O Centro de Defesa dos Direitos Humanos da Arquidiocese de Juiz de Fora na. Resistência Político-Democrática ( ) I. Juliana Pinto Carvalhal II

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O Centro de Defesa dos Direitos Humanos da Arquidiocese de Juiz de Fora na Resistência Político-Democrática (1980-1985) I Juliana Pinto Carvalhal II Esta comunicação tem por objetivo suscitar uma breve análise acerca da atuação do movimento em prol dos direitos humanos de Juiz de Fora, Minas Gerais, surgido dos quadros da Igreja Católica, entre os anos de 1980 e 1985. Os aspectos aqui abordados constituem parte integrante de uma pesquisa em andamento voltada para a conclusão do curso de Pós-Graduação de Mestrado em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Vários aspectos são passíveis de serem contemplados ao tratarmos do regime autoritário que se instalou no Brasil através do golpe militar de 1964, contudo, para os fins aqui propostos, serão privilegiados dois aspectos extremamente caros à análise dos Direitos Humanos no Brasil, quais sejam, a implantação de um diversificado aparato repressivo pelo Estado e o desmantelamento progressivo dos setores oposicionistas de esquerda, bem como o ressurgimento destes, sob nova perspectiva, ao longo da década de 1970. A luta pela promoção dos direitos humanos tornou-se fundamental em razão do aparato repressivo criado pelos militares. 1 Nos anos que sucederam a edição do Ato Institucional n. 5, a repressão contra as organizações de esquerda revolucionárias se consolida, 2 e as denúncias de tortura passam a ser ostensivamente veiculadas no exterior. 3 O SNI (Sistema Nacional de Informações), segundo Carlos Fico, foi implantado meses após o golpe. Porém, foi com a vitória da linha-dura _ representada pela posse de Costa e Silva_ que o SNI teve suas atribuições ampliadas, 4 dando origem a uma I Comunicação de pesquisa apresentada no XXIII Simpósio Nacional de História. II Mestranda em História pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Juiz de Fora. 1

vasta rede de espionagem, implantada em todo o país 5. O aparato repressivo criado pelo Estado tinha como pilares básicos 6 a espionagem, polícia política, censura e propaganda 7. O auge de tal aparelho dá-se por volta de 1970, isto é, após a publicação do AI - 5 (ou como tem sido chamado, o golpe dentro do golpe ), quando são criados o Sistema Nacional de Informações (Sisni) 8, e o CODI-DOI (Centro de Operação de Defesa Interna Destacamento de Operações de Informações), ou a turma do interrogatório 9, cuja estrutura havia sido inspirada na OBAN (Operação Bandeirantes) 10. A prática da tortura longe de se constituir fruto de excessos, 11 foi introduzida de modo a garantir a eliminação de muitos líderes de movimentos de resistência e de oposição 12, posto que a esquerda, desde 1961, de acordo com Denise Rollemberg, passou a se fragmentar, surgindo então diversas organizações que se colocavam como alternativa ao PCB (Partido Comunista Brasileiro). Em comum, tais organizações tinham por necessidade a recuperação da luta armada, ainda que de formas diversificadas. 13 Outro ponto comum nas organizações foi a supervalorização da ação, ainda que mais presente em umas que em outras. 14 Para Rollemberg, as organizações de esquerda revolucionárias, à exceção do PC do B 15, surgiram e foram desmanteladas pelo regime em cerca de dez anos (entre 1961 e 1971-2). 16 Já por volta de 1972, os militantes da luta armada (...) estavam mortos, presos, no exílio, clandestinos dentro do próprio país 17. O sucesso da ação repressiva promovida pelo Estado sobre tais organizações deve-se não apenas ao aperfeiçoamento do aparelho de coerção e à larga utilização da tortura, mas também à falta de adesão da sociedade ao projeto revolucionário por elas proposto, ocasionando o isolamento das mesmas. 18 Ao esgotamento do modelo econômico implantado pelos militares, acelerado pelos efeitos da crise internacional do petróleo, seguiu-se um período de grande instabilidade, em que a crise de legitimidade do regime e a falta de coesão do grupo militar, tornaram-se evidentes, criando as condições necessárias para que a 2

