Efeito da Interface Fibra/Matriz Sobre a Resistência de Compósitos Poliméricos Reforçados com Fibras de Coco

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Transcrição:

ISSN 1517-7076 Revista Matéria, v. 11, n. 4, pp. 395 402, 2006 http://www.materia.coppe.ufrj.br/sarra/artigos/artigo10795 Efeito da Interface Fibra/Matriz Sobre a Resistência de Compósitos Poliméricos Reforçados com Fibras de Coco Sergio N. Monteiro a, Luiz Augusto H. Terrones a, Eduardo A. de Carvalho a, José Roberto M. d Almeida b a Universidade Estadual do Norte Fluminense, UENF, Laboratório de Materiais Avançados, LAMAV, Av. Alberto Lamego, 2000, 28013-602, Campos dos Goytacazes, Brasil e-mail: sergio.neves@ig.com.br; lucho@uenf.br, eatem@uenf.br. b Departamento de Ciência dos Materiais e Metalurgia, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, PUC-Rio, Rio de Janeiro, Brasil. e-mail: dalmeida@dcmm.puc-rio.br RESUMO Avaliaram-se as características da interface fibra/matriz em compósitos de poliéster reforçado com fibra de coco. Esta avaliação foi realizada através de medidas da tensão interfacial de cisalhamento e também por observação microestrutural da área de contato fibra de coco/resina poliéster. A partir de ensaios de arrancamento de fibras de coco embutidas em cápsulas de resina poliéster analisou-se por microscopia eletrônica de varredura regiões das fibras que se romperam ou sofreram escorregamento ao serem extraídas da resina. Os resultados revelaram uma tensão de cisalhamento interfacial similar a de outras fibras lignocelulósicas e mostraram também uma razoável adesão interfacial decorrente da natureza heterogênea das fibras de coco, o que facilita a impregnação pela resina. Palavras chaves: Fibra de coco, interface fibra/matriz, tensão interfacial, microestrutura. Effect of the Fiber/Matrix Interface on the Strength of Polymeric Composites Reinforced with Coir Fibers ABSTRACT The characteristics of the fiber/matrix interface in polyester composites reinforced with coir fibers have been evaluated. This was carried out both, by measuring the interfacial shear strength and by microstructural observation of the coir fibers/polyester resin contact area. Tests of coir fiber extraction from resin sockets allowed an analysis by scanning electron microscopy of regions where the fibers underwent rupture or suffered pullout during extraction. The results showed interfacial shear strength similar to other lignocellulosic fibers. Moreover, a reasonable interface adhesion was obtained owing to the heterogeneous nature of the coir fibers, which facilitates the resin impregnation. Keywords: Coir fiber, fiber/matrix interface, interfacial strength, microstructure. 1 INTRODUÇÃO O coqueiro, cientificamente conhecido como Cocos nucifera, é um tipo de palma de ocorrência generalizada em todas as regiões tropicais da terra tendo, em muitos países, relevante participação econômica pelo uso culinário do líquido interno, conhecido como água de coco, e da polpa do seu fruto. O tronco e as folhas do coqueiro também são utilizados com finalidades que variam da obtenção de energia térmica por simples queima até cobertura de casas. Estes usos, embora sejam importantes para comunidades localizadas perto de coqueirais, não agregam muito valor aos produtos. Nas últimas décadas esforços de pesquisa e desenvolvimento vêm sendo realizados para o aproveitamento tecnológico das fibras que podem ser extraídas de diversas partes do coqueiro [1 4]. Em particular, as fibras contidas no fruto, tanto verde como seco, já encontram utilizações com repercussão no comércio mundial como o uso em estofamento de automóveis de padrão internacional [5, 6]. Destas fibras lignocelulósicas, as da camada externa do exocarpo do fruto do coco, conhecidas em inglês como coir, apresentam um grande potencial de uso em compósitos de matriz polimérica [7 11]. Para efeito Autor Responsável: Sergio Neves Monteiro Data de envio: 26/06/06 Data de aceite: 25/09/06

