Titulo: A Evolução da Cidadania da União Europeia e a Proteção Diplomática em Países Terceiros



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Transcrição:

Titulo: A Evolução da Cidadania da União Europeia e a Proteção Diplomática em Países Terceiros Autor: Ronaldo Viana Gotschalg Publicado em: Revista Eletrônica de Direito Internacional, vol. 7, 2010, pp. 334-371 Disponível em: http://www.cedin.com.br/revistaeletronica/volume7/ ISSN 1981-9439 Com o objetivo de consolidar o debate acerca das questões relativas ao Direito e as Relações Internacionais, o Centro de Direito Internacional CEDIN - publica semestralmente a Revista Eletrônica de Direito Internacional, que conta com artigos selecionados de pesquisadores de todo o Brasil. O conteúdo dos artigos é de responsabilidade exclusiva do(s) autor (es), que cederam ao CEDIN os respectivos direitos de reprodução e/ou publicação. Não é permitida a utilização desse conteúdo para fins comerciais e/ou profissionais. Para comprar ou obter autorização de uso desse conteúdo, entre em contato, info@cedin.com.br

A EVOLUÇÃO DA CIDADANIA DA UNIÃO EUROPEIA E A PROTEÇÃO DIPLOMÁTICA EM PAÍSES TERCEIROS.** Ronaldo Viana Gotschalg* RESUMO O presente trabalho tem como escopo analisar o modelo de cidadania da União Européia, apresentando por meio de doutrinas e da jurisprudência internacional, características e efeitos dessa figura inovadora, que exige inicialmente como requisito primordial, que o indivíduo tenha a cidadania de qualquer um dos Estados membros da União Européia. Dessa forma, é abordado em profundidade e como foco principal do trabalho a proteção diplomática de cidadãos europeus em países terceiros, tratando-se assim, de um direito decorrente da cidadania da União Européia, uma vez que qualquer cidadão europeu que se encontrar em países não pertencentes a União Européia e que não tenha representação diplomática do seu país de origem, esse cidadão europeu receberá a proteção diplomatica de qualquer outro Estado membro da União Européia que tiver representação diplomática naquele país terceiro. Portanto, a Cidadania da União Européia trata-se de uma figura única atualmente, embora a longo prazo poderá servir de modelo para as integrações regionais que estão a se desenvolver, sobretudo na União Africana e na União Sul-Americana. PALAVRAS-CHAVE: Cidadania Nacionalidade União Européia Proteção Diplomática. **Relatório apresentado à disciplina de Direito da Integração I e II do curso de Mestrado em Ciências do Direito Ciências Jurídico-Internacionais da Universidade de Lisboa 2008/2009, como requisito parcial para a obtenção do Título de Mestre em Direito. Orientador(a): Prof(a). Doutor(a) Ana Fernanda Neves. *Mestrando em Direito, Ciências Jurídico-Internacionais na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Bacharel em Direito pela PUC Minas. 335

