emanuel dimas de melo pimenta

Documentos relacionados
J O H N C A G E O S O N S H U M A N O S D A C I D A D E emanuel dimas de melo pimenta

emanuel dimas de melo pimenta

emanuel dimas de melo pimenta

emanuel dimas de melo pimenta

C O R emanuel dimas de melo pimenta

emanuel dimas de melo pimenta

emanuel dimas de melo pimenta

A R Q U I T E C T U R A C O M O O B R A D E A R T E emanuel dimas de melo pimenta

N A T U R E Z A A R T E F A C T O S E P E R C E P Ç Ã O S E N S O R I A L emanuel dimas de melo pimenta

CIBERCULTURA RESUMO. Este artigo tem por objetivo descrever um pouco sobre a forma como a

Ana Gonçalves Área: CLC- Cultura Língua e Comunicação Módulo: CLC5- Cultura Língua Comunicação e Media Formador: Vítor Dourado

J O S E P H B E U Y S C O N T R A A N A T U R E Z A emanuel dimas de melo pimenta

A R Q U I T E C T U R A R E A L I D A D E V I R T U A L emanuel dimas de melo pimenta

ARTISTAS EM RESIDÊNCIA

GRUPO DE TEATRO WI-FI. O Quarto. Chat-room

L E M I E M O N T A G N E emanuel dimas de melo pimenta

Desenvolvimento de um Protótipo e de Metodologias de Controlo de uma Cadeira de Rodas Inteligente

Inovação do Design Tecnológico

PORTUGUÊS: Assid. Mín [h] INGLÊS: Assid. Mín [h]

Disciplina de Imagem e Som A 11º Ano Planificação do ano lectivo de 2011/2012

A04 Séc. XX 1ª Geração EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO COMPUTADOR

A MEDIDA DO TEMPO ...

Letramento Digital - Comunicação. Profa. Reane Franco Goulart

emanuel dimas de melo pimenta

É possível conjugar uma sessão de cinema com uma oficina.

LAZER E CULTURA DIGITAL

Ensinar e Aprender com Dispositivos Móveis

"ANEXO ÚNICO. IVA % (de 01/01/2012 a 30/06/2012) IVA % (de 01/07/2012 a 31/12/2012) NCM/SH ITEM DESCRIÇÃO , e

Tecnologias de Computadores

emanuel dimas de melo pimenta

1. Observe este quadro do pintor René Magritte.

OFICINAS CULTURAIS. Prof: André Aparecido da Silva / Profa. Milca Augusto da Silva Costa Disponível em:

Finalmente chegou a hora, meu pai era que nos levava todos os dias de bicicleta. --- Vocês não podem chegar atrasado no primeiro dia de aula.

Que estúpido, meu Deus! Que estúpido! Como pude não notar durante tanto tempo?! Quase dois anos e eu, sem a menor, a mínima desconfiança.

Chamamos de instrumentos de projeção aqueles que fornecem uma imagem real, que pode, portanto, ser projetada em um anteparo, uma tela ou um filme.

CENTRO DE MEMÓRIA DO ESPORTE ESCOLA DE EDUCAÇÃO FÍSICA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL ALINE PELLEGRINO II

B Características sensoriais e mentais que constituem o raciocínio nos processos de expressão gráfica.

VIRADA DO 1º PARA O 2º MILÊNIO

Aula 1: A Evolução dos Sistemas Computacionais

Grupo de Estudos de Direito Autoral e Industrial GEDAI UFPR. 27 de julho de 2017 Prof. Dr. Marcos Wachowicz

RESOLUÇÃO - CONSUNI Nº 06/2019

Sistemas Digitais e Arquitectura de Computadores

A M U T A Ç Ã O D O S S E N T I D O S emanuel dimas de melo pimenta

Magix - Vídeos, Música e Apresentações como um Profissional

Aula 2. Dispositivos de entrada. Dispositivos controladores. Memórias. Processador

Documento de preparação do Trabalho Prático de Grupo

Identificação. ML01 Duração da entrevista 21:39 Data da entrevista Ano de nascimento (Idade) 1953 (59) Local de nascimento/residência

Escola Artistica Soares dos Reis

I M P R E V I S Í V E L E O C O N T Í N U O emanuel dimas de melo pimenta

De Alexandria à Era Digital: a difusão do conhecimento através dos seus suportes

NG5 Tecnologias de Informação e Comunicação DR1-Comunicações Rádio

Orientação Escolar e Profissional. 9.º ano! E AGORA? Escola Secundária Inês de Castro 2017/2018

