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Inovando na Técnica de Pintura: Três Queimas An innovative staining technique: A three-firing protocol Rodrigo Bicalho Queiroga* * Especialista em Dentística (PUC-MG) Master em Cerâmica (Instituto Paulo Kano) Mentor Speaker Sirona Rodrigo Bicalho Queiroga Rua Benedito Valadares, 10 Centro CEP 39705-000, São João Evangelista, MG rodrigobicalho@msn.com Data de recebimento: 10/12/2015 Data de aprovação: 03/02/2016 RESUMO Hoje estamos vivenciando novas possibilidades no campo da prótese. Sem dúvida a técnica de estratificação é a mais estudada e aplicada no campo da cerâmica dental. Mas o surgimento de novos materiais tem facilitado a vida dos protéticos e dentistas. Técnicas como cut-back e maquiagem estão chegando para disputar a preferência entre os técnicos ceramistas e dentistas. Este artigo demonstra uma nova técnica de maquiagem em apenas três queimas, de fácil aplica-ção e com excelentes resultados. PALAVRAS-CHAVE Porcelana. Pintura. Prótese dentária. ABSTRACT Today we are experiencing new possibilities in the field of Prosthodontics. Undoubtedly, the la-yering technique is the most studied and applied for dental ceramics. But the emergence of new materials simplified the lives of prosthetic and dentists concerned. Techniques such as cut-back and make-up are becoming the preference between ceramista dental technicians and dentists. This article shows a novel staining technique, easy to use, which uses only three firings and with great results. KEYWORDS Dental porcelain. Paint. Dental prosthesis. INTRODUÇÃO Os materiais cerâmicos evoluíram muito a partir da década de 1980, com os trabalhos 1-2 que possibilitaram, finalmente, que finas lâminas cerâmicas pudessem ser coladas efetivamente nas estruturas dentárias. Nesse contexto os materiais também foram evoluindo e se dividiram em duas correntes: os materiais reforçados estruturalmente, como as porcelanas metalocerâmicas (citam-se o In-Ceram e a zircônia de algumas empresas como Nobel, Vita, Procera, que começam a ganhar espaço no mercado odontológico); e outra corrente, originada dos trabalhos acima, que permitiu que as cerâmicas pudessem ser aderidas às estruturas dentárias, conhecidas como cerâmicas ácido-sensíveis, muito bem definidas, 3 sendo o suporte ou força estrutural proporcionado pela adesão. Novos materiais como o dissilicato de lítio possibilitaram novas abordagens. 4-6 No grupo das cerâmicas ácido-sensíveis ou reforçadas estruturalmente houve grande desenvolvimento com o uso de aparelhos CAD/CAM, o que proporcionou o desenvolvimento das cerâmicas de várias empresas para as mais diversas indicações clínicas, além de novas opções, como os sistemas injetados da Ivoclar e Kota. 127
INOVANDO NA TECNICA DE PINTURA: TRÊS QUEIMAS Também as técnicas de aplicação foram evoluindo de acordo com os estudos de biomimética, que é o estudo sobre como se comportam determinadas estruturas na natureza. As cerâmicas passaram a ter características ópticas semelhantes às dos dentes naturais, possibilitando variação nas técnicas de aplicação, de acordo com a característica de cada material e sua indicação clínica. Houve, ainda, a possibilidade de usar materiais mais resistentes e com espessura cada vez menor, podendo-se preservar estruturas dentárias sadias. 