Composição mineral do vinho Ocorrência de metais contaminantes Sofia Catarino 1 e António S. Curvelo-Garcia 1 Resumo No presente trabalho é apresentada uma perspetiva global sobre a composição mineral do vinho e sua influência sob os aspetos nutricional, tecnológico, sensorial e de segurança alimentar. Com maior pormenor, é discutido o estado atual do conhecimento sobre a ocorrência de metais contaminantes no vinho, com relevo para os resultados do trabalho de investigação desenvolvido pelos autores nesta área do conhecimento. São examinados aspetos tais como a origem, níveis de concentração, evolução ao longo dos processos tecnológicos, fontes de contaminação, distribuição sobre formas químicas, teores máximos admissíveis e determinação analítica. É destacada a influência das bentonites utilizadas como auxiliares tecnológicos, sob o ponto de vista do seu potencial de contaminação, na composição elementar do vinho. Os avanços no desenvolvimento de novas técnicas de análise, permitindo quantificar cada vez mais elementos químicos e em menores quantidades, abriram nos últimos anos novas perspetivas e áreas de investigação: a avaliação das potencialidades da composição multielementar e razões isotópicas de alguns elementos como potenciais marcadores da origem geográfica do vinho, com vista à garantia da sua autenticidade; os estudos sobre os fenómenos de complexação de catiões metálicos com outras espécies químicas do vinho, apresentam relevância sob o ponto de vista tecnológico, nutricional, sensorial e de segurança alimentar. Apresenta se uma 1 INRB, I.P. / L-INIA, Unidade de Investigação de Tecnologia Alimentar, Quinta da Almoínha, 2565-191 Dois Portos, Portugal; e-mail: sofia.catarino@inrb.pt; curvelo.garcia@inrb.pt 48 INIA.indd 48 24/10/11 12:10:29
Viticultura e enologia antevisão de futuras áreas de investigação centradas na composição mineral do vinho, colocando em evidência o seu contributo fundamental para as características deste produto. Palavras chave: composição mineral, metais contaminantes, vinho. 1. Introdução A composição mineral do vinho reflete a sua origem e percurso particulares, contribuindo de forma fundamental para as suas características sensoriais, nomeadamente na cor, limpidez, gosto e aroma. Os elementos minerais presentes no vinho representam cerca de 1,5 a 3 g.l 1 no seu conjunto e provêm, em grande parte, da absorção radicular, verificando se um constante enriquecimento durante a formação e maturação do bago. Estes elementos encontram se solubilizados no mosto e no vinho sob a forma de sais orgânicos, tais como tartaratos, malatos, succinatos, acetatos, de sais minerais, como cloretos, sulfatos, fosfatos e de complexos orgânicos com outras espécies químicas. De acordo com a sua expressão quantitativa, como exemplos de elementos maioritários, em concentrações de 10 mg.l 1 até 1 g.l 1, incluem se alguns metais alcalinos e alcalinoterrosos, tais como Na, K, Mg e Ca, principais responsáveis pela estrutura metálica dos vinhos e pela sua capacidade tampão ácido base. Outros elementos químicos que integram este grupo são: Si sob a forma de ácido silícico, P presente no vinho essencialmente sob a forma mineral (fosfatos) mas também orgânica, S sob a forma de sulfatos, sulfitos e outras espécies, e Cl sob a forma de cloretos. A um nível de concentração inferior, geralmente entre 0,1 mg.l 1 e 10 mg.l 1, são exemplos: B sob a forma de ácido bórico, Al, Mn, Fe, Cu, Zn, Rb, Sr e Mo, elementos minoritários, e na sua grande maioria oligoelementos. Em teores normalmente inferiores a 100 g.l 1, Li, V, Cr, Co, Ni, Ga, As, Se, Cs, Ba, Pb, Br, I e F, elementos vestigiais. A concentração desce para níveis inferiores a 1 g.l 1 para elementos (subvestigiais) como Be, Cd, Sb, W, Hg, Tl, Bi, U e lantanídeos (terras raras). Naturalmente, os intervalos de variação entre vinhos são, para a maioria dos elementos, bastante consideráveis, pelo que as fronteiras entre os diferentes grupos de classificação são apenas indicativas. K, Ca, Fe e Cu, por estarem relacionados com fenómenos de instabilidade físico química dos vinhos, e Na, por poder indiciar práticas 49 INIA.indd 49 24/10/11 12:10:29
