AVALIAÇÃO DE UM SISTEMA DE ESGOTAMENTO E TRATAMENTO DESCENTRALIZADO Juliana Cardoso de Morais (1) Técnica em Saneamento, ETFPE, 1997, Estudante de Engenharia Civil UFPE, ex-bolsista do projeto REENGE UFPE e atualmente é bolsista FACEPE. Participou de várias atividades de pesquisa no Grupo de Saneamento Ambiental da UFPE. Lourdinha Florencio Engenheira Civil (UFPE), Mestre em Hidráulica e Saneamento (EESC- USP), Ph.D em Tecnologia Ambiental (Wageningen Agricultural University LUW-Holanda). Profa. Adjunto do Depto. de Eng. Civil- UFPE. Autora de vários artigos científicos publicados em anais de congressos bem como em periódicos especializados nacionais e estrangeiros. Mario T. Kato Eng. Civil (UFPR), Mestre em Hidráulica e Saneamento (EESC-USP), Ph.D em Tecnologia Ambiental (LUW-Holanda). Prof. Adjunto do Depto. de Eng. Civil-UFPE. Coordenador e membro da equipe técnica de vários convênios da UFPE com órgãos públicos, de fomento e prefeituras. Autor de vários artigos científicos publicados em periódicos especializados nacionais e estrangeiros. Endereço (1) : Laboratório de Saneamento Ambiental - Depto. de Engenharia Civil UFPE. Av. Acadêmico Hélio Ramos, s/n - Recife - PE - CEP: 50740-530 - Brasil - Tel: (081) 271-8229 / 8716 - Fax: (081) 271-8205 / 8219 - e-mail: julianamorais@hotmail.com RESUMO O presente trabalho avalia um sistema de esgotamento e tratamento descentralizado em uma região de baixa renda em Recife-PE. Esse sistema vem sendo adotado numa tentativa de minimizar a carência de saneamento básico do município. Este plano define o uso do sistema condominial de coleta e o tratamento anaeróbio, através de reator tipo UASB seguido de lagoa de polimento. O objetivo central é apresentar os resultados preliminares de operação da rede, da partida do UASB e do monitoramento da lagoa de polimento. PALAVRAS-CHAVE: Sistema Descentralizado, Tratamento Anaeróbio de Esgoto, Sistema Condominial. INTRODUÇÃO A cobertura por serviços de coleta e tratamento de esgotos do estado de Pernambuco tem crescido muito lentamente. Recife, capital do estado, possui quase 2 milhões de habitantes sendo que menos 25% de sua população é atendida por esse serviço público. Atualmente, numa tentativa de solucionar ou amenizar a situação foi criado um novo plano de esgotamento e tratamento dos esgotos da cidade, onde a mesma é dividida em ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 506
cerca de 100 unidades de coleta ou micro-bacias com sistema de tratamento descentralizado. A descentralização tem a vantagem de possibilitar a construção das unidades de coleta a medida que haja disponibilidade de recursos financeiros. Este plano define que o sistema de coleta dos esgotos seja do tipo condominial e para o tratamento se preconiza o uso da tecnologia anaeróbia. Iniciativas de prefeituras como a de Recife e Jaboatão dos Guararapes na região metropolitana, mostram que o uso da tecnologia anaeróbia enquadra-se com as condições sócio-econômicas locais. Como exemplo desta iniciativa foi implantado no bairro da Mangueira, situado na zona sul da cidade, uma rede de coleta de esgoto tipo condominial construída gradativamente, para uma população de projeto estimada em 18.000 habitantes. A vazão de projeto é em torno de 31,11l/s e 51,11 l/s para a vazão média diária e máxima horária, respectivamente. Uma das características básicas do sistema condominial é o envolvimento da comunidade para operação da rede, portanto é fundamental que os usuários tenham uma participação ativa para o sucesso do sistema. Desta forma foi realizado um extensivo trabalho de mobilização no bairro, com reuniões de esclarecimento para que houvesse a adesão dos moradores. O objetivo do presente trabalho é apresentar os resultados preliminares de operação da rede, da partida do UASB (Upflow Anaerobic Sludge Blanket) e do monitoramento lagoa de polimento. MATERIAIS E MÉTODOS A ETE Mangueira é composta das seguintes unidades: grades de barra, desarenador, reator UASB, lagoa de polimento e leitos de