TÁXIS E PUTAS ROBERTO NEMR. São Paulo 2013. Táxis e Putas. Primeira Edição

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Transcrição:

TÁXIS E PUTAS ROBERTO NEMR Primeira Edição São Paulo 2013 Táxis e Putas Na era do capital cibernético vídeo-financeiro hiperveloz e irreal, o emprego é redundante. O capital voa sozinho e se esborracha tranqüilo na calçada. O corpo ensangüentado é colhido por uma puta que lhe esvazia as calças e remove o cadáver para um carro à espera: o táxi, que fica com parte do espólio. 1

Novela, ensaio, obra aberta ou sabe-se-lá-o-que Escrito no começo do século XXI na magnífica cidade de São Paulo de Piratininga Por este que vos fala, Carlos Bode, poeta louco, e muitos outros O mundo é cada vez mais dos empreendedores e não da carteira assinada Andre Loes, economista do Banco Santander-Banespa Sinopse Carlos Bode, poeta perdido nas noites de São Paulo, América Latina e mundo, rodando em táxis, rodado por putas, descobre a essência do mundo moderno. Vendidos todos, alguns se vendem diretamente, outros com toda delicadeza. No olho do furacão, poucos percebem para onde vamos, perguntamos o caminho ao taxista, na caminha com as putas. Na busca de Beatriz ideal, taxistasvirgílio nos conduzem ao Céu, ou seria ao Inferno??? TAXI 1 Casagrande escapou por pouco. Seu carro ia ser trucidado pela torcida do Santos, comemorando o bicampeonato brasileiro. Mas a velhinha do banco de trás ajudou o a convencer o líder da gangue a deixá-lo passar. Ufa, que alívio. Nem tinha pago ainda a última mensalidade. Seu único patrimônio, seu ganha-pão. Tinha duas filhas, e pra seu orgulho, com apenas 50 anos, uma neta de 7. Temos que nos multiplicar. As 2

filhas já eram independentes, mas a neta sempre o acompanhava em corridas para o aeroporto. Ela adorava ver os aviões passar. Seu sonho: voar de avião com o avô. Disse que tava economizando. Iam pela Gol pro Rio e voltavam de ônibus-leito. Ele também nunca tinha voado. PUTA 1 Letícia parece ser uma delícia. De preto e pele branca, bustiê realça os seios. Tem uma tia no Líbano, casada com um inválido e outra em Paris, não sei fazendo o que. Letícia é um amor. Tem um tio que curte ópera. Ela diz adorar. Boto a Flauta Mágica, ela confunde com o Barbeiro e Contos de Hoffman. Fala de uma boneca, que boneca? Boto também Fairuz. Começa a dançar a dança do ventre em ritmo acelerado. Quer ir dançar, diz que faz tempo que não dança. Porque toda mulher gosta de dançar? Letícia tem umas espinhas cicatrizadas. Tem 21 anos e uma filha de 2.5. Todas tem filhos, ou querem ter. Querem casar de branco. Ah como é bonito casar de branco. Diz que ficou a fim de ter uma filha com um tal cara. Letícia é sagitariana. Acho que não chama Letícia. Seria Adriana. Letícia não gosta de beijar, o beijo é tão íntimo, né, ela faz caretas. Tira a roupa e se esconde debaixo dos lençóis. Tem seios túrgidos, pois já é mamãe. O irmão tá cuidando do filhinho, enquanto ela garante o leite. Letícia faz boquete com preservativo e vem por cima, quer acelerar o processo. Eu ralento, uso um vibrador, sua xoxota é peluda e gordinha, orifício generoso, não parece ser excitável, muito prática, geme um pouco e eu me masturbo beijando sua xana. 3

Não vi estrelas, apenas uma marionete. Letícia se veste rápido, quer ir para casa dormir. Dá seu número, pega o numerário, incluindo o do táxi. Letícia foi dormir. Eu ligo. Ela retorna a cobrar, e pergunta quem é: Digo, sou eu, o Lawrence das Arábias, boa noite, beduína. Ela quer caminhar no deserto, ir para o Egito, descobrir algum sentido. Há sentido no Egito? TAXI 2 É Natal. Bastião vai ter que trabalhar. A cidade se esvazia, mas os táxis não param. Tem que pagar a diária de R$60, trabalhe ou não. Bastião precisa faturar. O tempo não para. Tem dois filhinhos em casa e a mulher quer ver a grana das contas. Bastião diz que tá dando para se virar (como as putas). Capaz até de comprar uns presentinhos pras crianças, desses de loja de chinês, máximo R$10. PUTA 2 Angélica é goiana, mas mora em Brasília. Tem um sotaque português esquisito, mas que vai suavizando com o tempo. Já trabalhou para portugueses, diz. Influências. Tem um tio em Houston, está pensando em passar uns meses por lá. Tem muitas ideias, Angélica, fazer faculdade, autoescola, viajar, dar um salto, mas a vida e as contas continuam. Angélica quer conhecer o mundo. Ela é carinhosa, mas tem dificuldade em gozar. Quer ser profissional, proporcionar prazer a quem vier. Não liga em dormir no hotel. Dorme muito, 12, 13 horas por dia. Quanto for necessário. Angélica não acorda. É o pesadelo dos insones, como eu. Adora ver desenho animado. 4

