CONSELHO DE MINISTRO PROPOSTA DE LEI N.º /VIII/2014 DE DE ASSUNTO: Pedido de autorização legislativa para aprovar o novo Código de Água e Saneamento. EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS A Constituição da República impõe ao Estado, como tarefas fundamentais, a garantia do respeito dos direitos humanos e o pleno gozo dos direitos fundamentais a todos os cidadãos; a promoção do bem-estar e da qualidade de vida do povo cabo-verdiano, designadamente dos mais carenciados e a remoção progressiva dos obstáculos que impedem a real igualdade de oportunidades entre todos os cidadãos, especialmente os factores de discriminação da mulher na sociedade; a criação progressiva das condições necessárias para a transformação e modernização das estruturas económicas e sociais por forma a tornar efectivos os direitos económicos e sociais dos cidadãos; bem como a protecção da paisagem, dos recursos naturais e do meio ambiente, considerando a água um recurso único pertencente ao povo, isto é, em termos jurídicos, ao domínio público - inalienável, imprescritível e impenhorável - do Estado nos termos dos artigos 7.º/b), e), j), k) e 91.º/7-a) e c). O Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, através da Resolução A/HRC/15/L.14, de 30 de Setembro de 2010, declarou a água e o saneamento como um direito humano fundamental, afirmando que "o direito humano à água potável e ao saneamento é derivado do direito a um padrão de vida adequado e está intimamente relacionado com o direito ao mais elevado nível de saúde física e mental, bem como o direito à vida e à dignidade humana". Antes, porém, a comunidade internacional, através da Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas, ocorrida a 28 de Julho de 2010, tinha já igualmente reconhecido a água e o saneamento como um direito humano essencial para o pleno gozo da vida e de todos os outros direitos humanos, tendo instado os Estados e organizações internacionais a assegurar recursos financeiros, formação e transferência de tecnologias necessários,
com vista a melhorar o acesso universal a esses bens, de que milhões de seres humanos se encontram excluídos a nível global. A Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, enfatiza a igualdade e o direito à vida e reafirma que todo o ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar à si e à sua família saúde e bem-estar. O direito internacional geral ou comum faz parte integrante da ordem jurídica caboverdiana e os actos jurídicos emanados dos órgãos competentes das organizações supra nacionais de que Cabo Verde faz parte vigoram directamente na ordem jurídica interna (nos termos e para os efeitos do artigo 12º da CRCV). Nestes termos, o direito de acesso do povo cabo-verdiano à electricidade, à água e ao saneamento, enquanto direito humano derivado de outros direitos humanos, com a mesma dignidade, como o direito à saúde, ao bem-estar e à qualidade de vida, constituí uma tarefa fundamental do Estado garantido pela Constituição e pela ordem jurídica internacional directamente vigente na ordem interna. A problemática da gestão sustentada da água é um dos maiores desafios de Cabo Verde e tem constituído uma preocupação permanente dos sucessivos governos, bem como de instituições públicas, privadas e da sociedade em geral. Cabo Verde é um país situado na zona do Sahel caracterizada pela sua extrema aridez. A precipitação é limitada a uma média de 230mm por ano e ainda assim apenas 13% dessa precipitação contribui para a alimentação das águas subterrâneas, que aliás, vêm diminuindo de ano para ano. Em consequência, a Nação cabo-verdiana depende cada vez mais da água dessalinizada para o consumo. O custo elevado da energia e o facto de cerca de 80% da água para o consumo doméstico em Cabo Verde ser dessalinizada configura a água como um problema de solução extremamente desafiante, delicado e urgente. Não obstante estes desafios, o País tem feito progressos significativos na promoção do acesso da população à água potável, tendo antecipadamente atingido em 2007 os Objectivos do Desenvolvimento do Milénio nessa matéria, previstos para 2015. De acordo com o Censo Nacional de 2010, mais de 92% dos cabo-verdianos tem acesso a água. Contudo, os sucessos alcançados não podem iludir os enormes desafios que a Nação, no seu todo, continua a enfrentar. Ainda existem grandes diferenças no acesso entre as cidades e o campo, o custo tende a ser cada vez mais elevado, as ineficiências de gestão, a frequência de cortes e a qualidade e a quantidade do abastecimento deixam ainda muito a desejar, com particular incidência nas populações vulneráveis, do campo e das periferias das cidades. Com efeito, todos os macro documentos oficiais de diagnóstico do sector mostram que o acesso à água e ao saneamento afecta sobretudo as populações periurbanas e rurais, e em particular as mulheres chefes de família, reproduzindo a pobreza e a desigualdade de género, bem como as crianças que são prejudicadas, não apenas na sua saúde, como no aproveitamento escolar, ao perderem imenso tempo a carregar água das fontes ou chafarizes, tempo que poderiam dedicar à escola e ao estudo.
