AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE PERNAMBUCO NO JORNAL NACIONAL



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Transcrição:

AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE PERNAMBUCO NO JORNAL NACIONAL Renata Echeverría Martins Orientador: Prof. Dr. Alfredo Eurico Vizeu Pereira Júnior. RECIFE 2012

RENATA ECHEVERRÍA MARTINS AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE PERNAMBUCO NO JORNAL NACIONAL Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Comunicação. Orientador: Prof. Dr. Alfredo Eurico Vizeu Pereira Júnior. RECIFE 2012

Catalogação na fonte Bibliotecária Gláucia Cândida da Silva, CRB4-1662 M386r Martins, Renata Echeverría. As representações sociais de Pernambuco no Jornal Nacional / Renata Echeverría Martins. Recife: O autor, 2012. 195 p. : il. Orientador: Alfredo Eurico Vizeu Pereira Júnior. Dissertação (Mestrado) Universidade Federal de Pernambuco, CAC. Comunicação, 2012. Inclui bibliografia e anexos. 1. Comunicação. 2. Telejornalismo. 3. Representações Sociais. I. Pereira Junior, Alfredo Eurico Vizeu. (Orientador). II. Titulo. 302.23 CDD (22. ed.) UFPE (CAC2012-21)

FOLHA DE APROVAÇÃO Autora do trabalho: Renata Echeverría Título: AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE PERNAMBUCO NO JORNAL NACIONAL Dissertação apresentada como requisito final para a obtenção do título de Mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco sob a orientação do Prof. Dr. Alfredo Eurico Vizeu Pereira Júnior. BANCA EXAMINADORA Dr. Alfredo Eurico Vizeu Pereira Júnior - UFPE Dr. Heitor Costa Lima da Rocha - UFPE Dra. Iluska Maria da Silva Coutinho - UFJF RECIFE 2012

DEDICATÓRIA Dedico este trabalho aos colegas que enfrentaram comigo, durante 11 anos, a rotina profissional na TV Globo Recife (1996/2007).

AGRADECIMENTOS Ao professor Alfredo Vizeu, por acreditar em mim e neste projeto. Aos meus pais Jorge e Silvia e irmãs Mônica, Andréa, Deborah e Daniela. Ao companheiro Lúcio, pela paciência e apoio. Ao PPGCOM, sobretudo a Zé, Luci e Cláudia pela atenção e disposição sempre em ajudar. Às amigas e futuras Doutoras: Águeda Cabral, Fabiana Siqueira e Giovana Mesquita. Aos amigos Celia Campos, Ericka Rocha, Fabiano Morais, Flávio Barbosa, Ítalo Rocha e Eduardo Sarmento, pelo incentivo e apoio. À FACEPE - Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco, cuja bolsa de estudos me permitiu maior tranquilidade para o desenvolvimento da pesquisa.

A filosofia, a história da ciência, a psicanálise e as ciências sociais têm despendido grandes esforços em demonstrar que os seres humanos são animais culturais que conhecem, veem e escutam o mundo através de filtros socialmente construídos. Michael Schudson Porque o desafio da televisão continua sendo sempre e nisso a televisão brasileira é um caso a ser estudado o estar juntos. Dominique Wolton

RESUMO Este trabalho tem como objetivo central sugerir uma categorização das notícias sobre Pernambuco exibidas no Jornal Nacional, da Rede Globo. Nossa preocupação é buscar entender como é construída a imagem do Estado no noticiário televisivo de maior audiência do País. Para isso, recorremos a Teoria das Representações Sociais, de Serge Moscovici, mais especificamente nos conceitos de ancoragem e objetivação, bem como a Teoria do Jornalismo, para entender como são produzidas e selecionadas as notícias. A pesquisa realizada aponta no sentido de que as representações sociais de Pernambuco no Jornal Nacional são resultado de uma produção midiática construída nas rotinas e práticas profissionais. Palavras-chave: Teorias do Jornalismo; Notícia; Telejornalismo; Jornal Nacional; Representações Sociais.

