Cisto odontogênico ortoqueratinizado x tumor odontogênico queratocístico: a importância da diferenciação histopatológica no tratamento

Documentos relacionados
Patologia Buco Dental Prof. Dr. Renato Rossi Jr.

Odontogenic Keratocyst in the Anterior Maxillary Region: Case Report

Keywords: Odontogenic Cysts; Recurrence; Diagnosis.

GABRIELA DAL PIZZOL BREGOLIN TUMOR ODONTOGÊNICO CERATOCÍSTICO: REVISÃO DA LITERATURA E DESCRIÇÃO DE CASO CLÍNICO

TUMOR ODONTOGÊNICO CÍSTICO CALCIFICANTE EM MANDÍBULA: RELATO DE CASO E REVISÃO DE LITERATURA 1 RESUMO

CISTO ODONTOGÊNICO ORTOCERATINIZADO: RELATO DE CASO E REVISÃO DOS ASPECTOS CLÍNICOS, RADIOGRÁFICOS, HISTOPATOLÓGICOS E TERAPÊUTICOS

Tumor odontogênico ceratocístico - levantamento de casos e revisão de literatura

CISTO DO DUCTO NASOPALATINO: RELATO DE CASO

Determinação da expressão de proteínas no sítio epitélio-mesênquima do Tumor Queratocístico Odontogênico: importância no comportamento tumoral

ASPECTOS IMAGENOLÓGICOS DE UM AMELOBLASTOMA MULTICÍSTICO LOCALIZADO NA REGIÃO ANTERIOR DE MANDÍBULA - RELATO DE CASO

Calcifying Odontogenic Cyst: Report of a Case

INFORMAÇÕES DE IMAGENS DAS LESÕES DOS MAXILARES

Larissa Martini Vicente. Tumor Odontogênico Queratocístico: aspectos clínicos, microscópicos e terapêuticos.

Robrac, 18 (47) 2009 ISSN Nasopalatine duct cyst: microscopic and differential diagnosis considerations

TUMOR ODONTOGÊNICO QUERATOCÍSTICO E CONSIDERAÇÕES DIAGNÓSTICAS KERATOCYSTIC ODONTOGENIC TUMOR AND DIAGNOSTIC CONSIDERATIONS

Assessoria ao Cirurgião Dentista papaizassociados.com.br. Publicação mensal interna da Papaiz edição XIII Novembro de 2015

TUMOR ODONTOGÊNICO QUERATOCÍSTICO: REVISÃO DE LITERATURA

Tumor odontogênico ceratocístico: relato de caso clínico

Displasia Fibrosa Aspectos Radiográficos e Tomográficos

Abordagem conservadora para extenso tumor odontogênico ceratocístico mandibular

Tumor Odontogênico Adenomatoide: Relato de Caso

Tumor Odontogênico Queratocístico. Queratocisto Odontogênico. Tratamento Cirúrgico. Prognóstico.

Ângela Ferraz SOUZA Professora Mestre Disciplina de Estomatologia Faculdade de Odontologia PUC/MG Belo Horizonte MG Brasil

CERATOCISTO ODONTOGÊNICO NA MAXILA: RELATO DE CASO

TUMOR ODONTOGÊNICOQUERATOCÍSTICO: REVISÃO DE LITERATURA

Assessoria ao Cirurgião Dentista Publicação mensal interna da Papaiz edição XX Outubro de papaizassociados.com.

Assessoria ao Cirurgião Dentista

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE ODONTOLOGIA DISCIPLINA DE TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO NÉLIO BAIRROS DORNELLES JUNIOR

ABORDAGENS TERAPÊUTICAS PARA O TUMOR ODONTOGÊNICO CERATOCÍSTICO

ENUCLEAÇÃO DE CISTO RADICULAR MAXILAR DE GRANDE EXTENSÃO: RELATO DE CASO

EMPREGO DE MARSUPIALIZAÇÃO PARA TRATAMENTO DE CISTO ODONTOGÊNICO ORTOCERATINIZADO EXTENSO EM MANDÍBULA: RELATO DE CASO

Abordagem conservadora de ameloblastoma unicístico com proliferação mural

Lesões primárias e recidivantes do tumor. odontogênico queratocístico e cisto odontogênico. ortoqueratinizado: casuística e análise histoquímica,

Tratamento cirúrgico de ameloblastoma sólido convencional: relato de caso clínico

Tumor Odontogênico Ceratocístico

Assessoria ao Cirurgião Dentista Publicação mensal interna da Papaiz edição XIX Setembro de papaizassociados.com.

