, notando fatos preponderantes para a qualificação, humanização e resolução dos casos. Assim, somente através de uma pesquisa empírica podemos identificar os possíveis entraves no atendimento, utilizando processos etnográficos de observação, entendidos como uma prática interativa entre pesquisador e objeto de pesquisa, com o objetivo de identificar os modos como esses grupos sociais ou pessoas conduzem suas vidas, buscando descrever o significado cotidiano nos quais as pessoas agem. Além dos métodos de observação participante, utilizamos entrevistas estruturadas, caracterizada pela elaboração de questionários com perguntas previamente formuladas e o uso de pesquisas semiestruturadas, que, segundo Duarte (2002, p. 147) define-se como uma técnica de coleta de dados que supõe uma conversação continuada entre informante e pesquisador e que deve ser dirigida por este de acordo com seus objetivos. A aplicação de entrevistas qualitativas e quantitativas (questionários e entrevistas) se deu a partir do contato com os grupos representativos dos serviços de atendimento às mulheres, que atuam no enfrentamento, combate e prevenção da violência de gênero. Desde modo, as pesquisas de campo nos auxiliarão no conhecimento e na sistematização das realidades municipais, na questão da violência contra as mulheres, que este projeto se propõe. 4. Considerações Finais 6

O projeto tinha como produto criar um software e um Protocolo de Atendimento, que seriam implantados nos serviços de atendimento às mulheres vítimas de violência em ambas as cidades. O software poderia ser utilizado de forma online, interligando os atendimentos. O intuito do protocolo era criar procedimentos estruturados que garantissem o fluxo da Rede, tendo como base o modelo de Fluxo de Atendimento da Norma Técnica de Padronização das DEAMs (2010). Porém, não encontramos, em ambas as cidades, condições e parcerias favoráveis à implantação e execução destes produtos. Enfrentamos diversas dificuldades, principalmente em 2012, como de natureza político partidária, conflitos e relações de poder, disputas eleitorais, denúncias, afastamentos de representantes do Executivo e das agentes de instituições locais, parceiras do Projeto, como: a Secretária da Mulher de Maringá e a Coordenadora de Políticas para as Mulheres de Marília. Essas ausências trouxeram inúmeros problemas, inclusive de entrevistas previamente agendadas, uma vez que as conselheiras, tiveram receio de manifestar-se diante da insegurança de manter seus empregos devido a situação política vivenciada. Referências Bibliográficas BRASIL, Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher e dá outras providências. BRASIL, Ministério da Justiça. Norma Técnica de Padronização das Delegacias Especializadas de Atendimento às Mulheres DEAMs. Edição atualizada, Brasília, 2010. BRASIL, Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, Brasília, 2004. DUARTE, R. Pesquisa qualitativa: reflexões sobre o trabalho de campo. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, nº 115, 2002, p.139-154. IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. As mulheres fazem História, Rio de Janeiro, 2010. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/ibgeteen/datas/mulher/ mulherhistoria.html>. Acesso em: 31 mar. 2011. 7

OLIVEIRA, G. C.; BARROS, I. & SOUZA, M. H. Trilhas Feministas na Gestão Pública. Brasília: CFEMEA, 2010. PEDRO, J. M. Traduzindo o debate: o uso da categoria gênero na pesquisa histórica. História, São Paulo, v. 24, n. 1, p. 77-98, 2005. PROJETO MARIA DA PENHA. A história da Maria da Penha. Disponível em: <http://www.mariadapenha.org.br/a-lei/a-historia-da-maria-da-penha>. Acesso em: 05 abr. 2011. SANTOS, E. C.; PEREIRA, V. L. Gênero e poder na longa trajetória pelo reconhecimento dos direitos da Mulher no Brasil. Revista de Direito da Unigranrio, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, 2008. SARTI, C. A. Feminismo e contexto: lições do caso brasileiro. Cadernos Pagu, Campinas, n. 16, p. 31-48, 2001. SCHIENBINGER, L. O feminismo mudou a ciência? Bauru: EDUSC, 2001. 8