ABSTRACT This paper main objective is to suggest a categorization of news displayed on the Globo s National Journal about, to understand how the image is built in the state's highest rating television news in the country, for this, we will support the Theory of Social Representations, by Serge Moscovici, specifically the concepts of anchoring and objectification, and still, in Theory of Journalism, to understand how they are produced and selected news. In this environment, the social representations of Pernambuco in Globo s National Journal is the result of a built in media production routines and practices. Keywords: Journalism Theory; News; News broadcasting; Globo s National Journal; Social Representations.

LISTA DE FIGURAS FIGURA 01 - Redação da TV Globo Recife... 35 FIGURA 02 - Bancada: Willian Bonner, Fátima Bernardes e Patrícia Poeta... 46 FIGURA 03 - Bancada: Willian Bonner, Fátima Bernardes e Patrícia Poeta...47 FIGURA 04 Enchentes em Pernambuco (imagens do telespectador)... 105 FIGURA 05 Enchentes em Pernambuco (imagens do telespectador)...106 FIGURA 06 Gráfico com percentuais das categorias propostas...112 FIGURA 07 Gráfico das matérias exibidas no Jornal Nacional...113 FIGURA 08 Imagem da queda do avião (enviado pelo telespectador)...121 FIGURA 09 Governadores de Pernambuco e Espírito Santo...139 FIGURA 10 Matéria Apagão...140 FIGURA 11 Matéria julgamento do assassinato do estudante Alcides...142 FIGURA 12 Matéria sobre solução ecológica para abastecimento de gás...145 FIGURA 13 Matéria canteiro de obras constrói casas dia e noite...146 FIGURA 14 Matéria aposentado vira notícia por honestidade...149 FIGURA 15 Matéria ex-presidente Lula visita Nordeste...152 FIGURA 16 Matéria última viagem de Lula presidente...154 FIGURA 17 Matéria Dilma assina convênio para beneficiar Pernambuco...156 FIGURA 18 Matéria Recife e Olinda comemoram aniversário...158 FIGURA 19 Matéria Galo da Madrugada Carnaval 2011...160 FIGURA 20 Matéria Rio São Francisco renova vida das cidades...162 FIGURA 21 Matéria sobre chuvas torrenciais em Pernambuco...166 FIGURA 22 Matéria sobre as águas que começam a baixar nas cidades...168 FIGURA 23 Matéria sobre ataque de tubarão no Recife...169 FIGURA 24 Matéria sobre problemas urbanos em Igarassu...173 FIGURA 25 Matéria sobre analfabetismo no Nordeste... 176 FIGURA 26 Matéria sobre falta de leitos de UTI em Pernambuco... 178

SUMÁRIO INTRODUÇÃO...11 CAPÍTULO 1 A INVENÇÃO DO JORNALISMO... 18 1.1 Jornalismo: um processo de conhecimento...18 1.2 Considerações sobre o Campo Jornalístico... 32 1.3 As Teorias do Jornalismo e a construção da realidade...38 CAPÍTULO 2 TELEJORNALISMO: MUNDO ENQUADRADO... 44 2.1 Como as chamas, a televisão fascina : telejornalismo e realidade... 44 2.2 Telejornalismo: lugar de referência... 57 2.3 As estratégias de mediação: enquadramento, seleção e recorte...65 CAPÍTULO 3 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E JORNAL NACIONAL...74 3.1 A Teoria das Representações Sociais e a relação com o real...74 3.2 Jornal Nacional: uma comunidade imaginada...90 3.3 Representações sociais e Jornal Nacional: fragmentos digitais...98 CAPÍTULO 4 O CAMPO, OS PROTAGONISTAS E OS SÚDITOS...109 4.1 Visita ao reino das redações: um olhar, uma análise...109 4.2 Pernambuco na telinha do Jornal Nacional... 130 4.2.1 Categoria 1: factual...136 4.2.2 Categoria 2: Pernambuco como modelo...144 4.2.3 Categoria 3: celebridades...151 4.2.4 Categoria 4: manifestações culturais...157 4.2.5 Categoria 5: desastres...164 4.2.6 Categoria 6: serviço público...170 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS...180 REFERÊNCIAS...186 ANEXOS...192