liberalização do regime se tornasse uma opção menos custosa para o bloco dirigente do que a permanência no poder. 19 Os movimentos populares que pareciam controlados, voltam a crescer após 1978, quando ocorre a primeira greve, após dez anos, dos operários do setor automobilístico da região do ABC paulista e quando o Movimento Custo de Vida alcança proporções nacionais. Uma nova movimentação passará a reivindicar ostensivamente a anistia, através de debates, passeatas, comícios, atividades amplamente apoiadas por setores da sociedade civil, inclusive aquelas ligadas à luta pelos Direitos Humanos. 20 Estas forças sociais exerceram papel fundamental na legitimação das reformas constitucionais que revogaram medidas de exceção como o quinto Ato Institucional. 21 As reivindicações pela volta da legalidade, pelos Direitos Humanos e pelo projeto democrático eram amplamente aceitas por vários setores da sociedade, 22 que passaram a buscar a construção de um espaço que rompesse com a clandestinidade, ao mesmo tempo em que fazia frente ao regime militar. 23 A missão social da Igreja tornou a mudança de seu posicionamento frente ao regime militar e às classes subalternas um imperativo, levando a constantes conflitos com o governo. 24 No intuito de manter a integridade institucional da Igreja, a CNBB (Comissão Nacional de Bispos do Brasil) passou a concentrar seus esforços no fim da bipolarização entre conservadores e progressistas, o que se fez viável após 1970, quando uma chapa progressista foi eleita para a direção desta. 25 Segundo Riolando Azzi, nas últimas décadas do século XX assistimos à introdução no interior da instituição católica de uma nova concepção de Igreja, isto é, a concepção de Igreja Povo de Deus 26, baseada nos rearranjos entre fé e política. Concepção esta que acabou por entrar em choque com as outras mais conservadoras. Neste contexto, a Teologia da Libertação 27 desenvolvida na América Latina, foi uma das manifestações desta renovação do pensamento católico mundial e recebeu grande estímulo da Conferência do Episcopado Latino Americano (CELAM) em 3

Medellín, Colômbia, em 1968, 28 quando o discurso do Concílio Vaticano II foi adaptado às necessidades do povo latino. 29 Estes aspectos foram excepcionalmente importantes para o que seria o início de uma campanha nacional contra a violação dos Direitos Humanos, liderada pela Igreja, juntamente com outras instituições, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB). 30 A luta pelos direitos humanos deu-se no seio da Igreja através de duas estratégias: pela ação efetiva junto às autoridades policiais, políticas ou jurídicas em casos específicos; 31 e pela constante denúncia em declarações e manifestos, centrados principalmente em casos de maus tratos, espancamentos e torturas, e nas questões referentes aos direitos dos povos indígenas, da classe operária, da população marginalizada dos centros urbanos e da posse de terra. 32 A campanha teve início no ano de 1973, data comemorativa do 25 o. aniversário da Carta de Direitos Humanos das Nações Unidas e dos dez anos da encíclica do Papa João XXIII, Pacem in Terris, considerada a formulação cristã dos Direitos Humanos. 33 Neste momento, a Secretaria Geral da CNBB lança o documento 19 Proposições sobre Direitos Humanos, em que verificamos na Proposição 1.7 que A Igreja deve mobilizar o laicato para o esforço de informação, denúncia e defesa dos Direitos Humanos 34 e ainda, na Proposição 12, nota-se que a criação de centros de informação nas Dioceses e Regionais, de maneira a organizar melhor a circulação de informações 35 é uma proposta da Igreja que atinge diretamente as bases. É neste contexto de luta pela volta ao regime democrático e pela defesa dos Direitos Humanos que o Centro de Defesa dos Direitos Humanos da Arquidiocese de Juiz de Fora (CDDH/JF) irá surgir. O movimento foi fundado em 15 de outubro de 1980 36 por membros da Igreja Católica de Juiz de Fora, os quais, ao sentir a necessidade de um organismo deste tipo, buscaram no apoio de Pe. Redentorista Jaime Snoek 37 e no apoio institucional representado pela figura do Arcebispo local, Dom Juvenal Roriz, as condições para reunião e fundação da entidade. 38 4

