Aspectos distintos da paixão da nostalgia na construção dos sujeitos dos enunciados nas canções de Nando Reis

Documentos relacionados
TÍTULO: O INTELIGÍVEL E O SENSÍVEL EM ENTRE AS LINHAS DE SÉRGIO SANT ANNA.UMA ABORDAGEM SEMIÓTICA

Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos

Sou eu quem vivo esta é minha vida Prazer este

Fevereiro / 2012 ALUNO.:... TEL.:...

COMPOSITOR CÍCERO BAHIA

O PERCURSO GERATIVO DE SENTIDO APLICADO À ANÁLISE DE LETRAS DE CANÇÃO DE PROTESTO NO PERÍODO DA DITADURA MILITAR NO BRASIL ( )

ASCESE-MORTE VERSUS PRAZER-VIDA NO CARME 5 DE CATULO: UMA ANÁLISE SEMIÓTICA. Prof. Me. Marco Antonio Abrantes de Barro (UERJ)

MONÓLOGO MAIS UMA PÁGINA. Por Ana Luísa Ricardo Orlândia, SP 2012

ANÁLISE SEMIÓTICA DE O SEGUNDO SEXO DE SIMONE DE BEAUVOIR SOB A ÓTICA DO FEMINISMO

Minha inspiração. A Poesia harmoniza o seu dia

A SEMIÓTICA EM ASA BRANCA: CARACTERIZAÇÃO DISCURSIVA

POEMAS AVULSOS. Gonzaga Filho Página 1

Aos Poetas. Que vem trazer esperança a um povo tristonho, Fazendo os acreditar que ainda existem os sonhos.

Módulo 5. Corpo de Emoções

UM OLHAR ENTRE DOIS POETAS

Encarte

DEIXA-ME SENTIR TUA ALMA ATRAVÉS DO TEU CALOROSO ABRAÇO

Pergaminho dos Sonhos

Interpretação de textos Avaliação Parcial II. Língua Portuguesa Brasileira Antonio Trindade

LILIAN MARIA MARQUES E SILVA. NOSTALGIA: uma paixão nas letras das canções de Nando Reis

Consternação. Beija-me mais uma vez. Tudo e nada Eu quero Um dilema Em que vivo!

Eu em mim Enfim, esse é meu corpo, flor que amadureceu Estalo os dedos é sonho Respiro fundo é brisa Estendo os braços é asa Libero as fibras é voo

Mais uma Prece (Marcelo Daimom)

O Sorriso de Clarice

CAPÍTULO 1: PAIXÃO. Apaixonado. O meu coração Pra você eu guardei Antes mesmo de me conhecer Eu te amei Procurei a lealdade Mas não encontrei

Comigo mais poesia. Nelson Martins. Reflexões e Sentimentos

SER TUDO QUE SONHA, REALIDADE QUE VIVE!

1º Edição

VISGO SINTA-SE ATRAÍDO PELA POESIA

Encarte

Eis que chega meu grande amigo, Augusto dos Anjos, ele com seu jeitão calado e sempre triste, me fala que não irá existir palavra alguma para

FORMAÇÃO CONTINUADA EM LÍNGUA PORTUGUESA

Evento online: Uma análise semiótica

* Nascimento: 11/10/2011

domingo, 21 de julho de 13 A n é s i o R o d r i g u e s

FORMAÇÃO CONTINUADA EM LÍNGUA PORTUGUESA

SEMIÓTICA E ROCK: ANÁLISE DE PALAVRAS ERRADAS D O BANDO DO VELHO JACK Vanessa AMIN a

Fabiany Monteiro do Nascimento. Amor Perfeito

Pensamentos, Frases e Emoções. Alguns Achados e perdidos de um coração

QUANDO EU TINHA VOCÊ!

ISSN O gênero canção no ensino de Língua Portuguesa: melodia e letra

UMA HISTÓRIA DE AMOR

Projeto Pedagógico Qual caminho deve seguir para obter uma infância feliz? Como fazer para compreender a vida em seu momento de choro e de riso?