5-6 Das opções técnicas de uso das cerâmicas, a pintura de cerâmica desenvolveu-se muito, 7 com a qual se fazia a técnica de maquiagem interna e depois se estratificavam os dentes. Mais tarde se desenvolveu a técnica do pontilhismo, 8 que se mostrou uma nova abordagem, permitindo trabalhos muito bem acabados mediante várias queimas de uma maquiagem externa, coberta com três queimas de glaze para proteger a pintura. Esses mestres ceramistas sempre enfatizam a importância da persistência, do estudo e da prática para aperfeiçoar a técnica. A prática leva ao aprimoramento. Vários discípulos de Kano 8 usaram e aperfeiçoaram a técnica dele, 9-10 mas não era a única. Outros 11-12 mostraram novas possibilidades, novas misturas para dentes posteriores através das novas técnicas de maquiagem, podendo ser feitas com poucas aplicações, desde que se saiba escolher o material. O importante dessa história é que, ao misturar as técnicas, podem-se fazer trabalhos maravilhosos. 7-8,12 Basta dominar a essência, praticar e aprimorar a técnica. Através do estudo, pesquisa e observação dos novos materiais cerâmicos, torna-se então possível desenvolver uma nova técnica de pintura cerâmica. ESCOLHA DO MATERIAL E DA TEXTURA A grande diferença nesta técnica está na escolha do material, pois ela é relativamente simples, enquanto o material cerâmico escolhido faz toda a diferença. Deve-se conhecer a teoria da cor, entender a luz e sua interação com o material, saber identificar as limitações dos materiais e suas indicações para cada situação clínica. 13 A escolha do material determina o sucesso do tratamento por suas variações e características particulares. A escolha varia também de uma empresa para outra. Alguns materiais são mais translúcidos, e outros têm características mais dentinárias ou esmalte cromático. Tudo depende da percepção e de saber escolher a cerâmica certa. 13-14 Definido o material, no caso foi escolhido o e-max, faz- -se toda a correção de forma e textura antes de iniciar-se a pintura. Alinha-se o dente pelo incisal, corrigem-se as arestas de reflexão de luz, os planos, as texturas horizontais e verticais, e finalmente as microtexturas 14-15 (Fig. 1). Outro item importante é deixar as texturas bem evidentes, para não perdê-las durante a técnica glazeada de três queimas. 13 Finalizada a textura, o ideal é jatear a faceta ou coroa com um jato de óxido de alumínio de 50 um e em seguida limpar com vapor. Facilita-se a pintura ensinando a técnica 8 a todos os ceramistas. 9-13 Em alguns casos, dependendo do grau de dificuldade, sempre se inicia com a técnica do pontilhismo, 8 para fixar a cor usando shade pelo método descrito pela empresa Ivoclar. Depois da primeira queima ou queima de cristalização, inicia-se a nova aplicação de pintura cerâmica, chamada de três queimas ou pintura glazeada (Fig. 2-3), mas quando o material selecionado está com um ou dois tons de cor diferentes do dente original, usa-se somente esta nova técnica, descrita abaixo. TÉCNICA DE TRÊS QUEIMAS Na primeira queima aplica-se também a pasta de glaze Fluo como se fosse a técnica do pontilhismo, depois se colocam as pinturas shade, shade incisal 1 e 2, e outras massas de essence, como white, terracota e profundo, de acordo com a necessidade (Fig. 4). Na segunda queima usa-se pasta de glaze com a técnica do pontilhismo, depois se usam as massas de acordo com a necessidade estética (Fig. 5). A terceira e última queima segue o mesmo princípio: pasta de glaze Fluo molhando a superfície, como na técnica do pontilhismo, depois mais pintura. Observe se há alguma mancha externa ou efeito para finalizar a maquiagem (Fig. 6). Como é uma pintura glazeada, não se necessita fazer uma cobertura de glaze. Essa teoria defendida é mais usada em dentes posteriores. 14 Para dentes anteriores a preferência da maioria dos mestres ceramistas é a técnica de estratificação mediante o uso de pastilhas ou blocos de baixa translucidez, como MO ou LT. A alquimia das misturas e onde colocá-las é o diferencial para se chegar ao resultado perfeito. Saber como misturar as massas é um segredo. O refino da técnica de aplicação e a percepção das cores e da translucidez, outros. Após as queimas, pode-se tirar um pouco do brilho do glaze com rodas de feltro e/ou pontas/rodas de borracha (Eve), além das pontas de papel abrasivas (Kota). Essa técnica de três queimas para dentes anteriores foi possível após várias tentativas usando-se os novos materiais como e.max Impulse (Fig. 7-8) e pode ser aplicada aos outros materiais cerâmicos. 128