secagem. O UASB da ETE, tem um volume total de 810 m 3 e TDH de 7 horas para vazão média. Após o UASB o efluente segue para uma lagoa de polimento com TDH de 3 dias, com uma profundidade útil de 1,5m. O lodo produzido dentro do UASB é disposto em oito unidades de leito de secagem, cada um com 25,2 m 2 de área superficial. Para o monitoramento da ETE, foram efetuadas amostragens duas vezes por semanas, com medições de vazão, análises físico-químicas e bacteriológicas, em todo o sistema, realizadas in loco e em laboratório, nos primeiros 6 meses para o acompanhamento da partida do reator (Standard Methods,-1992). A estação da Mangueira dispõe de uma equipe composta por um técnico e auxiliares de operação, que realizam a manutenção periódica da rede condominial. Os serviços executados pela equipe provém de reclamações por parte dos usuários da rede e também por visitas de inspeção, onde se verifica a necessidade dos mesmos. As desobstruções são feitas manualmente com a utilização de arames, bengalas, pás, etc., porém em casos críticos onde a limpeza manual não obtém sucesso é acionado um carro de água pressurizada para a realização dos serviços. RESULTADOS ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 507
A Mangueira é um bairro onde existe uma grande variação de renda e nível educacional entre os moradores. Este foi, provavelmente, um fator importante na resistência inicial à implantação e operação do sistema. A rede pública está praticamente toda construída, porém um fator limitante a adaptação ao sistema condominial de coleta é o baixo poder aquisitivo da população, dificultando assim o trabalho de conscientização por parte dos técnicos quanto ao uso da rede condominial de coleta. Dentre os principais problemas podemos destacar: falta de condições financeiras da população para realizar a ligação domiciliar à rede pública, acarretando em esgotos dispostos nas ruas, freqüentes conflitos entre vizinhos, onde muitas vezes as caixas de passagem é obstruída propositadamente com metralhas e sacos plásticos para que os esgotos oriundos da rede não atravesse seu terreno, gerando assim retorno em residências próximas; construções realizadas em cima das caixas de passagens, dificultando o trabalho de manutenção na rede pública, a realização da manutenção por moradores, que geralmente sem experiência e utilizando equipamentos inadequados, não executam devidamente a manutenção do seu trecho de ramal, além de se exporem à contaminação; freqüentes quebras das tampas das caixas de passagem; ligações clandestinas de águas pluviais, acarretando em acúmulo de areia para dentro dos PV s. A operação de sistemas de tratamento é de grande importância desde o tratamento preliminar, ou seja, o monitoramento adequado e freqüente das grades de barra e do desarenador, é essencial para o sucesso do UASB, evitando que materiais grosseiros e areia se acumulem no reator. Os principais problemas observados envolvem obstruções de tubulações e vertedores, remoção periódica do lodo e da escuma, controle de odores, assim como a limpeza e manutenção de um modo geral. Quanto à lagoa de polimento, a operação e manutenção é mais simples e consta basicamente de: vistoria nos taludes evitando o crescimento de vegetação, como também nas tubulações de entrada e saída e a limpeza periódica de certos sobrenadantes. No entanto, o monitoramento da lagoa de polimento será intensificado numa nova etapa. Os problemas notificados na ETE Mangueira são repassados para a companhia responsável pela operação, juntamente com os resultados e conclusões obtidas nas análises, através de relatórios bimensais. Os resultados apresentados nas tabelas abaixo correspondem a quarenta e cinco amostragens realizadas no monitoramento: ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 508
