O CONSELHO TUTELAR E SUAS ATRIBUIÇÕES: um debate sobre a elaboração de diretrizes procedimentais

Documentos relacionados
Conselheira Meliane Higa Cimatti Conselho Tutelar Norte

- Cabe aos pais ou responsáveis que descumprirem com seus deveres em relação à criança ou adolescente

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA- 1990) regulamenta o Artigo da Constituição Federal de 1988 que prevê:

O Conselho Tutelar e o Ministério Público PAOLA DOMINGUES BOTELHO REIS DE NAZARETH PROMOTORA DE JUSTIÇA COORDENADORA CAO-DCA

DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

CONSELHO TUTELAR Professora Cristiane Dupret

REGIMENTO INTERNO DO CONSELHO TUTELAR DE ITATIAIA

CONSELHO MUNICIPAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE DE BOM PRINCÍPIO

CONSELHO MUNICIPAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Instruções: iv. O penúltimo candidato a terminar seu teste deverá aguardar a que o último termine para sair da sala. Questões:

Lema: Garantir a autonomia e as atribuições do Conselho Tutelar.

RELAÇÕES POSSÍVEIS ENTRE O ECA E A LEI /2006

Resolução CONANDA nº 117 de 11/07/2006

TJRJ Comissário da Infância, Juventude e do Idoso

EDUCAÇÃO E O CONSELHO TUTELAR LUIZ ANTONIO MIGUEL FERREIRA

DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

COMO É CRIADO O CONSELHO MUNICIPAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL? Através de lei municipal, regulamentando os deveres e as obrigações do órgão.

EDITORA REVISTA DOS TRIBUNAIS LTDA.

Ciclo de Palestras ECA - L.8069/90

LEGISLAÇÃO DO MPE. Organização do Ministério Público. Lei Complementar 106/2003 Parte 7. Prof. Karina Jaques

MUNICIPIO SANTA TEREZINHA

DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

CONSELHO MUNICIPAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE PROVA OBJETIVA - CONSELHO TUTELAR CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS

RIO GRANDE DO NORTE LEI COMPLEMENTAR Nº 574, DE 21 DE JULHO DE 2016.

NORMAS. FEDERAL BRASIL - Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 Estatuto da Criança e do Adolescente.

DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Funções Essenciais à Justiça Arts. 127 a 135, CF/88

PREFEITURA MUNICIPAL DE BURI

II INFÃNCIA EM FOCO O ATO INFRACIONAL E (IN)DISCIPLINAR NO CONTEXTO ESCOLAR: busca de alternativas com trabalhos em parceria

ESTADO DE MATO GROSSO PREFEITURA MUNICIPAL DE JANGADA SECRETARIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL CONSELHO MUNICIPAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

LEI Nº , DE 14 DE JANEIRO DE 2015

RESOLUÇÃO ATRICON Nº 01/2013

RESOLUÇÕES DA COMISSÃO DE ÉTICA PÚBLICA

CAPÍTULO I DAS DISPOSIÇÕES GERAIS

HISTÓRIA DE MARIA ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI: O QUE PENSAR DESSA REALIDADE?

MUNICÍPIO DE CATAGUASES GABINETE DO PREFEITO

ELEIÇÕES PARA CONSELHEIROS (AS) TUTELARES GESTÃO INSTRUÇÕES GERAIS PARA A PROVA

II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;

Do Conselho Nacional de Justiça e Dos Tribunais e Juízes dos Estados

PARTE CRIMINAL DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

LEGISLAÇÃO RELATIVA À REGIÃO METROPOLITANA DE ARACAJU

DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

PROCESSO DE ESCOLHA UNIFICADO DOS CONSELHEIROS TUTELARES PROVA ESCRITA. Instruções para realização da prova

Sumário. 1 Estatuto da Criança e do Adolescente Anotado... 1 Lei nº 8.069, de 13 de julho de

RESOLUÇÃO Nº 15/2015

PREFEITURA MUNICIPAL DE JURANDA

REGIMENTO INTERNO DA COMISSÃO NACIONAL DE AUXILIARES E TÉCNICOS DE ENFERMAGEM CONATENF CAPÍTULO I DA NATUREZA, FINALIDADE, FUNCIONALIDADE E FORO.

DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

ECA ESTATUTO DA CRIANÇA E ADOLESCENTE

Prefeitura Municipal de São João del-rei

CÂMARA MUNICIPAL DE JURANDA ESTADO DO PARANÁ

OBSERVAÇÃO: NÃO HAVERÁ QUALQUER ALTERAÇÃO NA EMENTA E NO CONTEÚDO PROGRAMÁTICO ALUSIVOS À DISCÍPLINA DIREITO PROCESSUAL CIVIL V.

REGIMENTO INTERNO DO CONSELHO MUNICIPAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE DE TAQUARA

DISPOE SOBRE A POLITICA MUNICIPAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E DO CONSELHO MUNICIPAL DO DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.

a) Autorização de funcionamento das escolas da rede municipal;

Presidência da República Casa Civil Subchefia para Assuntos Jurídicos

RESOLUÇÃO Nº 96, DE 27 DE OUTUBRO DE 2009.

REGULAMENTO GERAL DA OUVIDORIA. Da Natureza e Competência

Resolução 027/99 - CONSEPE

B. DADOS DO RESPONSÁVEL PELO PREENCHIMENTO

LEI Nº 277 DE 20 DE DEZEMBRO DE 2018.

RESOLUÇÃO DPG Nº 292, DE 25 DE OUTUBRO DE CONSIDERANDO o quanto previsto nos arts. 98, II, b, 107, 111, todos da Lei Complementar nº 80/94;

ESTATUTO DA FUNDAÇÃO ALPHA DE PREVIDÊNCIA E ASSISTÊNCIA SOCIAL

SÚMULA: Dispõe sobre a criação, composição e funcionamento do Conselho Estadual da Juventude COEJ e dá outras providências.

ESTADO DE ALAGOAS GABINETE DO GOVERNADOR

REGIMENTO INTERNO DO COMITÊ DE ELEGIBILIDADE

DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

B. DADOS DO RESPONSÁVEL PELO PREENCHIMENTO

DECRETO Nº 9.929, DE 22 DE JULHO DE 2019

DECRETO Nº 239/2015. Aprova o Regimento Interno do Conselho Municipal de Anti Drogas (COMAD) de Gramado.

Câmara Municipal de Caçapava CIDADE SIMPATIA - ESTADO DE SÃO PAULO

Prefeitura Municipal de Rio Claro Estado de São Paulo

LEI COMPLEMENTAR Nº 20, DE 04 DE ABRIL DE

MUNICÍPIO DE PARAMIRIM

Questões Aula 2 Noções do ECA Prof. André Vieira

LEI Nº 496/2013 DE 15 DE OUTUBRO DE 2013

R E G I M E N T O I N T E R N O COMISSÃO DE ÉTICA NO USO DE ANIMAIS - CEUA

a) - insumo em processo produtivo ou para consumo final; c) - meio de suporte de atividades de produção ou consumo.

COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA E DE CIDADANIA REDAÇÃO FINAL PROJETO DE LEI Nº A DE 2010

ESTADO DA BAHIA PREFEITURA MUNICIPAL DE POJUCA

Projeto modifica modelo de gestão dos fundos de pensão. Por Murilo Souza

Pós Penal e Processo Penal. Legale

Presidência da República Casa Civil Subchefia para Assuntos Jurídicos

SUL AMÉRICA S.A. REGIMENTO INTERNO DO COMITÊ DE CAPITAL HUMANO

CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS

I FORUM BRASILEIRO DOS COORDENADORES DE PROGRAMAS DE RESIDÊNCIA EM MEDICINA VETERINÁRIA/CNRMS/MEC ESTRUTURA E FUNÇÕES DA COREMU

REGIMENTO DA SECRETARIA DE RELAÇÕES INSTITUCIONAIS CAPÍTULO I FINALIDADE E COMPETÊNCIA

DISPÕE SOBRE O CONSELHO MUNICIPAL AMBIENTAL - COMAM.

SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE CASCAVEL (SEMED)

0,1,67e5,2'2'(6(192/9,0(17262&,$/(&20%$7( )20(

EDITAL N 01/2014 DE PROCESSO SELETIVO SIMPLIFICADO

FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA: DEFENSORIA PÚBLICA E

LEI Nº TÍTULO I DAS DISPOSIÇÕES GERAIS

PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº, DE 20143

Prova do Processo de Escolha para Conselheiro Tutelar no município de Manoel Ribas/PR ATENÇÃO!

Prova do Processo de Escolha para Conselheiro Tutelar no município de Manoel Ribas/PR ATENÇÃO!

