Trauma dentário como fator de inversão na erupção dentária e dilaceração radicular relato de caso

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Transcrição:

210 Orthod. Sci. Pract. 2015; 8(30):210-215. Trauma dentário como fator de inversão na erupção dentária e dilaceração radicular relato de caso Dental trauma as an inversion factor in tooth eruption and root laceration case report Eder Alberto Sigua-Rodriguez 1 João Sarmento Pereira Neto 2 Valdir Cabral Andrade 3 José Ricardo de Albergaria Barbosa 4 Resumo O objetivo do presente trabalho foi relatar um caso clínico de dilaceração e inversão dentária após trauma dentário. Nos primeiros estágios de desenvolvimento, o germe do incisivo superior permanente se encontra situado palatalmente e superiormente ao ápice do incisivo central decíduo. Gradualmente, o sucessor permanente muda em direção labial. Nesse momento a coroa do dente permanente avizinha da raiz do sucessor, iniciando o processo de reabsorção do dente decíduo. Por razões desta estreita relação entre o germe do dente permanente e o ápice do incisivo decíduo, acredita-se que um trauma agudo ao antecessor decíduo pode causar a dilaceração do eixo longitudinal do sucessor permanente. Clinicamente, a dilaceração pode ser revelada por meio de palpação alta no sulco labial e/ou no palato duro, enquanto que o exame radiográfico é característico e decisivo para o diagnóstico. A abordagem terapêutica de incisivo central superior tem de ser cuidadosamente planejada e precisa da cooperação de várias especialidades para alcançar o objetivo. A extração do incisivo dilacerado é uma prática comum, mas compromete o paciente com um extenso tratamento reabilitador no futuro. Descritores: Oclusão dentária, traumatismo dentário, radiografia dentária. Abstract The objective of this study was to present a case report of a dilacerated and inverted tooth after dental trauma. In the early stages of development, the germ of the permanent incisor is situated palatally and above the apex of the deciduous central incisor. Gradually the permanent successor changes in labial direction, at that time the permanent tooth crown approaches to the successor tooth root, starting the process of resorption in deciduous teeth. Due to this proximal relation between the germ of the permanent tooth and the apex of the deciduous incisors, it is believed that an acute trauma to the deciduous predecessor may cause dilaceration of the longitudinal axis of the permanent successor. Clinically, the dilaceration can be revealed by palpation in the labial sulcus and/or the hard palate, and radiographic examination is determinant for a final diagnosis. The treatment of the dilacerated central incisor has to be carefully planned and requires the cooperation of various specialties. The dilacerated incisor extraction is a common practice that may compromise patients life requiring an extensive rehabilitation treatment in the future. Descriptors: Index of orthodontic treatment need. 1 Mestrando do Departamento de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial FOP/UNICAMP. 2 Doutor em Ortodontia FOP/UNICAMP, Professor/Coordenador da Extensão FOP/UNICAMP. 3 Doutorando do Departamento de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial FOP/UNICAMP. 4 Professor Titular do Departamento de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial FOP/UNICAMP. E-mail do autor: sarmento@fop.unicamp.br Recebido para publicação: 12/05/2014 Aprovado para publicação: 20/11/2014 Como citar este artigo: Sigua-Rodriguez EA, Pereira Neto JS, Andrade VC, Barbosa JRA. Trauma dentário como fator de inversão na erupção dentária e dilaceração radicular relato de caso. Orthod. Sci. Pract. 2015; 8(30):210-215.