Tabela 1 - Estatísticas básicas do esgoto bruto. Parâmetro Média Desvio Mínimo Máximo padrão Temperatura (ºC) 31 1,89 28 37 ph 6,5 0,2 6,6 7,6 Condutividade (µs/cm) 1114 253,25 133 1651 Sais (%o) 0,5 0,11 0,4 0,8 Alcalinidade (mg/l) 333 72,12 237 526 Cloretos 180 57,68 103 335 DQO bruta 273 119,92 133 653 DQO filtrada 148 87,76 45 405 ST (mg/l) 736 142,70 881 1265 STF (mg/l) 570 150,36 61 855 STV (mg/l) 311 96,57 172 499 SS (mg/l) 161 107,59 52 616 SSF (mg/l) 63 70,49 8 336 SSF (mg/l) 96 49,84 24 280 SDT (mg/l) 715 137,71 375 1105 SDF (mg/l) 502 151,38 41 760 SDV (mg/l) 243 144,47 92 825 S.Se (mg/l x h) 0,7 0,81 0,2 1,3 Tabela 2 - Estatísticas básicas do efluente do UASB. Parâmetro Média Desvio Mínimo Máximo padrão Temperatura (ºC) 30 1,82 34 28 ph 6,8 0,23 6,7 7,8 Condutividade (µs/cm) 1060 169,59 740 1469 Sais (%o) 0,5 0,09 0,4 0,7 Alcalinidade (mg/l) 328 68,51 244 490 Cloretos 159 46,76 95 245 DQO bruta 121 50,80 46 256 DQO filtrada 92 50,03 13 213 ST (mg/l) 725 145,69 431 1310 STF (mg/l) 503 127,94 66 761 STV (mg/l) 270 111,56 141 549 SS (mg/l) 106 31,37 16 156 SSF (mg/l) 26 18,89 2 86 SSF (mg/l) 108 20,86 4 35 SDT (mg/l) 876 1127,25 413 1222 SDF (mg/l) 446 137,50 54 731 SDV (mg/l) 246 147,29 76 491 S.Se (mg/l x h) 0,5 0,20 0 0,1 Tabela 3 - Estatísticas básicas do efluente da lagoa de polimento. ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 509
Parâmetro Média Desvio padrão Mínimo Máximo Temperatura (ºC) 31 1,72 28 37 ph 8,2 0,91 7,6 11,4 Condutividade (µs/cm) 961 149,64 800 1243 Sais (%o) 0,4 0,07 0,4 0,6 Alcalinidade (mg/l) 278 54,32 201 420 Cloretos 160 50,76 20 255 DQO bruta 158 63,58 39 348 DQO filtrada 74 54,42 22 292 ST (mg/l) 755 170,62 268 959 STF (mg/l) 464 155,30 53 652 STV (mg/l) 290 91,09 177 545 SS (mg/l) 111 48,82 28 260 SSF (mg/l) 25 23,71 4 110 SSF (mg/l) 80 37,41 6 186 SDT (mg/l) 619 185,30 174 859 SDF (mg/l) 406 160,18 31 648 SDV (mg/l) 240 152,38 91 487 S.Se (mg/l x h) 0,3 0,46 0 1,0 100 E F IC IÊ N C IA U A S B (% ) Eficiência (%) 80 60 40 20 0 0 50 100 150 200 250 Dias do Experim ento ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 510
EFICIÊNCIA ETE (%) 120 100 80 60 40 20 0 0 50 100 150 200 250 Dias do Experimento O esgoto bruto apresenta DQO média de 270mg/l chegando diluído à estação, devido as ligações clandestinas de águas pluviais encontradas na rede condominial. Apresenta uma temperatura média elevada (cerca de 31ºC), o que é desejável para o processo. No efluente do UASB o ph médio tem sido de 6,8, dentro da faixa ótima para as bactérias metanogênicas. Após seis meses de operação em célula com e sem inóculo, os resultados revelam que praticamente não houve diferença na remoção de DQO filtrada entre elas. Em relação à lagoa de polimento, os valores de ph são elevados, o que é desejável. A eficiência do reator, em termos de DQO, encontra-se estabilizando entre 60% e 70%; enquanto que a eficiência global do sistema gira em torno de 80%. A aplicação do uso da tecnologia anaeróbia através de reatores tipo UASB seguido de lagoa de polimento é favorável tanto no aspecto sanitário como econômico, além disso um reator bem monitorado pode fornecer muitos dados viáveis para projetos de futuras estações de tratamento. A ETE Mangueira apresenta bons resultados tanto na parte operacional como na eficiência do sistema, com a perspectiva de melhorar na eficiência da remoção de DQO, uma vez que o lodo se encontra em desenvolvimento. CONCLUSÕES Um dos principais problemas que se destacam é o aspecto das ligações clandestinas de águas pluviais na rede condominial, acarretando acúmulo progressivo de areia dentro do reator UASB, que pode dificultar a eficiência do tratamento anaeróbio. Entretanto, o sistema de esgotamento e tratamento descentralizado é uma alternativa viável para amenizar a falta de atendimento de saneamento básico. A descentralização tem como vantagem principal a construção gradativa da rede de coleta a medida que haja disponibilidade financeira. porém a aplicação desse sistema em regiões de baixa renda, dificulta sua implantação, necessitando assim de apoio para a execução dos ramais domiciliares. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 511
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