A TEORIA DE HUGO RIEMANN: ALÉM DA HARMONIA SIMPLIFICADA OU FUNÇÕES TONAIS DOS ACORDES

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1313 A TEORIA DE HUGO RIEMANN: ALÉM DA HARMONIA SIMPLIFICADA OU FUNÇÕES TONAIS DOS ACORDES Rita de Cássia Taddei Universidade de São Paulo Doutorado em Musicologia SIMPOM: Subárea de Musicologia Resumo: A teoria das funções harmônicas, segundo a qual Hugo Riemann é mais conhecido, não foi a sua única abordagem sobre o sistema tonal harmônico: sua trajetória como teórico expandiu-se por cinco décadas e incluiu uma série de trabalhos importantes sobre o sistema tonal harmônico, que englobam, entre outras questões, o dualismo agregado ao estudo das relações de harmonia com base nos intervalos entre as fundamentais dos acordes. Seus escritos, nas últimas décadas, têm merecido uma substancial reavaliação de uma nova geração de teóricos, denominados neo riemannianos, entre os quais se destaca David Kopp, que, após realizar um elaborado estudo sobre os tratados de Riemann, estrutura sua própria teoria, comentada neste trabalho. O foco desta comunicação é demonstrar como a teoria de Kopp veio contribuir para a propagação das teorias de Hugo Riemann, atestando a importância de se haver uma linha de teóricos que busque revisitar as teorias já existentes fornecendo às mesmas novas roupagens e adequando-as ao emprego nas instituições e trabalhos analíticos. O artigo complementa-se com um exemplo de análise, onde se aplica a teoria do neo riemanniano. A passagem escolhida Alberto Nepomuceno, Artemis (1948), c. 62-72 ajusta-se ao propósito de se demonstrar as relações entre as fundamentais com base no Sistema de Transformações Cromáticas de Kopp. Espera-se, desta forma, disponibilizar uma nova ferramenta de análise aos pesquisadores desta área. Palavras Chave: Hugo Riemann, Dualismo Harmônico, David Kopp, Transformações Cromáticas. Hugo Riemann's Theory: Beyond the Simplified Harmony or Tonal Functions of Chords Abstract: The theory of harmonic functions, according to which Hugo Riemann is best known, was not the only approach to tonal harmonic system: Riemann s history as a theorist expanded for five decades and included important works about the harmonic tonal system, which include, among other issues, an exhaustive description of types of root-motion and on the dualistic principle. His writings, in recent decades, have merited a substantial review of a new generation of theorists, called neo riemannians, among which stands out David Kopp, who, after conducting an elaborated study about Riemann s treatises, structures his own theory, discussed at this work. The focus of this communication is to demonstrate how the Kopp s theory helped for the spread of Hugo Riemann s theories, attesting the importance of having a theoretical line searching for revisit existing theories providing them new clothes and adapting them to employment institutions and analytical work. The article is complemented with an example of analysis, which applies the neo riemannian s theory. The chosen part Alberto Nepomuceno, Artemis (1948), c. 62-72 fits the purpose of demonstrating the relationship between the fundamental notes based on Kopp s Chromatic Transformation System. It is expected, therefore, to provide a new analysis tool to the researchers of this area. Keywords: Hugo Riemann, Harmonic Dualism, David Kopp, Chromatic Transformations.