11 INTRODUÇÃO Há décadas, a representação do Nordeste brasileiro é tema de ricas investigações fora e dentro da Academia. A grande reportagem do jornalismo investigativo sobre o Nordeste, Os Sertões (1906), foi escrita por Euclides da Cunha. Sobre a obra, o pesquisador Cláudio Cardoso Paiva escreveu: [...] um olhar agudo sobre o interior do Brasil, a partir da Campanha de Canudos e, ao mesmo tempo, definindo um perfil histórico-social, antropológico e político do ser nordestino (PAIVA, 1999, p.8). No século XIX, a representação dos nordestinos esteve presente nos romances literários, depois foi conquistando outras linguagens: o teatro, a música e, de forma massiva e mais recente, o cinema e a televisão. Em Pernambuco, a televisão foi inaugurada dez anos depois de ter sido lançada no Brasil, em 18 de setembro de 1950, a TV Tupi Difusora de São Paulo, por iniciativa do jornalista paraibano Francisco de Assis Chateaubriand. Outro empreendedor, também paraibano, radicado em Pernambuco, Francisco Pessoa de Queiroz, apostou na compra do Jornal do Commercio, em 1930, que pertencia aos seus irmãos João e José Pessoa de Queiroz. Ele enfrentou turbulências políticas para manter a empresa de comunicação funcionando, e 30 anos depois, inaugurou a TV Jornal do Commercio, que existe até hoje. Segundo Santana (2007), no livro A televisão pernambucana por quem viu nascer, enquanto a TV Rádio Clube de Pernambuco, pertencente aos Diários Associados corria para colocar o sinal do Canal-6 no ar, no dia 4 de junho de 1960, às pressas e enfrentando uma série de problemas técnicos, a TV Jornal do Commercio apresentava-se brilhantemente, pela suntuosidade do seu prédio, equipamentos europeus de última geração e gente forjada no campo de produção do Sul e Sudeste do país. A inauguração das duas emissoras foi uma festa: Shows especiais com nomes trazidos do Sul do país e artistas locais serviram de atrativos aos televisores comprados em todo o Estado de Pernambuco ao longo de seis meses que antecederam as inaugurações. Um pequeno volume se comparado ao número registrado no início do ano 2000: 40 milhões de aparelhos vendidos em todo o território nacional, segundo o Almanaque Abril, editado em 2002 (2007, p.29).

12 No dia 18 de junho de 1960, o Canal-2 entrou nos lares dos nordestinos. A programação era marcada por shows à noite apresentados com roupas de gala; no auditório, só entravam pessoas vestidas de paletó e gravata e os cenário eram decorados com elementos que produziam ricos efeitos visuais. [...] O projeto de teledramaturgia fixou diretrizes para conquistar a platéia televisa da região, com produtos mesclados de temas populares e clássicos, envoltos em rica roupagem. (SANTANA, 2007, p.40). A TV Rádio Clube de Pernambuco, com menos recursos financeiros, usava a criatividade para superar a deficiência em suas instalações. Segundo Santana (2007), foi adotada uma linha de programação popular, sem cair no mau gosto, no grotesco: Foram inseridos na programação da TV sucessos da linha humorística do rádio, tais como Atrações do Meio-dia, Pensão Paraíso e Beco sem Saída (2007, p.41). De acordo com depoimentos relatados no livro de Santana (2007, p.42), o Grande Teatro era o carro-chefe da programação da TV Rádio Clube. Peças inteiras eram adaptadas para a televisão. A que inaugurou a temporada, no dia 6 de junho de 1960, foi Uma rosa para Emile, de William Faulkner, adaptada por Hilton Marques. No dia 18 de junho, do mesmo ano, o Canal-6 já exibia a sua primeira novela, dirigida por Santana e intitulada O ruído do silêncio. Segundo Santana, apesar do sucesso, o novo produto do Canal-6 foi recebido com algumas ressalvas: O grande público demonstrou plena aceitação. Entretanto, a classe intelectual e os defensores de adaptações dos clássicos escritores para a TV fizeram críticas ferrenhas. Achavam que aquilo era folhetim barato e que hábitos e costumes do rádio estavam sendo incorporados à televisão (2007, p. 42). Logo depois, o Canal-2 também estreava a novela Lili, produzida e dirigida por Graça Melo. No campo musical, as duas emissoras abriam espaço para os maestros acompanharem cantores da região: Intérpretes da música clássica e popular estavam presentes nos dois canais, numa demonstração da capacidade e do talento do artista da plaga nordestinas (2007, p. 44). No telejornalismo, os dois primeiros noticiários televisivos foram o Diario de Pernambuco na TV, no Canal-6 e Telejornal do Commercio, no Canal-2. Segundo Santana (2007, p.45), nos primeiros anos, os maiores índices de audiência do Canal-2 estiveram nos musicais e shows de auditório e do canal da emissora associada estavam no campo da teledramaturgia: Hoje se torna mais fácil analisar os perfis dos