Curso PROEJA FIC ENSINO FUNDAMENTAL BILÍNGUE LIBRAS/PORTUGUÊS COM PROFISSIONALIZAÇÃO EM FOTOGRAFIA DIGITAL: EDIÇÃO DE IMAGENS

O Reino Encantado de Rouxinol e Araçari 1. Gessica Gabrieli VALENTINI 2 Paulo Roberto ARAÚJO 3 Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS

Ábaco. Ipad HISTÓRIA DA INFORMÁTICA E SUA EVOLUÇÃO. Tecnologias de Informação e Comunicação

Softwares, Aplicativos e Sistemas Operacionais

2º CEB SERVIÇOS EDUCATIVOS PROGRAMA ESCOLAS 2018 / 2019 O PRAZER DA CULTURA INFORMAÇÕES

NORMAS DE PARTICIPAÇÃO PARA O CONCURSO DE IDEIAS PARA LOGOTIPO DO GABINETE DA JUVENTUDE DA CÂMARA MUNICIPAL DO BARREIRO

(73) Titular(es): (72) Inventor(es): (74) Mandatário:

Hamlet no Holodeck Tablets e narrativas digitais com jogos e audiovisuais

SOCIEDADE TECNOLÓGICA GLOBALIZAÇÃO

GALENO AMORIM OS LEITORES BRASILEIROS E O LIVRO DIGITAL

MATERNAL I MANHÃ - Antes de executar suas tarefas, revise a parte teórica. Leitura de imagens atividade fotocopiada

Instituto de Educação Infantil e Juvenil Inverno, Londrina, de Nome: Ano: Tempo Início: Término: Total: Edição 19 MMXVII Fase 3 Grupo A

RESOLUÇÃO - CONSUNI Nº 04/2017

Universidade de São Paulo Escola de Comunicação e Artes Departamento de Artes Plásticas. Projeto de Pesquisa

Viver a Cidade: O que fazer com a cultura? Porto, 19 de Março de Para acabar de vez com os apoios às artes

Limpeza das lentes. Gravar um vídeo com o seu equipamento portátil não é difícil. Mas é preciso atenção e cuidado com os detalhes que farão diferença.

TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO EVER SANTORO

Porque tenho de tirar fotografias por dentro?

A R Q U I T E C T U R A V I R T U A L emanuel dimas de melo pimenta

Enquadramento e Conceitos Fundamentais

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

Apropriação criativa das tecnologias e aprendizagens fora da escola Apresentação dos cases: Labmóvel Filmes que voam Memórias do Futuro

MSc. Keliane Castro. Cinema

Programa: O jardim secreto. Duração: 1h11min. Código: 12001

Professor Roberson Calegaro

Espiritualidade - A Nova Era

Texto 10. Texto 11. Impressionista

CENA 1. INT/DIA CORREDOR/QUARTO

PRÉ-ESCOLAR SERVIÇOS EDUCATIVOS PROGRAMA ESCOLAS 2018 / 2019 O PRAZER DA CULTURA INFORMAÇÕES

SIM 16/17 T6 Processamento de Sinal e Imagem Médica. Hélder Filipe Pinto de Oliveira

EDUCAÇÃO INFANTIL PLANO DE ENSINO DISCIPLINA Linguagem PROFESSOR Marina da Silva CARGA HORÁRIA TURMA / TURNO ANO LETIVO TOTAL SEMANAL 20 horas

Informática Aplicada à Química. Hardware saída de dados

O que é Inteligência Artificial?

As Tic- Tecnologias de Informação e Comunicação nos meus Percursos de Vida Pessoal e Profissional

Tiago Guedes 10º 13ª

Curso de Técnico de Informática. Um dia na minha vida. Antes e depois do uso das TICs. Carla Ventura

ANEXO AO COMUNICADO: LISTA DE PRODUTOS DA INDÚSTRIA DE PROCESSAMENTO ELETRÔNICO DE DADOS ICMS.

UFCD:150. Setup de Gravação Digital

EDUCAÇÃO DIGITAL. Formando Pensadores e Criadores do Século XXI

Por que as comunicações e as artes estão convergindo?

Professora Bruna FÍSICA B. Aulas 19 e 20 Construindo Imagens. Página 189

FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE AEROMODELISMO

Mais informações e marcações Elisa Aragão servicoeducativo@zeroemcomportamento.org

Pg. 1. TÍTULO: TUDO SOBRE: TELEVISÃO DURAÇÃO: 60 min GRAU: 6-8, 9-12 MATÉRIAS: FÍSICA, CIÊNCIAS NATURAIS E CIÊNCIAS SOCIAIS.