Queiroga RB. Figura 1. Figura 2. Figura 3. Figura 4. Figura 5. Figura 6. Figura 7. Figura 8. 129
INOVANDO NA TECNICA DE PINTURA: TRÊS QUEIMAS CASO CLÍNICO Paciente de 15 anos que fraturou o dente aos 11 anos retornou ao consultório para melhorar a estética. Anteriormente havia sido realizado um clareamento dentário com outro profissional, o qual não deu bom resultado no dente fraturado em relação aos outros. O paciente procurou nosso serviço para a resolução estética do caso. O dente apresentou-se com um ligeiro escurecimento, e teste de vitalidade demonstrou que a polpa ainda respondia. Não foi substituída a resina por outra, mas, por causa da leve descoloração do dente, foi indicado um laminado minimamente invasivo para corrigir o leve escurecimento (Fig. 9-12). Definido com os pais o tratamento, foi escolhida uma cerâmica que pudesse agredir menos o dente e resolvesse o problema de escurecimento tanto da cervical como da incisal. O material escolhido foi o e.max Impulse Opal 2 (Ivoclar). Realizou-se um preparo minimamente invasivo, com uma canaleta na cervical. 5-6,13 Figura 9. Figura 10. Figura 11. Figura 12. Figura 13. Figura 14. 130
Queiroga RB. Do dente foi removida a resina na incisal. A área de mamelos apresentava alteração de cor avançada. Poliu-se o dente com discos Sof-Lex, da 3M, e acabamento com cinzéis (Maximus) e borrachas de polimento (Astropol, Ivoclar) (Fig. 11-12). Realizou-se registro de cor mediante fotografia com escala de cor aproximada (Vita Classical) (Fig. 13-14). Foi realizada uma moldagem parcial e um escaneamento do dente. Através do sistema CAD/CAM Cerec (Sirona), após a fresagem, todo o processo e acabamento de forma e textura foi executado observando-se sempre o dente homólogo (Fig. 15). O esmalte do dente homólogo apresentava-se denso, opaco e claro, incisal com leve translucidez, e não tinha características cromáticas fortes, o que levou à escolha de material que tivesse essas mesmas características. O paciente relatou que não gostava das manchas brancas externas de seus dentes (Fig. 13). Figura 15. Figura 16. Figura 17. Figura 18. Figura 19. 131
INOVANDO NA TECNICA DE PINTURA: TRÊS QUEIMAS Figura 20. Figura 21. Figura 22. Figura 23. Figura 24. 132
Queiroga RB. A faceta de e.max Impulse Opal 2 foi cristalizada obedecendo-se ao programa do forno de cerâmica (EP 500, Ivoclar). Logo se iniciou o uso da nova técnica de maquiagem. Primeiro foi selecionada uma foto para servir de referência para o estudo de quais massas e pinturas iriam ser usadas. Observando a imagem com contraste, visualizaram-se as diferenças do que tinha por dentro e por fora do dente em relação à variação de cor e profundidade. A primeira queima seguiu a nova técnica, primeiramente com pasta de glaze com pontilhismo e depois com as massas de pintura nas áreas, shade na cervical, shade na incisal 1 e 2, para criar profundidade, e stains do sistema Empress Universal, como crack-liner mamelo light/salmão. A segunda queima usou novamente a pasta de glaze Fluo pura com a técnica do pontilhismo, e depois um pouco de shade na cervical, reforçando as pinturas