O Programa do Governo para a VIII Legislatura 2011-2016 declara que um elemento chave da acção do Governo para alargar o acesso da população aos serviços básicos é a reforma do quadro institucional e legal reconhecendo que presentemente, existem demasiadas sobreposições e não há responsabilidades institucionais claras. Existem demasiados actores sem um líder, coordenador ou gestor comum. Grandes reformas de integração do sector sob uma única organização serão implementadas para facilitar a ligação natural entre a água e águas residuais (saneamento), para assegurar que haverá uma instituição líder para o sector da água e águas residuais, para promover a eficácia, reduzir a duplicação e assegurar uma gestão forte desses sectores. O objectivo será a criação de uma única instituição para controlar o sector da água e saneamento, enquanto a regulação dos preços e da eficiência será feita pela entidade de regulação económica e a regulação ambiental ficará a cargo do departamento para o ambiente. Para a materialização do seu Programa, o Governo assume como um dos objectivos primordiais do seu mandato a reforma dos sectores da água e do saneamento com o objectivo principal de: Aumentar o acesso à água potável e ao saneamento básico; Facilitar o planeamento e a gestão integrada dos recursos hídricos e do saneamento básico; Implementar uma efectiva regulação técnica e económica; Assegurar a sustentabilidade financeira do sistema com ênfase na recuperação dos custos; Atrair o sector privado; e Assegurar a sustentabilidade e a autonomia institucional do sector. Nesse contexto, o Governo negociou com os Estados Unidos da América o segundo Compacto do Millennium Challenge Account (MCA-II) visando contribuir globalmente para a diminuição da pobreza através da redução dos custos para a economia de Cabo Verde da prestação ineficiente de determinados serviços públicos e da remoção das condições institucionais que impedem os investimentos do sector privado. Integrado no MCA- II encontra-se o Projecto WASH (Water, Sanitation and Hygiene Project), tendo por objectivo específica a melhoraria dos serviços de abastecimento de água e de saneamento às famílias e empresas cabo-verdianas, através das seguintes acções: Reforma das instituições de implementação de política nacional e regulação do sector; Transformação dos provedores de serviços de água e saneamento em entidades autónomas operando numa base comercial; Melhoria da qualidade e aumento da área de cobertura das infra-estruturas de água e saneamento. A Revisão do Quadro Jurídico e Institucional do Sector da Água e Saneamento inscrevese na primeira acção e visa os seguintes objectivos: Revisão e actualização dos ante-projectos de legislação nacional anteriormente elaborados, de modo a reflectirem as propostas da reforma institucional em curso;
Identificação de normas, standards, códigos e outra legislação relativa à regulação do sector da Água e Saneamento que careçam de revisão ou redacção, a elaborar posteriormente, de acordo com as melhores práticas internacionais; Actualização dos ante-projectos de legislação nacional, de modo a sanar os problemas identificados. É neste âmbito que o Governo, mediante a presente Proposta de Lei, solicita a autorização legislativa à Assembleia Nacional, visando definir e aprovar o novo Código da Água e Saneamento, o qual terá por base o quadro político, institucional e jurídico do sector da água e do saneamento em vigor em Cabo Verde. Portanto, a presente Proposta de Lei, e consequentemente, o novo Código resultam da elaboração de um gap analysis com identificação das principais lacunas, sobreposições e contradições tendo presente as necessidades actuais e futuras do sector e as melhores práticas internacionais neste domínio, bem como o envolvimento e a recolha de opiniões e pareceres dos principais stakeholders, nas diferentes fases da sua elaboração. O novo Código de Água e Saneamento (CAS), adveniente da presente Proposta de Lei, permitirá a criação de um regime jurídico disciplinador do sector, coerente e claro, de fácil consulta e aplicação, complementado por um enquadramento institucional com completa separação de funções com a recente criação da Agência Nacional de Água e Saneamento (ANAS) e do Conselho Nacional da Água e Saneamento (CNAS), através das Leis 46/VIII/2013 e 45/VIII/2013, respectivamente, ambas de 17 de Setembro, seguido ainda da empresarialização do sector. No processo de elaboração da presente Proposta de Lei foram ouvidas o Ministério das Finanças e Planeamento (MFP), a ANAS, a Agência de Regulação Económica (ARE), a Comissão de Reforma do Sector da Água e Saneamento, a Direcção Geral da Energia (DGE), a Unidade de Coordenação da Reforma do Estado (UCRE), o Instituto Cabo- Verdiano para a Igualdade e Equidade do Género (ICIEG), a Direcção Geral de Agricultura Silvicultura e Pecuária (DGASP), a Direcção Nacional do Ambiente (DNA), o MCA, a Associação Nacional dos Municípios Cabo-verdianos (ANMCV), a Associação para Defesa do Consumidor (ADECO) e ONG's relacionados com sector, a qual foi ainda apresentado a todos os stakeholders para socialização e recolha de subsídios no âmbito de um workshop organizado para o efeito. Assim, Nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 203.º da Constituição, o Governo submete à Assembleia Nacional a seguinte Proposta de Lei Artigo 1.º Objecto É concedida ao Governo autorização legislativa para definir e aprovar o novo Código de Água e Saneamento aprovado pela Lei n.º 41/II/84, de 18 de Junho, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Legislativo n.º 5/99, de 13 de Dezembro.