A CÂMARA MUNICIPAL DE BARRA MANSA APROVA E EU SANCIONO A SEGUINTE: LEI Nº 2406, de 18 de setembro de 1991 I DAS DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

REGULAMENTO DOS ESTÁGIOS CURRICULARES OBRIGATÓRIOS E NÃO OBRIGATÓRIOS DOS CURSOS DE GRADUAÇÃO DA FACULDADE FAMETRO

REGIMENTO DA COMISSÃO DE CULTURA E EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA DA ESCOLA DE ARTES, CIÊNCIAS E HUMANIDADES (EACH) DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO.

Transcrição:

O CONSELHO TUTELAR E SUAS ATRIBUIÇÕES: um debate sobre a elaboração de diretrizes procedimentais Maria Salete da Silva 1 Resumo: O Conselho Tutelar é um dos mecanismos criados pela Lei n. 8.069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente. Deve ser instalado em todo município e é composto de cinco membros, escolhidos pela comunidade. Sua finalidade é zelar pelos direitos da infância. Suas atribuições, embora descritas no Artigo 136 do Estatuto, ainda são objeto de discussão e exigem aprofundamento. Neste sentido, o objetivo deste trabalho é provocar o debate sobre suas atribuições, bem como sobre as Diretrizes Procedimentais dos Conselhos Tutelares propostas pela Associação Catarinense de Conselheiros Tutelares. Palavras-chave: Sistema de garantia de direitos, direitos da criança e do adolescente, conselho tutelar. THE GUARDIANSHIP COUNCIL AND POWERS: A discussion about an elaboration of the procedural guidelines Abstract: The Guardianship Council is one of the mechanisms established by the Law n. 8.069/90: Statute of Children and Adolescent. It must be installed in all the community and it is composed of five members, chosen by the community. It purpose is ensure the rights of children. It mission, although described in Article 136 of the Statute, are still subject to discussion and require further. In this sense, the subject of this work is to prove the discussion about it tasks, and on the Procedural Guidelines of the Councils Proposals for Counselor Guardianship Association of Santa Catarina Directors. Key words: System of guarantee of rights, rights of the child and adolescent, guardianship council. 1 Mestre. Universidade Regional de Blumenau. E-mail: mssilva@furb.br

1. INTRODUÇÃO A Lei n 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente, regulamentou o art. 227 da Constituição Federal de 1988 e trouxe uma série de inovações para a organização da proteção à infância. A instituição do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente representa uma destas inovações. Composto por órgãos, entidades e gestores públicos que têm interface com a defesa e a ampliação de direitos da criança e do adolescente (BORGIANI, 2005, p. 188), o Sistema de Garantia é integrado pelo Ministério Público, Poder Judiciário, Secretarias de Estado, Defensorias, Conselhos de Direitos, Conselhos Tutelares e organizações não governamentais de atendimento. Neto (2005) atribui ao Sistema de Garantia três funções estratégicas, a promoção de direitos, a defesa de direitos e o controle institucional e social da promoção e defesa dos direitos. O Conselho Tutelar compõe este Sistema e constitui mecanismo fundamental, pois se configura como caixa de ressonância das necessidades, ameaças e violações de direitos da criança e do adolescente, desde que sua atuação não esteja focada na regulação das condutas individuais e que não se constitua como mero mecanismo de controle social do Estado e das instituições sobre a população atendida, sobretudo, as famílias pobres. Ao contrário do Código de Menores, mecanismo normativo de condutas, o Estatuto reconhece direitos e estabelece as diretrizes e os princípios para a constituição de uma política de proteção integral. No entanto, para que o Conselho Tutelar, órgão criado pelo Estatuto para zelar pelos direitos da infância, represente mecanismo de promoção, defesa e controle institucional e social da promoção e defesa dos direitos, algumas condições são necessárias, tais como infra-estrutura adequada para seu funcionamento, compreensão das atribuições, bem como dos demais órgãos integrantes do Sistema de Garantia de Direitos. Embora as atribuições do Conselho Tutelar estejam definidas no artigo 136 do Estatuto da Criança e do Adolescente, sua compreensão ainda exige esforço, considerando as dificuldades registradas no tocante ao seu exercício. Desse modo, a tarefa de refletir sobre as atribuições do Conselho Tutelar é uma tentativa para desvendar o significado deste órgão cuja atuação deve voltar-se para a defesa dos direitos da infância. Portanto, para efeitos deste artigo, o debate se aterá às atribuições dos Conselhos Tutelares e a tentativa de elaboração de diretrizes e procedimentos comuns para os Conselhos Tutelares, tarefa que tem sido empreendida pela Associação Catarinense de Conselheiros Tutelares ACCT.