1314 Introdução Somando cerca de oitenta escritos sobre pedagogia e teoria da música, Hugo Riemann é considerado uma referência no que diz respeito às pesquisas sobre estes assuntos. Sua teoria da harmonia simplificada ou das funções tonais dos acordes representa apenas uma das linhas de investigação deste autor, cuja abrangência da obra abarca o desenvolvimento de um complexo estudo do sistema tonal. Desta forma, este trabalho apresenta a teoria organizada por Riemann que trata das relações entre as fundamentais dos acordes associada à questão do dualismo harmônico. Esta mostra da proposta riemanniana complementa-se com uma explanação das marchas e câmbios da harmonia, termos atribuídos por Riemann para designar as várias progressões entre os acordes. Posteriormente, expõe-se a teoria de David Kopp, um neo riemanniano que reestrutura a abordagem de Riemann dando-lhe uma nova roupagem e otimizando sua aplicação nos estudos de análise. Atestando a importância do trabalho de Kopp, o artigo conclui com um exemplo de análise onde se vê o emprego desta ferramenta, reconhecendo a importância de se haver uma linha de teóricos que atue na pesquisa e re-organização das teorias já existentes, de forma a ajustá-las à aplicação nas instituições de ensino e trabalhos analíticos. A teoria dualista de Hugo Riemann Em alguns tratados de teoria musical, Hugo Riemann trabalha com a questão do dualismo. Dentro dessa perspectiva, considera-se a série harmônica nos formatos ascendente e descendente. Segundo David Kopp (2002, p. 181), dualismo harmônico ocorre quando operações harmônicas semelhantes operam de forma simetricamente oposta nos modos maior e menor, ou seja, o que segue o formato ascendente no modo maior percorrerá descendentemente no modo menor. Riemann (1893, p. 6) apresenta a formação dos acordes relacionando-os aos sons da série harmônica em movimentação ascendente e descendente. Desta forma, obtém-se o acorde maior e o acorde menor, denominados, respectivamente, de: Acorde de Harmonia Superior (Overclang) Acorde Maior: combinação de uma nota (prime) com sua 3M e 5J ascendentes. A notação para este acorde considera como nota de origem sua nota mais grave, acrescentando-se à mesma o sinal +. O acorde de Dó Maior, por exemplo, é representado por dó+.

1315 Acorde de Harmonia Inferior (Underclang) Acorde menor: combinação de uma nota (prime) com sua 3M e 5J descendentes. A notação para este acorde considera como nota de origem sua nota mais aguda, antecedendo-se à mesma o sinal. O acorde de lá menor, por exemplo, é representado por mi. Veja a tabela 1. Tabela 1. Hugo Riemann: Acordes de harmonia superior e inferior Cabe acrescentar neste texto que numerais arábicos referem-se à posição da nota dada em um acorde de harmonia superior, enquanto numerais romanos indicam a posição da nota dada em um acorde de harmonia inferior, conforme se vê na tabela 2. Tabela 2. Hugo Riemann: Representação de alturas em acordes maiores e menores Relações entre os acordes Ao elaborar um estudo sobre as relações harmônicas entre os acordes, inclusive aqueles alterados cromaticamente, Riemann considera os intervalos entre as fundamentais dos mesmos, sublinhando que acordes menores têm sua nota de origem simetricamente inversa ao acorde maior. Elabora, então, uma lista de quatro relações Marcha, Contramarcha, Câmbio e Contracâmbio, as quais são exemplificadas na tabela 3 (RIEMANN, 2005 p. 101 103). Relação Estrutura da relação Exemplos Marcha Acordes de mesma modalidade (M- M/m-m), com movimentação ascendente entre suas fundamentais.

