UM ENCONTRO MARCADO NO BRASIL Antes que a neve começasse a cair no hemisfério norte, partiu para o Brasil um jovem francês, destinado a nunca mais voltar para o seu país. Recém-casado com uma moça de Bordeaux, chamada Eufrásia, ficou abraçado à esposa até que a costa da França se perdesse no horizonte. O sogro trabalhava com pedras preciosas e confiara nele para ir comprá-las naquele país longínquo. Quis o destino que François Dumont desembarcasse no Rio de Janeiro exatamente no dia 2 de dezembro de 1825. A mesma data do nascimento do menino Pedro, que viria a ser o segundo imperador do Brasil. François e Eufrásia não tiveram muito sucesso em terras brasileiras. Pouco se sabe das suas andanças em Minas Gerais, mas é certo que ele morreu cedo, dei xando a viúva com três filhos pequenos. Do primogê nito e do caçula, a história esqueceu. O filho do meio viria a ser o pai de Alberto Santos Dumont. 7
Henrique Dumont nasceu em Diamantina, Minas Gerais, no dia 20 de julho de 1832. Era uma época de grandes agitações políticas no Brasil. A Regência não conseguia controlar os movimentos libertários em diversas províncias, situação que perdurou até exatamente o dia 20 de julho de 1840, quando Henrique completou oito anos. Nesse dia, o menino Pedro, que nascera na mesma data em que o casal Dumont desembarcara no Rio de Janeiro, estava com quatorze anos. Mesmo assim, o povo exigiu sua maioridade para que pudesse subir ao trono como Dom Pedro II. E a memória poética guardou alguns versos que eram cantados pelas ruas da capital: 8 Queremos Dom Pedro II, Embora não tenha idade, O povo dispensa a lei, E viva a maioridade! A boa estrela de Henrique, um adolescente sem fortuna, órfão de pai, o fez receber a proteção do padri nho, também negociante de pedras preciosas. Raspando seus próprios bolsos e os de seus amigos, esse cavalheiro comprara o famoso diamante Estrela do Sul e o levou, costurado na roupa, para vendê-lo na Europa. Mas o melhor é que
levou também, na mesma viagem, o jovem Henrique, para que seu afilhado pudesse prosse guir os estudos em Paris. Assim, graças ao apoio do padrinho, inominado pelos historiadores, e de familiares com quem ficou hospedado em Paris, Henrique Dumont diplomou-se engenheiro-civil na famosa École Centrale des Arts et Métiers. Corria o ano de 1853. O moço brasileiro, com altas notas e igual conceito entre colegas e professores, tinha apenas 21 anos de idade. Voltando ao Brasil, Henrique foi contratado pelo Serviço de Obras Públicas de Ouro Preto, então capital de Minas Gerais. Pouco tempo depois, em uma igreja barroca, entre o dourado dos altares e as magníficas esculturas de Aleijadinho, seus olhos castanhos encontraram, pela primeira vez, os olhos negros de Francisca. Foi, como dizem os franceses, un coup de foudre, um golpe de amor à primeira vista, que os uniria para sempre. Aquela moça morena, rosto suave, cabelos negros e grandes olhos pensativos, estava destinada a ser a mãe de Alberto Santos Dumont. Francisca era filha do comendador Francisco de Paula Santos, cujo pai nascera em Portugal e orgu lhava-se de ser transmontano. No entanto, segundo alguns historiadores, era da mesma família de 9
Felipe dos Santos, o precursor de Tiradentes nos movimentos libertários do Brasil, morto e esquartejado pelas autoridades coloniais portuguesas. Dona Rosalina, mãe de Francisca, morrera na epidemia de febre amarela de 1854. Órfã de mãe, a menina ficou dois anos sob os cuidados da avó espanhola, dona Emerenciana de Jesus, matriarca de temperamento forte. Esse detalhe parece ter apressado o casamento. Henrique e Francisca, casados em 1856, seguiram morando em Ouro Preto onde nasceu, no ano seguinte, o primeiro filho, batizado de Henrique, como o pai. Em 1860, quando nasceu Maria Rosalina, já estavam vivendo na fazenda Gongo Soco, perto de Santa Bárbara, interior de Minas Gerais. Ali, o engenheiro despendeu seus poucos recursos tentando retirar ouro de veios em decadência. Logo depois, em sociedade com o sogro, Henrique Dumont comprou a fazenda Jaguará, junto ao Rio das Velhas, próximo de Sabará, onde também fra cassou na mineração de ouro. De temperamento determinado, em lugar de vender a fazenda, o engenheiro resolveu mudar o foco de seus negócios. Equipou-se para o corte de madeira e fechou contrato com a direção das famosas minas de Morro Velho, que estava reformando suas antigas gale rias. Para o transporte rápido 10
das toras, não tardou a assustar o povo ribeirinho com a fumaça e o ruído do motor do seu barco, o primeiro movido a vapor que navegou naquelas águas. Na verdade, nos anos passados em Jaguará, Henrique e Francisca nada ganharam, a não ser os filhos que lá nasceram, Virgínia, Luís e Gabriela. Um incêndio causou enormes prejuízos em Morro Velho, o contrato de compra de madeira foi suspenso por falta de verbas e nenhum pagamento foi feito ao engenheiro. Assim, em uma manhã chuvosa de 1871, o casal colocou seus cinco filhos e alguns móveis a bordo do barco a vapor e, com os olhos pousados nos montes de árvores tombadas e perdidas, seguiu em busca de um novo destino. Dali em diante, somente tinham a certeza de que em mineração e corte de madeira não trabalhariam mais. O próximo trabalho daria a Henrique a oportunidade de provar seus conhecimentos de engenharia. Iniciava-se o ano de 1872, e o Império do Brasil, liberto da Guerra do Paraguai, começava a investir recursos em aplicações mais importantes do que a fundição de canhões. Algumas obras foram iniciadas, outras retomadas em ritmo acelerado. Entre elas, a Ferrovia Dom Pedro II, sonho do imperador, que ligaria o Rio de Janeiro a Ouro Preto. 11