2. O CONSELHO TUTELAR E SUAS ATRIBUIÇÕES O Conselho Tutelar é um dos mecanismos criados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, a ser instalado nos municípios, assim como o Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente e o Fundo para a Infância, estes dois últimos nas três esferas. De acordo com o artigo 132 do Estatuto, cada Município deve ter, no mínimo, um Conselho Tutelar, composto de cinco membros, escolhidos pela comunidade, para mandato de três anos, permitida uma recondução, desde que submetido a novo processo de escolha. Enquanto que o CONANDA (2001, p. 18) recomenda a instalação de um Conselho para cada 200 mil habitantes ou em densidade populacional inferior, nos casos em que o município for organizado por Regiões Administrativas, ou cuja extensão territorial indique a necessidade. Conforme o artigo 131 do Estatuto, o Conselho Tutelar apresenta três características: é órgão permanente, autônomo e não-jurisdicional. Significa que é: a) órgão duradouro, independe da vontade política do governante. É uma exigência constitucional e o município que não o instalar estará sujeito às penalidades legais; b) tem autonomia e liberdade de atuação com relação à Administração Pública, ou seja, não está subordinado no que tange à tomada de decisão e ao desenvolvimento de suas atividades cotidianas, as quais são orientadas e definidas por Lei Federal (atribuições) e pelo seu regimento interno (rotina, metodologia, organização). Sua autonomia refere-se, pois, ao atendimento, às relações com as demais autoridades e ao estabelecimento de sua rotina de trabalho, metodologia e organização (BETIATE, 2007, p. 14). É autônomo para deliberar e aplicar, de forma colegiada, as medidas que são da sua competência, sem obedecer a interferências externas. O seu vínculo com o executivo municipal é de caráter administrativo, a fim de viabilizar sua instalação, contratação, financiamento e funcionamento ininterrupto. Conforme a Resolução nº 75, artigo 5, do CONANDA, O Conselho Tutelar, enquanto órgão público autônomo, no desempenho de suas atribuições legais, não se subordina aos Poderes Executivo e Legislativo Municipais, ao Poder Judiciário ou ao Ministério Público ; c) por fim, o Conselho Tutelar desempenha atividades administrativas, não tem caráter policial e não está no âmbito do judiciário, portanto, não lhe cabe julgar conflitos de interesse e, quando suas decisões são descumpridas, o fato deve ser levado ao judiciário, a quem caberá aplicar as sanções que se fizerem pertinentes.

Com base no exposto, pode-se afirmar que a função do Conselho Tutelar é complexa e exige um olhar diferenciado para o seu entendimento. Diferentemente dos tradicionais órgãos, marcados pela hierarquia, este se organiza como um colegiado, eleito para um mandato, que cumpre atribuições de atendimento sistemático e direto à população, ao contrário dos órgãos eletivos. Além do mais, zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente implica em fazer cumprir os direitos fundamentais elencados no Estatuto por meio da oferta, por parte do Estado, de políticas públicas em quantidade suficiente e com qualidade, o que o coloca permanentemente numa relação de tensão e conflito. Nos 18 anos de vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente, muitas críticas têm sido dirigidas ao Conselho Tutelar, tais como o caráter policial impresso em suas ações e o controle exercido sobre as famílias, transformando-se em polícia das famílias pobres. As críticas apontam que o Conselho, ao invés de funcionar como órgão de controle das políticas sociais com vistas ao cumprimento dos direitos de cidadania, atua como órgão de controle das famílias, culpabilizando-as pela violação dos direitos. Também são várias as representações acerca do Conselho Tutelar, as quais oscilam desde um programa social, composto por profissionais com alta qualificação a fim de responder as exigências legais e sociais, até um grupo de representantes da comunidade, militante na área da infância, cuja atuação inclusive deve se dar de forma não remunerada, de modo a não transformá-lo em objeto de disputa por emprego. Neste sentido, é compreensível que o órgão encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, conforme expresso no artigo 131 do Estatuto, seja objeto de intenso debate. Zelar significa estar atento e fazer os responsáveis pelo cumprimento dos direitos, isto é, a família, a comunidade e o Estado, cumprirem suas funções. Zelar, portanto, não é atender as crianças e os adolescentes em seus direitos, responsabilidade das políticas sociais de saúde, educação, esporte, cultura e lazer, assistência social, habitação, segurança pública etc, por meio das instituições e programas, executados por equipes organizadas para este fim. O Conselho Tutelar zela e, conforme Betiate (2007, p. 12), O conselheiro tutelar que se propõe a ATENDER aos Direitos da Criança e do Adolescente está transformando seu Conselho Tutelar em entidade de atendimento 2, comportando-se como programa de orientação sócio-familiar, ou de plantão social, responsável pela triagem e encaminhamento, ou se colocando como auxiliar de juízes, promotores ou delegados, entre outros desvios observados em todo o Brasil. 2 Grifos do autor.