de simplificação no presente trabalho, estas fibras extraídas da casca do coco serão denominadas simplesmente por fibras de coco. Para projetar-se, com padrões de engenharia, compósitos reforçados com fibras otimizando-se suas propriedades, faz-se necessário avaliar alguns parâmetros como o comprimento crítico das fibras e a resistência da interface fibra/matriz [12]. Em recente publicação, estes parâmetros foram avaliados, através de ensaios de arrancamento ( pullout ), para fibras de coco embutidas em matriz de poliéster [11]. Verificouse assim que as fibras de coco em compósitos de matriz poliéster apresentam comprimento crítico, l c, para livre desacoplamento ( debonding ) com o valor: l c = 13,13 ± 0,42 mm (1) Utilizando-se a equação de Kelly e Tyson [13], obteve-se uma tensão cisalhante interfacial de: τ c = 3,1 ± 0,9 MPa (2) Concluiu-se então que os compósitos de matriz poliéster reforçados com fibras de coco poderiam apresentar resistência mecânica suficientemente elevada para substituir materiais para construção civil e mobiliário, tais como painéis de gesso e aglomerados [11]. Na verdade, estes compósitos de fibra de coco em matriz poliéster, já foram testados em vários produtos como capacetes, coberturas residenciais e caixas de correio por Satyanarayana et alli [7]. Como a interface entre a fibra de coco e a matriz de poliéster Equação (2), é aparentemente o ponto crítico destes compósitos, o objetivo do presente trabalho foi avaliar a resistência interfacial sobretudo por observação microestrutural direta da área de contato na interface fibra/matriz. 2 MATERIAIS E MÉTODOS As fibras de coco utilizadas no presente trabalho foram extraídas de cascas usadas de frutos cultivados para obter a água de coco e sua polpa. Estas fibras foram secas ao ar livre, por volta de 25 C, e então passaram a ter o aspecto ilustrado na Figura 1. 5 cm Figura 1: Aspecto das fibras de coco após secagem ao ar livre. Nenhum tratamento superficial foi aplicado às fibras que tiveram seus diâmetros e comprimentos avaliados estatisticamente conforme mostrado na Figura 2. Nesta avaliação, os comprimentos de 100 fibras foram medidos com paquímetro e os correspondentes diâmetros, como média de 3 locais ao longo de cada fibra, foram medidos com micrômetro. 396

Figura 2: Distribuição estatística do comprimento e do diâmetro das fibras de coco. Com base nos histogramas da Figura 2, calculou-se um comprimento médio de 143 mm e um diâmetro médio de 0,25 mm para as fibras de coco investigadas. Resina poliéster ortoftálica insaturada com viscosidade de 1,6 Pa.s e resistência à tração de 45 MPa foi utilizada nos ensaios de arrancamento. Estes ensaios foram realizados com fibras embutidas em cápsulas da resina poliéster conforme procedimento descrito em outro trabalho [11]. O conjunto fibra de coco/cápsula de poliéster é tracionado até que ocorra um dos seguintes eventos: ou o desacoplamento da fibra, soltando-se da matriz de poliéster, ou ruptura da fibra fora da cápsula sem se desacoplar da mesma. Vale aqui lembrar que os ensaios de arrancamento das fibras de coco obedeceram ao esquema indicado na Figura 3(a). Destes ensaios resultou a curva da Figura 3(b), da qual foi possível obter-se o comprimento crítico, Equação (1) e tensão interfacial fibra/matriz, Equação (2). cápsula simulando a matriz polimérica σ fibra σ L comprimento embutido (a) Resistência ao Escorregamento (MPa) 250 200 150 100 50 l c 0 0 10 20 30 40 50 L (mm) (b) Figura 3: Esquema de um ensaio de arrancamento (a); e curva obtida destes ensaios com diferentes comprimentos embutidos da fibra de coco na resina poliéster (b). 397