Agrorrural: Contributos Científicos enológicas não autorizadas, são desde há muito tempo objeto de especial atenção no âmbito da Química Enológica. A carência de elementos essenciais nos mostos e seus efeitos na atividade fermentativa de leveduras e bactérias lácticas têm sido também investigados. O enriquecimento do vinho em alguns metais pode originar fenómenos depreciativos da sua qualidade tais como turvações, precipitações e oxidações. Para além disso, e dependendo da concentração do elemento, podem estar na origem de problemas de ordem toxicológica e legal. A investigação sobre a presença de elementos contaminantes no vinho, nomeadamente no que respeita aos níveis de ocorrência, evolução ao longo do processo tecnológico, identificação de fontes de contaminação e ao próprio desenvolvimento de métodos de análise apropriados ao seu doseamento, tem beneficiado enormemente com a disponibilidade de técnicas analíticas cada vez mais poderosas. Estes estudos, interpretação e significado dos seus resultados, apresentam, para além do inegável interesse académico, relevância sob o ponto de vista tecnológico, nutricional e especialmente de segurança alimentar. 2. Metais Contaminantes Por elementos contaminantes dos vinhos entende se normalmente o conjunto dos metais pesados, Al, e ainda alguns não metais tais como As, Se e Sb e Be, com exclusão dos metais alcalinos e restantes alcalinoterrosos. A designação de metal pesado aplica se a metais ou não metais que apresentam uma densidade relativamente alta, associados com poluição e toxicidade, ainda que alguns elementos sejam essenciais para os seres vivos em baixas concentrações (V, Cr, Mn, Fe, Co, Ni, Cu, Zn, As, Se, Mo, entre outros). A título de exemplo, Mn, Fe e Cu são indispensáveis ao desenvolvimento de leveduras e bactérias lácticas, intervindo como cofatores na atividade de enzimas, tais como as oxiredutases e as quinases. Pelo contrário, Cd e o Pb são potencialmente tóxicos mesmo em pequenas quantidades, desconhecendo se qualquer função essencial. A presença de metais pesados no vinho está diretamente relacionada com o desenvolvimento da atividade industrial e com a poluição gerada. A videira tem a capacidade de absorver quantidades relativamente elevadas de elementos tóxicos, sem que se verifique manifestação de toxicidade, sendo os metais complexados e integrados em moléculas biológicas num mecanismo de autodefesa da planta. Ao longo do processo tecnológico, podem ocorrer contaminações de origem diversa: 50 INIA.indd 50 24/10/11 12:10:30
Viticultura e enologia atmosférica, práticas culturais, aditivos e auxiliares tecnológicos, equipamentos utilizados na vinificação, estabilização e conservação. No sentido oposto, como fenómeno natural de estabilização do vinho, no decorrer da fermentação alcoólica e da fermentação maloláctica, ocorre uma eliminação parcial destes metais, por precipitação sob a forma de sais orgânicos e/ou sulfuretos, e por absorção e adsorção por leveduras e bactérias. No Quadro 1 apresenta se informação sistematizada sobre os níveis de ocorrência, fontes de contaminação e limites máximos admissíveis estabelecidos pela Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV) para os metais contaminantes do vinho, por ordem crescente de número atómico (Catarino et al., 2008a). Diversas técnicas analíticas têm sido utilizadas no doseamento dos metais contaminantes dos vinhos, com especial destaque para as técnicas espectrométricas. Os métodos oficiais para a determinação de metais pesados em vinhos indicados pela OIV, e adotados pela União Europeia, baseiam se essencialmente na espectrofotometria de absorção atómica (AAS), com chama (FAAS) e com atomização eletrotérmica (ETAAS). O texto anteriormente apresentado tem por base um artigo de revisão bibliográfica crítica sobre a ocorrência de elementos contaminantes nos vinhos (Catarino et al., 2008a), publicado dez anos após a primeira revisão bibliográfica dos autores sobre esta problemática (Curvelo Garcia e Catarino, 1998). 