O artigo 136 estabelece as atribuições do Conselho Tutelar, sendo elas: I - atender as crianças e adolescentes nas hipóteses previstas nos arts. 98 e 105, aplicando as medidas previstas no art. 101, I a Vll; Il - atender e aconselhar os pais ou responsável, aplicando as medidas previstas no art. 129, I a Vll; lil - promover a execução de suas decisões, podendo para tanto: a) requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educação, serviço social, previdência, trabalho e segurança; b) representar junto à autoridade judiciária nos casos de descumprimento injustificado de suas deliberações. IV - encaminhar ao Ministério Público notícia de fato que constitua infração administrativa ou penal contra os direitos da criança ou adolescente; V - encaminhar à autoridade judiciária os casos de sua competência; Vl - providenciar a medida estabelecida pela autoridade judiciária, dentre as previstas no art. 101, de I a Vl, para o adolescente autor de ato infracional; Vll - expedir notificações; VlIl - requisitar certidões de nascimento e de óbito de criança ou adolescente quando necessário; IX - assessorar o Poder Executivo local na elaboração da proposta orçamentária para planos e programas de atendimento dos direitos da criança e do adolescente; X - representar, em nome da pessoa e da família, contra a violação dos direitos previstos no art. 220, 3, inciso II da Constituição Federal; Xl - representar ao Ministério Público, para efeito das ações de perda ou suspensão do pátrio poder. (BRASIL, 1990) Estas atribuições são classificadas por Betiate (2007) em atribuições de competência, de provocação e de instrumento. As atribuições de competência são aquelas que estão ligadas diretamente à ação primária do atendimento à criança ou adolescente que tiveram ou estão em vias de ter seus direitos violados (BETIATE, 2007, p. 46), tais como as atribuições descritas nos incisos I, II, VI e IX. Quanto às atribuições de provocação, Betiate (2007, p. 47) situa aquelas que são exercitadas em situações específicas nas quais é necessário mover a justiça a fim de garantir ou restituir direitos da infância, tais como as atribuições dos incisos III (alínea b), IV, V, X e XI. Como órgão administrativo e não-jurisdicional, o Conselho Tutelar delibera e aplica Medidas de Proteção, mas não tem poder de exigir o cumprimento de suas deliberações, neste caso, quando descumpridas, recorrerá à autoridade judiciária para a tomada de providências, assim como não julgará conflitos de interesse. Do mesmo modo, encaminhará as notícias de crime ou infração penal a fim de que sejam instalados os devidos procedimentos 3. Mesmo encaminhando ao Ministério Público ou à autoridade judiciária, o Conselho Tutelar acompanhará o desdobramento da ação até a sua resolução. 3 Os crimes a que se referem os incisos acima estão previstos nos artigos 228 a 244 e as infrações administrativas estão previstas nos artigos 245 a 258 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Além destes, o Código Penal ainda prevê o abandono material, a entrega de filho ou pupilo à pessoa inidônea e abandono intelectual, nos artigos 244, 245 e 266 e 247, respectivamente.