MAIS UM DIA. Tom: B. Intro: B9. Nasce mais um dia F# Nasce com o sol E Vejo a primeira luz. Vejo alem do olhar. G#m7

Mensagem do dia 02 de Março Suas escolhas. Mensagem do dia 02 de Março de 2013 Suas escolhas

Amor & Sociologia Cultural - Oswaldo Montenegro & Raul Seixas

Cifras de Beth Carvalho por André Anjos

Eu Quero Apenas. (Marcus) Eu quero apenas olhar os campos. Eu quero apenas cantar meu canto. (Rogério) Eu só não quero cantar sozinho

Deus está em ti, está em mim, Do Universo é a Grande Luz. Deus está em ti, está em mim Seu Espírito é a força do amor. Está em ti, está em mim...

Perdi Seu Olhar. Anderson Borba Chaves

A tristeza. A tristeza

Raimundo Soares de Andrade 1- O EFEITO DA POESIA

A CONSTRUÇÃO DA ACTANTE TARPÉIA EM TITO LÍVIO PROPÉRCIO, UM ESTUDO COMPARATIVO Prof. Me. Marco Antonio Abrantes de Barros Godoi (UERJ)

O Discurso da Poesia Concreta Uma Abordagem Semiótica

Poemas de um Fantasma. Fantasma Souza

PRESENTE DE DEUS "UM VERDADEIRO AMOR"

MINHAS PALAVRAS. 1 Ebook. EscreviNoMeuDiário

A PRÁTICA LITERÁRIA E A ANÁLISE DISCURSIVA NO PROCESSO DE ENSINO/APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS

A REPRESENTAÇÃO DA MULHER EM UM PERCURSO HISTÓRICO NAS CAPAS DA REVISTA CAPRICHO.

UMA BREVE ANÁLISE DO PERCURSO GERATIVO DE SENTIDO EM UMA TIRA DE MAGALI

Arte e Poesia. Uma flor. Uma flor perde cheiro e beleza Foi amor com certeza!

Alberto Caeiro O Pastor Amoroso

Page 1 of 5. Amor & Sociologia Cultural - Caetano Veloso & Cazuza

AMA QUE É BOM! AMA, AMA QUE É BOM! AMA, AMA QUE VEM DE DOM! AMA, AMA QUE É BOM! AMA, AMA QUE VEM DE DOM!

Para Viver e Para Lembrar. por Cintia Henriques

Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução deste livro com fins comerciais sem prévia autorização do autor

Um estudo semiótico de Novos Horizontes: letra e melodia

EU ORGANIZO O MOVIMENTO: A CADÊNCIA DA CANÇÃO DE CAETANO VELOSO NOS MOVIMENTOS SOCIAIS BRASILEIROS

A PALAVRA E O DISCURSO: O LÉXICO COMO CONECTOR DAS RELAÇÕES DISCURSIVAS

MDias Tatuagens Primeira edição: 2016

Encarte

SEMIÓTICA DA IMAGEM PERCURSO DE ANÁLISE

NÃO HÁ VAGAS: mas as desigualdades devem caber no poema

O começo da história

INVASORA DOS MEUS SONHOS

O Livro de Todas as Coisas. Sobre o Tempo

Nada a Perder (03:22) BX-NOF

Am7 Bm7 Am7 G Oh! Meu amor não fique triste Saudade existe pra quem sabe ter

PALAVRAS-CHAVE: Semiótica Greimasiana. Percurso Gerativo de Sentido. Temporalidade. Nível fundamental. Nível discursivo.

