A MEGA RAMPA E O DESENVOLVIMENTO DO CAMPO ESPORTIVO ARTICULADO À PRÁTICA DO SKATE NO BRASIL Leonardo Brandão

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Transcrição:

A MEGA RAMPA E O DESENVOLVIMENTO DO CAMPO ESPORTIVO ARTICULADO À PRÁTICA DO SKATE NO BRASIL Leonardo Brandão Muitas atividades físicas que surgiram após a segunda metade do século XX constituíram, nas duas últimas décadas, práticas corporais que a mídia e muitos estudiosos passaram a denominar e classificar como esportes radicais. Dentre essas práticas está o skate. Essa atividade se desenvolveu no contexto da contracultura e da ascensão da juventude como uma categoria social, portanto, de maneira muito singular e de forma distinta dos esportes tradicionais. A partir da segunda metade da década de 1980, entretanto, e especialmente com o desenvolvimento do skate praticado em grandes rampas verticais (half-pipe) 1, a atividade passou a ser inserida mais intensamente num processo de esportivização, desenvolvendo-se a partir da formação de um campo esportivo (BOURDIEU, 1983: 137). Assim, a atividade do skate, e em especial a modalidade praticada em pistas verticais 2, passou a ser regulada por competições pautadas em calendários (nacionais e internacionais), um corpo técnico especializado (juízes) e obteve em torno de si um mercado impulsionado por sistemas de moda, equipamentos de proteção e objetos específicos para a prática, como tênis, pranchas, lixas, eixos, rodas e rolamentos. Com a popularização da atividade, houve um investimento mercadológico e o aprimoramento do material utilizado para a prática, o que fez o número de adeptos crescer nas décadas seguintes. A questão principal a ser levada em consideração é a maneira como essa prática corporal foi vista e incentivada como um esporte. Segundo o historiador Rafael Fortes, o skate tomou projeção a partir da década de 1980, sendo que existem três fatores que ajudaram sua difusão. Professor do Departamento de História da Universidade Regional de Blumenau (FURB), onde atua também no Mestrado em Desenvolvimento Regional (PPGDR). Doutor em História pela PUC-SP. Este trabalho é uma versão modificada do artigo A Mega Rampa e o Espetáculo do Ilinx, publicado em conjunto com o antropólogo Giancarlo Machado na revista Recorde (volume 6, 2013). Nesta nova versão, apenas a parte escrita pelo autor Leonardo Brandão foi mantida e ganhou uma nova introdução à problemática dos megaeventos. 1 Trata-se de pistas com rampas que podem ser representadas por uma grande letra em formato de U. 2 A prática do skate nas ruas, chamada street skate, diferencia-se muito da atividade em pistas. Para uma discussão sobre a modalidade praticada nas ruas, ver BRANDÃO (2011).

2 Em primeiro lugar o aumento exponencial do número de pessoas crianças e adolescentes - que se encantaram com o esporte e aderiram a ele. Segundo, a visibilidade alcançada e os espaços conquistados em meios de comunicação já existentes (emissoras de televisão, rádio), bem como a criação de produtos audiovisuais e novos veículos. Terceiro, a mudança na estrutura de algumas modalidades, rumo a profissionalização, o que foi conseguido tanto pelo esforço dos agentes envolvido com elas, quanto pela base econômica proporcionada pelo consumo em massa ligado ao esporte (FORTES, 2009: 417). No decorrer da década de 1990 o skate praticado em pistas consolidou-se como um esporte no Brasil, gerando ídolos que passaram a ser chamados de atletas profissionais. A partir de virada do milênio este processo foi ainda mais intensificado com o aumento de programas de skate na televisão (como o programa Skate Paradise, da ESPN), com a grande difusão de sites e blogs sobre skate na Internet e também com a invenção de novas modalidades. Dessas, uma das que mais ganhou a atenção da grande mídia, e em especial da televisão aberta, sobretudo da Rede Globo, foi a prática do skate sobre rampas gigantes, a chamada Mega Rampa. Inicialmente idealizada pelo skatista norte-americano Danny Way e projetada pelo especialista em construção civil John Tyson, a Mega Rampa é responsável por conferir uma visibilidade ao skate jamais vista em todo mundo e de propor, parafraseando o antropólogo David Le Breton (BRETON, 2011: 196), um uso inédito do corpo. A dimensão da rampa é um dos principais atrativos, pois conjugada a habilidade corporal de determinados skatistas, é por meio dela que os mesmos alcançam alturas e executam manobras antes consideradas impossíveis. Ao todo a Mega Rampa mede cerca de 100 metros de comprimento (o equivalente a 27 carros enfileirados) e apresenta uma altura de 27 metros (o que é próximo a um prédio de 9 andares).

