A demora na decisão do contencioso administrativo fiscal JOSÉ HABLE www.josehable.adv.br johable@johable.com.br johable@gmail.com
A demora na decisão do contencioso administrativo fiscal Indaga-se: quais as consequências se o Processo Administrativo Fiscal (PAF) ficar parado, durante mais de 5 anos, sem uma solução do contencioso administrativo fiscal? 1. Ocorreria a extinção do crédito tributário por decurso de prazo? 2. Os resultados seriam considerados favoráveis ao contribuinte? 3. Apenas o servidor responsável seria penalizado? 4. Nada ocorreria? Entre outros.
1. INTRODUÇÃO No PAF, em obediência ao princípio da oficialidade, a própria Administração está obrigada a impulsionar o processo fiscal até a decisão final (CPC, art. 262). CPC. Art. 262. O processo civil começa por iniciativa da parte, mas se desenvolve por impulso oficial. As reclamações, quanto à demora na tramitação do PAF, são muito frequentes. Com isso, há quem alegue a extinção do crédito tributário pela prescrição intercorrente, em analogia ao art. 267, II, do CPC. CPC. Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito: (...) II - quando ficar parado durante mais de 1 (um) ano por negligência das partes;. Prescrição intercorrente é a perda da pretensão de atuar ou agir no processo, em virtude da inércia de seu titular, ao deixar de praticar os atos processuais necessários ao seu andamento, durante certo tempo.
O STJ já decidiu (pacífica a jurisprudência), no sentido de não acolher a prescrição intercorrente no PAF. BRASIL. STJ. REsp nº 53467/SP, Rel.Min.AriPargendler,2ªT,DatadoJulgamento 05/09/1996, DJ 30.09.1996 e REsp 822705/RS, Rel. Min. Castro Meira, 2ª T, Data do Julgamento 20/04/2006, DJ 02.05.2006, entre outros. E assim, entre a notificação do lançamento tributário e a solução do PAF, não há qualquer prazo extintivo, nem de decadência nem de prescrição. Isto porque, com a constituição do crédito tributário, pelo lançamento regularmente notificado ao sujeito passivo, cessa a inércia do Fisco, não se falando mais em decadência e o prazo prescricional (CTN, art. 174) apenas tem seu início com a constituição definitiva do crédito tributário, isto é, com o trânsito em julgado administrativo, o que ainda não ocorreu.
Assim, no PAF, a infringência ao princípio da oficialidade, deixando-se fluir período superior a cinco anos para a solução do contencioso administrativo fiscal, não é motivo para a extinção do referido processo e nem do crédito tributário, a não ser que lei assim o estabeleça. 2. Os prazos para a conclusão dos processos administrativos A CF/88, art. 5º, LXXVIII, apresenta uma garantia fundamental, a razoável duração dos processos, tanto na esfera judicial quanto na administrativa, ao estabelecer: Art. 5º (...) LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
É de se notar que praticamente toda legislação que trata de processo administrativo vem definindo prazos para a realização e conclusão dos atos processuais. Como exemplo podemos citar: (a) o Decreto nº 70.235, de 1972 (regula o PAF federal): art. 4º - o servidor executará os atos processuais no prazo de oito dias, antes de a Lei nº 9.532/97 dar nova redação ao seu art. 27, o referido Decreto estipulava: processo será julgado no prazo de trinta dias. com a alteração, nos termos do seu parágrafo único, a ordem e os prazos serão estabelecidos em ato do Secretário da Receita Federal. (b) a Portaria nº 256, de 22/06/09, que aprova o Regimento Interno do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) disciplina: Art. 50. No prazo máximo de 6(seis)meses, contado da data do sorteio, o relator deverá incluir em pauta os processos a ele destinados.