Amor Pra Valer Tony Sabetta ISRC BR MKP Nunca É Tarde A. Hammond e J. Bettis Versão: Marina de Oliveira ISRC BR MKP

A PAIXÃO PELO BELO: A BUSCA DA FONTE DA ETERNA JUVENTUDE

Descrição da Escala Língua Portuguesa - 7 o ano EF

CONSTRUÇÃO DA IRONIA EM TIRINHAS POR SUA UNIDADE DE SENTIDO

FORMAÇÃO CONTINUADA EM LÍNGUA PORTUGUESA

Sheila Ferreira Kuno. Poesias Cotidianas

Mensagem do dia: Se for amor

Lembranças de uma vida

Olá queridos leitores!

Descrição da Escala Língua Portuguesa - 7 o ano EF

Por tudo que eu escrevo...

Ivan Cupertino. Textos selecionados GRILHÕES

O QUE A GENTE QUER MURAL P(R)O(F)ÉTICO. Estudantes do 3º EJA MÉDIO

Presente Perfeito A. D. Feldman

Narrativa: Elementos Estruturais (1)

INTERVENÇÕES NO DESENVOLVIMENTO DE UMA SESSÃO DE REGRESSÃO DE MEMÓRIA

Regência Nominal e Verbal

Setembro 2017 A D A E A D A Amor, vim te buscar em pensamento, cheguei agora no vento Amor, não chora de sofrimento

FORMAÇÃO CONTINUADA EM LÍNGUA PORTUGUESA

Sumário. Apresentação Olgária Matos Abertura... 17

Tom: G. te ofereço paz. te ofereço amor te ofereço amizade ouço tuas necessidades vejo tua beleza sinto os teus sentimentos

Transcrição:

Estudos Semióticos - número quatro (2008) Aspectos distintos da paixão da nostalgia na construção dos sujeitos dos enunciados nas canções de Nando Reis Lilian Maria MARQUES E SILVA (Universidade de Franca) RESUMO: As diferentes manifestações da paixão da nostalgia, ora verdadeira, ora mentirosa, muitas vezes pontual, tendo por base a teoria semiótica greimasiana, é o nosso objeto de estudo nas canções Pra ela voltar, Mesmo sozinho e N, compostas e interpretadas por Nando Reis. PALAVRAS-CHAVE: paixão; nostalgia; sujeito; canção ABSTRACT: The different manifestations of nostalgia passion, now true, then false, many times, punctual, based on the Greimassian semiotics theory, is our object of study in the songs Pra ela voltar, Mesmo sozinho and N, written and interpreted by Nando Reis. KEYWORDS: passion; nostalgia; subject; song