Cartas da Boneca Sofia. Querido leitor a boneca Sofia com o intuito de contar-lhe sobre

TECNOLOGIAS EM EDUCAÇÃO INTRODUÇÃO

FICHA TÉCNICA DO CURSO ARCHICAD 15 EDIÇÃO Nº 01/2012

MEEC. Mestrado em Eng. Electrotécnica e de Computadores. Índice. MEEC Edição 2008/09 Instituto Superior de Engenharia do Porto

Transcrição:

C E N A S V I R T U A I S 1 9 9 6

publicado em PUCK Magazine Paris, França, Cenas Virtuais Emanuel Dimas de Melo Pimenta título: CENAS VIRTUAIS autor: Emanuel Dimas de Melo Pimenta ano: Filosofia, estética editor: ASA Art and Technology UK Limited Emanuel Dimas de Melo Pimenta ASA Art and Technology www.asa-art.com www.emanuelpimenta.net Todos os direitos reservados. Nenhum texto, fragmento de texto, imagem ou parte desta publicação poderá ser utilizada com objectivos comerciais ou em relação a qualquer uso comercial, mesmo indirectamente, por qualqueis meios, electrónicos ou mecânicos, incluindo fotocópia, qualquer tipo de impressão, gravação ou outra forma de armazenamento de informação, sem autorização prévia por escrito do editor. No caso do uso ser permitido, o nome do auto deverá ser sempre incluído.

Durante dois anos, quando era muito novo e ainda vivia no Brasil, estudei teatro. Eu estava, havia então já um bom tempo, encantado pelas imagens de Marcel Proust. Cerca de dez anos antes, com quatro ou cinco anos de idade, ganhei do meu pai uma espécie de lanterna mágica, eléctrica, onde se podia desenhar sobre uma fita de papel vegetal para depois, desenrolando-a, simular um filme, ou coisa parecida, sobre a parede do quarto. À noite, quando todos estavam dormindo, eu levantava e ficava horas a viajar com aquela maravilha. Logo, munido de uma lente de relojoeiro, tratei de construir o meu próprio projector de slides o meu pai era inventor de relógios e não foi difícil conseguir aquela lente. O único inconveniente eram as tempestades tropicais. Quando elas começavam, eu era obrigado a desligar tudo, com medo dos raios.

Cerca de cinco anos depois, o meu quarto e eu tinha um só para mim já estava coberto de fios. Uns quarenta alto-falantes, tirados de velhos rádios e gravadores, estavam espalhados por todos os cantos do quarto, criando uma falsa impressão de estereofonia. Haviam também pequenas lâmpadas que eu colocava dentro de latas que serviam como projectores de luz, e criavam aquele ambiente mágico. Assim, pouco depois, mergulhei no teatro. Constantin Stanislavski foi a minha primeira paixão, seguido de perto por Bertold Brecht. Só depois chegaram Beckett e Ionesco. A música era, então, uma estranha mistura dos primeiros sons que eu ouvia de John Cage, Pierre Schaeffer, Pierre Henry, Karlheinz Stockhausen, Frank Zappa e de Peter Gabriel que, com o recém criado Genesis, fazia algo que àquela época era conhecido como rock-theatre. Tanta coisa aconteceu depois disso! Pensei fazer matemática e filosofia. Acabei estudando música e arquitectura. Durante anos fui um dedicado discípulo de Hans Joachim Koellreutter, que havia estudado com Paul Hindemith, Marcel Moyse e Hermann Scherchen e que representava uma ligação directa com o pensamento de Heinrich Wölfflin, de Alois Riegl e de Jacob Buckhardt.

Fui, assim, transformando-me em arquitecto e músico. Em 1975, ou 1976, comecei a trabalhar com computadores. Eles serviram não apenas como base para muitas das minhas primeiras partituras mas também para projectos gráficos relacionados ao espaço. Um deles era a elaboração de um edifício virtual estocástico. O desenho do edifício era constantemente recriado, combinando diferentes módulos. A princípio só repetiria a mesma forma depois de vários milhares de anos de múltiplas combinações. Eram os primeiros micro-computadores pessoais e cada coisa que eu fazia com eles tinha, a princípio, um imenso desafio: conseguir realizá-la dentro da sua pequena capacidade de memória. Depois, fui trabalhar com John Cage e Merce Cunningham em Nova York, onde continuo até hoje. Surgiram René Berger e John Wheeler já tinha aparecido muito antes na minha vida. Os sonhos de uma espécie de teatro holográfico, em tempo real, revelaram-se na Realidade Virtual. Uma diferença primeira é a luz, que passou a ser luz emitida, constante massagem retiniana. Luz sólida, como dizia Décio Pignatari referindo-se especificamente à holografia. Na Realidade Virtual Sintética aquela que mostra uma espécie de réplica virtual da nossa dimensão sensorial o olho se movimenta menos, fica