Orthod. Sci. Pract. 2015; 8(30):210-215. 211 Introdução As características clínicas da dilaceração geralmente incluem a não erupção do dente permanente e retenção prolongada do antecessor decíduo, fenestração apical da cortical vestibular, ou podem apresentar-se assintomáticas 7,21,35. A dilaceração em um incisivo central impactado pode ser diagnosticada clinicamente por meio da palpação em dois locais. O primeiro local será na porção vestibular do rebordo alveolar, no sulco vestibular, e a segunda palpação encontra-se no palato. Se houver uma posição anormal, como quando a coroa foi rotacionada para cima e vestibular, a raiz continua a desenvolver em direção mais palatinizada. Portanto, na fase final de formação radicular dos incisivos, quando o ápice estiver fechado, este pode ser palpado no palato como um pequeno nódulo duro 6.Nos casos de raiz com dilaceração lábio-vestibular e lingual-palatina, o uso de uma radiografia panorâmica como o único meio de detecção é insuficiente e é necessária a obtenção de imagens radiográficas em diferentes angulações 26, além de radiografias periapicais, oclusal, telerradiografias laterais. As radiografias panorâmicas podem ser usadas mais claramente para visualizar a posição e grau de dilaceração da raiz do incisivo central. Como método complementar de imagem, a tomografia computadorizada é muito útil, pois retrata seções em várias profundidades da região de interesse clínico e permite avaliar com precisão a posição exata da coroa ápice e o grau de dilaceração 9. A etiologia das dilacerações não é completamente entendida, em geral é aceito que um episódio agudo de trauma mecânico aos antecessores decíduos, cujos ápices se encontram próximo ao germe dentário permanente em desenvolvimento, possa resultar em dilaceração do sucessor permanente. Embora episódios traumáticos a dentes em desenvolvimento sejam frequentes e possam ser o fator causal 35. Diante deste fato, o presente artigo tem o objetivo de apresentar um relato clínico de dilaceração e inversão dentária após trauma dentário de um paciente do sexo masculino que foi atendido na Clínica de Pós-Graduação da FOP/UNICAMP, destacando o diagnóstico, planejamento e tratamento, bem como o prognóstico e orientações aos responsáveis pelo paciente. Revisão de literatura Segundo Pindborg 19 (1970), a dilaceração radicular pode ser definida como uma alteração no alinhamento normal da coroa em relação à raiz e, na maioria das vezes, tem sua etiologia relacionada a trauma mecânico agudo, podendo causar incapacidade para erupção dentária 19. A dilaceração, que pode ocorrer na coroa ou na raiz, resulta no rompimento da relação axial normal do dente. Embora as dilacerações tenham sido relatadas com mais frequência na região de incisivo superior permanente, as mesmas têm sido observadas também nas regiões de incisivo superior decíduo e incisivo inferior permanente 7,21. White et al. 32 (2000) relataram que a curvatura mesial ou distal das raízes dilaceradas é claramente perceptível na radiografia periapical 15. No entanto, se a curvatura fica em direção vestibular, ao feixe central dos raios X passa quase paralela à parte desviada da raiz. Essa imagem radiográfica é conhecida como um olho de boi 33. O ligamento periodontal ao redor da raiz aparece como uma região radiolúcida (halo radiotransparente), o desvio da raiz aparece mais radiopaco em comparação com o resto da raiz porque o feixe de raios X passa por uma região de maior densidade óssea 33. O tratamento de dentes dilacerados deve começar cedo, pois, desta forma, proporciona a oportunidade para a raiz não mineralizada mudar de direção e desenvolver um bom relacionamento espacial com a coroa já mineralizada e formada 18. Devido à sua posição, o problema é geralmente reconhecido durante o período que a criança se encontra na fase de dentição mista 27. A falta de tratamento em tempo hábil pode levar ao atraso da erupção dentária, desvio da linha média, fechamento de espaço por dentes adjacentes e diferenças na altura da crista alveolar 27. O tratamento deve ocorrer após um planejamento cuidadoso e requer a cooperação de vários especialistas 20. Duas abordagens terapêuticas diferentes podem ser usadas no tratamento de dentes, como a exposição cirúrgica com tração ortodôntica ou a extração e substituição protética com ponte fixa ou implante 12,18,20,23,28. A mais comumente usada, mas muitas vezes complexa, é a técnica de exposição cirúrgica do dente e seu tracionamento ortodôntico 8,12,17. Os pais muitas vezes preferem essa opção já que a mesma mantém uma chance para a preservação do dente impactado. Mesmo após o tratamento ortodôntico bem-sucedido, a cirurgia periodontal estética pode ser necessária se a posição final da margem gengival não estiver aceitável. Isto é decidido quando a margem gengival não é adequada, como nos casos de hiperplasia na região cervical do dente, onde a recessão gengival e/ou clínica pode levar ao alongamento da coroa 12,14,29. Os ortodontistas muitas vezes contraindicam a movimentação ortodôntica de dentes com pronunciada dilaceração em razão de complicações como perda de inserção, reabsorção radicular externa e/ou raiz após a exposição e tração 25. Em casos de exposição da raiz, tratamento endodôntico e/ou apicectomia será necessário 32, porém, em alguns casos, a extração dentária poderia ser a única opção devido à inversão pronunciada do dente. A taxa de sucesso de um dente impactado e dilacerado depende principalmente dos seguintes fatores: (I) a posição e a direção do dente impactado, (II) o grau de formação da raiz, (III) o grau de dilaceração e (IV) a disponibilidade de espaço para o dente impactado 12, inclusive também a condição do periodonto. McNamara et al. 18 (1998) salientaram a importância decisiva da Sigua-Rodriguez EA, Pereira Neto JS, Andrade VC, Barbosa JRA.