1. INTRODUÇÃO Os estudos semióticos, a partir dos anos 80, começam a considerar no nível narrativo não apenas um sujeito movido pelas modalidades do ser e do fazer- o querer, o dever, o poder e o saber o sujeito operador; mas passam a considerar, com certa relevância, os estados do sujeito. Iniciam-se, dessa forma, os estudos da semiótica das paixões, os efeitos de sentido de qualificações modais que modificam o sujeito de estado. Essas qualificações organizam-se, segundo Diana L. P. de Barros (2001:47) sob a forma de arranjos sintagmáticos de modalidades ou configurações passionais. Neste artigo abordaremos a paixão da nostalgia e as formas como ela se manifesta na construção do sujeito em três canções de autoria de Nando Reis: Pra ela voltar (Nando Reis, 2006, faixa 10) e N (Nando Reis, 2006, faixa 3) do álbum Sim e não e os infernais, Mesmo Sozinho (Nando Reis, 2003, faixa 8), do álbum A letra A. Para melhor compreensão, as letras estão anexas ao final do texto. Tentaremos evidenciar como uma mesma paixão manifesta-se de forma diferente conforme o sujeito que a sente. Tais manifestações passionais, embora muito freqüentes, principalmente em textos literários, nos chamaram a atenção pelo fato de encontrarmos poucos semioticistas que tratam especificamente da paixão da nostalgia no que tange à teoria semiótica francesa e que não se preocupam em descrever tais manifestações nostálgicas. Dessa forma, nossas análises objetivam colaborar para caracterizar melhor a paixão da nostalgia. 2. ANÁLISES PRA ELA VOLTAR A paixão da nostalgia, segundo Bertrand (2003), marca a persistência, na memória do sujeito, de uma conjunção terminada. Em Pra ela voltar o sujeito enunciador revela-se nostálgico por estar em disjunção com o objeto-valor ela. A leitura nos leva a perceber que este sujeito nostálgico já esteve, um dia, em conjunção com o seu objeto-valor logo no primeiro verso da canção Desde que ela foi embora. O ato de ir embora pressupõe que houve a presença em um momento anterior deste objeto-valor em uma cena enunciativa passada. A paixão da nostalgia, fortemente marcada em toda a letra, é fruto desta disjunção entre o enunciador sujeito nostálgico e o próprio objeto-valor ela. O título da canção Pra ela voltar nos faz crer que há esperança de um retorno do objeto-valor por parte do enunciador, o que caracteriza um sujeito nostálgico. Esse sujeito é fortemente marcado por uma esperança de /querer-ter/ seu objeto-valor conjunto a ele. O prórpio título da canção nos propicia observar essa vontade da conjunção entre ambos sujeito enunciador e objeto-valor. A oposição semântica, no nível profundo é a solidão vs companhia que revela o sentimento de tristeza no sujeito actorial. Inicia-se o texto com uma debreagem enunciva, criando um efeito de distanciamento, em terceira pessoa ela, no espaço do lá e no tempo do então passado, na qual o enunciador nos apresenta seu estado de nostalgia, revelando-se um

sujeito triste, deprimido, com a falta deste objeto-valor: a amada. Logo em seguida, tem-se a debreagem enunciativa efeito de proximidade presentificando a cena, envolvendo pessoa (eu), espaço (aqui: casa) e tempo (agora). Analisando em uma perspectiva semiótica algumas letras de canções, Tatit (2001:41) alude à importância desses recursos enunciativos que têm na noção de saudade o seu elemento propulsor. A relação entre passado e presente assegura o intervalo necessário à manifestação desse sentimento. O enunciador é modalizado pelo querer e pelo crer. Ele clama a alguém à volta/retorno de sua amada Diga que é pra ela voltar/que sem ela eu não passo nada bem ; e acredita ou quer-crer e fazer-crer que é extremamente fundamental a sua volta, o seu regresso, ou seja, tenta persuadir, sem sucesso, que não é possível, de ambas as partes, viver solitário, um sem o outro. Pra ela voltar é um texto figurativo e temático. As figuras: o galo, a roupa, a Lua, os móveis da casa etc. recobrem os temas sofrimento, angústia, tristeza e solidão. Tais figuras criam um efeito de sentido de verdade reiterado por meio das isotopias visuais (o brilho da lua apagado, a nuvem de chumbo), auditivas (o cantar do galo, o assopro do apito do guarda-noturno, o barulho no silêncio) e táteis (roupa molhada, o fechar da porta, o ascender da luz). A sanção deste percurso é disfórica para o enunciador que sofre com as lembranças desde o dia que seu objeto-valor partiu até o presente em que quer-crer na sua volta. O sujeito inicia e termina todo seu o seu percurso narrativo em disjunção com o objeto-valor, não adquire a competência de trazê-lo de volta e se revela um sujeito nostálgico, saudoso. MESMO SOZINHO Em Mesmo sozinho o compositor também utiliza o recurso enunciativo da debreagem temporal, ora remete ao passado debreagem enunciva ora ao presente debreagem enunciativa. É muito importante, até mesmo imprescindível, enfatizar este recurso, pois é através dele que se resgata a memória do enunciador, trazendo as lembranças que resultam a paixão nostalgia. A letra apresenta um conflito interno do enunciador permeado por emoções e questionamentos. O que difere o sujeito nostálgico desta canção com a já analisada Pra ela voltar é que este sujeito tenta negar o não-ser, o sentimento nostálgico característica que distingue uma nostalgia da outra já analisada, pois o enunciador não admite o sentimento da falta; o que não acontece na canção anterior o seu sujeito explicita o seu /querer/ e o /querer-crer/ na volta do seu objeto-valor. Pode-se afirmar, então, que a modalidade do ser e do parecer em Mesmo sozinho, denominada veredictória, é mentirosa e que há nostalgia distinta conforme o sujeito da enunciação que a sente. A modalidade da mentira é o parecer, mas o não-ser, pois o que parece ser de fato não o é - o enunciador tenta mostrar-se bem, normal; diz estar feliz e em paz, mesmo sozinho; o que não é verdade. Nos versos 20 e seguintes lê-se Sabe do que eu sinto saudades?/do seu sorriso de manhã/do quarto tão desarrumado narra o desejo