3 No ano de 2008, quando estreou no Brasil, só para sua montagem no sambódromo do Anhembi, em São Paulo, foram gastos em torno de dez dias, visto que a mesma é composta por seis partes principais 3. A Mega Rampa teve uma primeira grande projeção em 2003, quando foi exibida num filme de skate da DC Shoes, marca norte-americana especializada em tênis para essa e outras atividades tidas como radicais. O filme chamava-se The DC Video e finalizava com uma parte do skatista Danny Way conquistando, no dia 12 de junho de 2003 e numa única descida pela Mega Rampa, dois recordes mundiais: o de altura e o de salto a distância com o uso do skate 4. No ano de 2005, o mesmo skatista utilizou a Mega Rampa para realizar um feito inédito, saltar sobre a Grande Muralha da China. Essa manobra, que foi televisionada para milhares de pessoas de todas as partes do mundo, contou com a presença de autoridades da China, como seu Ministro da Cultura, chamado Wang Jianjur, que em homenagem a façanha do skatista, o presenteou com um pedaço da Grande Muralha 5. A invenção de Danny Way causou furor no cenário do skate norte-americano, sendo que não tardou para a chamada Olimpíada dos Esportes Radicais, os X- Games que teve sua primeira versão no ano de 1995 incorporá-la como uma de suas atrações principais, passando a chamar a competição nessa grande rampa de Big Air. No ano de 2004 a Mega Rampa estreou nos X-Games e teve Danny Way como grande vencedor da competição, conquistando a medalha de ouro 6. 3 As seis partes principais são: o drop (rampa de aproximadamente 27 metros de altura, por onde o skatista desce); jump ramp (rampa a partir da qual o skatista realiza o salto); landing (rampa de aterrissagem); rail (corrimão fixado na plataforma do landing, no qual o skatista desliza com o skate); gap (buraco entre a jump ramp e o landing, onde se realiza manobras) e o quarter pipe (rampa inclinada onde o skatista também realiza suas manobras. Ao descer o drop, a intenção do skatista é, a partir da jump ramp, saltar o gap e aterrissar no landing e, consequentemente, realizar uma manobra no quarter pipe. Caso consiga vencer esses obstáculos em uma mesma descida, pode-se dizer que seu objetivo foi atingido. Vale lembrar ainda que as manobras realizadas podem atingir, em relação ao solo, uma altura de até 16 metros (MACHADO, 2012: 246). 4 Essas imagens estão disponíveis no youtube e podem ser visualizadas, após os 5 minutos de filme, no seguinte endereço eletrônico: http://www.youtube.com/watch?v=mjvlembo8cs, Acesso em 20/02/2013. 5 http://cemporcentoskate.uol.com.br/fiksperto.php?id=1871, Acesso em 20/01/2013. 6 Nos anos de 2005 e 2006 o skatista Danny Way também ganhou a medalha de ouro nesta competição. Em 2008 ele recebeu a medalha de prata. Nos anos seguintes, o brasileiro Bob Burnquist despontou como