2.1. Resultados de trabalhos de investigação realizados na antiga Estação Vitivinícola Nacional / INIA Dois Portos No decorrer dos últimos treze anos foram desenvolvidos/otimizados e validados métodos de análise, com recurso às técnicas analíticas de FAAS, ETAA e espectrometria de massa com indução por plasma (ICP MS), para a análise de elementos minerais, e em especial para o doseamento de metais contaminantes, em mostos, vinhos e outros produtos vínicos, apresentando requisitos de qualidade que permitem a sua aplicação para fins de investigação e de controlo da qualidade (Catarino e Curvelo Garcia, 1999, 2010; Catarino, 2000; Catarino et al., 2002a, 2002b, 2003, 2005a, 2006a, 2009; Pinto, 2003; Pimentel, 2004; Soares, 2004; Silva, 2005). Para os metais contaminantes com maior interesse enológico, foram desenvolvidos métodos de análise que permitem a deteção de 51 INIA.indd 51 24/10/11 12:10:30
Agrorrural: Contributos Científicos Qu a d r o 1 Níveis de ocorrência, limites máximos admissíveis OIV (negrito) e fontes de contaminação de metais contaminantes do vinho. Concentrações expressas em mg.l -1 para Al, Mn, Fe, Cu, Zn, e em g.l -1 para os restantes elementos. Metal contaminante Níveis de ocorrência Fontes de contaminação (identificadas) Berílio (Be) 0,01 13,1 Bentonite Alumínio (Al) 0,18 8,6 Produtos fitossanitários, contato com superfíces de alumínio, bentonite, cartuchos de filtração, tanino enológico Escândio (Sc) 0,091 64,8 Bentonite Titânio (Ti) 7,1 300 Bentonite Vanádio (V) 1 447,0 Contaminação atmosférica, aço inoxidável, conservação em garrafa de vidro (óxidos metálicos utilizados na sua pigmentação), bentonite Crómio (Cr) 3,94 139 Aço inoxidável, conservação em garrafa Manganês (Mn) 0,150 7,836 Produtos fitossanitários, bentonites Ferro (Fe) 0,24 19,40 Partículas de terra, contacto com superfícies de aço corroídas, bentonite Cobalto (Co) 1,0 20,0 Bentonite, materiais de ligas metálicas com cobalto Níquel (Ni) 1 510 Cobre (Cu) Zinco (Zn) 0,02 3,0 1 0,11 9,40 5 Gálio (Ga) 0,76 23,50 Bentonite Arsénio (As) 0,4 597,7 200 Poluição atmosférica, produtos fitossanitários, bentonite, aço inoxidável, conservação em garrafa de vidro (pigmentos com níquel) Fungicidas cúpricos (calda bordalesa), utensílios em bronze e latão, sulfato de cobre (aplicado no vinho para eliminar odores indesejáveis) Produtos fitossanitários, materiais em ferro galvanizado e latão Produtos fitossanitários (com sais arseniosos) Selénio (Se) 0,29 26 Produtos fitossanitários, bentonite Ítrio (Y) 0,07 6,89 Bentonite Zircónio (Zr) 0,3 85 Bentonite Nióbio (Nb) 0,08 5,0 Bentonite Molibdénio (Mo) 0,7 64 Bentonite Prata (Ag) 0,013 270 Cloreto de prata (aplicado no vinho para eliminar odores indesejáveis) CONTINUA > 52 INIA.indd 52 24/10/11 12:10:30
Viticultura e enologia Metal contaminante Níveis de ocorrência Fontes de contaminação (identificadas) Cádmio (Cd) 0,1 8,1 10 Poluição atmosférica, contato com materiais de zinco, bentonite Estanho (Sn) 0,99 700 Contato com materiais metálicos Antimónio (Sb) 0,39 122 Césio (Cs) 0,04 24 Háfnio (Hf ) 0,04 5,5 Tantálio (Ta) 0,01 3,8 Tungsténio (W) 0,09 10,5 Aço inoxidável Platina (Pt) 0,0002 Ouro (Au) 0,0017 0,76 Tubagens de borracha com antimónio, materiais com zinco, cápsulas de chumbo Mercúrio (Hg) 0,01 6 Contaminação ambiental Tálio (Tl) 0,032 4,2 Chumbo (Pb) 1 1125 150 Bismuto (Bi) 0,04 2,8 Poluição atmosférica (proximidade a minas abandonadas e fábricas de cimento), bentonite Poluição atmosférica (proximidade a vias rodoviárias, fundições e incineradoras), partículas de terra, arseniato de chumbo e determinados fungicidas, contato com