em tê-la de volta, mas em momento algum no texto esse desejo é admitido pelo enunciador. Ele tenta se esquivar da verdade: estou vivendo normalmente como se estivesse tudo bem; mas já na segunda parte do texto, este mesmo verso substitui o advérbio de modo normalmente pelo advérbio, também de modo, simplesmente. Conclui-se que viver um ato involuntário é o que lhe restou diante da ausência do objeto-valor. A paixão da nostalgia é enfatizada na quinta estrofe da letra da canção. O sentimento da saudade é exaltado e admitido pelo eu-enunciador que descreve o que mais lhe faz falta o sorriso da amada logo pela manhã e o quarto desarrumado. A ausência do objeto é tão intensa que até a desordem do seu quarto (característica geralmente vista como negativa), faz falta em seu dia-a-dia. A partir da terceira estrofe, a presentificação do tempo se torna nítida pelo uso dos verbos no gerúndio (vivendo, pensando e chorando), criando um efeito de sentido de verdade e de proximidade. A narratividade em Mesmo sozinho se inicia com o sujeito sem a competência necessária para manter-se junto ao objeto, resultando numa sanção negativa, disfórica. Em determinado momento, no texto, o enunciador revela o desejo de saber que este objeto ela - esteja feliz mesmo em conjunção com um outro sujeito um rival, um oponente. Embora a narrativa possua, de forma implícita, um triângulo amoroso, não há neste texto, a paixão do ciúme revelada por parte do enunciador. Ora mostra-se conformado, ora nostálgico, indagando e procurando na memória a presença da amada. O universo passional, segundo Tatit (2001:35-39) o sujeito alimenta-se de duração. É necessário tempo para a configuração do mundo sensível do enunciador. Para esquecer em superfície, é necessário recordar em profundidade. O descontínuo próprio do universo inteligível pressupõe o continuo do mundo sensível. Dessa forma, a nostalgia visa o esquecimento, mas estabelece a recordação, a memória. O uso do termo estrangeiro baby remete ao adjetivo querida reforçando o elo contínuo entre sujeito/objeto. As tensões geradoras da paixão nostálgica decorrem do sentimento da falta deste elo, que inexiste em todo o percurso da narratividade. N Em N evidencia-se pelo menos três paixões: a nostalgia, o medo e o amor. O que nos interessa aqui é a paixão da nostalgia. O enunciador revela-se um sujeito questionador, nostálgico, com medo de perder seu objeto-valor que se encontra em uma disjunção momentânea. Trata-se de dois sujeitos que se distanciam (disjunção) durante os dias da semana: [...] espero que a semana acabe para que eu possa te ver de novo [...]. A paixão do amor é mostrada pelo sujeito enunciador que permanece com os lábios molhados, chorando e até mesmo, sentindo seu cheiro no travesseiro e que