A iniciativa pela criação de um organismo de defesa dos direitos humanos em Juiz de Fora deve-se aos casos de tortura e outras arbitrariedades que se fizeram conhecidos às vezes de modo bastante direto como a prisão de uma das filhas da militante da entidade, Leda Schmidt, 39 ou como a prisão de Itamar Bonfatti (professor aposentado da UFJF, membro do Movimento Familiar Cristão, que cooperou para a fundação da entidade) 40. Outras vezes de maneira indireta, já que uma das primeiras denúncias de tortura vieram dos presos políticos que haviam sido confinados no presídio de Juiz de Fora. 41 A influência do Grupo de Ação, Justiça e Paz de Petrópolis, RJ, também foi de grande importância para a formação do núcleo juizforano. Futuros membros da entidade, tema desta pesquisa, participaram ativamente das reuniões em Petrópolis, onde mantiveram contato com Frei Leonardo Boff e com os preceitos da Teologia da Libertação. 42 As primeiras reuniões para a fundação do Centro de Defesa dos Direitos Humanos da Arquidiocese de Juiz de Fora, segundo dados coletados nas Atas de reunião, ocorreram em agosto de 1980, mas o caráter que norteará o funcionamento do organismo torna-se, de fato, melhor expresso na ata de fundação em que fica estabelecido que o grupo encontra-se sob respaldo da arquidiocese e que compromete-se com os princípios de Medellin e Puebla para auxílio dos injustiçados. 43 A atuação do CDDH/JF visa atingir a sociedade local através da veiculação dos princípios democráticos, como por exemplo a distribuição no meio operário em 1981, de cerca de cinco mil folhetos sobre as duas leis do salário-desemprego ; 44 e a distribuição de uma cartilha política elaborada pela entidade em 1982, cujo texto final faz menção à importância da reflexão antes do voto e da cobrança quanto ao comprometimento daqueles que foram eleitos. 45 A resistência ao regime militar, como já foi dito anteriormente, passava pela busca de construção de espaços que interrompessem a experiência da clandestinidade, pautando-se sob novas práticas 5

entre as quais citamos a publicação de notas de protesto e de solidariedade na imprensa. Tal é caso do protesto contra a bomba na OAB e ainda da nota em favor de dois juizforanos presos durante uma reunião da CUT (Central Única dos Trabalhadores), ambos eventos de 1981. 46 A análise primária das correspondências expedidas e recebidas pela entidade entre os anos de 1980 e 1985 nos informa de uma intensa rede de protestos e solidariedade que se estabeleceu no país. Os dados recolhidos até o momento revelam um sem número de organizações que entraram em contato com o CDDH/JF, entre os quais: Anistia Internacional 47 ; Arquidiocese de Fortaleza 48 ; Secretariado Nacional Justiça e Não Violência do Brasil 49 ; Comissão Pastoral da Terra Tocantins/Araguaia 50 ; Centro de Defesa dos Direitos Humanos da Arquidiocese da Paraíba 51 ; etc, e pelos mais diversos objetivos, dos quais enumeramos: veiculação de denúncias de violação dos direitos humanos; convites para eventos diversos; solicitação de ajuda financeira ou de pedido de materiais didáticos; correspondências de protesto enviadas à inúmeras autoridades; correspondências de expressão de solidariedade; entre outros. Havia, de fato, um projeto democrático sendo gestado pelos mais diversos setores da sociedade, muito embora este pareça ser um aspecto desconsiderado por boa parte da literatura sobre o regime militar. 