(c) Lei nº 9.784, de 1999 (regula o PA federal), ao tratar do dever de decidir: Art. 49. Concluída a instrução de processo administrativo, a Administração tem o prazo de até trinta dias para decidir, salvo prorrogação por igual período expressamente motivada. (...) Art. 59. (...) 1o Quando a lei não fixar prazo diferente, o recurso administrativo deverá ser decidido no prazo máximo de trinta dias, a partir do recebimento dos autos pelo órgão competente. (d) Lei nº 657, de 1994 (regula o PAF do DF): Art. 5º - O servidor do Fisco executará os atos processuais no prazo de 8 (oito) dias, salvo disposição em contrário. (..) Art. 24 - Findo o preparo, o processo será encaminhado no prazo de 5 (cinco) dias à autoridade julgadora de primeira instância, que terá 20 (vinte) dias para decidir. (e) Lei nº 10.177, de 1998 (regula o PA de SP): Artigo 32 - Quando outros não estiverem previstos nesta lei ou em disposições especiais, serão obedecidos os seguintes prazos máximos nos procedimentos administrativos: VII - para decisão final: 20 (vinte) dias; (...) Artigo 33 - O prazo máximo para decisão de requerimentos de qualquer espécie apresentados à Administração será de 120 (cento e vinte) dias, se outro não for legalmente estabelecido.
E ainda, foi publicada a Lei nº 11.457, de 2007, que assim estabelece: Art. 24. É OBRIGATÓRIO que seja proferida decisão administrativa no prazo máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias a contar do protocolo de petições, defesas ou recursos administrativos do contribuinte. Prazos são estipulados e uma de suas funções é facilitar à Administração o controle e organização dos procedimentos administrativos, evitando-se abusos e arbitrariedades contra o administrado, na busca de uma maior eficiência administrativa (CF/88, art. 37, caput), e segurança jurídica, entre outros.
Contudo, em nenhuma das normas transcritas há qualquer referência a penalidades para a hipótese de o prazo determinado em lei não ser cumprido. Poder-se-ia afirmar então ser mais uma das tantas leis denominadas de letra morta, ou um dispositivo legal inócuo, sem qualquer objetivo ou consequência para o Poder Público? É cediço que a celeridade na tramitação e solução das demandas administrativas e judiciais é almejada por toda a sociedade, sendo um direito assegurado pela própria Constituição Federal, em seu art. 5º, LXXVIII. Sabe-se, no entanto, que a realidade é perversa, e está a exigir providências mais pontuais e estruturais, como a expressa previsão legal de sanção ao descumpridor de prazos ou a suspensão automática dos efeitos do processo, entre outras.
Diante do descumprimento de prazos para proferir a decisão administrativa no PAF, há quem queira alegar: (a) a extinçãodoprocessoe por consequência, do crédito tributário; e(b) a preclusão temporal, ou seja, a perda da faculdade, para decidir, aceitando como verdadeiras as alegações recursais do contribuinte, entre outros. Embora haja infringência a vários princípios como da legalidade, da eficiência, do devido processo legal e da oficialidade, a não obediência a prazos processuais somente pode resultar em alguma penalidade, tanto para a Administração Fazendária quanto para o contribuinte, se houver disposição expressa na lei. Nota-se assim que para conferir maior eficácia à letra da lei que estipula prazos para a realização dos atos processuais, está-se a exigir a previsão legal da respectiva sanção na hipótese de seu descumprimento.
Desse modo, não procede a alegação da extinção do processo pelo não cumprimento de prazo porquanto inexiste qualquer previsão legal, e, muito menos do crédito tributário, que tem suas modalidades de extinção taxativamente disciplinadas no CTN, art. 156. Noqueserefereàpreclusão temporal para decidir, o que impediria a autoridade administrativa de apreciar o requerimento ou recurso interposto, considerando então os resultados favoráveis ao contribuinte: Havia previsão no 2º do art. 24 da Lei 11.457/07, que se não fossem realizadas as diligências administrativas, no prazo máximo de 120 dias, os seus resultados seriam presumidos de forma favorável ao contribuinte. Porém foi vetado, sob a alegação de que o prejudicado seria o próprio contribuinte, pois o julgamento, sem a adequada apreciação da matéria, poderia ser induzido a favor da Administração.
