Os Caligramas são poemas visuais que sintetizam a imagem à escritura, proporcionando a visualidade na legibilidade do figurativo. São criações do poeta Guillaume Apollinaire a partir da fusão entre a caligrafia e a forma ideogrâmica (em referência à artesania e à visualidade dos ideogramas chineses). Sua leitura consiste em identificar as relações formais ao fundir o figurativo e o discurso, ao tornar o poema legível a partir do visível, e assim construir o sentido e a significação, onde a espacialidade e a plasticidade do texto tornam-se parte integrante do discurso. Os Caligramas de Apollinaire foram escritos durante sua participação na Primeira Guerra Mundial e publicados em 1918, ao seguir a linhagem experimental de Mallarmé.
Vivemos ainda no reinado da lógica, eis, bem entendido, aonde eu queria chegar. (...). O racionalismo absoluto que continua na moda só permite considerar fatos de pequena relevância de nossa experiência. (...). É inútil acrescentar que à própria experiência foram assinalados limites. Ela gira dentro de uma gaiola de onde é, cada vez, mais difícil sair. Apóia-se, também ela, na utilidade imediata e é observada pelo bom-senso. Sob as cores da civilização, a pretexto de progresso, chegou-se a banir do espírito tudo aquilo que, com ou sem razão, pode-se classificar de superstição, de quimera; a proscrever toda forma de pesquisa da verdade que não esteja de acordo com o uso. (...). Deve-se dar graças às descobertas de Freud. Na trilha de suas descobertas, esboça-se, enfim, uma corrente de opinião, a favor da qual o explorador humano poderá levar mais longe suas investigações, autorizado que estará anão mais levar em conta realidades sumárias. A imaginação está talvez a ponto de retomar seus direitos (TELES, 1978, P. 173)
Segundo André Breton, em seu Manifesto Surrealista de 1924, o surrealismo 1 significava a crença em uma realidade superior e absoluta, determinada não apenas pela razão, mas, sobretudo pela realidade dos sonhos e da imaginação. Além disso, pode-se dizer que o surrealismo sintetizou as vanguardas e explorou o inconsciente através do automatismo psíquico, na tentativa de exprimir verbalmente o pensamento sem o crivo moral da razão. Segundo ele, a partir da escritura automática foi possível trazer à tona o inconsciente, ao jogar com o pensamento e sua estrutura simbólica regida associativamente por significantes, à medida que um termo dito ou escrito sempre se remete a outro e assim sucessivamente, como Breton ensina na seção Segredos da arte mágica surrealista composição surrealista escrita, ou primeiro e último jato: Mandem trazer algo com que escrever, depois de se haverem estabelecido em um lugar tão favorável quanto possível à concentração do espírito sobre si mesmo. Ponham-se no estado mais passivo, ou receptivo que puderem. Façam abstração de seus gênios, de seus talentos e dos de todos os outros. Digam a si mesmos que a literatura é um dos: mais tristes caminhos que levam a tudo. Escrevam depressa, sem um assunto preconcebido, bastante depressa para não conterem e não serem tentados a reler. A primeira frase virá sozinha, tanto é verdade que a cada segundo é uma frase estrangeira ou estranha a nosso pensamento consciente que só pede para se exteriorizar. (Ibidem, P. 188) Em síntese, o método da escritura automática veio antecipar o que Lacan afirmou em suas pesquisas, enfim, que o inconsciente era estruturado simbolicamente segundo uma cadeia de significantes. Pois, a escrita automática foi muitas vezes um texto escrito coletivamente, de modo que atingisse uma linguagem de caráter ainda mais impessoal, ao ser regido pela força do significante e não por uma pessoa autoral. 1 SURREALISMO, nm. Automatismo psíquico pelo qual alguém se propõe a exprimir seja verbalmente, seja por escrito, seja de qualquer outra maneira, o funcionamento real do pensamento. Ditado do pensamento, na ausência de todo controle exercido pela razão, fora de qualquer preocupação estética ou moral. In.: TELES, Gilberto M. Vanguardas européias e Modernismo brasileiro. Petrópolis: Vozes, 1978. (P. 185)