4 Do seleto grupo de skatistas que passou a experimentar a nova modalidade, um deles se destacou e hoje acumula a maior quantidade de títulos nesta categoria: o brasileiro, radicado nos Estados Unidos, Bob Burnquist. Sua dedicação a Mega Rampa o levou a conseguir a construção de uma pista no quintal da sua casa, localizada na Califórnia. Foi por intermédio de Bob como é mais conhecido que a Mega Rampa ganhou ainda mais visibilidade, principalmente no Brasil. Após uma excelente carreira internacional, com várias medalhas de ouro e prata conquistadas, esse skatista conseguiu articular com representantes políticos da cidade de São Paulo, ligados a Secretaria de Esportes, e grandes patrocinadores como a Oi, Nescau etc a montagem dessa enorme estrutura no Brasil para a realização de megaeventos de skate. Até o presente momento já foram realizados cinco competições da Mega Rampa no país 7. Na edição da Mega Rampa que ocorreu na cidade do Rio de Janeiro, entre os dias 25 e 26 de agosto de 2012, houve, como de praxe, uma ampla divulgação na mídia, sendo o campeonato televisionado - ao vivo - pela Rede Globo. Tanto a grande mídia quanto as mídias específicas sobre skate, fizeram a cobertura do evento seguindo o tom dos anos anteriores: espetáculo! No entanto, um acontecimento em específico nos chamou a atenção por virar notícia nas redes sociais. Skatistas cariocas não profissionais, simplesmente skatistas, organizaram uma manifestação questionando o evento com cartazes e adesivos com frases de impacto, tais como: Quando acabar o espetáculo, aonde você vai andar?, Skate é livre na rua, O pódio só tem lugar para um. Skate é coletivo!. Um dos idealizadores do protesto, o skatista, artista gráfico e vídeomaker Wilson Domingues, na ocasião com 34 anos, explicou-nos em entrevista que apesar da montagem da Mega Rampa ter tido um investimento de cerca de 5 milhões de reais para sua realização, sendo que boa parte desse dinheiro veio dos cofres públicos, ela não deixou um legado tangível para a cena do skate carioca. Segundo nos relatou, há mais de dez anos que megaeventos envolvendo competições de skate acontecem no Rio de um dos principais skatistas com habilidades neste tipo de rampa, ganhando várias medalhas de ouro na modalidade. 7 As três primeiras ocorreram na cidade de São Paulo, em 2008, 2009 e 2011. Em agosto de 2012 a Mega Rampa foi montada no Rio de Janeiro e, no ano de 2013, na cidade de Foz do Iguaçu/PR.

5 Janeiro e, mesmo assim, eles não trazem mudanças ou melhoras no cotidiano do skate praticado na cidade. Prova disso é que os skatistas continuam reféns de pistas mal conservadas e desatualizadas 8. Para Wilson Domingues, a realização da Mega Rampa, assim como dos demais eventos da mesma proporção, pode gerar conseqüências positivas e/ou negativas. Em sua declaração, ele cita o exemplo do campeonato internacional de skate chamado Oi Vert Jam, ocorrido em anos anteriores na Barra da Tijuca e promovido pela mesma empresa que realizou uma das edições da Mega Rampa. A montagem da pista, um halfpipe de madeira com 4 metros de altura, fora feita justamente na Praça do Ó, em cima de obstáculos construídos pelos skatistas locais, estragando esse espaço utilizado cotidianamente. Após a revolta dos skatistas cariocas, um grande protesto foi feito contra a organização do evento e, depois de muita discussão, os organizadores do protesto conseguiram parte do dinheiro necessário para reformar os obstáculos que a montagem do half-pipe danificou. A questão, segundo o skatista carioca Wilson Domingues, reside na diferença entre esses megaeventos e o skate praticado no cotidiano, como forma de locomoção ou de apropriação dos espaços urbanos. Em suas palavras isso fica bem caracterizado, A Mega Rampa é algo muito distante da nossa realidade, mas ainda assim é skate. Então por que o skate da Mega Rampa ignora a própria cena do skate local? A questão é: diferentemente da Mega Rampa, o skate de rua não é sobre competição e sim sobre criatividade, desafio pessoal e expressão cultural. Ao longo dos anos o skate carioca vem tentando conquistar espaço na cidade, tanto territorialmente quanto culturalmente, e isso não tem a ver com o mercado institucionalizado nacional, mídia, marcas etc... Isso tem mais a ver com nossa relação com a cidade e como a pensamos. Acho que seria positivo se a Mega Rampa deixasse um legado tangível e que agregasse à cena local e não somente ficasse no espetáculo pelo espetáculo (Entrevista ao autor, 20/09/2012). De acordo com o pesquisador Gilmar Mascarenhas (MASCARENHAS, 2009: 533), e levando em consideração essa aposta política na realização de megaeventos esportivos, é urgente que passemos a refletir criticamente os projetos e as experiências 8 Entrevista em 20/09/2012 (Arquivo pessoal).