13 pioneiros que lideraram essa histórica jornada. Na época, não se tinha tempo para isso e não era um dado importante para a equipe. Ainda hoje, não é tão diferente; a teledramaturgia de ficção, as telenovelas, são as que rendem os mais altos índices de audiência nas emissoras de televisão e até muitas análises acadêmicas. Mas muito pouco se pode dizer sobre as pesquisas que não tratam da ficção televisiva. As investigações, teses e dissertações que falam das construções narrativas da realidade, como denominamos, grosso modo, os programas telejornalísticos, ainda não são muito exploradas. Apesar disso, segundo pesquisa divulgada na Folha de São Paulo, no dia 10 de julho de 2011, do Instituto Data Popular, que investiga há 10 anos as classes emergentes, a TV é a principal fonte de entretenimento de 53% da classe C. E é vista não só como fonte de informação, mas de formação. "Esse público, assim como os outros, tem que ver sua realidade retratada", explica Octávio Florisbal, diretor-geral da Rede Globo. E, segundo Florisbal, as mudanças para fisgar esse público tão grande vão do entretenimento ao telejornalismo. Podemos supor que, num país que tem a televisão como um dos maiores canais de acesso ao entretenimento e a informação, o que passa na TV é de grande importância para o cotidiano das pessoas. Sendo assim, entendemos que investir nas pesquisas sobre os noticiários televisivos se mostra extremamente necessário. Segundo pesquisa do Ibope (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística), realizada em abril de 2010, O Jornal Nacional registra, em média, 29 pontos; cada ponto equivale a 55 mil domicílios sintonizados por dia na Grande São Paulo. Outra informação relevante e não menos importante é de que todos os outros telejornais noturnos, de todas as outras emissoras do país, não têm chegado a dois dígitos no Ibope, o que comprova a importância e confere a massiva audiência do principal telejornal da Rede Globo. Nosso trabalho se propõe a buscar pistas para compreender como a população brasileira, que vive no Nordeste, especificamente no Estado de Pernambuco, é representada no telejornal de maior audiência do Brasil, o Jornal Nacional, da Rede Globo, exibido diariamente às oito e meia da noite. Para tanto, tomamos como fundamentação teórica a Teoria das Representações Sociais, que surgiu nas Ciências Sociais, a partir da Psicologia Social. O conceito, criado por Moscovici (1978), toma como base as representações coletivas: As representações coletivas traduzem a maneira como o grupo se pensa nas suas relações com os objetos que o afetam. Para compreender como a sociedade se representa a si própria e ao mundo que a rodeia, precisamos considerar a natureza da