quase parado. Por vezes pára mesmo! É isso o que acontece com a televisão hipnótica. É a varredura sobre a tela que substitui, na percepção da forma, a operação de rastreamento ocular. Trata-se de uma nova estética, livre dos departamentos estanques que tinham sido estabelecidos pela cultura literária e cristalizados pela cultura da imprensa de tipos móveis estabelecida por Gutenberg. Uma nova aesthesis, uma nova ordem da percepção estabelecida pela projecção de infindáveis próteses sensoriais num meio de janelas, sem barreiras, e por isso por vezes chamado líquido! É como este texto, agora, quase consumido por essa nova lógica. Aqui, vamos saltando sem hierarquias, sem precisas predicações, de imagem a imagem, de som a som. E o antigo texto literário tradicional, formato preciso para as tradições académicas tradução do ouvido diacrónico pelo olho sistático transforma-se numa lógica trans-sensorial. Por essa via, o logos de Heráclito aquela coerência que estaria impregnada em todas as coisas emerge da ordem biológica dos nossos sentidos, ou, em última análise, da ordem de tudo aquilo que chamamos linguagem. Abro outra janela, para Lao Tsé: «Trinta raios tornam-se um pelos buracos do eixo, vazios que se unem para o uso da roda; o uso do barro na moldagem 6

das jarras vem do vazio da sua ausência; portas e janelas, em uma casa, são usadas pelo seu vazio; assim socorremo-nos do que não há para usar o que há». E, talvez como em A Carta Roubada de Edgar Allan Poe, passamos a percorrer um novo princípio matemático, para o qual os critérios de invenção não são mais formatados pela uniformidade padrão e pela especialização como o carácter paradigmático das revoluções científicas na era da indústria mas sim a vertiginosa avalanche combinatória que transformou o final do segundo milénio em contínua invenção, contínua descoberta, contínua metamorfose. A fórmula e a uniformidade não mais seduzem. O que vale são as tramas pela informação na linguagem da linguagem. No passado a guerra era, quase por definição, algo que mais cedo ou mais tarde chegava ao fim, em geral em inconfundível vitória ou derrota. Também no passado, a guerra era um dos instrumentos pelo qual as sociedades humanas se mantinham em contacto com a realidade física. Primeiro, o fim da história enquanto tecnologia civilizatória através da super amplificação da memória de longo termo. Logo, com o final dos Estados Nação, a guerra se pulveriza nas megacidades. Como manter fronteiras sob o manto da supercomunicação e da superpopulação?

De disciplinas a transdisciplinas, Basarab Nicolescu desvenda, a partir de Piaget, a trama da complexidade. A humanidade se transmuta em teleantropos brilhantemente resgatado pelas mãos de René Berger o ser humano feito meio à distância, feito de ideias, alimentos, órgãos e imagens. Uma espécie de Frankenstein civilizatório! Os diferentes acontecimentos da vida não são tão variados quanto os sentimentos humanos. Mas, ali, com a nova ideia de guerra, tem início um fabuloso arsenal de controlo homem a homem. Tudo passa a ser vigiado, cada movimento, cada olhar. O Grande Irmão é nossa própria memória colectiva, descontínua. Cartões magnéticos inteligentes, impressões digitais genéticas, Global Positioning System, micro câmaras de vídeo, telefones. Seguramente, tudo o que aqui digo será verdade também em relação a toda a crítica literária. Se tomarmos como verdadeiro e como se tem defendido, principalmente nos Estados Unidos, de que o público, como um todo, só tem uma opinião realmente válida no que diz respeito ao teatro, ao cinema, ao vídeo e ao ciberespaço, e que nesses meios o espectador isolado e, portanto, a crítica,

geralmente diz bobagens; veremos que com a literatura acontece exactamente o contrário. O que pensamos nunca esconde o que somos. No Zaire, país com cerca de quarenta milhões de habitantes, há somente um aparelho de televisão para cada mil pessoas! Em Bangladesh, com quase cento e vinte milhões de habitantes, cada exemplar de jornal é disputado por grupos de cento e trinta pessoas! Essa é a nova estrutura do mundo, nossa nova percepção, nossa nova estética. Fui abrindo janelas, e com elas vieram imagens de George Orwell, de Mary Shelley, de T.S.Eliot, de Karl Kraus e de Paul Valery. Perdem-se, aí em cima, em meio às janelas deste meio-texto, meiopensamento. E talvez seja por isso que Oscar Wilde dizia sempre que a natureza mais não faz que imitar a arte. 9

10