Conforme mencionado, a interpretação dos ensaios de arrancamento da fibra de coco bem como o cálculo do comprimento crítico e da tensão cisalhante interfacial já foram abordados em outra publicação [11]. Dentro do objetivo do presente trabalho, foram realizadas observações microestruturais por microscopia eletrônica de varredura, MEV, de fibras de coco tanto soltas quanto após terem sido submetidas ao ensaio de arrancamento. As observações por MEV foram realizadas em um microscópio Jeol, modelo JSM 6460 LV, operando a 15 kv. As amostras foram previamente cobertas com ouro para torná-las condutoras. 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO A Figura 4 exemplifica gráficos de carga vs. extensão em tração obtidos em ensaios arrancamento onde: (a) ocorreu desacoplamento da fibra e (b) ocorreu ruptura da fibra, sendo L o comprimento embutido. Figura 4: Exemplos de gráficos obtidos em ensaios de arrancamento de fibras de coco: (a) com desacoplamento: L= 10 mm e (b) com ruptura da fibra: L=30 mm. Nesta figura observa-se que, no caso da fibra desacoplar-se da matriz de poliéster, Figura 4(a), este processo não é imediato, mas vai se sucedendo através de flutuações no valor da carga de tração. Esta situação é típica de comprimento de fibra, embutidos na matriz, pouco menores ou da ordem do comprimento máximo para o desacoplamento [14, 15]. Por outro lado, no caso da fibra romper-se abruptamente no ensaio de arrancamento, Figura 4(b), a curva de tração é imediatamente interrompida após um trecho inicial de deformação plástica levemente serrilhada. Esta situação é típica de comprimentos de fibra embutidas na matriz bem maiores que o comprimento crítico. Sempre ocorre este tipo de curva, Figura 4(b), para comprimentos embutidos associados ao patamar horizontal da curva de arrancamento [11]. Neste patamar, o nível de tensão é comparável ao da resistência à tração da fibra. A Figura 5 ilustra, por MEV, o aspecto típico de uma fibra de coco rompida após ensaio de tração. Alguns pontos devem ser notados em relação à micrografia desta figura. Em primeiro lugar é importante observar que a superfície da fibra, parte não rompida, é naturalmente áspera sendo coberta por reentrâncias e saliências. Este fato já havia sido observado em outro trabalho [4] onde foi sugerido que as saliências e reentrâncias, em princípio, facilitam a impregnação da superfície da fibra de coco pela resina poliéster. Em conseqüência, a rugosidade superficial contribuirá para maior resistência ao cisalhamento na interface fibra de coco/matriz poliéster. 398

Figura 5: Fibra de coco rompida em tração. Outro ponto relativo à Figura 5 é a característica da região da fratura da fibra de coco. Como é comum nas fibras lignocelulósicas, a ponta da fratura é formada por inúmeras fibrilas que devem ser rompidas individualmente para a separação final. Este mecanismo acarreta a serrilhação verificada na curva de tração, Figura 4(b), pouco antes de ser atingida a separação final no ponto máximo da curva. A Figura 6 mostra o aspecto por MEV de uma fibra de coco que sofreu desacoplamento da matriz de poliéster em um ensaio de arrancamento. De um modo geral, o principal aspecto a ser observado nesta figura é a camada de resina, parte mais clara parcialmente aderida à superfície da fibra. Figura 6: Aspecto geral de fibra de coco após desacoplamento da matriz de poliéster. A Figura 7 mostra, com maior aumento, detalhe da cobertura de resina aderida à matriz. Nesta figura revela-se também a interação da resina com um conjunto de saliências, indicadas por setas, próprias da superfície da fibra de coco. Este fato demonstra o papel que as saliências representam para a aderência da resina à superfície da fibra. 399