14 sociedade e não a dos indivíduos. Os símbolos com que ela se pensa mudam de acordo com a sua natureza (DURKHEIM, 2001, p.21). Para Moscovici (2009), as sociedades modernas são bastante complexas e a representação social é um tipo de conhecimento particular que tem como função a elaboração de comportamentos e a comunicação entre os indivíduos: Elas entram para o mundo comum e cotidiano em que nós habitamos e discutimos com nossos amigos e colegas e circulam na mídia que lemos e olhamos. Em síntese, as representações sustentadas pelas influências sociais da comunicação constituem as realidades de nossas vidas cotidianas e servem como principal meio para estabelecer as associações com as quais nós nos ligamos uns aos outros (MOSCOVICI, 2009, p.8). Apoiamo-nos na Teoria de Moscovici para estabelecer um diálogo entre os conceitos defendidos pelo psicólogo social e o jornalismo. Também é fundamental para a nossa tentativa de pesquisar, o que denominamos de representação social, trabalharmos os conceitos de ancoragem, objetivação e familiaridade, defendidos por Moscovici em sua teoria. Durante 11 anos, estivemos por trás das câmeras, ou melhor, nos bastidores da redação da TV Globo Recife. De setembro de 1996 a março de 2007, exercemos as funções de apresentadora do NE TV 1ª Edição, de repórter, de produtora e de editora de texto. A autora integrou a equipe de todos os telejornais locais da casa, chegando também a produzir e editar dois telejornais de rede (noticiários televisivos exibidos em todo o país), o Jornal Hoje, que vai ao ar diariamente às 13h20 e, em alguns momentos, o Jornal Nacional, exibido às 20h30. Em nossa trajetória profissional, percebemos como os telejornais da emissora influenciam o dia a dia de nossa população. Ouvindo queixas, elogios e sugestões dos telespectadores, sentimos a necessidade de desvendar o que desperta tantos sentimentos, muitas vezes de ódio ou de paixão. Por isso, este trabalho é muito mais que uma investigação teórica; é também uma tentativa de teorizar o que vivenciamos na prática durante mais de uma década. Uma iniciativa de descrever as experiências de quem esteve durante 11 anos nos bastidores da maior empresa de comunicação do país, com o intuito de contribuir para o entendimento de como se dão, na prática, as relações tão complexas entre a teoria e a práxis. Esperamos colaborar, de alguma forma, para a construção de uma ponte, de um novo canal de diálogo entre a academia e os profissionais que, na maioria das vezes, cumprem jornadas extenuantes de trabalho e não têm sequer tempo de refletir sobre ele.

15 A oportunidade que tivemos de estar diante das câmeras, nas ruas e dentro da redação da TV Globo Recife, selecionando as notícias, contribuiu para a compreensão da força que o símbolo da TV Globo representa neste imenso e tantas vezes injusto país. É certo, há os que amam e os que odeiam os telejornais da TV Globo; há os que os condenam e os que os elegem como fontes confiáveis de informação. Mas, sem a pretensão de formular nenhum tipo de julgamento, e sim como uma observadora que conhece de perto o seu objeto de estudo, partimos, com essa dissertação, para o que chamamos de uma viagem expedicionária, numa incessante busca ao universo de verdades e inverdades, muitas vezes ditadas e editadas, para entender como se constrói a imagem do Estado de Pernambuco, no Jornal Nacional. Na pesquisa, nos detivemos em 39 reportagens sobre Pernambuco, exibidas no Jornal Nacional, nos meses de agosto, outubro, novembro e dezembro de 2010, e fevereiro, março, maio, junho e julho de 2011. No Capítulo 1, procuramos definir o que é jornalismo, o seu campo, as suas teorias e a sua contribuição para explicar e até mesmo construir uma certa realidade. Defenderemos que o jornalismo atua como uma forma específica de conhecimento e que as teorias jornalísticas que vamos utilizar são as que definem as notícias como um processo de produção, de escolha. Escolha que nem sempre é livre; que seguem orientações das instituições, métodos e rotinas profissionais. No Capítulo 2, apresentamos o jornalismo como uma forma de ver o mundo, de enquadrá-lo. Mostramos o jornalismo como uma construção do real, como um lugar de referência. E ainda, no terceiro item, discutiremos o jornalismo como o lugar de estratégias, de mediações, de enquadramentos, seleções e recortes. Mostraremos como a televisão fascina, atrai e constrói mundos possíveis ; como o telejornalismo constrói a ideia de nação, de comunidade. Dialogamos com diferentes autores (ANDERSON, 2008), (HALL, 2006) e (WOLTON, 1996), quando afirmam que o papel da televisão ajuda a criar laços de pertencimento: ideia de grupo, de comunidade, mesmo que imaginada. Para o pesquisador Dominique Wolton (1996), o fenômeno televisivo no Brasil constitui um poderoso fator de integração social e a Rede Globo é um dos símbolos da identidade brasileira. Benedict Anderson (2008) define a nação como uma comunidade política imaginada e Hall (2006) argumenta, em suas reflexões sobre as identidades nacionais, que elas não são coisas com as quais nós nascemos, mas sim que seriam formadas e transformadas a partir de um sistema de representação. Tentaremos também demonstrar como o jornalismo/telejornalismo produz a construção do real, através de complexas operações, como, por exemplo: as de atualidade, de objetividade, de interpelação, de leitura e de operadores didáticos (VIZEU, 2008).