CISTO PERIAPICAL DE GRANDES PROPORÇÕES NA REGIÃO ANTERIOR DA MAXILA. RELATO DE CASO

Assessoria ao Cirurgião Dentista Publicação mensal interna da Papaiz edição XXVII Setembro de 2017

Tumor odontogênico adenomatoide: relato de um caso clínico destacando os seus principais diagnósticos diferenciais

Tumor odontogênico adenomatoide folicular em maxila - Relato de Caso

A IMPORTÂNCIA DOS EXAMES IMAGINOLÓGICOS NO DIAGNÓSTICO E CONTROLE DE TRATAMENTO DO TUMOR ODONTOGÊNICO QUERATOCÍSTICO: RELATO DE TRÊS CASOS

Relato de caso clínico: tumor odontogênico queratocístico na primeira infância

Fatores clínicos, histopatológicos e tratamentos do queratocisto odontogênico: Estudo de 28 casos

Marsupialização como tratamento definitivo de cistos odontogênicos: relato de dois casos

ANÁLISE HISTOPATOLÓGICA DA CÁPSULA E EPITÉLIO ODONTOGÊNICO NO TUMOR ODONTOGÊNICO CERATOCÍSTICO SUBMETIDOS A DESCOMPRESSÃO CIRÚRGICA: SÉRIE DE CASOS

Cisto dentígero inflamatório relacionado a dente permanente: considerações etiopatológicas

O uso da tomografia computadorizada multislice como meio auxiliar no diagnóstico do Ameloblastoma: relato de um caso clínico

CISTO DENTÍGERO, UM RELATO DE CASO DENTIGEROUS CYST, A REPORT CASE

TUMOR ODONTOGÊNICO ADENOMATÓIDE EM MAXILA ADENOMATOID ODONTOGENIC TUMOR IN MAXILLA

Ameloblastoma: revisão de literatura

Perfil clínico e histopatológico do cisto odontogênico calcificante: relato de caso. Resumo. 1 Introdução

Odontoma complexo associado a cisto dentígero: relato de dois casos clínicos. Complex odontoma associated with dentigerous cyst: a report of two cases

Surgical treatment of an extensive glandular odontogenic cyst: a case report

Aspectos clínicos, radiográficos e terapêuticos do ameloblastoma

Assimetria Facial Decorrente de Lesão Intra- Óssea de Grandes Proporções. Casos Clínicos.

TÍTULO: REMOÇÃO DE ODONTOMA COMPOSTO E COMPLEXO, RELATO DE CASO CLÍNICO.

CEMENTOBLASTOMA BENIGNO: RELATO DE CASO

TRATAMENTO DE TUMOR ODONTOGÊNICO QUERATOCÍSTICO

CISTO ÓSSEO SOLITÁRIO SOLITARY BONE CYST

Cisto periapical residual: relato de caso clínico-cirúrgico

AMELOBLASTOMA: TRATAMENTO CIRÚRGICO CONSERVADOR OU RADICAL? AMELOBLASTOMA: RADICAL OR CONSERVATIVE SURGICAL TREATMENT?

Carla Juliana de Oliveira Caroline Altes Moraes da Silva

Cisto periodontal lateral: relato de caso clínico

Ameloblastoma folicular extensivo em mandíbula

Cisto periodontal lateral em maxila mimetizando cisto residual: Relato de caso incomum

Assessoria ao Cirurgião Dentista Publicação mensal interna da Papaiz edição XXXI Junho de 2018

Cisto dentígero: modalidades de tratamento

UNIPAC. Universidade Presidente Antônio Carlos. Faculdade de Medicina de Juiz de Fora PATOLOGIA GERAL. Prof. Dr. Pietro Mainenti

ConScientiae Saúde ISSN: Universidade Nove de Julho Brasil

Cisto do ducto nasopalatino em intima relação com implante osseointegrado

TRATAMENTO CIRÚRGICO DE ODONTOMA COMPLEXO EM MANDÍBULA COM O AUXÍLIO DE MOTOR ULTRASSÔNICO. Odontologia de Araçatuba UNESP;

FACULDADE DE ODONTOLOGIA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS. Fabrini Frade. Tumor Odontogênico Queratocístico Relato de um caso em maxila

CISTO ODONTOGÊNICO EPITELIAL CALCIFICANTE RELATO DE CASO * CALCIFYING EPITHELIAL ODONTOGENIC CYST A CASE REPORT

Cisto Dentígero: Relação entre Imagem Radiográfica do Espaço Pericoronário e Laudo Histopatológico em Terceiros Molares Inclusos

UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JÚLIO DE MESQUITA FILHO CÂMPUS DE ARAÇATUBA - FACULDADE DE ODONTOLOGIA CURSO DE GRADUAÇÃO EM ODONTOLOGIA

ratamento de Lesão Central de Células Gigantes Recidivante: relato de caso RESUMO ABSTRACT

TRATAMENTO DE GRANDES CISTOS RADICULARES POR MEIO DA TÉCNICA DE DESCOMPRESSÃO E POSTERIOR ENUCLEAÇÃO: RELATO DE DOIS CASOS

EXTENSO AMELOBLASTOMA EM MANDÍBULA: RELATO DE CASO LARGE AMELOBLASTOMA IN MANDIBLE: CASE REPORT

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FACULDADE DE ODONTOLOGIA. Joanna Farias da Cunha

MÚLTIPLOS CISTOS DO COMPLEXO MAXILO-MANDIBULAR: REVISTA DE LITERATURA E RELATO DE UM CASO NÃO-SINDRÔMICO

Cisto dentígero de grandes dimensões: acesso intraoral e reabilitação

Divergências de Tratamento do Cisto Dentígero: Revisão Sistemática. Differences in the treatment of a dentigerous cyst: a systematic review

Hemangioma cavernoso:

Os autores analisaram 450 ortopantomografias (radiografias panorâmicas), onde foram observados um total de

Benign tumors of the jaws: a 10-year retrospective analysis

CISTO DENTÍGERO ASSOCIADO A CANINO INCLUSO EM MAXILA: RELATO DE CASO

Pesquisa Brasileira em Odontopediatria e Clínica Integrada ISSN: Universidade Federal da Paraíba Brasil

UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA LUANA DA SILVA MINATTO

Universidade Federal do Ceará Módulo em Cirurgia de Cabeça e Pescoço. Tumores das Glândulas Salivares. Ubiranei Oliveira Silva

Cisto ósseo traumático em mandíbula: relato de caso

PROCESSO SELETIVO DE TRANSFERÊNCIA EXTERNA CADERNO DE PROVA

GRANULOMA CENTRAL DE CÉLULAS GIGANTES: RELATO DE CASO CENTRAL GIANT CELL GRANULOMAS: A CASE REPORT

UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA UEPB CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE CCBS DEPARTAMENTO DE ODONTOLOGIA CURSO DE ODONTOLOGIA

GLÁUCIA FERNANDES DOS SANTOS CISTO ODONTOGÊNICO GLANDULAR: RELATO DE CASO

Análise Clínica, Radiográfica e Histológica de 122 Casos de Ameloblastomas em uma População Brasileira

SURGERY TREATMENT OF KERATOCYSTIC ODONTOGENIC TUMOR: A CASE REPORT

Transcrição:

Recebido em 17/08/2011 Aprovado em 21/12/2011 V12N1 Cisto odontogênico ortoqueratinizado x tumor odontogênico queratocístico: a importância da diferenciação histopatológica no tratamento Orthokeratinized Odontogenic Cyst x Keratocystic Odontogenic Tumour: The Importance of Differential Histopathogenesis in the Treatment Rodrigo Dias Nascimento I Fernando Vagner Raldi II Michelle Bianchi de Moraes III Déborah Holleben IV Paula Tamião Arantes RESUMO O cisto odontogênico ortoqueratinizado (COO) e o tumor odontogênico queratocístico (TOQ) são lesões distintas, com comportamento clínico e características radiográficas semelhantes. Enquanto o COO é classificado como cisto odontogênico, o TOQ, com base na última classificação da OMS em 2005, passou a ser classificado como neoplasia odontogênica. Essa alteração realizada na classificação do TOQ baseou-se em evidências científicas que constataram uma taxa de proliferação celular dessas lesões não compatível com as lesões císticas, fato esse comprovado mediante os dos elevados índices de recidiva encontrados no TOQ. Em função das semelhanças clínicas e radiográficas, a diferenciação histológica dessas lesões torna-se preponderante para o delineamento de um plano de tratamento conservador ou agressivo. Neste trabalho, relata-se um caso de paciente com 28 anos, gênero masculino, leucoderma, com aumento de volume assintomático em mandíbula, na região dos dentes 33, 34 e 35, todos com vitalidade. Os exames de imagem revelaram lesão radiolúcida em parasínfise e corpo mandibular esquerdo. O paciente foi submetido à punção aspirativa, com resultado negativo, e à biópsia incisional. O material coletado foi enviado a um laboratório de anatomopatologia cujo laudo revelou tumor odontogênico queratocístico. Assim sendo, o paciente foi submetido à cirurgia de enucleação com curetagem marginal, evoluindo sem intercorrências no pós-operatório. O material coletado durante a enucleação foi encaminhado ao laboratório de Patologia Bucal da Faculdade de Odontologia de São José dos Campos UNESP cujo laudo mostrou lesão cística revestida por epitélio ortoqueratinizado compatível com cisto odontogênico ortoqueratinizado, contradizendo o resultado obtido na biópsia incisional. Atualmente, o paciente encontra-se em proservação há 72 meses, sem indícios de recorrência lesional. Descritores: Cisto Odontogênico Ortoqueratinizado; Tumor Odontogênico Queratocístico; Radiologia; Mandíbula; Osso. 19 ABSTRATCT The orthokeratinized odontogenic cyst (OOC) and keratocystic odontogenic tumour (KCOT) are distinct lesions with similar clinical behavior and radiological features. According to the latest edition of the WHO classification, the KCOT is now classified as an odontogenic neoplasm and the OOC continues I. Doutor em Patologia Bucal e Professor da Disciplina de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial da Faculdade de Odontologia de São José dos Campos UNESP. II. Professor Doutor da Disciplina de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial da Faculdade de Odontologia de São José dos Campos UNESP. III. PhD. no programa de Biopatologia Oral na área de Radiologia e Professor Doutor da Disciplina de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo- Facial da Faculdade de Odontologia de São José dos Campos UNESP. IV. Cirurgiã- dentista e estagiária pela Faculdade de Odontologia de São José dos Campos - UNESP, na Disciplina de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial, Departamento de Diagnóstico e Cirurgia. V. Aluna de graduação e monitora pela Faculdade de Odontologia de São José dos Campos - UNESP, Disciplina de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial, Departamento de Diagnóstico e Cirurgia. ISSN 1679-5458 (versão impressa) ISSN 1808-5210 (versão online) Rev. Cir. Traumatol. Buco-Maxilo-Fac., Camaragibe v.12, n.1, p. 17-24, jan./mar. 2012

NASCIMENTO, et al. to be classified as an odontogenic cyst. This change made in the classification of KCOT was based on scientific evidence that demonstrated that the proliferation rate of these lesions is not compatible with cystic lesions, a fact demonstrated by the high rate of recurrence found in KCOT. Due to their clinical and radiological similarities, the histological differentiation of these lesions is crucial when choosing whether to adopt a conservative or invasive plan of treatment. In this paper, we describe a 28-year-old male patient, caucasian, with asymptomatic increased volume in the mandible in the region of teeth 33, 34 and 35, all with vitality. The imaging studies revealed a radiolucent lesion in the left mandibular body and parasymphysis. The patient underwent aspiration with negative results and incisional biopsy. The material collected was sent to an anatomic pathology laboratory, and the report revealed a keratocystic odontogenic tumour. The patient therefore underwent a surgical enucleation with marginal curettage, with an unremarkable postoperative course. The material collected during the enucleation was sent to the Oral Pathology Department at the School of Dentistry, São José dos Campos UNESP, whose report revealed a cystic lesion lined by orthokeratinizing epithelium compatible with an orthokeratinized odontogenic cyst, which was at odds with the result obtained in the incisional biopsy. The patient has been followed up for 72 months with no evidence of recurrence of the lesion. DESCRIPTORS: Orthokeratinized Odontogenic Cyst. Keratocystic Odontogenic Tumour. Radiology. Mandible. Bone. 20 INTRODUÇÃO Os cistos e tumores odontogênicos se constituem em entidades de suma importância na patologia oral e maxilo-facial. Tais lesões são frequentemente encontradas na clínica odontológica, sendo o tumor odontogênico queratocístico (TOQ) reportado com uma frequência relativa de 1.3% a 21.5% entre todos os cistos odontogênicos 1. Com uma incidência muito menor, cerca de 10% dos cistos queratinizados da mandíbula são revestidos predominantemente de epitélio ortoqueratinizado 2, como o cisto odontogênico ortoqueratinizado (COO), que para alguns autores corresponde a uma variação do TOQ, e, para outros, uma entidade patológica distinta. Apesar de serem consideradas entidades separadas, o TOQ e o COO compartilham algumas semelhanças histológicas, com o comportamento 3 clínico dessas lesões extremamente semelhante, porém com taxas de recidivas totalmente diferentes. Considerando- se esse dado, portanto, o exame microscópico torna-se imperativo no diagnóstico final, tratamento e proservação do caso. Algumas investigações têm demonstrado diferenças comportamentais significativas nas características histológicas e clínicas entre TOQ e COO3. O TOQ típico é caracterizado por uma cápsula cística forrada por um uniforme epitélio escamoso, paraqueratinizado de células com aparência ondulada e achatada, que apresenta 5 a 10 camadas de células 2-4. Com uma camada basal bem desenvolvida de células epiteliais colunares ou cúbicas hipercromáticas arranjadas em paliçada, a qual mostra seus núcleos verticalmente alongados 2-3. Podem ser observados ilhas, cordões de epitélio odontogênico, calcificações distróficas ou pequenos cistos-satélites na cápsula de tecido conjuntivo fibroso relativamente delgada, em geral, sem presença de infiltrado inflamatório 4. Entretanto, o COO, segundo as amostras do trabalho de Diniz et al., (2010) relata a presença de uma cápsula fibrosa Rev. Cir. Traumatol. Buco-Maxilo-Fac., Camaragibe v.12, n.1, p. 17-24, jan./mar. 2012 ISSN 1679-5458 (versão impressa) ISSN 1808-5210 (versão online)