1316 Contra Marcha Câmbio Contra-Câmbio Acordes de mesma modalidade (M- M/m-m), com movimentação descendente entre suas fundamentais. Acordes de modalidades diferentes (M-m/m-M), com movimentação ascendente entre suas fundamentais. Acordes de modalidades diferentes (M-m/m-M), com movimentação descendente entre suas fundamentais. Tabela 3. Hugo Riemann: Relações entre as fundamentais dos acordes A teoria neo Riemanniana de David Kopp A fim de expor sua própria teoria, Kopp relata alguns tratados de Reimann (KOPP, 2002, p. 66 68), onde informa que nos tratados de 1880 Riemann desenvolve um tratamento meticuloso e sistemático das relações de harmonia, originando uma descrição exaustiva de tipos de movimentações de fundamentais e discorrendo sobre o princípio dualístico. Esses trabalhos não apresentavam o conceito de função harmônica (o sistema teórico de Riemann não partiu originalmente nem principalmente da ideia de função), embora nessa época o teórico já houvesse apresentado o conceito funcional, em termos menos desenvolvidos, em fragmentos teóricos existentes. Publicações relevantes dessa época incluem dois tratados nos quais Riemann apresenta suas novas teorias: Skizze Einer Neuen Methode der Harmonielehre (Esboço de um Novo Método de Harmonia, 1880) e Sistematische Modulationslehre (Teoria da Modulação Sistemática, 1887), juntamente com duas publicações nas quais resume e desenvolve essas propostas: Allgmeine Musiklehre Katechismus der Musik (Teoria Geral da Música Catecismo da Música, 1888) e Katechismus der Harmonielehre (Catecismo da Harmonia, 1890), contendo várias discussões sobre as relações de terça cromática. O foco principal desse período de atividade foi o sistema de classificação para todas as progressões harmônicas possíveis, primeiramente proposto em Skizze, e a introdução do conceito de função harmônica em Katechismus. Esses dois conceitos são aspectos separados e independentes da teoria harmônica de Riemann, tendo significados distintos. À época da Skizze Einer Neuen Methode der Harmonielehre (1880), a teoria de Riemann era fortemente embasada no princípio dualístico, partindo da natureza dupla do maior e do menor. A maior inovação desse tratado é a apresentação de um sistema de classificação de tipos de progressão de acordes de acordo com a direção dos intervalos entre suas fundamentais.

1317 Com base na teoria riemanniana, que sistematiza as relações harmônicas orientandose pelos intervalos entre as fundamentais dos acordes, Kopp organiza o Sistema de Transformações Cromáticas, dando, assim, uma nova roupagem à teoria de Riemann. Apontase, aqui, que este sistema não considera a questão do dualismo, determinando que acordes maiores e menores têm sua fundamental na altura mais grave. No que se refere às análises, no sistema cromático as transformações são designadas em itálico (KOPP, 2002, p.169). Quanto às características gerais das transformações, que podem ocorrer nas fundamentais, terças ou quintas dos acordes, com ou sem mudança de modo, empregam-se as notações descritas na tabela 4 (KOOP, 2002, p. 166 174): Características Gerais das Transformações Cromáticas intervalo mesmo modo mudança de modo observações Fundamental I P Aqui Kopp considera as mesmas notações do Sistema de Lewin, onde IDENT preserva o modo do acorde, e REL implica na alteração da terça, convertendo a tríade maior em menor ou vice versa. Terça M/m R/r M e m: correspondem, respectivamente, aos intervalos de 3M e 3m, no sentido descendente. Caso ocorram no sentido ascendente, acrescenta-se aos mesmos -1. R e r: correspondem, respectivamente, aos intervalos de 3M e 3m, nos sentidos ascendente ou descendente. Quinta D F D e F : correspondem ao intervalo descendente de 5J (com a diferença de que no primeiro o modo é mantido e no segundo, não). Para indicar sentido ascendente, acrescenta-se -1. Tabela 4. Características Gerais das Transformações Cromáticas segundo Kopp Dentro do sistema proposto por Kopp, algumas transformações são compostas, ou seja, consideram a ocorrência de um acorde intermediário. Dentre elas, este trabalho aponta três, as que concorrem para a compreensão do texto analítico que será mostrado posteriormente. 1. A transformação Slide (KOPP, 2002, p. 175): duas tríades de modos opostos separadas por um semitom: a tríade maior abaixo e a tríade menor acima. Esta relação foi reconhecida por Lewin como transformação Slide. Representa a mais distante relação entre acordes com notas comuns: movimentação de fundamentais por um intervalo de semitom unindo tonalidades distantes, com