Por fim, Betiate (2007, p. 48) situa como atribuições de instrumento aquelas que expressam o poder de exigir, inscritas nos incisos III (alínea a), VII e VIII. A requisição tem caráter de exigência, é uma ordem, portanto, será utilizada quando houver negativa de atendimento, seja por falta de vaga, por insuficiência de recursos que permitam o atendimento em condições adequadas, ou pela inexistência de programa voltado ao cumprimento dos direitos da criança e do adolescente. Desse modo, à requisição antecedem o encaminhamento por parte do Conselho Tutelar, ou de qualquer outro programa, ou a procura por parte dos pais ou responsável. Considerando que é primazia do Estado a oferta de serviços com vistas ao cumprimento dos direitos sociais, a requisição dirige-se a ele, como primeiro e principal responsável, embora entidades privadas sem fins lucrativos ofertem serviços de política social, financiados por fundo público. Por isso, o autor define esta atribuição como instrumento por meio do qual restituirá o direito violado. Quanto à notificação, tem o sentido de convidar ou convocar e de dar ciência de suas deliberações a quem interessar (BETIATE, 2007, p. 81), sejam estes os adolescentes, os pais ou responsável, o dirigente de entidade governamental ou não-governamental. Ao atender as crianças e os adolescentes em situação de ameaça e ou violação de direitos em função da responsabilidade do Estado, da sociedade, da família ou em razão de sua própria conduta em conformidade com o artigo 98, o Conselho Tutelar aplicará Medidas de Proteção, descritas no artigo 101 do Estatuto, as quais são: I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; II - orientação, apoio e acompanhamento temporários; lli - matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; IV - inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente; V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; Vl - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; Vll - abrigo em entidade; VIII (...) 4 (BRASIL, 1990). Da mesma forma, ao constatar a violação ou ameaça de direitos o Conselho Tutelar aplicará Medidas aos Pais ou Responsável, descritas no artigo 129 do Estatuto, que são: I encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção à família; II inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; 4 A Medida descrita no inciso VIII refere-se à colocação em família substituta, atribuição do Poder Judiciário.

III encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico; IV encaminhamento a cursos ou programas de orientação; V obrigação de matricular o filho ou pupilo e acompanhar sua freqüência e aproveitamento escolar; VI obrigação de encaminhar a criança ou adolescente a tratamento especializado; VII advertência; VIII perda da guarda; IX destituição da tutela; X suspensão ou destituição do pátrio poder 5. (BRASIL, 1990) Embora estes sejam os compromissos do Conselho Tutelar, a realidade tem mostrado uma diversidade de atuações, razão pela qual emergiu a proposta das diretrizes procedimentais comuns aos Conselhos Tutelares. 2.1 Diretrizes procedimentais para os Conselhos Tutelares em Santa Catarina O desvio de funções é uma das questões preocupantes em relação aos Conselhos Tutelares. Pesquisa realizada com amostra equivalente a 71% dos Conselhos Tutelares existentes no país em 2006, demonstrou que 87% dos Conselhos resolveu problemas de disciplina escolar; 70% fiscalizou sistematicamente bares, restaurantes e boates, com vistas à identificação de crimes ou infrações contra crianças e adolescentes; 58% determinou o registro civil de nascimento ou óbito; 42% mediou acordos extrajudiciais de pensão alimentícia; 40% emitiu autorização para crianças e adolescentes viajarem; 26% determinou procedimentos de investigação de paternidade; 26% determinou concessão de guarda de crianças ou adolescentes; 19% determinou medida sócio-educativa a adolescente autor de ato infracional e 15% determinou destituição ou suspensão do pátrio poder. Apenas 8% da amostra pesquisada afirmou não fugir às suas atribuições (CEATS/FIA, 2007, p. 256). Da preocupação com a qualidade das ações dos Conselhos Tutelares teve origem o debate sobre a elaboração de Diretrizes Procedimentais por parte da ACCT. Durante o III Seminário Estadual de Formação de Multiplicadores, ocorrido entre 24 e 27 de outubro de 2008 e organizado pela própria ACCT, a minuta do documento foi inicialmente aprovada e inserida na pauta dos seminários regionais de formação em 2009. O documento está organizado de modo a abordar o funcionamento do colegiado do Conselho Tutelar, o horário de atendimento, o recebimento e os procedimentos para averiguar denúncias e ainda orienta sobre a realização de entrevista e de visita na residência das famílias. Também aborda a aplicação de Medidas de Proteção e aos Pais ou 5 As Medidas descritas nos incisos VIII, IX e X são aplicadas pelo Poder Judiciário.