revestida de um epitélio escamoso estratificado, que apresenta superfície ortoqueratinizada de espessura variável 3-4. Grânulos de querato-hialina podem ser bem visíveis na camada epitelial superficial subjacente à ortoqueratina. O limitante epitelial pode ser relativamente fino 4. Em contraste com a taxa de recorrência significativa após convencional tratamento cirúrgico do TOQ, o COO mostra pouca agressividade clínica 3. A atividade mitótica do TOQ é maior do que a dos outros cistos odontogênicos, e por isso, tende a recorrer 2, enquanto o COO apresenta menor atividade proliferativa, comparado com o TOQ e maior índice de apoptose 3. Os tumores odontogênicos podem ser derivados de proteínas precursoras da odontogênese, mais especificamente da interação de mediadores epitélio-mesenquimais. A proteína SHH, produto da transcrição do gene SHH, foi relatada para ser expressa no epitélio odontogênico, durante a fase inicial de iniciação do germe dentário, uma etapa da formação dos dentes, associada como uma possível precursora para alguns cistos odontogênicos e tumores 1,3. O COO é um cisto odontogênico de etiologia desconhecida, que ocorre, predominantemente, em adultos jovens, com uma relação homem-mulher de 2:1, principalmente no segmento posterior da mandíbula, sendo que suas características clínicas ou radiográficas não se diferenciam dos outros cistos odontogênicos 3-4. Geralmente, a lesão mostra-se radiotransparente e unilocular, podendo, em alguns casos, ser multilocular, e, às vezes, ser confundida com um cisto dentígero 4. O TOQ, entretanto, tem etiologia derivada dos remanescentes celulares da lâmina dentária, e seu crescimento pode estar relacionado com fatores inerentes, desconhecidos do próprio epitélio ou com atividade enzimática na cápsula fibrosa 4. Em virtude do comportamento biológico agressivo, das altas taxas de recidivas e das diferenças moleculares existentes entre os queratocistos e as demais lesões císticas odontogênicas, a Organização Mundial da Saúde, em 2005, reclassificou-a como uma neoplasia benigna intraóssea, sugerindo a designação de tumor odontogênico queratocístico 1,5. O TOQ pode ser diagnosticado em pacientes com idade variável, entre 10 e 40 anos, com predileção pelo gênero masculino, envolvendo, normalmente, a região posterior da mandíbula e ramo ascendente. Uma das suas características clínicas é ser, na maioria das vezes, assintomático, com crescimento no sentido ântero-posterior, sem causar expansão óssea evidente. Quando um paciente apresenta TOQ, ele deve ser avaliado para outras manifestações, como a síndrome do carcinoma nevoide de células basais (Gorlin) 4. As lesões podem se apresentar multiloculadas, com área radiotransparente bem definida, com margens regulares e corticais. Associadas a dentes inclusos, em 25% a 40% dos casos, seu aspecto radiográfico sugere diagnóstico de cisto dentígero, contudo a reabsorção radicular dos dentes adjacentes irrompidos é menos comum do que a observada com os cistos radicular e dentígero. Os aspectos radiográficos, entretanto, não são suficientes para o diagnóstico 4. O objetivo do estudo é elucidar por meio do caso clínico em questão, a diferença histopatológica, clínica e radiográfica entre COO e TOQ, pois as opções de tratamento e proservação de tais lesões são distintas, e o correto diagnóstico é de suma importância. RELATO DE CASO Este trabalho relata um caso de paciente com 28 anos, gênero masculino que apresentava uma lesão expansiva em hemimandíbula esquerda, com abaulamento vestibular, no fundo de vestíbulo dos dentes 33 ao 37, assintomática e sem envolvimento da vitalidade pulpar dos dentes 33, 34 e 35 (Figura 1). NASCIMENTO, et al. 21 ISSN 1679-5458 (versão impressa) ISSN 1808-5210 (versão online) Rev. Cir. Traumatol. Buco-Maxilo-Fac., Camaragibe v.12, n.1, p. 17-24, jan./mar. 2012