Figura 7: Camada de poliéster aderida e interagindo com saliência na superfície da fibra de coco. A Figura 8 apresenta por MEV uma fibra que, apesar de estar coberta com resina, iniciou um processo de ruptura longitudinal. Esta figura é importante para mostrar a complexidade do comportamento da fibra de coco no ensaio de arrancamento. Figura 8: Início da ruptura longitudinal em fibra desacoplada da matriz em um ensaio arrancamento. Verifica-se na Figura 8 que, mesmo tendo sido desacoplada da matriz, a fibra de coco sofreu em processo inicial de fratura. No caso em questão, o comprimento embutido do ensaio de arrancamento foi de 20 mm que é superior ao comprimento crítico de 13,13 mm [11], mas inferior ao início do patamar horizontal que só ocorre para comprimento embutido acima de 25 mm. Isto significa que valores embutidos iguais ou inferiores ao comprimento crítico correspondem a um desacoplamento direto da matriz através de uma trinca próxima à interface com a fibra. Por outro lado, valores embutidos maiores que o comprimento crítico, mas inferiores ao início do patamar de ruptura direta da fibra, estão associados a diferentes trincas ou ramificações. Como observado na Figura 8, uma trinca principal desacoplou a fibra da matriz, ora se propagando pela resina ou ora exatamente na interface. Existe também a possibilidade da superfície exposta na Figura 8 não ter tido boa impregnação pela resina. Outras trincas ou ramificações da trinca principal iniciaram um processo de ruptura longitudinal por dentro da fibra. A Figura 9 mostra em detalhe uma trinca longitudinal iniciando um processo de ruptura da fibra que não se consumou uma vez que acabou ocorrendo desacoplamento no ensaio de arrancamento. 400

Figura 9: Trinca longitudinal na fibra de coco desacoplada da matriz após ensaio de arrancamento. É importante verificar na Figura 9 que a trinca nitidamente exibe associação com uma fileira de saliências na superfície. Ou seja, se por um lado as saliências ajudam a ancorar a resina, melhorando a resistência interfacial, elas também servem como pontos preferenciais de nucleação de trincas longitudinais. Obviamente que as trincas longitudinais correspondem à separação das fibrilas e não ao processo de ruptura transversal das mesmas como está mostrado na Figura 5. Tendo em vista os resultados apresentados nas Figuras 6 a 9, é relevante enfatizar que o processo de desacoplamento da fibra de coco em relação à matriz poliéster aparenta ser mais complexo do que o correspondente para fibras sintéticas como nylon [14] e a aramida [15]. Esta complexidade deve-se à microestrutura das fibras lignocelulósicas que são formadas por feixes de fibrilas bem como rugosidade (saliências e reentrâncias) na superfície. Por um lado, a rugosidade ajuda na impregnação da resina sobre a fibra melhorando a resistência interfacial. Por outro lado, as fibrilas podem se desprender, uma das outras, ocasionando trincas longitudinais cuja nucleação é facilitada por concentração de tensão nas saliências superficiais. Isto tende a piorar a resistência na interface fibra/matriz e compromete assim a resistência mecânica do compósito. Na realidade, ensaios de flexão realizados em compósitos de matriz poliéster incorporada com diferentes quantidades de fibras de coco, como as mostradas na Figura1, revelam este comprometimento da resistência mecânica com a incorporação destas fibras. Em trabalho recente [16] foi apresentada a variação da resistência mecânica, medida pela ruptura em flexão de três pontos de compósitos incorporados com até 80% de fibras de coco e processados em dois níveis de pressão de moldagem. Neste trabalho verificou-se uma queda na resistência do compósito, que se torna mais acentuada acima de 50% de incorporações, para as quais os compósitos tendem a perder sua rigidez. 4 CONCLUSÕES A superfície das fibras extraídas da casca de coco apresenta rugosidades na forma de saliências e reentrâncias que afetam a resistência ao cisalhamento da interface com matriz de poliéster de compósitos reforçados com essas fibras. A rugosidade superficial das fibras de coco, particularmente as saliências dispostas como fileiras de pequenos nódulos, ajuda na adesão da resina durante o processo de cura e assim melhora a tensão interfacial, acarretando melhor resistência mecânica do compósito. Em contraste com estas vantagens, as saliências são também pontos de concentração de tensões facilitando a separação das fibrilas que constituem o feixe que forma uma fibra lignocelulósica do coco e gerando, assim, trincas longitudinais. Isto contribui para diminuir a tensão na interface fibra de coco/matriz de poliéster e, conseqüentemente, reduzir a resistência mecânica do compósito. 5 AGRADECIMENTOS Os autores agradecem o apoio a esta pesquisa, na forma de recursos e bolsas, concedidos pela FAPERJ, CAPES e CNPq. É também motivo de agradecimento a permissão para o uso de MEV da COPPE/UFRJ e a colaboração prestada pelos técnicos Márcia Soares Sader e Felipe Sabatino Gonçalves Vieira. 401

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