Ela é fã do Bob Esponja. Seu sorriso lembra o do Bob. Angélica é branquinha, um pouco gordinha (quer fazer lipo), seios fartos. Fuma muito, mal tem fôlego de andar 100 metros. Levanta as perninhas para fazer amor, como uma galinha. Ajuda a mãe e a avó doente. Onde está o pai de Angélica? Era garimpeiro, sumiu na busca do ouro em Serra Pelada. Angélica tem que ficar pelada, na falta de esmeraldas. Angélica é pura de coração. Acredita nas amigas, que estão sempre a lhe passar a perna. É utópica. Vai transformar a analfabeta da Rejane em semi-analfabeta como ela. Pois Angélica nunca lê um livro, mas quer fazer faculdade, não sabe de que. Angélica é pura de coração. O mundo é que é uma cadela, e a obriga a abrir as pernas para arrumar algum. Rejane sai com qualquer um e não reclama. Angélica é mais seletiva, mas sempre atende telefonemas, mesmo às 4 da manhã. É boa de telemarketing. Seu celular só faz chamadas a cobrar. Mas ela é doce como uma quimera. Passei o reveillon com ela, e a abandonei na virada. Passei o Carnaval com ela e Rejane, e as deixei na Quarta-feira de cinzas, de porre e brigados, pois Angélica não me deixou tocar Rejane. Nunca mais vi Angélica. TAXI 3 Dirceu tenta ir à praia todo fim-de-semana, mas só chove. Segunda abre aquele sol. PUTA 3 5

Carla é casada, mas o cara é o maior galinha. Ela tem 23, ele 30. Dois filhos, um de 4, outro de 2. De Feira de Santana, terra de Tom Zé. Trabalhava numa loja de doces em Moema. Pegou o seguro-desemprego e pensou, já que ele curte balada, vou também me entregar e ainda faturar algum. A mulatinha é gostosa paca. Faz bem em não ser fiel. Olho por dente, dente por olho, língua por saliva. E lascou-me a língua. TAXI 4 Manuel era velho e enxergava mal. Foi brigar com o guardador de carros e levou uma pancada na cabeça. Ficou cego e não era mais capaz de guiar nem mortos pelo Estige. PUTA 4 Daiane era de Goiânia. Só há 3 dias fazendo isso. Tem uma loja de roupas em Campinas, do ex-noivo, japonês da Honda. Na cama, uma vagabunda, sexo oral sem preservativo, só faltou engolir meu membro, deixava enfiar todo o dedo na larga vagina, dois balões de silicone fazendo a vez de seios: e se diz iniciante. Depois uma dança erótica com todas as técnicas envolvidas. Nada em seu eu profundo parecia de iniciante. Daiane se diz iniciante, e louca por sexo, uma espécie de Belle de Jour, versão sertaneja. Mas até que é ajeitada de corpo, belos olhos azuis, lentes de contato. Daiane se diz iniciante. Afinal, todos nós somos, ou não? Não consegui penetrar Daiane. Aquele quarto japonês, aquele narguilé, estava tudo muito pré-rafaelita, ela esmagando minhas costas com os pés, e fazendo acrobacias eróticas, por um minuto colou, mas depois 6