NASCIMENTO, et al. 22 Figura 1: Aspecto clínico intrabucal. Notar aumento de volume em vestíbulo no lado esquerdo. Como exames complementares de imagem, foram realizadas radiografia panorâmica e tomografia computadorizada (Figuras 2 e 3). Segundo esses exames, a lesão se apresentou expansiva, com conteúdo hipodenso, com densidade próxima à de partes moles, de limites bem definidos, localizada na transição entre o corpo esquerdo e a região mentoniana à esquerda da mandíbula, expandindo e afilando contornos corticais, sem associação com componentes de partes moles adjacentes. A imagem manteve íntima relação com a raiz dos dentes incisivos, canino e pré-molares desse lado, acarretando desvio destes. As demais estruturas ósseas não apresentaram alterações; os seios paranasais, com transparência normal; a musculatura, com aspecto tomográfico normal, e o tecido celular subcutâneo, sem alterações apreciáveis, sugerindo a hipótese de um cisto odontogênico. Assim sendo, o exame radiológico não foi suficiente para determinação de uma lesão específica, induzindo a uma biópsia incisional. O paciente foi submetido à punção aspirativa, com resultado negativo, e à biópsia incisional. O material coletado foi enviado a um laboratório de anatomopatologia cujo laudo revelou tumor odontogênico queratocístico. Macroscopicamente, segundo a descrição do laboratório de anatomopatologia, a lesão apresentou múltiplos fragmentos irregulares medindo 0.8 x 0.8 x 0.4 cm, granulosos, castanho-amarelados de consistência elástica, tendo em meio áreas pétreas. O espécime foi inteiramente submetido a exame histológico. Microscopicamente, os fragmentos de parede da estrutura cística se apresentaram revestidos de epitélio estratificado escamoso queratinizado, com múltiplas lamelas de queratina compactadas adjacentes, sem atipias de arquitetura ou de células individuais. O tecido conjuntivo adjacente mostrouse com múltiplos focos de infiltrado mononuclear de predomínio linfocitário, vasos neoformados e áreas de fibrose. Houve presença de pequena trabécula óssea desvitalizada de permeio sem sinais de malignidade. Figura 2: Radiografia panorâmica. Figura 3: Tomografia computadorizada- cortes axiais. Assim sendo, o paciente foi submetido à cirurgia de enucleação com curetagem marginal e o procedimento de enxertia por meio da associação de enxerto heterógeno (DFDBA) e PRP, evoluindo sem intercorrências, no pós-operatório. O material coletado durante a enucleação (figura 4) foi encaminhado ao laboratório de Patologia Bucal da Faculdade de Odontologia de São José Rev. Cir. Traumatol. Buco-Maxilo-Fac., Camaragibe v.12, n.1, p. 17-24, jan./mar. 2012 ISSN 1679-5458 (versão impressa) ISSN 1808-5210 (versão online)