Artigo 2.º Sentido e extensão A autorização legislativa concedida pelo artigo anterior tem o seguinte sentido e extensão: a) Definir e aprovar o Código de Água e Saneamento aplicável a todos os recursos hídricos existentes no solo, subsolo e atmosfera do território nacional, incluindo as águas interiores de superfície e subterrâneas e a água produzida por dessalinização, bem como a todos os sistemas públicos e prediais de abastecimento e saneamento e à reutilização das águas residuais e das lamas tratadas; b) Estabelecer que o Código de Água e Saneamento não se aplica às águas marítimas salvo se e na medida em que por qualquer forma possam interferir com os recursos hídricos existentes no solo, subsolo e atmosfera ou com a água dessalinizada; c) Definir os principais conceitos usados no Código de Água e Saneamento por forma a harmonizar e facilitar a interpretação e aplicação dos mesmos; d) Retomar e desenvolver os princípios fundamentais do Código de Água em vigor, designadamente o da dominialidade pública de todos os recursos hídricos; e) Estabelecer os princípios da política hídrica à luz da realidade do País e das melhores práticas internacionais; f) Definir as linhas gerais das atribuições do Estado e dos municípios em matéria de recursos hídricos e saneamento; g) Definir as bases gerais da organização e da administração de recursos hídricos, estabelecendo os princípios a que devem obedecer, os níveis em que se organiza, os órgãos que, em abstracto, devem nela intervir nos diversos níveis e as respectivas atribuições, e remetendo para a competência constitucional do Governo a definição, em cada momento, da orgânica concreta da administração de recursos hídricos, contando neste quadro com: i. A necessidade de uma perspectiva globalizante e integrada de gestão dos recursos hídricos; ii. A necessidade de desconcentração da organização administrativa ao nível de circunscrição hidrográfica; iii. A necessidade de participação organizada e representativa dos consumidores; iv. A necessidade da existência de órgão consultivo nacional do Governo, que seja um fórum de discussão alargada da política de gestão sustentável dos recursos hídricos nacionais, numa perspectiva ecosistémica e de integração de interesses sectoriais e territoriais; e
v. O facto de o sector da água e saneamento ser de actividade económica regulada. h) Estabelecer a titularidade e as bases do regime dos terrenos de domínio público hídrico; i) Definir as servidões legais de águas, absorvendo no essencial, desenvolvendo e actualizando a parte correspondente do Decreto-Lei n.º 166/87, de 31 de Dezembro, e instituir a possibilidade de, para fins de utilidade pública hídrica, poderem ser estabelecidas restrições ao direito de propriedade e outros direitos reais; j) Estabelecer as bases do ordenamento e planeamento dos recursos hídricos e a sua protecção e valorização; k) Estabelecer o regime do uso dos recursos hídricos, no qual se desenvolve o essencial dos princípios do regime estabelecido no Código de Água em vigor, estabelecendo que, em caso de conflito entre os diversos usos da água, é dada preferência à captação de água destinada ao consumo humano seguida da captação de água para rega, abeberamento de gado e outros usos agrícolas face aos demais usos, de acordo com as melhores práticas internacionais; l) Estabelecer um novo registo nacional dos recursos hídricos, atenta a prática da caducidade por não uso, e a finalidade do registo de recursos hídricos, bem como definir a competência para a sua organização e manutenção ao Regulador Técnico, estabelecer o seu conteúdo e prever que a entidade competente vai organizar um cadastro nacional de pontos de água e um cadastro nacional de obras hidráulicas e de sistemas de saneamento, por circunscrição hidrográfica, de modo a conter e poder fornecer, com rapidez, toda a informação a eles relativa e criando obrigações especiais das entidades públicas relativamente aos referidos cadastros nacionais; m) Estabelecer as bases do regime de protecção da qualidade da água relativamente aos seus diversos usos mais frequentes em Cabo Verde, designadamente desenvolvendo e actualizando o essencial das disposições substantivas do Decreto n.