ficou fake. Me masturbei no box do banheiro, pensando em uma dama de Rossetti. TAXI 5 Quem sou eu? Taxista? Um navegador da paisagem urbana? Latas de lixo, detritos, vendedores de balinha, homens-tronco, pitocos escondidos sob o viaduto, travestis na chuva, malabaristas em treinamento, mulheres da vida de todo jeito, e eu, taxista, rodo, rodo, rodo, e volto para meu ponto, para meu equilíbrio, para o diálogo com os amigos, a TV, o fliperama, a coxinha no bar, o banheiro da lanchonete... E enquanto não rodo, sou algo que não consigo definir, um utensílio, para quem quer atravessar o inferno da cidade, sem se chacoalhar em conduções lotadas, sem experimentar a limpeza cool do metrô que leva a tão poucos lugares, sem fugir dos cachorros, das bicicletas e dos furiosos motoristas assassinos, sou uma espécie de ambulância dos pobres pedestres, cobro pouco por tão necessários serviços, ou não??? PUTA 5 Cibele é filha de contador. Trabalhava com o pai, que teve um ataque cardíaco. Logo, Cibele virou massagista, de belos peitos naturais, originais, renascentistas, tipo Vênus de Tiziano. Parece uma cortesã da época de Sigismundo Malatesta assim como a Angélica lembrava a Maja do Goya, desnuda é óbvio. Cibele é fogosa, não poupa beijos e gemidos, fico até constrangido, pois Cibele pode ser uma deusa greco/romana disfarçada que vai me punir por ousar desvelá-la (Hera ou Artemis? Diana; eu Acteão, esmigalhado). Aliás, Cibele é uma deusa, tá lá em Madri 7

esculpida na Plaza de Cibeles, a mãe dos deuses, símbolo da fertilidade. Ah, o pai de Cibele é bom de contabilidade. TAXI 6 Pedro reclama dos buracos. Diz que a prefeita é uma puta que só pensa no pau semi-ereto de seu amante argentino dentro do seu buraco. Com o próprio tapado, fodam-se os outros e a cidade fica essa meleca esburacada à procura de um careca prá tampá-la. Por isso ia votar no Careca só pra fuder aquela galinha sexagenária. PUTA 6 Luzia me pede um presente de Natal por telefone. Luzia mora em Cascavel, perto de Foz de Iguaçu, uma índia polaca, saída das páginas de um Dalton Bueno da vida (ou Wilson Trevisan). Luzia tem noivo em São Paulo, engenheiro, 7 anos a enrolando. Eles se conheceram numa boate em Sampa, aquela famosa, do cafézinho, na época em que Luzia era garota de programa, muito louca, na movida. Era na base do pó e do champagne. Conheci Luzia no famoso Love Story, a casa das casas, aquele lugar tipo fundo-de-fundos, parole-portmanteau, onde se encontram restos de outras casas, traficantes, japoneses, e outras escórias. Uma vez eu estava parado olhando o movimento, quando senti um troço quente na perna. Era um filho-da-puta mijando em mim, um corno bêbado, nojento. Ele sumiu...não reagi, lavei a calça e me mandei. Mas nessa noite em que conheci Luzia, era muito cedo, o lugar estava vazio, quando vi duas loiras de costas, dois monumentos à beleza, brilhando naquele antro. A mais 8

linda era Luzia, boneca com ar malicioso, talvez o centro do Universo sexual, peitinhos como viola da gamba, se é que vocês me entendem. Imaginem um poema de Octavio Paz, uma noite na Índia, Luzia encostada em teu ombro, iracema dos lábios de gengibre. A amiga é a Fabiana, louca total, drogas 24 horas. Fui com as duas para um hotel barato no centro da cidade, me deu uma puta disenteria na entrada. Tinha que cagar. Acontece que o banheiro do quarto era exposto, porta de vidro. Pedi para elas me esperarem na ante-sala, fechei a porta e caguei fedido, fedido mesmo. As duas não entenderam nada, pensaram que eu estava me injetando. Bem, acho que não sentiram muito o cheiro, pois estavam chapadas. Se despiram e começaram a se chupar desbragadamente. Safo e Lésbia num conúbio homo-puttanesco. Eu de voyeur, entrei na dança e varei as duas em sequência, belo ritornello. Daí em diante vi Luzia mais de cem vezes, musa de Panteão. Um dia ela parou de piranhar e foi pras margens do Rio Paraná, fiel a seu Amado Construtor Piranesiano. Continuei a vê-la subrepticiamente, com frequência decrescente. Garanto a vocês que ela será uma ótima dona-de-casa. Mas que sabia gemer, ah isso sabia. Vai, vai, vai...vai pra puta que te pariu (pensava ela). TAXI 7 Heitor trabalhou pesado na 15 de Novembro. Até que um desses infernos de risco-país o mandou pro macadame (da queda do risco ao risco da queda...) Tinha que cavar os brioches dos pimpolhos e o cosmético da esposa, e não tava a fim de comer feijão com arroz como se fosse a 9