212 Orthod. Sci. Pract. 2015; 8(30):210-215. condição radicular pós-traumática da bainha epitelial de Hertwig para o êxito terapêutico 18. Um dente dilacerado com um ângulo de inclinação obtuso, numa posição inferior em relação à crista alveolar, combinado com uma formação radicular incompleta tem um prognóstico melhor para tração ortodontica 12. Relato de caso Paciente de 12 anos de idade, sexo masculino, procurou atendimento na Faculdade de Odontologia de Piracicaba (UNICAMP), encaminhado pelo ortodontista, com histórico de trauma prévio na região do elemento 51 e com queixa de incisivo central superior direito permanente não irrompido. Ao exame físico local, observou- -se ausência do elemento 11 e mesialização do dente 12, com consequente perda de espaço protético na região do incisivo central superior não irrompido (Figura 1). Exame radiográfico e tomográfico: ao observar a radiografia panorâmica e tomografia cone bean, verificou-se a presença do incisivo permanente superior direito com a coroa invertida e raiz dilacerada. A porção incisal da coroa do incisivo dilacerado mostrava-se direcionada para a placa cortical vestibular sem perfuração óssea e raiz para palatina (Figura 2). Os incisivos adjacentes estavam normais quanto à morfologia e estágio de formação radicular, seguindo a cronologia de erupção. Figura 1 Foto clínica mostrando a perda de espaço na região do incisivo central superior não irrompido. A A Relato de caso / Case report C Figura 2 (A-D) Reconstrução 3D utilizada no diagnóstico/planejamento. D

Orthod. Sci. Pract. 2015; 8(30):210-215. 213 Diagnóstico ortodôntico: O paciente apresentava cruzamento posterior do lado direito, caninos e molares em Classe II de Angle, ausência clínica do dente 11, com fechamento de espaço, mordida aberta anterior, com alteração no padrão de deglutição e inclinação do incisivo lateral superior direito. Na avaliação ortodôntica, foi decidido não tracionar o dente devido ao grau acentuado de dilaceração, dessa forma, foi planejada a exodontia do incisivo central superior direito incluso, e pela dilaceração da raiz foi planejado realizar a odontossecção para facilitar a extração (Figuras 3-C). O paciente foi medicado e orientado quanto aos cuidados e retornou ao controle pós-operatório 7 dias após, apresentando cicatrização sem intercorrência. Sendo encaminhado a seguir, para terapia ortodôntica. Retornou ao ortodontista para realizar os procedimentos pertinentes até que este atingisse a idade adequada para a colocação do implante na região edêntula. B A Figura 3 (A-C) A) Fotos clínicas do procedimento cirúrgico evidenciando a odontossecção, B) foto clínica evidenciando a odontossecção e C) foto após a extração dentária. C Discussão A dilaceração pode ocorrer em qualquer região ao longo do eixo longitudinal do dente, como na coroa, a junção cemento-esmalte, ao longo da raiz ou no ápice radicular 1,15,18. A dilaceração coronária de um dente permanente constitui 3% de todas as lesões traumáticas e é habitualmente devida à intrusão ou avulsão de seus antecessores decíduos 16. Geralmente envolve incisivos centrais superiores e inferiores e com mais frequência os superiores 3. Aproximadamente 50% dos dentes com dilaceração da coroa ficam impactados em uma direção vestíbulo-lingual 11,16. A aparência clínica desta deformidade no dente permanente sucessor depende da fase de desenvolvimento e da fase em que ocorreu o trauma 32. A dilaceração pode aparecer tanto na dentição permanente como na decídua, com prevalência menor na segunda dentição 18,19. Enquanto alguns estudos não relatam nenhuma preferência por sexo, outros relatam uma relação masculino e feminino de 1:6 18,24. Malcic et al. 15 (2006) relataram que a dilaceração é observada no terço apical das raízes de incisivos, caninos e pré-molares, enquanto que no terço médio a predominância é na região dos primeiros molares e, finalmente, o terço cervical em terceiros molares. O tipo mais comum de dilaceração é a de angulação da raiz do dente, combinada com uma direção coronária inversa, o que assemelha com o presente caso clínico. A dilaceração da coroa dos incisivos superiores permanentes geralmente se apresenta com angulação palatina, enquanto os incisivos inferiores permanentes geralmente apresentam dilaceração da coroa com angulação vestibular 3,13. A dilaceração é mais frequentemente observada na raiz do dente afetado e mais comumente em incisivos maxilares. Isto é provavelmente devido à sua íntima relação topográfica com dentes decíduos, que são muitas vezes lesionados 4. A etiologia da dilaceração não está totalmente compreendida e não existe um consenso entre os pesquisadores sobre o assunto. Há duas principais explicações sobre as causas da dilaceração e a hipótese mais aceitável propõe que uma lesão mecânica ao dente decíduo antecessor leva à dilaceração do sucessor permanente subjacente em desenvolvimento 19. A segunda explicação propõe que distúrbios idiopáticos de desenvolvimento causando dilacerações, principalmente Sigua-Rodriguez EA, Pereira Neto JS, Andrade VC, Barbosa JRA.