nas áreas onde precisava mais profundidade ou mais cor. Finalizou-se com a terceira queima, repetindo a sequência com o pontilhismo da pasta de glaze Fluo, e depois usando as pinturas. Nesse momento faz-se uma cobertura com o essence profundo e marcam-se bem pouco as áreas manchadas com white. Não se necessita de queima de glaze de cobertura, pois as massas, essence e stains, são aplicadas com uma mistura protetora. Sempre se deve trabalhar com o substrato do preparo. É impossível acertar a pintura sem seu uso, como o Die-Material (Ivoclar). Essa técnica pode ser reproduzida em outros materiais do sistema e.max, como LT, HT, MT, e em vários outros materiais, como Empress CAD (Ivoclar), Cerec Bloc (Sirona) e Suprinity (Vita). Na cimentação torna-se imprescindível o uso do cimento try-in, para avaliar a terceira queima (teste final). Se o resultado for bom, inicia-se o processo de cimentação, de acordo com a cor escolhida do cimento (Variolink Veneer, Ivoclar). O cimento try-in pode ser usado para avaliar a pintura após a segunda queima (Fig. 16-19). O resultado final após cimentação é exibido nas Figuras 20 a 22, e a textura alcançada, nas Figuras 23 e 24. REFERÊNCIAS 1. Horn HR. Porcelain laminate veneers bonded to etched enamel. Dent Clin North Am. 1983 Oct;27(4):671-84. 2. Calamia JR, Simonsen RJ. Effect of coupling agents on bond strenght of etched porcelain. J Dent Res. 1984;63:62-362. 3. Kina S, Bruguera A. Invisível: restaurações estéticas cerâmicas. Maringá: Dental Press; 2007. 4. Queiroga RB. Laminados cerâmicos minimamente invasivos: novas possibilidades. Rev Dental Press Estet. 2012 Jan-Mar;9(1):34-47. 5. Queiroga RB. Faceta e laminados, uma visão clínica e sua interação laboratorial. In: Aranha C, Morita D, coordenadores. A busca da excelência estética no laboratório de prótese e clínica dentária. Nova Odessa: Napoleão; 2013. cap. 3. 6. Hilgert LA. Influência da coloração do substrato, espessura e translucidez da cerâmica na cor das facetas laminadas produzidas com o sistema Cerec In-Lab [tese]. Florianópolis: Pós-Graduação em Odontologia; 2009. 7. Kataoka S, Mjor IA, Nishimura Y. Nature s morphology: an atlas of tooth shape and form. Illinois: Quintessence; 2002. 8. Kano PY. Técnica de maquiagem em materiais cerâmicos. Pontilhismo. Curso teórico/prático. São Paulo: Instituto Paulo Kano; 2010/2011. 9. Calgaro M. Desenhando sorrisos. Curso teórico/prático. Curitiba: [s.n.]; 2011/2012. 10. Folgueiras DC, Chibebe Jr J. Maquiagem dental, simplicidade e previsibilidade. In: Aranha C, Morita D, coordenadores. A busca da excelência estética no laboratório de prótese e clínica dentária. Nova Odessa: Napoleão; 2013. cap. 13. 11. Grubel D. Curso técnico e-max impulse e e-max CAD meso na ICDE Ivoclar Vivadent AG (Centro Internacional de Educação Dental) em Shaan, Liechtenstein. Liechtenstein: [s.n]; 2012. 12. Brix O. Curso teórico/prático. ICDE Ivoclar Vivadent. São Paulo: [s.n.]; 2014. 13. Queiroga RB. Otimizando o uso do CAD/CAM. In: Celestrino M, coordenador. Reconstruindo o sorriso: ciência, arte e tecnologia. Ribeirão Preto: Tota; 2015. cap. 5. 14. Brix O. O fascínio das restaurações cerâmicas. Italy: [s.n.]; 2014. 15. Hajto J. Anteriores: a beleza natural dos dentes anteriores. São Paulo: Santos; 2008. CONCLUSÃO Esta nova abordagem possibilita, de forma simples, executar trabalhos de alto grau de exigência estética, através do conhecimento de materiais cerâmicos e suas propriedades ópticas, e do domínio da técnica de maquiagem, que foi aperfeiçoada durante anos. Abrem-se assim novas possibilidades para técnicos e dentistas pouco experientes executar belos trabalhos nessa área. 133