2696 X Salão de Iniciação Científica PUCRS PUBLICIDADE COMERCIAL E CONSTITUIÇÃO: UMA QUESTÃO SOCIAL OU ECONÔMICA? Clarissa Alves De Sampaio, Prof. Dr. Adalberto de Souza Pasqualotto (orientador) Faculdade de Direito, PUCRS Resumo O mandamento constitucional da defesa do consumidor, constante em dois dispositivos de forma expressa e inequívoca, 1 pode sofrer sério prejuízo se não houver um efetivo controle da publicidade enganosa e abusiva. É dispensável sublinhar o papel da publicidade comercial no capitalismo. O regime capitalista depende da livre iniciativa e esta não se manifesta apenas na instalação de negócios e empreendimentos, mas especialmente na sua sustentação econômica. Para isso, é vital que as empresas consigam colocar no mercado seus produtos e serviços, finalidade que buscam alcançar por meio de diversos instrumentos, dentre eles, com grande destaque, aparece a publicidade. Como afirma um autor italiano, 2 a publicidade transformou-se no tecido conectivo entre a produção e o mercado. Nos dias de hoje, dominados pela tecnologia e por novas mídias, a publicidade se dissemina pelos meios de comunicação social, seja sob roupagem convencional, tais como nos anúncios impressos e audiovisuais, seja sob formatos inovadores, pela Internet e telefonia celular. Em princípio, acompanhando a livre iniciativa, a publicidade também é livre, não sendo passível de controle a priori. Entretanto, a Constituição Federal prevê a possibilidade de restrições à publicidade comercial de certos produtos e serviços. O art. 220, 4º, que autoriza as restrições, 3 está inserido no capítulo da comunicação social, sendo questionada a extensão que o legislador ordinário poderá adotar sem ferir a liberdade de manifestação do 1 Art. 5º. 2 PRATESI, Carlo Alberto. Il punto de vista dell aziendalista.pubblicità e altre comunicazione commerciali: chiaramenti sui termini e tendenze evolutive in atto. In: ALPA, Guido; CARLEO, Liliana Rossi. Codice del conumo: commentario. Napoli: Edizione Scientifiche Italiane, 2005, p. 192.
2697 pensamento, de criação, de expressão e de informação, que são objetos de proteção do caput do mesmo dispositivo constitucional. Só por isso o tema já se justificaria. Ocorre que, ademais, há questionamentos sobre a correção desse locus constitucional da publicidade comercial. Para alguns autores, 4 sua natureza predominantemente econômica seria determinante da localização da norma da publicidade comercial no capítulo da ordem econômica. Introdução O objetivo geral do trabalho é estudar a natureza da publicidade comercial, se predominantemente social ou econômica. Como objetivos específicos, verificar, na estrutura da Constituição Federal, a adequação das restrições à publicidade comercial ser colocada entre as normas relativas à ordem social, como consta no art. 220, 4º. Estudar as conseqüências decorrentes do atual posicionamento constitucional da publicidade quanto à extensão das restrições legais à publicidade comercial dos produtos e serviços referidos no dispositivo citado. Verificar as mesmas decorrências na hipótese de posicionamento daquelas restrições entre as normas relativas à ordem econômica. Na origem do que se pretende investigar com o presente projeto está a questão de saber se a publicidade tem um teor predominantemente informativo ou persuasivo. Isso porque o art. 220, caput, da CF, protege a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação. Há os que sustentam que a publicidade desenvolve todas essas atividades, uma vez que ela deve ser livre como forma de expressão de palavra e de criação artística, além de ser essencialmente informativa 5 quanto aos produtos presentes no mercado, tornando-se, por este último aspecto, essencial nos dias de hoje. Nos Estados Unidos, onde a publicidade tornou-se expressiva atividade econômica, foi desenvolvida a doutrina da liberdade de manifestação e expressão comercial, com adesão jurisprudencial e acatamento transfronteira no Canadá e Europa. De acordo com essa visão, o conceito de abusividade em publicidade deveria limitar-se a remediar os erros de informação. 3 Art. 220 4 PASQUALOTTO, Adalberto. Os efeitos obrigacionais da publicidade no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997; MIRAGEM, Bruno. Direito do consumidor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. 5 Publicidade é notícia, segundo o publicitário Caio A. Domingues. Publicidade enganosa e abusiva. Direito do Consumidor, vol. 4, São Paulo, 1992, p. 193