materiais de ligas metálicas contendo chumbo, materiais em bronze e latão, bombas com corpo em bronze, revestimentos cerâmicos, tintas, presença de soldaduras e estanhagens; cápsulas de Pb-Sn, garrafas de cristal, bentonite, operação de aguardentação quantidades muito diminutas do elemento, com elevada exatidão e precisão. O desenvolvimento e validação dos métodos de análise para a determinação de Cd e Pb em vinhos por ETAAS, permitiu a Acreditação do laboratório da antiga Estação Vitivinícola Nacional para a realização destes ensaios. De aplicação ainda pouco vulgar em laboratórios de Enologia, a técnica de ICP MS apresenta, como grandes vantagens, a análise multielementar e limites analíticos bastante baixos, constituindo um excelente instrumento para a caracterização da composição mineral do vinho. Contudo, é afetada por importantes interferências espectrais e de matriz, sendo particularmente exigente ao nível de desenvolvimento de métodos, e apresenta custos bastante elevados relacionados com a aquisição de equipamento e com custos operacionais, o que explica a sua ainda escassa implantação em laboratórios de Enologia. Com recurso 53 INIA.indd 53 24/10/11 12:10:30
Agrorrural: Contributos Científicos a esta técnica analítica, foi desenvolvido um método quantitativo que permite o doseamento de 26 metais contaminantes do vinho, com limites de deteção inferiores a 0,01 µg.l 1. A caracterização multielementar (mais de 50 elementos), extremamente útil para comparação de amostras, é realizada por aplicação de um método semiquantitativo (Catarino et al., 2006a). Recentemente, foi desenvolvido um método que permite a avaliação do perfil de terras raras em solos, mostos e vinhos. De modo complementar, foram desenvolvidas e validadas metodologias de preparação de amostras de mosto e vinho, para posterior análise elementar pelas técnicas anteriormente referidas, por aplicação de ultrassons focalizados de alta intensidade (Catarino et al., 2005b), e por digestão por microondas, sistema de alta pressão (Catarino et al., 2010). O desenvolvimento e implementação deste vasto conjunto de metodologias de análise constituem, por si só, um importante avanço. Para além disso, a sua aplicação permitiu a realização de diversos estudos que contribuíram para o aumento do conhecimento sobre a problemática da presença de metais contaminantes nos vinhos, desde logo sobre os seus níveis de ocorrência. A avaliação dos teores de metais contaminantes em vinhos portugueses, no âmbito de atividades de investigação e de prestação de serviços, tem revelado níveis de ocorrência relativamente baixos e em alguns casos bastante inferiores aos limites máximos admissíveis estabelecidos pela OIV (Catarino et al., 2008a). A título de exemplo, num vasto conjunto de vinhos com origem em várias regiões vitivinícolas nacionais, foram observados teores de Cd extremamente baixos face aos limites legais (Catarino e Curvelo Garcia, 1999; Catarino, 2000). Com base nesses resultados, e tendo em conta a importância de estabelecer um limite o mais baixo possível para este elemento, por razões de toxicologia, foi apresentada uma proposta, junto da Sub Comissão de Métodos de Análise da OIV, com vista à sua revisão. A produção de conhecimento sobre a presença de elementos contaminantes nos vinhos portugueses insere se plenamente nas funções do laboratório de estado INIA, permitindo lhe dar resposta em situações de crise, em defesa do vinho e da verdade científica (Curvelo Garcia et al., 2009). Nas últimas décadas verificou se um decréscimo acentuado dos teores de Pb nos vinhos, em consequência da eliminação e controlo de fontes de contaminação, e relacionado com a redução progressiva do limite máximo admissível estabelecido pela OIV. Em 1998, o teor médio de Pb determinado em 95 vinhos portugueses foi de 49 µg.l 1 (Catarino, 2000). Atualmente, de acordo com a experiência dos autores, constituem exceção os vinhos que apresentam concentrações de Pb superiores a 30 µg.l 1. 54 INIA.indd 54 24/10/11 12:10:30