16 No Capítulo 3, descrevemos a Teoria das Representações Sociais de Moscovici (1978) e construímos um diálogo possível com o jornalismo/telejornalismo; mais especificamente, com o objeto de estudo desta dissertação, o Jornal Nacional. Mostramos também, uma discussão sobre a mudança de um padrão globo de qualidade, para uma nova forma de fazer jornalístico, desde a concepção da pauta até a edição, provocada pela inserção das novas tecnologias digitais. Traçaremos como se dá esse novo percurso da produção da notícia na era digital e de que forma as novas tecnologias mudaram o modo de fazer telejornalismo. Pesquisamos também como o Jornal Nacional, um modelo de telejornal que há 42 anos continua sendo o de maior audiência do país, muda, para se adaptar às exigências de um público/telespectador, agora co-produtor. O Capítulo 4 apresenta os resultados de uma pesquisa de campo realizada em julho de 2011, na redação da TV Globo Recife. Analisamos a rotina dos profissionais que fazem o Jornal Nacional na redação da TV Globo Recife. Apresentamos as análises dos resultados da pesquisa de campo e as entrevistas realizadas com os jornalistas responsáveis pela produção e edição do Jornal Nacional, com o intuito de tentar desvendar as estratégias, os motivos das escolhas e os critérios adotados na seleção das notícias do telejornal mais visto do país. Ainda no Capítulo 4, partimos para a categorização das notícias exibidas no Jornal Nacional, cumprindo o que nos propomos na metodologia de trabalho: selecionar e analisar as reportagens sobre Pernambuco, exibidas no Jornal Nacional, durante os meses de agosto, outubro, novembro e dezembro de 2010, e nos meses de fevereiro, março, maio, junho e julho de 2011. Nesse capítulo, tentamos responder, de forma prática e não necessariamente teórica, a seguinte pergunta: qual foi o caminho descoberto? Para Juremir Machado: Pesquisar o cotidiano nada mais é do que revelar aquilo que permanece encoberto pela familiaridade sob uma camada tênue e tenaz de entranhamento. Aquilo que se funde, desaparece. É preciso fazer o caminho inverso: desencavar (SILVA, 2010, p. 14). É este caminho inverso que estamos nos propondo: Cobre-se para desencobrir (2010, p. 14). Adotaremos então, primeiro, metaforicamente, a metodologia de pesquisa proposta por Juremir, no livro O que pesquisar quer dizer (2010), processo que passa por pelo menos três fases, como diz o autor: a do estranhamento (procedimento antropológico, em que o pesquisador tenta abstrair os seus valores, trocar de lente ou colocar de lado os seus préconceitos), o de entranhamento (procedimento por meio do qual o pesquisador mergulha no universo do outro) e, por fim, desentranhamento (procedimento por meio do qual o pesquisador sai do outro, retoma seus valores e, numa abordagem dialógica, tenta narrar o