6 realizadas, de modo a contribuir no sentido de que, no futuro, possamos obter destes eventos um legado à altura dos imensos investimentos públicos. No caso da Mega Rampa, não há dúvida de que ela vem conquistando espectadores e ganhando espaço na grande mídia, contudo, os skatistas locais (sujeitos passivos do espetáculo) parecem não obter da realização desses eventos algo de positivo. O show, protagonizado por poucos e para muitos, agrada quem o assiste, mas pouco ou quase nada resulta de fomento às cidades onde a grande rampa é construída e, depois do show, desmontada. Assim, o que de fato a análise realizada com a Mega Rampa nos permite visualizar é a presença do esporte, na sua dimensão espetacularizada, ocupando espaços que eram, até bem pouco tempo atrás, bastante distantes de seu âmbito de ação. O skate, prática surgida num ambiente bem diferente daquele que deu origem aos esportes tradicionais, vem por meio desses megaeventos sendo catapultado pela dimensão de show, espetáculo, entretenimento para as massas. Isso demonstra, evidentemente, a força que o esporte possui de conduzir para si as mais diversas práticas corporais. Seria possível fazer da Mega Rampa mais do que um espetáculo sazonal? Seria possível agregar a sua realização algum legado tangível para os skatistas comuns, distantes dos olimpianos 9 que por ela voam? Cremos que uma possibilidade concreta seja a de destinar parte do dinheiro da premiação ou da premiação oriunda da best trick (melhor manobra) para projetos sociais ligados ao fomento do skate, para a realização de reformas nos espaços praticados pelos skatistas ou mesmo para a construção de mais pistas da modalidade vertical. Fazer do espetáculo algo a mais do que um espetáculo pode ser um compromisso firmado entre empresários, patrocinadores, políticos e competidores. Referências Bibliográficas BOURDIEU, Pierre. Questões de sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983. 9 Olimpiano é um termo utilizado por Edgar Morin para fazer referência aos astros, esportistas e artistas transformados, pela grande imprensa, em vedetes da cultura de massas. Para uma discussão sobre esse assunto, ver o capítulo 10 do primeiro volume do livro Cultura de Massas no Século XX deste autor.

BRANDÃO, Leonardo; MACHADO, Giancarlo. O skate na era dos megaeventos: a mega rampa e o espetáculo do Ilinx. In Recorde: Revista de História do Esporte, v. 6, 2013, p. 1 18. BRANDÃO, Leonardo. Por uma história dos esportes californianos no Brasil. Tese (Doutorado em História), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC SP), 2012. BRANDÃO, Leonardo. A cidade e a tribo skatista: juventude, cotidiano e práticas corporais na história cultural. Dourados: Ed. UFGD, 2011. FORTES, Rafael. Os anos 80, a juventude e os esportes radicais. In: PRIORE, Mary Del; MELO, Victor Andrade de. História do esporte no Brasil: do Império aos dias atuais. São Paulo: Editora UNESP, 2009, p. 417 451. LE BRETON, David. Antropologia do corpo e modernidade. Petrópolis: Vozes, 2011. MACHADO, Giancarlo Marques Carraro. De carrinho pela cidade: a prática do street skate em São Paulo. Dissertação (Mestrado em Antropologia), Universidade de São Paulo/USP, 2011. MASCARENHAS, Gilmar. Globalização e espetáculo: o Brasil dos megaeventos esportivos. In: PRIORE, Mary Del; MELO, Victor Andrade de. História do esporte no Brasil: do Império aos dias atuais. São Paulo: Editora UNESP, 2009, p. 505 533. MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX: neurose. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009. 7