aguarda a sua volta. O choro e a percepção de odores de sua amada também revelam a paixão da nostalgia saudade do objeto-valor. O sujeito afirma não ser possível esquecer seu objeto-valor já que tem em seu braço a tatuagem que simboliza um elo entre eles uma letra comum tanto a seu nome como a seu objeto valor: se o seu nome está gravado no meu braço como um selo? nossos nomes que tem o N como um elo. No nível fundamental, encontramos a seguinte oposição semântica: presença vs ausência. É essa oposição semântica que resulta características distintas da paixão da nostalgia ora profunda e permanente, ora superficial e pontual. No nível narrativo, a leitura nos permite perceber um sujeito disjunto de seu objeto-valor: S U O que gera a paixão da nostalgia. Esta disjunção, embora seja momentânea, não-definitiva, leva o enunciador a questionamentos e a sentir medo e nostalgia justamente por existir entre os dois, a paixão do amor. A paixão do amor, segundo Aristóteles, é certamente um vínculo de identidade mais ou menos parcial. É o próprio lugar da conjunção, da associação (2000:XLIV). O recurso enunciativo da debreagem remete a primeira pessoa eu, ao espaço aqui e ao tempo do agora (presente) debreagem enunciativa. As lembranças resgatadas na memória do enunciador são as responsáveis por gerar a paixão nostalgia e a ausência temporária do objeto-valor gera o medo. O enunciador é modalizado pelo /querer/ e pelo /crer/. Ele quer-ter sua amada perto de si e acredita fielmente nisto, deseja, torcendo para que o tempo voe. Não é relatada a sanção do percurso canônico em N. Subentende-se que será positivo/eufórico, pois é sabido que a disjunção é momentânea; mas na letra não é mostrada/enunciada a conjunção entre o sujeito e objeto-valor. A modalidade do ser e do parecer é verdadeira as ações e os valores do enunciador parecem e são, de fato, reais os sentimentos de saudade, nostalgia, medo e amor são verdadeiramente sentidos pelo enunciador. Trata-se e um texto figurativo e temático. Esses procedimentos do nível discursivo predominam durante toda a canção. As figuras lábios, lágrimas, sol, cheiro, cabelo, peito, semana, tempo, nome, selo, braço, elo, N e corpo desencadeiam as isotopias temáticas da saudade, sofrimento, solidão, angústia e do próprio amor. Há no texto também isotopias táteis (lábios molhados, cabelo no peito, tatuagem na pele) e olfativas (cheiro no travesseiro), revelando, assim, a paixão do amor do sujeito para com seu objeto-valor. Essas isotopias presentificadas na cena enunciativa imprimem ao texto a modalidade veredictória da verdade. 3. CONCLUSÃO No percurso passional, as modalidades do /querer/, /poder/, /não-poder/ e do /crer/ produzem efeitos de sentido da paixão nostalgia pelo objeto-valor não adquirido ela