Em realidade, hoje, a definição legal de prazos para a realização, pelo Poder Público, dos atos processuais, a exemplo dos 360 dias, da Lei nº 11.457/07, está a oferecer um forte elemento jurídico para se buscar a intervenção judicial, na solução de um caso concreto. Nota-se que decisões recentes de tribunais (STJ) têm pressionado cada vez mais o Fisco a decidir de forma mais rápida os processos administrativos, como: o ressarcimento de créditos tributários, a concessão de benefícios fiscais ou respostas a consultas tributárias. Exemplo: a Lei no 11.941, de 27/05/09, alterou a Lei no 10.522, de 19/07/02, nesse sentido: Art. 12 (...) 1o Cumpridas as condições estabelecidas no art. 11 desta Lei, o parcelamento será: (...) II - considerado automaticamente deferido quando decorrido o prazo de 90 (noventa) dias, contado da data do pedido de parcelamento sem que a Fazenda Nacional tenha se pronunciado.
Pode-se afirmar então que a referida Lei nº 11.475/07 trouxe um parâmetro importante e está sendo utilizada como um instrumento eficaz na tramitação dos processos, com a definição do que seria uma razoável duração dos processos na esfera administrativa. Por outro lado, como bem se expressa Hely Lopes Meirelles: se a Administração o retarda, ou dele se desinteressa, infringe o princípio da oficialidade, e seus agentes podem ser responsabilizados pela omissão. Assim, além da possibilidade de responsabilização objetiva do Estado pelos atos de seus agentes, com amparo no art. 37, 6º da CF/88, existe também a responsabilidade disciplinar ao servidor. Vejamos:
CF/88: Art. 37 (...) 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. Lei nº 9.784/98: Art. 42. (...) 1o Se um parecer obrigatório e vinculante deixar de ser emitido no prazo fixado, (...), responsabilizando-se quem der causa ao atraso. 2o Se um parecer obrigatório e não vinculante deixar de ser emitido no prazo fixado, (...), sem prejuízo da responsabilidade de quem se omitiu no atendimento. Lei Estadual Paulista n. 10.177/98: Art. 90 O descumprimento injustificado, pela Administração, dos prazos previstos nesta lei gera responsabilidade disciplinar, imputável aos agentes públicos encarregados do assunto, não implicando, necessariamente, em nulidade do procedimento. 1º - Respondem também os superiores hierárquicos queseomitiremnafiscalização dos serviços de seus subordinados, ou que de algum modo concorram para a infração.
A Portaria nº 256, de 22/06/09, que aprovou o Regimento Interno do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) dispõe: Art. 45. Perderá o mandato o conselheiro que: (...) II - retiver, reiteradamente, processos para relatar por prazo superior a 6 (seis) meses, contado a partir da data do sorteio, permitida a prorrogação, quando requerida, justificadamente, antes do fim do prazo, e autorizada pelo presidente da Câmara ou da CSRF; III - retiver processos, reiteradamente, ou procrastinar a prática de atos processuais, além dos prazos legais ou regimentais; IV- deixar de praticar atos processuais, após ter sido notificado pelo Presidente do CARF, da Seção ou da Câmara, no prazo improrrogável de 30 (trinta) dias; V - deixar de entregar voto para o qual foi designado redator no prazo de 2 (dois) meses, contado da data na qual recebeu a cópia, em meio eletrônico, do relatório e voto do relator originário, bem como o processo, se solicitado;
CONCLUSÃO: Destarte, há de se destacar que a demora na tramitação do PAF poderá trazer diversos transtornos ao sujeito passivo autuado, com implicações diretas e indiretas, inclusive danos morais, quando nada for devido, desafiando assim ação contra o Estado se houver negligência ou desídia do servidor público no andamento do processo, com direito de regresso. Cabe ressaltar, ainda, que, enquanto não houver o trânsito em julgado nos autos, o contribuinte autuado não está legalmente impedido de praticar qualquer ato perante a Administração, tendo também direito a certidões enquanto pendente de apreciação a impugnação apresentada, nos termos do art. 206 do CTN e nem reincidente será considerado, caso pratique nova infração nesse período, antes de decisão definitiva. MUITO OBRIGADO