Responsável, a Requisição de Serviços Públicos, as Representações por Descumprimento de suas Decisões, o Encaminhamento de notícias de violação de direitos ao Ministério Público, a Fiscalização, Notificação e Representação ao juiz por Irregularidades cometidas por entidades de atendimento, entre outros aspectos. Para a formalização e o encaminhamento da deliberação resultante do exercício das atribuições o documento prevê formulários a fim de padronizar a linguagem, os registros e os procedimentos dos conselheiros. No entanto, pouco esclarece sobre o significado e o conteúdo das atribuições, bem como sua relação com a rede de serviços das políticas públicas, o que nos parece o aspecto de maior relevância. É uma condição para qualificar as ações a padronização dos procedimentos e documentos, mas não é suficiente para superar as principais críticas e os desvios de função observados. Além do mais, a padronização de procedimentos, descolada do profundo entendimento das atribuições, poderá reforçar a burocratização do Conselho. 3. CONCLUSÃO O Conselho Tutelar ocupa lugar de destaque no Sistema de Garantia de Direitos na medida em que sua atuação ultrapassa as situações focalizadas de ameaça e violação de direitos, apontando na direção da promoção do cumprimento dos direitos de crianças e adolescentes, devendo influir, inclusive, na previsão orçamentária para o financiamento de programas, o chamado Orçamento Criança. De um lado, atende crianças, adolescentes e pais ou responsável aplicando-lhes Medidas, as quais implicam na obrigação do Estado de ofertar os programas que permitam o cumprimento destas, seja na área da saúde, educação, assistência social etc. De outro lado, diante da inexistência ou insuficiência de programas que permitam o cumprimento das Medidas de Proteção ou destinadas aos Pais ou Responsável, ou do descumprimento de suas decisões o Conselho Tutelar promoverá a sua execução, requisitando os serviços públicos necessários ou exigindo a intervenção do Poder Judiciário e, ainda, recorrerá ao Ministério Público encaminhando a notícia de fato que represente descumprimento dos direitos da infância. Embora estes sejam os compromisso do Conselho Tutelar, a realidade tem mostrado uma diversidade de atuações, descoladas dos patamares legais. Neste sentido, a adoção de diretrizes comuns poderá trazer ganhos no que tange à padronização de procedimentos, encaminhamentos e documentos, além de instituir uma linguagem comum aos conselheiros. Mas, não parece atacar diretamente a questão central que é a necessidade de interpretação

das atribuições postas no artigo 136, para que o Conselho Tutelar supere a intervenção centrada na aplicação de Medidas às famílias e passe a atuar no campo da defesa dos direitos, via funcionamento do Sistema de Garantia de Direitos. REFERÊNCIAS BETIATE, Luciano. O artigo 136 do Estatuto da Criança e do Adolescente analisado e comentado. Ibiporã, Paraná, Novagraf, 2007. BORGIANI, Elisabete. Conanda: subsídios para uma política da criança e do adolescente. Serviço Social e Sociedade. Ano XXVI, nº 83. Setembro 2005. BRASIL. Lei 8.069/90, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Coletânea de Leis. Disponível em http://www.furb.br/cmdcabnu/site/index.php Acesso em 13 de março de 2009. CEATS/FIA. Pesquisa Conhecendo a Realidade. Centro de Empreendedorismo Social e Administração em Terceiro Setor. Fundação Instituto de Administração. Julho de 2007. Disponível em www.promenino.org.br Acesso em 14 de abril de 2008. CONANDA. Parâmetros para a Criação e Funcionamento dos Conselhos Tutelares. Brasília, Ministério da Justiça/Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, 2001. Disponível em www.presidencia.gov.br//sedh. Acesso em 22 de junho de 2007. COSTA, Dorival da. O Espaço Participativo Mercadorizado: a dimensão política e tecnológica da implantação dos Conselhos Tutelares no Paraná. [Dissertação de Mestrado] Programa de Pós Graduação em Tecnologia. Curitiba, CEFET Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná, 2005. 169p. Disponível em http://biblioteca.utfpr.edu.br/pergamum/biblioteca/index.php Acesso em 16 de fevereiro de 2009. NETO, Wanderlino Nogueira. Por um sistema de promoção e proteção dos direitos humanos de crianças e adolescentes. Serviço Social e Sociedade. Ano XXVI, nº 83. Setembro 2005. SILVA, Maria Salete da. O Conselho Tutelar e o Processo de Escolha: como equacionar participação da comunidade e critérios de competência? In: Anais da 19ª Conferência Mundial de Serviço Social. Salvador, CFESS, FITS, 16 a 19 de agosto de 2008. CD.