2698 No mais, o mercado deveria agir por si mesmo, propiciando ao consumidor escolhas adequadas aos seus desejos e necessidades. 6 Todavia, há diferenças essenciais entre a comunicação social, capítulo no qual se insere o art. 220, a proteger os valores da manifestação do pensamento, da criação, da expressão e da informação, e a publicidade comercial. Exemplificativamente: no art. 220 está albergados o jornalismo informativo e a opinião jornalística, aquele como fato social que se transforma em notícia e esta como juízo de valor sobre os fatos noticiados. 7 A publicidade, ao contrário dos fatos noticiados pela imprensa, não se subordina ao binômio verdadeiro-falso, fazendo afirmações neutras ou, como diz Baudrillard, evidências rodopiantes, 8 do tipo o cigarro para quem sabe o que quer. As liberdades mencionadas no caput do art. 220 estão ligadas às garantias individuais do art. 5º, IX, CF, 9 que têm longa tradição universal, e cuja fundamentação, na tradição inglesa, iniciou-se com Milton, ainda no século XVII, prosseguindo com Locke e com a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, resultante da revolução francesa, em 1789. Na América, o primeiro documento relevante foi o Bill of Rights, de 1776. 10 Aquelas liberdades são essencialmente diferentes da divulgação publicitária. Em 1942, a Suprema Corte norte-americana teve oportunidade de estabelecer a linha demarcatória, ao julgar o caso de um cidadão da Floria, que adquirira um submarino da Marinha, estacionado em um píer de Nova York, com a intenção de promover visitação pública mediante a cobrança de ingressos. O folheto publicitário continha numa face a promoção comercial e na outra um protesto contra o Departamento de Docas, por dificultar a atracagem do submarino. À época, vigorava uma postura municipal que proibia a distribuição de panfletos comerciais nas ruas. A inserção do protesto visava obviar a proibição, sob o argumento de que a postura municipal afrontava a liberdade constitucional de imprensa e de palavra. A Suprema Corte, contrariando a decisão das instâncias inferiores, considerou que o protesto era apenas uma forma de burlar a distribuição de publicidade, finalidade que era predominante. 11 6 Assim a síntese de Iain Ramsay. O controle da publicidade em um mundo pós-modermo. Publicidade enganosa e abusiva. Direito do Consumidor, vol. 4, São Paulo, 1992, p. 27-28. 7 DENARI, Zelmo. A comunicação social perante o Código de Defesa do Consumidor. Direito do Consumidor, vol. 4, São Paulo, 1992, p. 134. 8 BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Lisboa: Edições 70, 1991, p. 134-136. 9 Art. 5º. 10 Para uma síntese dessa evolução, v. MIRAGEM, Bruno. Responsabilidade civil da imprensa por dano à honra. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 35 e ss. 11 Valentine v. Christensen, 316 US 52, 62 S. Ct. 920, L. Ed. 1262 (1942).
2699 Atualmente, prevalece na Suprema Corte a proteção à atividade publicitária sob a primeira Emenda, que protege a liberdade de expressão, sob a forma de liberdade expressão comercial (commercial speach). 12 No Brasil, será necessário diferenciar a proteção à liberdade de manifestação do pensamento, expressão, criação e informação, da liberdade comercial de fazer publicidade. O que se procurará demonstrar ao longo do estudo proposto é que a liberdade de publicidade comercial ficaria melhor localizada como um parágrafo a ser acrescentado ao art. 170, CF, 13 que trata dos princípios da ordem econômica. Metodologia O procedimento utilizado neste trabalho é o de análise e interpretação dos dados doutrinários, legais e principalmente jurisprudenciais, além dos sócio-econômicos. Conclusão Com efeito, considerar a publicidade comercial uma questão jurídica de prevalência social ou econômica pode ter importantes repercussões no tratamento das restrições legais a que pode ser submetida, especialmente naqueles produtos mencionados no art. 220, 4º, notabilizando-se o tabaco, objeto de severidade extrema da Lei 10.167/2000. Referências ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. ALPA, Guido. Una política del diritto per la pubblicità commerciale. Rivista del Diritto Commerciale e del Diritto Generale delle Obligazioni, Milano, nº 9-10, set.-out. 1994, p. 303-321. ALPA, Guido; CARLEO, Liliana Rossi. Codice del conumo: commentario. Napoli: Edizione Scientifiche Italiane, 2005. 12 MOROSINI, Fábio. Visões acerca do novo direito da comunicação de massa. Revista de Direito do Consumidor, vol. 50, São Paulo, abr.-jun. 2004, p. 193. 13 Art. 170.
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