última. Pôs-se a dirigir d Aquiles jeito me levou em sua biga muitas vezes para o Pregão nosso de cada dia, no altar da Cotação. Sim, já fui Iscariotes no Templo dos Percentuais Perdidos. PUTA 7 Quem não conhece a Soninha? Soninha é minha, é tua, é nossa. A famosa Soninha Velotrol. Soninha que apareceu de lingerie na RedeTV, caminhando na avenida Paulista. Soninha, a mãe de Carol, maior que ela. Soninha que implantou vastos silicones nos peitos. Soninha, do sonho de todo adolescente espinhento. Soninha, de Bukovsky, de Leminsky, ou de Milozs, todos polacos tarados pela Carne. Pois Soninha é carne sem intermediação, sem San Juan de la Cruz. Ataíde-pornógrafo a pintaria como Madalena, pois Soninha não é puta. É a Mulher Eterna de Goethe fantasiada de Ordinária. Soninha é o dia-a-dia querendo virar fim-de-semana. Soninha é academia, curso-deinglês e cafeteira, mas também é Lady Di, champagne no Ritz e capuccino em frente ao Coliseu. Soninha é nosso amor de padaria. Eu a conheci numa noite banal num Swing, ela foi só minha em meio a Sodoma e Gomorra, não vi o Au-delà, mas só suas curvas de pequena princesa de periferia. Amei-a por muito, muito tempo, até que um dia a Cinderella virou cinza e o que era doce se acabou. Não quis ver nas rugas muito incipientes a minha própria decadência, Soninha tinha que ser pra sempre. Vi Eurídice duas vezes em 24 horas e imediatamente a lira de Orfeu se converteu em Viola Quebrada. TAXI 8 10

Como chove em São Paulo, porra. Ô Oswald, não para de choverar. Não há amores, nem flores, nem cores, só essa chuva ininterrupta. Por que Faustino morreu tão cedo? Por que Merquior morreu tão cedo? Por que Bolaño morreu tão cedo? Andes, Mexico, Santiago, Incas, Posada, Parra. Imagino a mesma chuva em Lima, em las Condes, nem sei onde...o mesmo gris, o mesmo Guesa Urbano indo gentil na noite escura. E os últimos momentos, não não quero ir, filho da puta não sabe quem é Metastasio, uma vasta carreira pela frente, noturna, noturna, como as calles do centro à noite, perto de la Moneda...O mesmo táxi com o para-brisa encharcado levando Mário ao aeroporto para o infausto destino, levando Zé Guilherme para o hospital, ó razão despossessa, levando Roberto, pelas ruas de uivos torturados, fígado devorado. Porque pensei tudo isso? Sei lá...o carro parado no trânsito, a chuva contínua, e a noite que nos espera. PUTA 8 Dinheiro, dinheiro, dinheiro. Prata, cobre, níquel. Elas me pedem l argent, o cheque, o Doc. Deposita na minha conta, amor. Um presentinho, vai. Minha mãe tá doente. Tive que pagar o aluguel. As contas me zeraram. Ô amor, são 100 dólares. E o do táxi. Tem um eurozinho, aí...eufemismos. D-M-D, onde M é o orifício, Marx e Freud conjugados. Pulso e Bolsa. Quanto é, quanto? Tô precisando de 200 reais, quer dizer, 300. Com anal é mais. Alô, tem um dinheiro aí? Acabou o crédito do meu celular. Tenho que pagar a prestação do carro. O cartão estourou. Conta-poupança 1331. Cê sabe que eu te amo. Dá a 11

bicicleta da Carol, pelo menos uma cafeteira, vai. Deixa de ser turco, seu Macaco. Abre a mão! TAXI 9 ----------------------------------------------------------------------------- ----------------------------------------------------------------------------- ----------------------------------------------------------------------------- ----------------------------------------------------------------------------- ---------------------------------------------- Xi, esqueci de ligar o taxímetro PUTA 9 Conheci Márcia em Buenos Aires. Brasileira, cobrava caro. O nightclub de lá era parecido com o daqui, assim como Macunaíma se parece com Funes el Memorioso. Márcia transmigrou, vida mais decente e barata por lá, dizia ela. Aos sabores do tipo de cambio. Caminhei com ela por Recoleta, jantei. O pai morreu com 35 anos, acidente de carro. A mãe, doméstica, casou de novo com um canalha drogado que a SURRAVA. La vieja estoria. Morava com seu perro, tinha um novio argentino, estava à espera do salvador da pátria, um médico alemão, portador de um American Express Black. Eu dei minha modesta contribuição. Não vou esquecer sua presença entre Morte em Veneza no Colón e as Fancarias do Amor do Donizetti no subsolo do mesmo teatro. Foi meu Tadzio alentador naquele colapso, voltei a rir. Mi puta alegre, te revi em São Paulo mas Colombina já estava em Ash Wednesday. 12