17 vivido). Para depois, de fato, empregar a metodologia de análise de conteúdo proposta pelos autores Francesco Casetti e Frederico di Chio (1999). Assim, durante todo o percurso desse trabalho de pesquisa procuramos dialogar com as ideias de diversos autores, partindo do surgimento do conceito de representação social ou coletiva, que nasceu na sociologia e na antropologia, nas obras de Durkheim e Lévi-Bruhl, para depois traçarmos a sua trajetória que começa com Moscovici (1978) e segue até os dias atuais, com a contribuição de pesquisadores como Fátima O. de Oliveira e Graziela C. Werba (2009), Alfredo Vizeu (2008), Iluska Coutinho (2007), Denise Jodelet (2001), Sandra Jovchelovitch (2000), Alexander Kluge (2000), Pedrinho Guareschi (2010) e outros. Investigar o jornalismo, como se dão as relações entre a construção da notícia e a construção da realidade também foi fundamental para chegarmos ao nosso objetivo. Autores como Berger e Luckmann (2009) e Burke (2003), foram essenciais nessa pesquisa, assim como tantos outros que serão citados no decorrer do trabalho.

18 Capítulo 1 - A INVENÇÃO DO JORNALISMO 1.1 Jornalismo: um processo de conhecimento Todos os dias, quando nos levantamos, é comum querermos nos informar sobre o mundo. Procuramos nos jornais, rádio e televisão saber o que está acontecendo em nossa cidade e nos arredores. A atualidade, de fato, sempre foi objeto de curiosidade para os homens (GENRO, 1987, p.35). Ao longo dos séculos, os homens sempre se interessaram em conhecer o que acontecia em sua volta. Com o tempo, o mundo deixou de ser uma pequena aldeia e as fronteiras foram se expandindo. Na vida complexa e dinâmica da contemporaneidade, os acontecimentos, antes repassados pelos vizinhos, surgem cada vez mais velozes; para nos mantermos informados nessa imensa aldeia global 1 precisamos de mediadores, em nosso entender, de jornalistas, que processem tantas informações. Sponholz (2009, p. 105) pergunta: Pode-se conhecer a realidade através do jornalismo? O jornalismo é uma forma de processar e estruturar os conteúdos vivenciados? Apostamos que sim. Então, nesse capítulo, assim como em toda a dissertação, vamos trabalhar com alguns argumentos: a) que o jornalismo é um tipo de processo de conhecimento; b) que o jornalismo é um método; e c) que o jornalismo é um campo específico de conhecimento. De acordo com o jornalista Adelmo Genro Filho (1987), a atualidade, de fato, sempre gerou interesse entre os homens. Para ele, o jornalismo é uma forma de conhecimento que surge historicamente, com base no desenvolvimento das relações capitalistas e na indústria: [...] com o desenvolvimento das forças produtivas e das relações capitalistas a atualidade ampliou-se no espaço; ou seja, o mundo inteiro tornava-se cada vez mais, um sistema integrado e independente. Dentro dessa perspectiva de jornalismo como forma de conhecimento dos fatos, vamos nos debruçar, mas especificamente, no telejornalismo, analisando como o Jornal Nacional traça essas relações e representações. Meditsch (1992), no livro O Conhecimento do Jornalismo, resume e explica as ideias de Genro: O capitalismo foi o primeiro sistema na história humana que tornou a humanidade um gênero efetivamente interligado a nível internacional (1992, p.29). Para ele, 1 Conceito criado na década de 1960 por Marshall McLuhan professor na Escola de Comunicações da Universidade de Toronto.