º 82/87, de 1 de Agosto, na linha do Decreto-Lei nº 8/2004, de 23 de Fevereiro, que acrescenta a protecção das águas contra a poluição causada por nitratos de origem agrícola; n) Estabelecer as bases do regime das obras hidráulicas, no qual se define os seus fins e as classifica, além de estabelecer o seu regime de propriedade e os princípios gerais em matéria de sua execução, exploração, conservação, inutilização, fiscalização e de expropriações ou restrições por causa delas; o) Determinar a aplicação subsidiária das normas relativas a obras hidráulicas a infra-estruturas de saneamento; p) Estabelecer as bases do regime económico-financeiro dos recursos hídricos, definindo os seus princípios orientadores, designadamente o da onerosidade do uso de água ou do utilizador-pagador, regulando o regime geral dos cânones, taxas,
tarifas e emolumentos devidos e da sua cobrança e pagamento, e estabelecendo o seu elenco taxativo para tal, nomeadamente, desenvolvendo e actualizando o essencial do disposto no Decreto n.º 167/87, de 31 de Dezembro, e no Decreto-lei n.º 75/99, de 30 de Dezembro; q) Isentar as empresas municipais e multimunicipais e as concessionárias dos serviços de água e saneamento de taxas pela ocupação dos espaços do domínio público, relacionados com o lançamento de infra-estruturas de água e saneamento; r) Estabelecer as bases do regime dos sistemas públicos e prediais de distribuição de água e de saneamento, no qual se desenvolve o essencial do Decreto-Lei n.º 75/99, de 30 de Dezembro, e das disposições substantivas do Decreto n.º 168/87, de 31 de Dezembro, e estabelece, ainda, os direitos e deveres dos consumidores e normas de protecção dos mesmos na sua relação com os prestadores de serviços de água e saneamento, aproveitando o essencial da legislação dispersa sobre a matéria; s) Estabelecer, ainda, regras gerais de competência específica, a aplicar salvo disposição expressa em contrário, relativas a licenças, concessões, servidões administrativas, cânones, taxas, tarifas e emolumentos, obras hidráulicas e infraestruturas de saneamento básico, normalização técnica, fiscalização e inspecção, bem como a obrigatoriedade da precedência de pareceres de serviços centrais com interesse na questão hídrica e, bem assim, as regras de delegação das referidas competências; t) Permitir a arbitragem nos litígios entre a administração e os titulares de licenças e concessões e nas relações entre as entidades prestadoras de serviços públicos no domínio dos recursos hídricos e entre estas e os consumidores; u) Definir e regular o regime das contra-ordenações hídricas, no qual se estabelecem normas prevendo: i. A punição da negligência, da tentativa e dos actos preparatórios; ii. O aumento dos prazos de prescrição de procedimento para 5 (cinco) anos e da coima para 10 (dez) anos; iii. O aumento dos limites máximos das coimas, que pode atingir, para as pessoas singulares, 500.000$00 (quinhentos mil escudos) em caso de negligência, e 1.000.000$00 (um milhão de escudos) em caso de dolo, e, para as pessoas colectivas 50.000.000$00 (cinquenta milhões de escudos) em caso de negligência, e 100.000.000$00 (cem milhões de escudos) em caso de dolo; iv. Os critérios de determinação da medida da coima e sanções acessórias; v. A publicitação da punição e das sanções acessórias especiais, bem como o reembolso de quantias indevidamente cobradas e a reposição da situação material anterior;
vi. A legitimidade para a cobrança coerciva da coima por via executiva e os mecanismos de recurso e afectação do produto da coima, que pode, por lei ou regulamento, ser repartido entre o Estado, municípios e outros entes públicos personalizados, conforme a conveniência do Estado. vii. Um elenco, não taxativo, das contra-ordenações hídricas mais significativas, consagrando no Código, que o Governo pode, por lei ou regulamento, criar outras; v) Estabelecer normas sobre a fiscalização e inspecção por parte dos organismos competentes sobre as actividades que envolvem o uso de recursos hídricos; e w) Proceder à revogação dos diplomas cuja vigência deixa de se justificar face à entrada em vigor do novo Código de Água e de Saneamento. Artigo 3.º Duração A presente autorização legislativa tem a duração de 120 (cento e vinte) dias. Artigo 4.º Entrada em vigor A presente Lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação. Aprovada em Conselho de Ministros de 15 de Maio de 2015. José Maria Pereira Neves Rui Mendes Semedo