1318 mudança de modo. A terça constante torna a conexão harmônica superior. A diferença entre ii em maior e o acorde de Napolitana é exatamente Slide, ou S. Assim, enquanto a fórmula para ii-v é F, a progressão N-V é SF. Essa expressão capta o sentido exato da progressão. S será também utilizado em outras formas similares de análise. Quando o primeiro acorde for maior, em uma relação intervalar de segunda menor, indica-se esta conexão por meio da fórmula composta DM. Tomando como exemplo a sequência C-Db, utiliza-se, como ponte entre esses dois acordes, o acorde intermediário F. Desta forma obtém-se a progressão C-F-Db, onde D representa C-F e M indica F-Db. 2. Progressões por movimento de graus conjuntos (KOPP, 2002, p.176): progressões por graus conjuntos, portanto diatônicas, porém não são unitárias e diretas, uma vez que não há conexão em tais casos a menos que notas extras, como sétimas, sejam introduzidas. A Teoria da Transformação formaliza o princípio que admite a ocorrência de um acorde mediador aproximando as progressões por movimentação de segunda. A progressaõ IV-V, por exemplo, recebe a fórmula D -2, representando uma transformação da dominante inversa do acorde inicial para o acorde intermediário, seguido por outro, que vai do acorde intermediário ao acorde final. 3. A sexta aumentada (KOPP, 2002, p. 180): Na tonalidade cromática, localizações não diatônicas dos intervalos de fundamentais de certos acordes não implicam necessariamente em instabilidade. A movimentação de qualquer nota em uma progressão de acorde deve ser especificada matematicamente. A maior variedade de tétrades no sistema tonal, e a maior complexidade de suas inter-relações (entre si e com as tríades), apresenta um desafio teórico que está sendo abordado atualmente. Para tal estudo adota-se um tratamento mais informal da teoria harmônica, colocando as dissonâncias acrescentadas como uma transformação adicional adjunta às relações de tríade. Isto leva à conclusão, por analogia, que LFM-I e Ger +6 -I são exemplos de M -1 (neste caso, LFM refere-se a Lower Flat Mediant, ou seja, acorde sobre o VI grau abaixado). A fórmula indicada para a resolução de uma sexta germânica em um acorde menor 6 4 é R. A resolução da sexta germânica direto para a dominante requer uma fórmula composta, M -1 D -1 para modo maior e RF -1 para modo menor.

1319 Uma análise segundo o Sistema de Transformações Cromáticas Para ilustrar o emprego da teoria de Kopp em um texto musical, expõe-se a análise de um fragmento (c. 62-72) da ópera Artemis, de Alberto Nepomuceno. Observa-se, neste trecho, a ocorrência das relações explicadas neste estudo. Constata-se que o formato de notação proposto no Sistema de Transformações Cromáticas torna mais claro o texto analítico, uma vez que a terminologia adotada por Riemann para tais relações é bem mais complexa. A análise organiza-se no seguinte formato: apresentação da partitura anexada à redução de acordes com indicações das relações entre as fundamentais dos mesmos. Esperase, com isso, elucidar a importância do trabalho do teórico David Kopp, bem como fornecer ao conjunto de teorias analíticas uma nova possibilidade de ferramenta de análise, fundamentada nos textos de Hugo Riemann. Segue-se a análise, mostrada na tabela 5. Alberto Nepomuceno Artemis (c. 62-72) Redução para piano Sistema de Transformações Cromáticas Indicações das relações entre as fundamentais Tabela 5. Alberto Nepomuceno, Artemis (c. 62-72): relações entre as fundamentais segundo o Sistema de Transformações Cromáticas de Kopp. Considerações Finais A proposta riemanniana de notação para as relações entre as fundamentais dos acordes constitui-se em uma ferramenta eficiente para a análise de textos musicais que contenham acordes alterados. Ao agregar dualismo harmônico e relações entre as fundamentais dos acordes, Riemann estabelece uma gama enorme de um complexo sistema de relações. O Sistema de Transformações Cromáticas, do teórico David Kopp, compreende uma reformulação dessas relações, originando um novo formato de notação, mais compreensível e, consequentemente, adequado a aulas e trabalhos de análise.

1320 Referências KOPP, David. Chromatic Transformations in Nineteenth-Century Music. New York: Cambridge University Press, 2002. p. 165 RIEMANN, Hugo. Harmony Simplified: or, The Theory of the Tonal Fuctions of Chords. Londres: Augener Ltd., 1893.. Teoria General de La Musica. Barcelona: Idea Books, 2005.