Viticultura e enologia Foi observada uma elevada capacidade natural de eliminação de metais contaminantes por parte dos mostos, provavelmente devido a precipitações sob a forma de sulfuretos e a fenómenos de adsorção e absorção por leveduras e bactérias (Catarino et al., 2006b, 2007; Braz, 2006). A presença de metais pesados nos mostos tem sido apontada como um dos fatores na origem de paragens da fermentação alcoólica de mostos. Foi avaliada a influência dos elementos Cu e Pb na fermentação alcoólica, verificando se um efeito inibidor do elemento Cu, aos níveis de concentração estudados, na atividade da população de leveduras (Braz, 2006; Catarino et al., 2007). Será importante alargar o estudo a outros metais pesados, avaliando o seu efeito combinado, e sobre outros parâmetros do vinho, nomeadamente nas características da cor e do aroma. No que respeita à identificação de fontes de contaminação, importantes avanços foram alcançados no conhecimento dos fenómenos de extração e cedência mineral de bentonites para o vinho, e dos fatores com influência nesses fenómenos. As bentonites (materiais argilosos compostos essencialmente por montmorilonite) são auxiliares tecnológicos com vasta aplicação na clarificação e estabilização proteica de mostos e vinhos brancos, apontadas como uma das principais fontes de contaminação mineral dos vinhos. Um dos aspetos inovadores do trabalho desenvolvido pelos autores consistiu no estudo da relação das características físico químicas das bentonites com a sua cedência de metais contaminantes ao vinho (Catarino 2006; Catarino et al., 2008b). Foram realizados ensaios de extração utilizando bentonites adquiridas no mercado, com vinho e com a solução teste indicada pela OIV para fins de controlo da qualidade. O efeito de contaminação mineral provocado pela adição de bentonites ao vinho foi confirmado para um largo conjunto de elementos com importância tecnológica e legal. Constatou se uma forte correlação entre o enriquecimento do vinho em Na e a proporção deste elemento no complexo de troca de cada bentonite. Foram igualmente observadas importantes correlações entre a cedência e o conteúdo das bentonites em compostos não cristalinos de Al e Fe, e de um vasto conjunto de elementos contaminantes com a composição multielementar das bentonites. Outra conclusão importante retirada deste trabalho foi que a composição quantitativa em montmorilonite não é um indicador satisfatório da reatividade da bentonite, ou seja da sua eficácia tecnológica. Algumas das bentonites estudadas, e que se encontram no comércio, apresentaram características não conformes com as especificações para uso enológico, definidas pela OIV. O controlo da qualidade das bentonites para uso enológico não é realizado por rotina por nenhum 55 INIA.indd 55 24/10/11 12:10:30
Agrorrural: Contributos Científicos laboratório nacional de controlo oficial, aliás à semelhança de outros auxiliares e aditivos tecnológicos, o que permite supor o desconhecimento sobre a qualidade dos produtos e a circulação de produtos não conformes, como se comprovou. A comparação entre o enriquecimento verificado pelo vinho e o enriquecimento verificado pela solução teste indicada pela OIV permitiu concluir que esta não é indicada para fins de controlo da qualidade das bentonites. Foram ensaiadas soluções de extração com composições alternativas em paralelo com o vinho, tendo sido retiradas indicações de grande utilidade para o prosseguimento desta linha de trabalho (Catarino 2006, Catarino et al., 2006c). Foi dado conhecimento à OIV sobre os trabalhos realizados e respetivos resultados e conclusões. Na continuidade dos estudos sobre fontes de contaminação, foram recentemente realizados trabalhos pioneiros sobre a utilização de águas residuais tratadas para rega da vinha e sua influência na composição mineral