dos Campos UNESP, cujo laudo mostrou lesão cística revestida de epitélio ortoqueratinizado compatível com cisto odontogênico ortoqueratinizado, contradizendo o resultado obtido na biópsia incisional. No aspecto histológico, observou-se uma cápsula e revestimento epitelial cístico pavimentoso ortoqueratinizado, com camada granulosa evidente e camada basal menos proeminente (figura 5). Após 72 meses de acompanhamento, não foi observado recidiva da lesão. Figura 4: Material curetado. Figura 5: Observar em (a) e (b) a cápsula e o revestimento epitelial cístico. Em (c) e (d), maior aumento do revestimento epitelial, mostrando epitélio pavimentoso ortoqueratinizado (característico do COO), camada granulosa evidente(*) e camada basal menos proeminente (+).. DISCUSSÃO A com base nesse relato de caso, pode-se confrontar as características clínicas, radiográficas e histológicas com outros trabalhos acerca dos COO e TOQ. O COO é caracterizado por uma cavidade que apresenta um epitélio alinhado, sendo uma parcela significativa desse epitélio ortoqueratinizada, com células basais não hipercromáticas, mostrando pouca tendência a se polarizar ou se arranjar em paliçada, como as do TOQ 6. Frequentemente, existe uma camada de células granulares associadas a essa ortoqueratina. E, em razão, de sua ocorrência intraóssea na mandíbula, preferencialmente nas áreas posteriores da mandíbula e de sua capacidade de queratinização nos revestimentos, sugeriu-se, inicialmente, que o COO compartilhava a mesma origem histogênica (da lâmina dentária e seus remanescentes) do TOQ 7. No entanto, muitas investigações têm demonstrado diferenças significativas nas características histológicas e no comportamento clínico (menor potencial de crescimento e menores taxas de recorrência do COO) entre TOQ e COO 6. Além disso, as alterações no gene PTCH, comumente descritas na TOQ, não foram observadas em COO 6. Segundo Dong et al. (2010) 8, a idade média dos 61 casos diagnosticados de pacientes com COO é 38.9 anos, com predominância do gênero masculino, sendo a relação entre os gêneros masculino e feminino de 2.59: 1, dado consistente com os dados combinados de todos os casos relatados na literatura inglesa de COO (2.26: 1 )7,9-10,11-13, porém, maior do que o relatado para o TOQ (variando 1.42: 1 para 1.76: 1) 14-17. Quanto ao aspecto radiográfico, Dong et al. (2010) 8 revelaram, em sua pesquisa, que COO apresentou-se com uma lesão radiolúcida unilocular em 87% dos casos, em comparação com os 67.1% dos casos de TOQ, sendo os referidos dados coincidentes com esse relato. Em metade desses casos, algum dente impactado estava associado à lesão, o que não ocorreu no presente relato 8. NASCIMENTO, et al. 23 ISSN 1679-5458 (versão impressa) ISSN 1808-5210 (versão online) Rev. Cir. Traumatol. Buco-Maxilo-Fac., Camaragibe v.12, n.1, p. 17-24, jan./mar. 2012

NASCIMENTO, et al. 24 Segundo Neville et al.(2004) 4, o TOQ é tratado de maneira semelhante aos outros cistos odontogênicos, por enucleação ou curetagem. Mas a completa remoção do TOQ é, muitas vezes, difícil devido à natureza friável e à espessura fina da cápsula do cisto, aumentando a sua tendência a recorrer após o tratamento. De acordo com o relato do caso clínico aqui descrito, pode-se notar a controvérsia de diagnósticos entre um laboratório de análises clínicas gerais para um laboratório de análise específica de lesões associadas à face, considerando, assim, a importância de um conhecimento anatomopatológico específico da área odontológica e de uma avaliação mais cuidadosa dessas lesões. Entretanto, não há pesquisas que abordem essa controvérsia de diagnósticos entre laboratórios. Assim, a complementação da análise histológica com estudos imuno-histoquímicos comprovadamente auxilia na diferenciação do comportamento biológico entre os tumores odontogênicos queratocísticos e os cistos odontogênicos ortoqueratinizados 1. O tratamento do COO, usualmente, é feito através de enucleação com curetagem, sendo raras as recorrências com frequência de 2% em comparação ao TOQ, o qual é de 30% ou mais 4. Embora o tratamento das duas patologias seja enucleação com curetagem, o TOQ precisa ser removido com margem de segurança. Por isso, fazse uso de terapias adjuvantes, incluindo osteotomia periférica, crioterapia e uso de solução de Carnoy, além da necessidade de maior atenção durante sua proservação por ter maior frequência de recorrências relatadas em razão de fragmentos da cápsula fibrosa que não foram removidos completamente no momento da cirurgia ou ao novo tumor que pode ter sido desenvolvido de remanescentes da lâmina dentária no local do TOQ ou adjacente à lesão de original 1,4. CONSIDERAÇÕES FINAIS A diferenciação histológica existente entre o cisto odontogênico ortoqueratinizado (COO) e o tumor odontogênico queratocístico (TOQ) é de suma importância para a definição do tratamento. Devido aos diferentes índices de recidiva, o tratamento do COO pode ser a enucleação com curetagem. Por outro lado, o tumor odontogênico queratocístico exige tratamento mais invasivo, com curetagem das margens cirúrgicas e proservação mais rigorosa. É importante também que o laboratório de patologia cirúrgica realize essa diferenciação para auxiliar o cirurgião na opção de tratamento adequado, que minimize a morbidade pós-operatória do paciente. REFERÊNCIAs 1. Nonaka CFW. Estudo da imunoexpressão de RANKL e OPG, do índice angiogênico (CD34) e da presença de miofibroblastos (α- SMA) em ceratocistos odontogênicos isolados e associados à síndrome de Gorlin [tese]. Natal: Centro de Ciências da Saúde/ Departamento de Odontologia (RN): Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN; 2010. 2. Aragaki T, Michi Y, Katsube K, Uzawa N, Okada N, Akashi T, Amagasa T, Yamaguchi A, Sakamoto K. Comprehensive keratin profiling reveals different histopathogenesis of keratocystic odontogenic tumor and orthokeratinized odontogenic cyst. Hum Pathol. 2010 Dec;41(12):1718-25. 3. Diniz MG, Galvão CF, Macedo OS, Gomes CC, Gomez RS. Evidence of loss of heterozygosity of the PTCH gene inorthokeratinized odontogenic cyst. J Oral Pathol Med. 2011; 40: 277 80. 4. Neville BW, Damm DD, Allen CM, Bouquot JE. Patologia Oral e Maxillofacial, 2 ed. Guanabara/Koogan, 2004. Rev. Cir. Traumatol. Buco-Maxilo-Fac., Camaragibe v.12, n.1, p. 17-24, jan./mar. 2012 ISSN 1679-5458 (versão impressa) ISSN 1808-5210 (versão online)