(o não poder-ter) ou pelo distanciamento momentâneo do objeto-valor ela, gerando valores da insatisfação e da infelicidade. Diante disso, por meio da análise semiótica greimasiana, evidenciamos que em Pra ela voltar e Mesmo Sozinho a paixão da nostalgia é narrada e sentida pelos enunciadores e que os percursos passionais se diferenciam quanto às modalidades veredictórias, em que uma é verdadeira e a outra mentirosa. No nível discursivo, as duas canções desencadeiam o mesmo percurso passional caracterizando uma mesma paixão a nostalgia. Em N, ocorre a debreagem enunciativa (eu aqui agora) que enfatiza as paixões da nostalgia, do medo e do amor. A letra revela um sujeito nostálgico, com medo da distância entre seu objeto-valor (seu amor) mesmo, constatado através do texto, de que se trata de uma disjunção momentânea, tornando a nostalgia uma paixão pontual daquele momento apenas. A paixão da nostalgia no nosso corpus de análise é manifestada de maneira distinta conforme cada enunciação e, assim, são reveladas paixões nostálgicas verdadeiras, falsas e até mesmo pontuais aquelas que não são duradouras, que são cíclicas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARISTÓTELES. Retórica das paixões. São Paulo: Martins Fontes, 2000. BARROS, Diana Luz Pessoa de. Teoria semiótica do texto. São Paulo: Ática, 1990. BERTRAND, Denis. Caminhos da semiótica literária. Bauru: EDUSC, 2003. GREIMAS, Algirdas Julien & COURTÉS, Joseph. Dicionário de semiótica. São Paulo: Cultrix, 1979. NANDO REIS. N. In: Sim e não e os infernais [CD]. Rio de Janeiro: Universal Music, 2006.. Pra ela voltar. In:. Sim e não e os infernais. [CD]. Rio de Janeiro: Universal Music, 2006.. Mesmo sozinho. In: A letra A. [CD]. São Paulo, Rio de Janeiro e EUA: Universal Music, 2003. TATIT. Análise semiótica através das letras. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001. ANEXOS Anexo 1 Pra ela voltar (letra) Desde que ela foi embora Nada mais funcionou O galo canta muito antes da aurora E a roupa ainda não secou Mesmo a Lua que brilhava lá fora Uma nuvem de chumbo apagou O guarda-noturno assopra Só pra me lembrar que acabou Um muro separa o mundo lá fora A água do poço secou O vidro embaça se meus lábios encostam

Num beijo que não me tocou Diga que é pra ela voltar Que sem ela eu não passo nada bem Que duas pessoas não deixam de amar que uma pessoa só não conta que uma pessoa só não é ninguém Escuto o barulho no silêncio Que chora Não reconheço esse som Não ouço o riso que ouvia outrora Pois seu sorriso ela levou Eu entro sozinho e fecho a porta Acendo a luz e não encontro mais ninguém os móveis antigos que morrem na sala estão só pra me lembrar que acabou. Anexo 2 Mesmo Sozinho (letra) Uh... Baby! Por que você foi pra tão longe? Não precisava tanto Bastava só não telefonar. Uh...Baby, Baby, Baby! O que aconteceu? O ar não foi suficiente? Você não viu, você sumiu Mudou de lugar No mais estou vivendo normalmente Não vou ficar pensando Se tivesse sido o contrário Estou feliz Mesmo sozinho Esse silêncio é paz Nesse momento cai Uma forte chuva Quem vai ficar chorando? Uh... Baby! Sabe do que eu sinto saudades? Do seu sorriso de manhã Do quarto tão desarrumado Uh... Baby! Saiba que eu gosto muito de você Espero que esteja feliz E bem acompanhada Normal, estou vivendo, simplesmente Não vou ficar pensando Se tivesse sido o contrário Estou feliz Mesmo sozinho Esse silêncio é paz

Nesse momento cai Uma forte chuva Quem vai ficar chorando? Anexo 3 - N (letra) E agora, o que eu vou fazer Se os seus lábios ainda Estão molhando Os lábios meus? E as lágrimas não secaram Com o sol que fez? E agora como eu posso te esquecer Se o seu cheiro ainda Está no travesseiro? E o seu cabelo está enrolado No meu peito? Espero que o tempo passe Espero que a semana acabe Pra qu eu possa te ver de novo Espero que o tempo voe Para que você retorne Pra qu eu possa te abraçar E te beijar De novo E agora como eu passo sem te ver? Se o seu nome está gravado no Meu braço como um selo? Nossos nomes que tem o N Como um elo E agora, como posso te perder? Se teu corpo ainda guarda o Meu prazer? E o meu corpo está moldado Com o teu? Como citar este artigo: MARQUES E SILVA, Lílian Maria. Aspectos distintos da paixão da nostalgia na construção dos sujeitos dos enunciados nas canções de Nando Reis. Estudos Semióticos. [online] Disponível na Internet via WWW.URL: HT TH HT http://. TH Editor Peter Dietrich. Número 4, São Paulo, 2008. Acesso em dia/mês/ano.