do mosto. Foram observados teores de Al ligeiramente superiores aos normalmente observados em mostos, que poderão estar relacionados com a qualidade da água residual tratada, a qual excedia, para este parâmetro, o valor máximo recomendado para água de rega (Neves, 2009; Neves et al., 2010). Este trabalho foi premiado pela Associação Portuguesa de Enologia (Prémio Jovem Enólogo 2009), pela importância e atualidade do tema. A continuidade destes estudos é de toda a pertinência, atendendo a que a rega da vinha é uma prática cada vez mais frequente, e ao potencial efeito acumulativo de metais no solo. O método tradicional mais eficaz de remoção de metais do vinho é a colagem azul (com ferrocianeto de potássio II), a qual comporta algumas limitações. Foi estudada a influência de uma resina absorvente PVI PVP, copolímero de vinil imidazole e de vinil pirrolidona, na remoção de Cu, Fe e Pb. A remoção destes metais foi mais eficaz para o tratamento em vinho do que em mosto, e mais importante para o Cu e para o Pb. No ensaio com adições de Fe e Cu, a remoção do ferro foi mais efetiva em vinhos brancos do que em tintos. Dada a particular eficiência do PVI PVP para a remoção do Cu, e para este fim específico, apresenta muitas vantagens quando comparado com o ferrocianeto de potássio (Mira et al., 2007). Atualmente, no âmbito de um projeto de I&D, prosseguem trabalhos de investigação com o objetivo de avaliar as potencialidades da composição multielementar e isotópica (Sr) como ferramentas para o estabelecimento de padrões regionais e identificação da proveniência geográfica de vinhos portugueses (Catarino e Curvelo Garcia, 2009). Esta abordagem parte do pressuposto de que a composição elementar 56 INIA.indd 56 24/10/11 12:10:30
Viticultura e enologia do vinho reflete a composição elementar do solo de origem, sendo fundamental a seleção de elementos que reflitam a geoquímica do solo. Complementarmente, espera se obter informação sobre fontes de contaminação mineral. Os vinhos com aroma a reduzido são um dos problemas mais frequentes na enologia moderna, acarretando graves prejuízos. Este problema está relacionado com compostos que contêm enxofre, como por exemplo sulfureto de hidrogénio, mercaptanos e poli mercaptanos, aos quais são atribuídos descritores como o cheiro a ovos podres. Atualmente decorrem trabalhos com vista a avaliar a eventual relação entre o teor de metais dos vinhos e a sua suscetibilidade para apresentarem este defeito de aroma. Finalmente, encontra se em curso uma linha de investigação que pretende avaliar a influência da ramnogalacturunana II, um polissacárido péctico presente nas uvas e vinho, na complexação de metais pesados. 3. Conclusões e Perspetivas Futuras Os avanços no conhecimento científico estão associados ao desenvolvimento de novas tecnologias. A aplicação de técnicas de análise multielementar e isotópica, com progressivo abaixamento dos limites analíticos dos métodos, permitindo quantificar cada vez mais elementos no vinho, abriu novas perspetivas e áreas de investigação. São exemplos os estudos com vista à avaliação da autenticidade do vinho a partir da sua composição mineral e isotópica, bem como a identificação de fontes de contaminação com base na composição isotópica do elemento. A especiação de metais pesados no vinho, realizada com recurso a técnicas acopladas, relançou a questão de ordem toxicológica, ao demonstrar que alguns destes metais se apresentam no vinho maioritariamente sob a forma de complexos estáveis, não assimiláveis pelo organismo humano. Atualmente os limites legais em vigor são definidos em termos de teor total do elemento, independentemente da forma química em que este se encontra no vinho, a qual condiciona enormemente a sua participação em fenómenos de instabilidade físico química, biodisponibilidade e toxicidade. Avanços nesta área do conhecimento serão, certamente, de fulcral importância para a avaliação e controlo dos reais riscos associados à presença de metais contaminantes no vinho. Os estudos dos fenómenos de complexação de metais com polifenóis, polissacáridos e proteínas têm revelado funções anteriormente desconhecidas. É disso exemplo a associação dos metais Fe e Cu a 57 INIA.indd 57 24/10/11 12:10:30