19 antes da existência do sistema capitalista, o que tínhamos era um conhecimento genérico e universal do mundo. A realidade era a realidade da casa, da rua, dos vizinhos: Um sujeito na Idade Média, que morasse num povoado, numa vila, tinha conhecimento de suas relações diretas (1992, p.30). Meditsch afirma que, nos tempos atuais, não temos mais uma relação baseada na singularidade com o mundo ao qual estamos ligados. O mundo agora é entendido de forma mais ampla, internacional, universal. Meditsch explica: Já não temos mais meios pessoais para nos relacionarmos diretamente com esse mundo. E é precisamente em cima dessa necessidade que surge o Jornalismo, como forma de conhecimento que vai cumprir um papel semelhante ao papel que cumpre a percepção individual da singularidade dos fenômenos (1992, p.30). A comunicação converteu-se numa necessidade da vida urbana; ou seja, o homem contemporâneo tem a possibilidade de, através das notícias, organizar a própria vida. Defenderemos aqui a hipótese de que o jornalismo ajuda a organizar e explicar o mundo; que, através dele, foi possível vencer divisas e fronteiras, para que o mundo se tornasse único, interligado e dinâmico, possibilitando as pessoas se relacionarem umas com as outras e com os acontecimentos do dia-a-dia que lhes é imediato. O telejornalismo se afirma como canal dessas possibilidades; o Jornal Nacional cumpriria a função de quebrar fronteiras para que o mundo se tornasse um só, fazendo uma analogia com o que disse Meditsch (1992): o telejornal teria a função de integrar os diversos estados da nação brasileira, nos aproximando, mesmo que distantes uns dos outros. Mais uma vez confirmamos a ideia de que através do jornalismo/telejornalismo os acontecimentos, por exemplo, de Pernambuco, podem ser vivenciados e experimentados nos mais diversos lugares. Durante muitos anos, os temas ancorados foram os relativos à seca em nosso Estado; as denúncias de trabalho infantil nas casas de farinha, nos canaviais; as questões pertinentes ao meio-ambiente. Tentaremos responder, no decorrer do trabalho, o que mudou, quais as ancoragens atualmente de Pernambuco no Jornal Nacional. Como O telejornal da TV Globo ancora os fatos e acontecimentos de Pernambuco. Assim nos questionamos, pois, segundo Pena: Já não podemos estar em vários lugares ao mesmo tempo; queremos, pelo menos, acreditar que sabemos o que acontece nos mais longínquos rincões do universo, e, para isso, mandamos correspondentes, relatores ou alguma tecnologia que possa substituir o relato do homem (2005, p. 22).

20 Diz Pena (2005) que o homem tenta organizar a própria vida, dar certa regularidade aos fatos e acontecimentos, pelo menos aos que estão diretamente ligados ao nosso cotidiano. De acordo com o autor, o homem acredita que pode administrar a vida de forma estável e coerente, fazendo-o se sentir mais seguro para enfrentar o cotidiano aterrorizante do meio ambiente. Dessa forma, Pena define assim o jornalismo: Mas, para isso, é preciso transpor limites, superar barreiras, ousar. Entretanto, não basta produzir cientistas e filósofos ou incentivar navegadores, astronautas e outros viajantes. Também é preciso que eles façam os tais relatos e reportem informações a outros membros da comunidade que buscam a segurança e a estabilidade do conhecimento. A isso, sob certas circunstâncias éticas e estéticas, posso denominar jornalismo (2005, p.23). Para Sponholz (2009), o jornalismo obedece às mesmas regras dos processos de conhecimento como qualquer outro e não consegue espelhar a realidade porque este processo será sempre seletivo e construtivo. Sponholz explica como atuam os jornalistas nesse processo: Sempre que alguém processa, estrutura e compara os estímulos que recebeu do mundo exterior com o que já sabe, ou seja, sempre que uma pessoa conhece algo, ela o faz de uma determinada perspectiva. Esta é uma parte inevitável do processo de conhecimento. Com jornalistas, como com qualquer outra pessoa, também é assim (2005, p. 105). Mas o jornalista seria o homem que faz o relato do seu tempo? Aquele que classifica e categoriza os fatos? Que tenta, de certa forma, organizar o mundo, buscando a estabilidade no conhecimento? Vamos prestar atenção ao que diz Genro: Os veículos de comunicação, como a imprensa, o rádio, a fotografia, o cinema, a TV, etc., trouxeram consequências profundas para as formas de conhecimento e comunicação até então existentes. O exemplo mais característico é o da arte, cujas transformações evidentes são objetos de uma polêmica que já se prolonga por várias décadas. As novas formas de arte, as modernas técnicas pedagógicas, os novos gêneros de lazer e as outras modalidades de relacionamento social produzidos pela imprensa e, mais acentuadamente, pelos meios eletrônicos de comunicação, foram incorporados como objetos teóricos com certa naturalidade (GENRO, 1987, p. 37).