TRÊS HOMENS A CONVERSAR SOBRE O QUE LHES VEM À CABEÇA As mulheres já não me dão tesão. Então porquê? Não sei bem porquê. A mim, cada vez dão mais. E eu estou activo como nos primeiros dias. Pois Mas não sei o que se passa comigo. Vai a um médico. Aconselho uma médica. Isto é um problema mais psicológico, talvez. Também há médicos para isso. Pois Mas isto não me preocupa. Então?! Até me sinto bem assim. Não penso nelas, nem sinto necessidade delas. Acho que deves mesmo ir a um médico! Sinto-me melhor assim porque tenho a cabeça mais livre. Eu gosto de me sentir preso. Adoro! Aquela coisa de andar sempre com mulheres na cabeça, a olhar para esta, a olhar para aquela, a ver se come hoje uma, amanhã outra, já não é para mim. Andar atrás de mulheres como se isso fosse o principal objectivo da vida, não! Há qualquer coisa de estranho nisso. É doentio. Já não é para mim. Eu adoro certas coisas doentias. Mas tu és um depravado, também não serves de exemplo a ninguém. Essa é boa! É uma parvoíce. Dilui-se a nossa personalidade na personalidade de uma mulher, ou de um homem, se for esse o caso, por uns instantes de prazer.
Mas meteste-te nalguma seita daquelas esquisitas que condenam Não! Nada disso! Modifiquei-me com a idade. Em pouco tempo transformei-me. Fui ficando assim. Sem tesão! Porra, também só falas nisso! Só pensas nisso! Conheço um casal que funciona assim: Quando um vai a qualquer sítio o outro também tem de ir. Quando um está doente o outro adoece por simpatia. Nenhum deles faz nada sem o outro. É um casal meu amigo, da nossa idade. Não têm filhos. Namoraram-se desde muito novos, amaram-se e amam-se tanto que se tornaram tão dependentes um do outro, que é uma coisa sem explicação! Quando falam um com o outro falam como se fossem crianças ingénuas, fazendo mesmo uma vozinha infantil e aparvalhada. Sente-se vergonha quando se está ao pé deles! Se um descasca uma batata, o outro arruma logo as cascas. Se um se magoa o outro vai logo dar beijinhos no dóidói. Que exagero! São mesmo assim! Nenhum deles sai sem o outro a lado algum: às compras, ao cinema, a casa de amigos. E sabem porque é que não têm filhos? Porquê? Porque não querem ter que dividir aquele amor por três. Isso é uma anedota! Não, não! Verdade, verdade! Estão sempre doentes um pelo outro. Libertem-se! Abram os braços, respirem fundo e olhem à volta! Já sei! Deste em poeta! Não. Não dei em poeta nem estou impotente! Normalmente os poetas são esses que amam muito, muito, muito. Que em tudo vêem felicidade, amor, coisas bonitas. Oh, que bom é fazer isto! Oh, que bom é fazer aquilo! Que sensível que eu sou! Oh, que bom é estar aqui, a respirar este ar! Oh, que bom é Pinocar. Que bom é ter amor, tanto amorzinho para dar e receber. Ai que feliz que eu sou, que bonita que tu és, que bonitas são as flores, o azul do céu e o
verde do mar! E as estrelas?! Oh que belas que são! E, sei lá! O raio que os parta! Mas também há os poetas das desgraças. Oh, que miséria tão grande! Oh, que infelicidade! Ai, a minha amada que me traiu! E agora vou matar-me! E matá-la a ela! Logo a seguir. E depois ainda o mato a ele! Mas antes ainda escrevo um livro para que todos saibam da minha desgraça. Para que todos saibam porque é que não posso continuar a viver assim! Para que o meu desconsolo ecoe até aos confins dos tempos! Para que todos saibam que eu fui a mais triste e desgraçada criatura que alguma vez se arrastou pela superfície da Terra! Ou de qualquer outro planeta! Conhecido ou por conhecer! Eu, quando leio poesia, daquela mais intelectual, mais séria, ponho-me a fazer brincadeiras do género: ler de trás para a frente; ler as palavras de duas em duas, ou de três em três; ler verso sim, verso não. E acontece uma coisa curiosa. A maior parte das vezes faz mais sentido do que quando lida por inteiro. Acho que vou passar a fazer o mesmo com alguns livros que para lá tenho, de quando era adolescente. Boa ideia! Eu bem me esforçava por compreendê-los. Às vezes empreendia que os compreendia para me sentir um pouco mais satisfeito. Mas o segredo, se calhar, está escondido nalgum código de leitura desse género. Essa poesia será, então, uma arte para detectives. Quem a escreve só pode ter uma confusão tal na cabeça para que o fraseado lhe saia de forma tão perturbada. Quem sabe realmente do que fala, quem é especialmente sensível, refere-se às coisas com palavras simples. Clareza nas palavras, clareza na mente. Um amigo meu diz que a poesia é a arte dos fracos. A poesia não é toda assim! Claro que não! Nós é que somos uns más-línguas!
Mas a boa poesia é quase não-poesia. Supera-lhe as formas. Gostei deste nobre momento de profunda reflexão. Há tempos ouvi falar dum tipo que se matou porque ria, ria, ria! Ria tanto que ficava cheio de dores na garganta, na barriga, nos pulmões, na cabeça, nos olhos. Chorava a rir. Às vezes vomitava. Ficava roxo. Foi para o hospital várias vezes com falta de ar e com problemas nos intestinos e no estômago. Uma vez foi operado e começou a rir durante a operação. Reforçaram-lhe a anestesia mas de pouco serviu. E matou-se porque ria muito? Muitas vezes acabava num sofrimento imenso e matou-se. Enforcou-se. Depois de muito estrebuchar desenhou uma última expressão: um sorriso. Vai-te lixar! Contaram-me! Se é verdade ou não, não sei. Contaram-me. Lês-te isso nalgum jornal, não? Não me lembro. Mas pode ter sido. Se foi num jornal, tudo bem! Os jornais só contam verdades. Há pouco tempo contaram-me esta história. Um homem matou outro homem, pensando estar a matar quem realmente queria matar; no entanto enganou-se e matou outro. Quem ele queria matar era carrasco, precisamente o carrasco dos condenados à morte na cidade onde habitavam. Mas aquilo que o levava a querer matar o carrasco nada tinha que ver com o facto de ele ter essa profissão, mas sim umas desavenças pouco relevantes havidas entre eles. O assassino andava fugido, e o carrasco, como sabia ser ele o alvo pretendido, andava com medo de ser morto. Sendo apanhado, o assassino seria julgado e, muito provavelmente, condenado à morte e executado pelo carrasco que ele pretendia matar. O tempo ia passando e o assassino continuava por apanhar. O carrasco, cada vez mais receoso de ser morto, começou ele próprio a tentar saber por onde andaria o assassino. O medo de poder ser morto a qualquer instante tinha já provocado uma angústia imensa no carrasco que, também tresloucado de tanto procurar, de tantas pistas seguir, quando finalmente encontrou o assassino matou-o para se ver livre dessa angústia. Pouco lhe deve ter custado fazer isso. Era um profissional. E depois?
Depois foi condenado à morte. Condenado à morte?! Sim. Mas, no fundo, seria ele o executante do assassino! Claro! Só que, daquela maneira, não se tratou de uma execução oficial, mas sim de um assassinato, uma vez que ele não foi oficialmente incumbido da tarefa de o matar. Mas o resultado prático foi o mesmo! Pois foi, só que não agiu legalmente, não tinha um suporte legal para matar. Por isso tornou-se ele próprio um assassino. Exactamente! Um assassino ilegal. ( )