Agrorrural: Contributos Científicos antocianinas, essencial para a manifestação da cor típica dos vinhos tintos. Futuros desenvolvimentos no conhecimento e compreensão destes fenómenos vão certamente colocar em evidência o contributo fundamental dos elementos minerais para as características do vinho, e conduzir à utilização de práticas enológicas mais direcionadas e eficazes de acordo com os objetivos pretendidos. Num outro plano, considera se da maior conveniência o controlo da qualidade dos auxiliares tecnológicos para uso enológico em circulação no mercado, de modo a prevenir a aplicação de produtos não conformes e a ocorrência de contaminação mineral, dessa forma defendendo produtores e consumidores. Agradecimentos Os autores expressam os seus agradecimentos ao Professor Catedrático R. Bruno de Sousa, ISA, pela colaboração científica em diversos estudos referidos neste artigo. Bibliografia Braz, R.A.C. 2006. Influência dos teores de Cu e Pb na fermentação alcoólica de mosto de uva. Relatório de estágio de licenciatura em Tecnologia e Segurança Alimentar. UNL, FCT, 45 p. Catarino, S.C.G. 2000. A ocorrência de chumbo e cádmio em vinhos. Tese de mestrado em Viticultura e Enologia, UP, FC, Porto, 133 p. Catarino, S.C.G. 2006. Metais contaminantes nos vinhos. Ocorrência por influência das bentonites. Dissertação de doutoramento em Engenharia Agroindustrial, UTL, ISA, Lisboa, 158 p. Catarino, S.; Curvelo Garcia A.S. 1999. Les teneurs en plomb et en cadmium de quelques vins portugais. Feuillet Vert de l OIV 1081. Catarino S.; Curvelo Garcia A.S. 2009. A composição multielementar e razões isotópicas como marcadores da origem geográfica de vinhos. Proceedings 1º Congresso Internacional dos Vinhos do Dão, Viseu, Final papers, painel 13, [CD ROM]. Catarino, S.; Curvelo Garcia, A.S. 2010. A análise mineral de vinhos. Metodologias implementadas no laboratório do INIA, Dois Portos. Proceedings 8º Simpósio de Vitivinicultura do Alentejo, Évora, Portugal, pp. 405 415. Catarino, S.; Curvelo Garcia, A.S.; Bruno de Sousa, R. 2002a. Determinação analítica do zinco em vinhos por espectrofotometria de absorção atómica com 58 INIA.indd 58 24/10/11 12:10:30
Viticultura e enologia chama. Validação do método de análise. Ciência e Técnica Vitívinícola 17, 1: 15 26. Catarino, S.; Curvelo Garcia, A.S.; Bruno de Sousa, R. 2002b. Determination of aluminum in wine by graphite furnace AAS: validation of analytical method. Atomic Spectroscopy 23, 6: 196 200. Catarino, S.; Pinto, D.; Curvelo Garcia, A.S. 2003. Validação e comparação de métodos de análise em espectrofotometria de absorção atómica com chama para doseamento de cobre e ferro em vinhos e aguardentes. Ciência e Técnica Vitívinícola 18, 2: 65 76. Catarino, S.; Soares, J.; Curvelo Garcia, A.S.; Bruno de Sousa, R. 2004. Implicações da utilização de bentonites sobre a fração mineral de vinhos: potássio, sódio, cálcio, alumínio e chumbo. Efeito do ph. Ciência e Técnica Vitívinícola 19, 1: 29 45. Catarino, S.; Pimentel, I.; Curvelo Garcia, A.S. 2005a. Determination of copper in wine by ETAAS using conventional and fast thermal programs: validation of analytical method. Atomic Spectroscopy 26, 2: 73 78. Catarino, S.; Capelo, J.L.; Curvelo Garcia, A.S.; Vaiâo, M. 2005b. Focused ultrasound (FU) vs microwave digestion for the determination of lead in must by electrothermal atomic absorption spectrometry. Journal of AOAC International 88, 2: 585 591. Catarino, S.; Curvelo Garcia, A.S.; Bruno de Sousa, R. 2006a. Measurements of contaminant elements of wines by inductively coupled plasma mass spectrometry: a comparison of two calibration