214 Orthod. Sci. Pract. 2015; 8(30):210-215. Relato de caso / Case report nos casos onde não há sinal claro ou histórico de lesão traumática 32 e possíveis fatores sinérgicos, também são mencionados na literatura que incluem a formação de tecido cicatricial, com desordem no desenvolvimento do germe do dente permanente, infecção avançada de canais radiculares 15, a falta de espaço 24, presença de cistos, tumores, hamartoma odontogênico 5, a interferência mecânica durante a erupção, como um dente decíduo anquilosado cujas raízes não são reabsorvidas, além de fatores hereditários 34. Algumas síndromes e transtornos do desenvolvimento também têm sido associados com a dilaceração radicular, tais como a síndrome de Smith-Magenis e a síndrome de Ehlers- -Danlos. O tecido duro entre o incisivo decíduo e o sucessor permanente é menor que 3 mm em espessura e é constituído principalmente por tecido conjuntivo fibroso 2,22. A estreita relação anatômica entre o germe do dente permanente em desenvolvimento e a raiz do incisivo central decíduo explica o desenvolvimento de graves distúrbios observados no seu sucessor permanente, quando é acompanhado de forte trauma mecânico ao antecessor decíduo 10,22,30. Para haver dilaceração radicular do incisivo central permanente, vai depender do estágio de desenvolvimento do dente no momento do trauma 11. A direção vertical da força do impacto é transferida ao longo eixo longitudinal do incisivo decíduo e pode ser direcionada mais acima, através do ápice do decíduo, para a porção não mineralizada ou parcialmente mineralizada do germe dentário do sucessor permanente 31. Normalmente com a idade de 2-3 anos, o germe do dente incisivo permanente encontra-se em uma posição palatina, acima do ápice do incisivo decíduo. Se a criança sofre um trauma nessa idade, o dente decíduo poderá afetar a superfície vestibular da coroa do permanente 10. Gradualmente com a idade de 4-5 anos, o germe dentário do incisivo permanente se desenvolve em direção vestibular, aproximando-se da reabsorção radicular do dente decíduo 9. Se a criança sofre trauma nesta idade, onde a coroa do dente permanente está em relação direta com a raiz reabsorvida do antecessor decíduo, a força do impacto será transferida ao longo de uma linha imaginária oblíqua que atravessa a borda incisal do incisivo permanente e um ponto na porção lábio/cervical da sua raiz recém-formada 6. Como a força do impacto é transferida para as células da bainha radicular epitelial de Hertwig, é possível causar sérios prejuízos a essas células responsáveis para modelar e formar a dentina radicular, mesmo com forças relativamente leves. A reabsorção apical dos incisivos decíduos cria um ponto de impacto com a borda incisal da coroa do incisivo permanente e faz a coroa virar para cima no seu folículo dentário 6,9,11,31. Como a raiz dos incisivos permanentes não fecharam totalmente o ápice, no momento do trauma, a parte da raiz já formada vai rotacionar juntamente com a coroa. No entanto, o desenvolvimento radicular adicional, após o trauma, geralmente continua na mesma direção do que era antes da lesão. Isso cria um ângulo incomum entre as partes pré e pós-traumáticas do dente, o que resulta em curvatura local do eixo longitudinal do incisivo central permanente e faz com que cause a dilaceração 6. A bainha radicular epitelial de Hertwig lesionada continua produzindo dentina no mesmo ritmo de antes do trauma, a forma final da raiz do incisivo central será formada com uma contínua curva vestibular, até que a formação apical seja completada 6,11. Conclusão A dilaceração dos dentes permanentes é um fenômeno relativamente raro. No entanto, sua importância não deve ser subestimada, pois é a principal razão para a sua impactação e envolve um tratamento complexo. A etiologia do fenômeno não é completamente clara. Em muitos casos, mas nem todos os casos de dilaceração, tem havido um trauma prévio ao incisivo permanente. Dentes dilacerados são diagnosticados clinicamente, mas as imagens radiográficas desempenham um papel decisivo. A intervenção deve ser precoce para que o desenvolvimento normal da raiz possa prosseguir numa relação espacial correta com a coroa alinhada. Uma abordagem através de equipe multidisciplinar é necessária no controle dos pacientes que apresentam incisivos dilacerados não irrompidos. Referências 1. Andreasen JO, Sundstrom B, Ravn JJ. The effect of traumatic injuries to primary teeth on their permanent successors - I. A clinical and histologic study of 117 injured permanent teeth. Scandinavian Journal of Dental Research 1971; 79:219-283. 2. Andreasen JO. The influence of traumatic intrusion of primary teeth on their permanent successors. A radiographic and histologic study in monkeys. 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