5. Philipsen HP. Keratocystic odontogenic tumour. In: Barnes L, Eveson, JW, Reichart P, Sidransky D, editors. World Health Organization Classification of Tumours. Pathology and Genetics of Head and Neck Tumours. Lyon: IARC Press; 2005. p. 306-7. 6. de Fátima Bernardes V, de Lacerda JC, de Aguiar MC, Gomez RS. Calcifying odontogenic cyst associated with an orthokeratinized odontogenic cyst. Head Neck Pathol. 2008 Dec;2(4):324-7. Epub 2008 Jul 31. 7. Li TJ, Kitano M, Chen XM, et al. Orthokeratinized odontogenic cyst: a clinicopathological and immunocytochemical study of 15 cases. Histopathology. 1998;32(3):242 51. 8. Dong Q, Pan S, Sun LS, Li TJ. Orthokeratinized odontogenic cyst: a clinicopathologic study of 61 cases. Arch Pathol Lab Med. 2010 Feb;134(2):271-5. 9. Crowley TE, Kaugars GE, Gunsolley JC. Odontogenic keratocysts: a clinical and histologic comparison of the parakeratin and orthokeratin variants. JOral Maxillofac Surg. 1992;50(1):22 6. 10. Lam KY, Chan AC. Odontogenic keratocysts: a clinicopathological study in Hong Kong Chinese. Laryngoscope. 2000;110(8):1328 32. 11. Siar CH, Ng KH. Orthokeratinised odontogenic keratocysts in Malaysians. Br J Oral Maxillofac Surg. 1988;26(3):215 20. 12. Vuhahula E, Nikai H, Ijuhin N, et al. Jaw cysts with orthokeratinization: analysis of 12 cases. J Oral Pathol Med. 1993;22(1):35 40. 13. Wright JM. The odontogenic keratocyst: orthokeratinized variant. Oral Surg Oral Med Oral Pathol. 1981;51(6):609 18. 14. Jing W, Xuan M, Lin Y, et al. Odontogenic tumours: a retrospective study of 1642 cases in a Chinese population. Int J Oral Maxillofac Surg. 2007;36(1):20 25. 15. Luo HY, Li TJ. Odontogenic tumors: a study of 1309 cases in a Chinese population. [published online ahead of print January 13, 2009]. Oral Oncol. 16. Myoung H, Hong SP, Hong SD, et al. Odontogenic keratocyst: review of 256 cases for recurrence and clinicopathologic parameters. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod. 2001;91(3):328 33. 17. Ohki K, Kumamoto H, Ichinohasama R, Sato T, Takahashi N, Ooya K. PTC gene mutations and expression of SHH, PTC, SMO, and GLI-1 in odontogenic keratocysts. Int J Oral Maxillofac Surg. 2004;33(6):584 92. Endereço para correspondência Rodrigo Dias Nascimento Departamento de Diagnóstico e Cirurgia da Faculdade de Odontologia São José dos Campos, Universidade Estadual Paulista Eng. Francisco José Longo, 777 Jardim São Dimas - São José dos Campos - SP/Brasil. CEP: 12245-000 Tel: (12) 3947 9043 E-mail: rodrigo@fosjc.unesp.br NASCIMENTO, et al. 25 ISSN 1679-5458 (versão impressa) ISSN 1808-5210 (versão online) Rev. Cir. Traumatol. Buco-Maxilo-Fac., Camaragibe v.12, n.1, p. 17-24, jan./mar. 2012