approaches. Talanta 70: 1073 1080. Catarino, S.; Capelo, J L.; Curvelo Garcia, A.S.; Bruno de Sousa, R. 2006b. Evaluation of contaminant elements in Portuguese wines and original musts by inductively coupled plasma mass spectrometry. Journal International des Sciences de la Vigne et du Vin 40, 2: 91 100. Catarino, S.; Madeira, M.; Monteiro, F.; Curvelo Garcia, A.S.; Bruno de Sousa, R. 2006c. Release of contaminant elements from bentonites to wine: a contribution to achieve a test solution. Ciência e Técnica Vitivinícola 21, 1: 17 31. Catarino, S.; Baleiras Couto, M.M.; Braz, R.; Curvelo Garcia, A.S. 2007. Influência e eliminação do cobre e do chumbo na fermentação alcoólica. Proceedings 7º Simpósio de Vitivinicultura do Alentejo, Évora, vol. 2, pp. 73 81. Catarino S.; Curvelo Garcia A.S.; Bruno de Sousa, R. 2008a. Elementos contaminantes nos vinhos (revisão). Ciência e Técnica Vitivinícola 23, 1: 3 19. Catarino, S.; Madeira, M.; Monteiro, F.; Rocha, F.; Curvelo Gacia, A.S.; Bruno de Sousa, R. 2008b. Effect of bentonite characteristics on the elemental composition of wine. Journal of Agricultural and Food Chemistry 56: 158 165. Catarino, S.; Neves, A.; Bruno de Sousa, R. 2009. Determination of cobalt in wine and must by electrothermal atomization atomic absorption spectrometry: analytical method development and validation. Ciência e Técnica Vitivinícola 24, 2: 65 72. Catarino, S.; Trancoso, I.M.; Bruno de Sousa, R.; Curvelo Garcia, A.S. 2010. Grape must mineralization by high pressure microwave digestion for trace element analysis: development of a procedure. Ciência e Técnica Vitivinícola 25, 2: 87 93. 59 INIA.indd 59 24/10/11 12:10:30
Agrorrural: Contributos Científicos Curvelo Garcia, A.S.; Catarino, S. 1998. Os metais contaminantes dos vinhos. Origens da sua presença, teores, influência dos factores tecnológicos e definição de limites. Ciência e Técnica Vitivinícola 13, 1/2: 49 70. Curvelo Garcia, A.S.; Barros, P.; Catarino, S. 2009. How OIV may defend the wine only with the defense of the scientific truth. Proceedings of 32 nd OIV World Congress, Zagreb, Croácia, IV.A.02, [CD ROM]. Mira, H.; Leite, P.; Catarino, S.; Ricardo da Silva, J.M.; Curvelo Garcia, A.S. 2007. Use of PVI PVP copolymer for wine metal reduction effects on wine characteristics. Vitis 46: 138 147. Neves, A.C.H.S. 2009. Desenvolvimento e aplicação de métodos de análise por técnicas espectrométricas para controlo da qualidade do vinho. Tese de mestrado em Engenharia Alimentar, UTL, ISA, Lisboa, 55 p. Neves, A.; Catarino, S.; Bruno de Sousa, R. 2010. Utilização de águas residuais tratadas para rega da vinha e sua influência na composição mineral do mosto. Proceedings 8º Simpósio de Vitivinicultura do Alentejo, Évora, Portugal, pp. 477 486. Pimentel, M.I.L. 2004. Desenvolvimento e validação de métodos de análise para doseamento de catiões metálicos em vinhos por AAS. Efeito de bentonites sobre os teores de Mg e Fe de vinhos. Relatório de estágio de licenciatura em Engenharia Biológica, IST, Lisboa, 59 p. Pinto, D.F.C. 2003. Validação de métodos de análise em espectrofotometria de Absorção Atómica para doseamento de catiões metálicos em vinhos e aguardentes. Relatório final de estágio de Licenciatura em Enologia, Universidade de Trás os Montes e Alto Douro, Vila Real, 55 p. Silva, V.L.C. 2005. Validação dos métodos de análise de K, Ca e Na em vinhos por FAAS e aplicação em estudo de soluções modelo de extração de bentonites. Relatório de estágio de licenciatura em Engenharia Biotecnológica, ESA IPB, Bragança, 48 p. Soares, J.D.A. 2004. Validação intralaboratorial de métodos de análise de potássio e cálcio em vinhos por espectrofotometria de absorção atómica com chama (FAAS). Extração e cedência de K, Na, Ca, e Al de bentonites em vinhos. Influência do ph e da bentonite utilizada. Relatório final de estágio de licenciatura em Enologia, UTAD, Vila Real, 61 p. 60 INIA.indd 60 24/10/11 12:10:30