52 1 PRADO, Luiz C. D. & EARP, Fábio Sá. O milagre brasileiro: crescimento acelerado, integração internacional e concentração de renda (1967-1973). IN: FERREIRA, J. & DELGADO, L. (orgs.). O tempo da ditadura: regime militar e movimentos sociais em fins do século XX. R J: Civilização Brasileira, 2003, vol. 4, pp. 207-41. 2 ROLLEMBERG, Denise. Esquerdas Revolucionárias e Luta Armada. IN: FERREIRA, J. & DELGADO, L.. (orgs.). O tempo da ditadura: regime militar e movimentos sociais em fins do século XX. R J: Civilização Brasileira, 2003, vol. 4, p. 66. 3 FICO, Carlos. Além do Golpe: Versões e Controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar. Rio de Janeiro/São Paulo: Editora Record, 2004, p. 85. Ver também: GASPARI, Elio. Ditadura Escancarada. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2002, pp. 269-70, 275-287, 289-92. 4 FICO, Carlos. Espionagem, polícia política, censura e propaganda: os pilares básicos da repressão. IN: FERREIRA, J. & DELGADO, L. (orgs.). Op. Cit., pp. 175-6. 5 Idem., p.176. 6

6 Idem, p.175. 7 Idem, p.167. 8 De acordo com o historiador Carlos Fico, o Sisni trabalhava com informações e contra informações, no Brasil e no exterior (...), e subdividia-se em diversos sistemas setoriais. Ver: FICO, Carlos. Espionagem, polícia política, censura e propaganda: os pilares básicos da repressão. IN: FERREIRA, J. & DELGADO, L. (orgs.). Op. Cit., pp. 177. 9 Idem, p.177. 10 A OBAN foi implementada pelo II Exército em São Paulo em 1969; previa o trabalho conjunto entre Exército, Marinha, Aeronáutica, Polícias Civil e Militar sob o amparo do governo do Estado. Ver: FICO, Carlos. Espionagem, polícia política, censura e propaganda: os pilares básicos da repressão. IN: FERREIRA, J. & DELGADO, L. (orgs.). Op. Cit., pp. 184-5. 11 FICO, Carlos. Além do Golpe: Versões e Controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar. Rio de Janeiro/São Paulo: Editora Record, 2004, p. 82. 12 MAGALHÃES, Marionilde Dias Brephol de. A lógica da suspeição: sobre os aparelhos repressivos à época da ditadura militar no Brasil. Revista Brasileira de História, v.17, n 34, 1997, p. 204. 13 ROLLEMBERG, Denise.Op. Cit., p.57-8. Ver também: RIDENTI, Marcelo. O Fantasma da Revolução Brasileira. São Paulo: Ed. Unesp, 1993. REIS FILHO, Daniel Aarão. A revolução faltou ao encontro. São Paulo: Brasiliense, 1990. 14 Idem, p. 58. 15 A ação de guerrilha rural dos militantes do PC do B empreendida na região do Araguaia deuse entre 1972 e 1974, quando foram duramente reprimidos.ver: ROLLEMBERG, Denise.Op.Cit., p.67. 16 Idem, p. 66. 17 Idem, p. 66. 18 Ibidem. 19 SHARE, Donald & MAINWARING, Scott. Transição pela Transação: Democratização no Brasil e na Espanha. Dados: Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, vol. 29, n 2, 1986, pp. 215-7. 20 MIRANDA, Nilmário & TIBÚRCIO, Carlos. Dos Filhos deste Solo. SP: Editora Fundação Perseu Abramo/ Boitempo Editorial, 1999, p.13. 21 MAINWARING, Scott. Igreja Católica e Política no Brasil: 1916-1985. SP: Brasiliense, 1979, pp 170-1. 22 ARAUJO, Maria Paula Nascimento. A Utopia Fragmentada. RJ: FGV, 2000, p. 123. 23 Idem, p. 118. 24 MAINWARING, Scott. Op. Cit., p. 25. 25 DELLA CAVA, R.. A Igreja e a Abertura, 1974-1985. IN: KRISCHKE, P. J. & MAINWARING, S. (orgs.). A Igreja nas bases em tempo de transição. Porto Alegre: L&PM/CEDEC, 1986, p.121. 26 De acordo com Riolando Azzi, desde a colonização do Brasil foram adotadas três concepções de Igreja, sendo a concepção de Igreja Povo de Deus a mais recente. Esta acaba por entrar em conflito com as concepções anteriores, a saber, a Igreja Cristandade e a Igreja Sociedade Perfeita (mais especificamente com esta última já consolidada no interior da hierarquia católica). Ver: AZZI, R.. A Igreja do Brasil na defesa dos Direitos Humanos. Revista Eclesiástica Brasileira. Vol. 37, fasc. 145, mar. 1977, pp.106-7; 111; 115-29. 