TAXI 10 O táxi em Buenos Aires é bem mais barato que em São Paulo, menos da metade (naquele momento). Rodar pela ciudad porteña é uma experiência bem mais excitante que contar os minutos em São Paulo, encalacrado no trânsito e espoliado no bolso. Ainda pensamos em Borges caminhando em Palermo ou Cortázar zanzando pelo centro; difícil lembrar de Mário na Barra Funda transfigurada ou pensar em Oswald em frente ao Hotel Esplanada. PUTA 10 Num canto qualquer do mundo, os pernilongos e os gafanhotos fazem o rol sob a luz mortiça e o ladrar dos cães. Fora de qualquer semiologia, busco as cinzas. Ela, como defini-la, quer dançar, fumar, e esquecer, ela que bebe ao luar irrelevante, ela está lá, e eu aqui, ouvindo o ronco do motor, na noite de forno, companheiro dos insetos, pensando Naquela que o pariu, eu com os insetos, ouvindo os grilos, larguei a outra ao balanço do Bate-estaca, na companhia daquela, prima da Outra, que fora Selvagem e hoje jaz sob os domínios do Urso Caipira, enquanto o Urso Americano agitava com a Prima, e Eu sirvo de pasto aos Insetos. Mas Ela deve estar dormindo com o detentor da chave e eu chuto pedras no caminho e a Filha chora no quarto ao lado e tudo guarda seu lugar, para além de PUTAS e TAXIS, aos som de Grilos e estalos de insetos na Luz. TAXI 11 Não, não peguei nenhum táxi. No último dia do ano, caminhei na terra entre pedregulhos, ao som de Cães, na noite profunda. Os insetos morrem, mas eu continuo 13

vivo, perto deste Rio, pois os Peixes sabem que a Vida não passa de caminho. PUTA 11 Palavra sem rota, sem SOS, sem retorta, homônimo do Todo e dos idiotas, de tudo que a vida inflete e cota, no abraço. Sim, elas estão por aí. É preciso ganhar a vida diz Chaplin em Limelight. Sempre a Mentira-instituição. Mãe doente, casa pro pai, viagem com irmãos. O Outro sempre à espreita. O que é o Um e o que é o Outro? Pois é impossível se gostar conhecendo seus segredos...margarida vira Marta, com o Diabo incitando. Encontro fortuito, viagens, envolvimento, obsessão, descoberta do Outro roteiro lupiciniano. Não somos todos enganados na trama pós-moderna da biografia inventada? Pois há área que carece mais de invenção biográfica que o amour-argent? Na era do celularinternet ademais o jogo ganha outra sutileza, as máscaras se multiplicam, mas também facilitam a descoberta da verdade. Que verdade? Do celular ou da rede? Recolhi os restos de minha credulidade e dei baixa no prejuízo. TAXI 12 Nelson é de Parati. Não descobriu o caminho do Ouro, portanto guia taxi. Nelson esquenta com facilidade. Descendente dos goyanás, ou seria dos tupinambás? É quase antropófago. Caça sempre que pode. Come de tudo: tatu, cotia, paca, qualquer bicho que se mova. Tem sempre problemas gástricos mas não os associa à variedade fáunica da qual se alimenta. 14

Nelson é um simpleton. Um dia, com passageiros para São Paulo, empacou no trânsito da serra do mar, simulou problema no carro e acionou o seguro. Despachou os passageiros em outro táxi e voltou para a rede. Nelson é Macunaíma. Paulo que pegou os passageiros de Nelson veio de Taubaté. Se Nelson tem a ver com o personagem de Mário de Andrade, Paulo é fruto de Monteiro Lobato. Tranquilo e direto, é o oposto de Nelson, contador de causos. Uma espécie de Pedrinho crescido, e não um Jeca Tatu (estilo Nelson). O Saci-Nelson atravessa a noite na chuva contando suas estórias de caça. Paulo me dá tranquilidade. Já Carlos, que me levou do Rio a Parati gosta de pescar. Passa o tempo todo fazendo cálculo do prejuízo, pois paga diária de R$100 no seu táxi. O carro é a gás, economiza bastante, mas cada tostão conta para Carlos, o negro da história, em semi-alforria. Nelson é o índio. Paulo é o branco. E eu, o Turco, barganhando com essa gente toda. Carlos nunca tinha ido a Parati, achou que era mais perto. Se ele soubesse que o pedágio na época do ouro era R$200 a valor presente, teria me cobrado mais. PUTA 12 Noites cariocas. Em Montecarlo (nome do antro) um resumo do Brasil (antro com nomes). Regina pegou o marido com a melhor amiga em Campo Grande (baixada fluminense). Deu um chute em tudo, pegou os dois filhos e virou puta. Uma hora de estrada todos os dias para chegar à fortuna de Montecarlo. 15