27 De acordo com Scott Mainwaring, os primeiros clássicos acerca da Teologia da Libertação surgiram entre 1969 e 1973, entre os quais destacam-se a obra do brasileiro Hugo Assmann, Opreción-Liberación: Desafio a los Cristianos (1971) e do também brasileiro Leonardo Boff, Jesus Cristo, Libertador (1971). IN: MAINWARING, Scott. Igreja Católica e Política no Brasil: 1916-1985. SP: Brasiliense, 1979, pp. 132-4. 28 MAINWARING, S.. Op. Cit., pp. 92-4. Ver também: KRISCHKE, P. J.. A Igreja e as Crises Políticas no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1979, p. 85-6. 29 DELLA CAVA, R.. Op. Cit., p.16. 30 KRISCHKE, P. J.. A Igreja e as Crises Políticas no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1979, p. 70-1. 31 AZZI, R.. Op. Cit., p.140. Como exemplificação deste caso, ressaltamos a atuação da Comissão Bipartite, composto por membros da hierarquia católica e do governo, durante os anos Médici. Ver: SERBIN, Kenneth P.. Diálogos na Sombra. RJ: Companhia das Letras, 2001. 7

32 AZZI, R.. Loc. Cit.. Criaram-se organizações que permitiam uma maior mobilização, como o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) de 1972, o Encontro Inter-Eclesial, voltado para a troca de experiências entre as Comunidades Eclesiais de Base (o primeiro encontro aconteceu em 1974), e a Comissão Pastoral da Terra em 1975. IN: DELLA CAVA, R.. Op. Cit., p.23. Eram também atuantes no momento em questão o Grupo Não-Violência, núcleo do trabalho pelos direitos humanos da CNBB. IN: SERBIN, K. P.. Op. Cit., p.321-2. E ainda, a Comissão Brasileira Justiça e Paz. Ver: BANDEIRA, Marina & MENDES, Candido. Comissão Brasileira Justiça e Paz. Rio de Janeiro: Educam, 1996, pp.61-2. 33 CASTANHO, A. Direitos Humanos: Aspiração ou Realidade? SP: Ed. Loyola, 1973, pp. 98-9. 34 CASTANHO, A.. Op. Cit., p. 108. 35 Idem, p. 115. 36 Ata de Assembléia Geral do Centro de Defesa dos Direitos Humanos da Arquidiocese de Juiz de Fora. Arquivo Histórico Pe. Henrique Oswaldo Fraga, Pasta CDDH. 37 Religioso da Congregação dos Redentoristas, holandês, professor aposentado da UFJF. 38 Entrevista realizada com Leda Schmidt. 39 Entrevista realizada com Leda Schmidt. 40 Entrevista realizada com Itamar Bonfatti. 41 GASPARI, E. Ditadura Escancarada. SP: Companhia das Letras, 2002, p. 285. 42 Entrevista com Suzana Villaça. Ver também: SEDOC, maio de 1982, p. 1047. 43 Ata de Assembléia Geral do Centro de Defesa dos Direitos Humanos da Arquidiocese de Juiz de Fora. 15 de outubro de 1980. Caderno de Atas de 1980. 44 SEDOC, maio de 1982, p. 1049. 45 CENTRO DE DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS DA ARQUIDIOCESE DE JUIZ DE FORA, Educação Política: Cadernos Populares 1. Juiz de Fora: Esdeva, 1982, p.23. 46 SEDOC, maio de 1982, p. 1048. 47 Correspondência de 17 de maio de 1982, Pasta de Correspondências Recebidas de 1982. 48 Correspondência de 17 de dezembro de 1982, Pasta de Correspondências Recebidas de 1982. 49 Correspondência s/d, Pasta de Correspondências Recebidas de 1982. 50 Correspondência de 25 de março de 1982, Pasta de Correspondências Recebidas de 1982. 51 Correspondência de 24 de março de 1982, Pasta de Correspondências Recebidas de 1982. 52 Constituem exemplos desse tipo de abordagem que defendem uma transição pactuada: GASPARI, E. Ditadura Envergonhada. SP: Companhia das Letras, 2002, p. 36;41. COUTO, Ronaldo Costa. História indiscreta da ditadura e da abertura - Brasil: 1964-1985. Rio de Janeiro: Record, 1998, p. 316-7. Para um exemplo de valorização dos movimentos sociais surgidos durante o processo de abertura, contrariando a tese acima defendida, ver: SILVA, Francisco Carlos Teixeira. Crise da ditadura militar e o processo de abertura política no Brasil, 1974-1985. IN: FERREIRA, J. & DELGADO, L. (orgs.). O tempo da ditadura: regime militar e movimentos sociais em fins do século XX. R J: Civilização Brasileira, 2003, vol. 4, pp. 264-79; 273. 8