INTRODUÇÃO Na antiguidade, a relação entre os povos de uma mesma região, formada por cidades e/ou por impérios eram ligados pela religião, era considerado cidadão todo aquele indivíduo que cultuava a mesma religião daquela determinada sociedade 1, bem como todas as relações civis e económicas eram determinadas sobretudo pela religião, sejam elas monoteístas ou politeístas. Essa característica, em regra, perdurou até o aparecimento do império romano, uma vez formado, sua cultura, principalmente o direito, foram transferidos para os povos que eram conquistados, segundo a lógica romana de expansionismo territorial. Porém, a diferença era que a religião não era mais observada como um diferencial na formação da cidadania, bem como das relações interpessoais. Dessa forma, era cidadão romano, aquele que residia em territórios romanos. Paralelamente ao modelo romano de cidadania, havia também a cidadania grega, que por sua vez diferenciava-se do modelo romano pela característica de exaltação, privilégio, superioridade de uma identidade do seu grupo social civilizacionalmente avançado em contrapartida aos povos do exterior. Com as invasõs bárbaras, cerca de 300 anos depois de Cristo, alguns autores entendem que houve um retrocesso cultural, principalmente em relação ao direito 2, e nesse caso, a cidadania estava vinculada ao território do rei - do soberano do território, era cidadão aquele que tinha um vínculo estreito com o soberano. Com a formação dos Estados no sentido moderno da palavra, a cidadania tornou-se uma categoria jurídica relativa ao vínculo de um determinado indivíduo a uma comunidade política, decorrente de determinadas leis que estabelecem aos indivíduos beneficiários plenos direitos civis e políticos, bem como, o indivíduo deixou de ser apenas o destinatário das leis do soberano, para receber um status de ator, contribuidor e participante da vida do Estado, principalmente após a Revolução francesa que foi o marco responsável pela transferência da titularidade da soberania de um único governante do soberano para o povo, e essa titulariedade esta presente ate os dias 1 História sobre o Império Brasileiro, seguindo a tradição Portuguesa, o Império delegava à Igreja católica a função pública de determinar a legalidade ou ilegalidade dos atos civis, perdurando até o ano de 1891. No casamento, por exemplo, embora houvesse duas legislações em vigor sobre o assunto, uma civil e outra eclesiástica, apenas esta última era considerada legítima. Dessa forma, viam-se prejudicados os protestantes e judeus. GRINBERG, Keila. Código Civil e Cidadania. 2001. Pág. 37 e ss. 2 RICHÉ, Pierre. As Invasões Bárbaras. São Paulo: Europa América, 1980. 336

atuais, embora de forma pacífica, reconhecida constitucionalmente, decorrente de uma evolução política democrática e não de forma violenta como foi na revolução francesa. O presente relatório possui o escopo de interpretar o Tratado da União Europeia, bem como o Tratado que constitui a Comunidade Europeia, visando elaborar um estudo que possa contribuir no entendimento da aplicação da figura da cidadania da União Europeia, necessariamente, com um maior foco em relação a um dos direitos por ela tutelados, o direito da proteção por autoridades diplomáticas dos Estados membros da União, aos cidadãos europeus em países terceiros que não possuem representações diplomáticas do seu Estado de nacionalidade. Inicialmente, abordaremos no capítulo primeiro, a cidadania da união 3, sob dois pontos: no primeiro, as suas origens, subdividindo-se em antecedentes ao Tratado de Maastricht e do Tratado aos dias atuais. A segunda secção consistirá na abordagem geral dos elementos da cidadania da União Europeia, como conceito, natureza jurídica, conteúdo e características, que consistem nos seguintes direitos: a não discriminação em razão da nacionalidade, o de circular e permanecer, o de eleger e ser eleito, a proteção de autoridades diplomática e consulares em países terceiros, a petição ao Parlamento Europeu, a queixa ao Provedor de Justiça e a livre mobilidade temporal e profissional do trabalhador da União Europeia. Logo depois, passaremos a analisar a possibilidade de extensão dos direitos dos cidadãos europeus aos cidadãos de países terceiros, porém desde que esses beneficiários da equiparação apresentem vínculos estreitos/parentesco com um cidadão europeu ou sejam residentes de longo prazo. Será também analisado nessa secção, os deveres dos cidadãos europeus que decorrem do artigo 17, considerando nº.2 do Tratado da Comunidade Europeia 4, que possibilita a indagação do porque que o tratado estabeleceu expressamente os direitos dos cidadãos europeus e quando tratou-se dos deveres, foi de forma abstrata? No capítulo dois, foco principal do trabalho, analisaremos o conceito de proteção diplomática, sempre em consonância com as convenções de Viena relativo as representações diplomáticas e consulares. Logo depois, falaremos especificamente da proteção diplomática de cidadãos europeus em países terceiros, também relacionando essa figura com a figura ja existente da proteção por parte das autoridades diplomática de seus nacionais, reconhecido pelos Estados que ratificaram as convenções acima 3 Ver site sobre cidadania da União Europeia em: http://europa.eu/legislation_summaries/institutional_affairs/treaties/amsterdam_treaty/a12000_pt.htm. 4 TCE, art. 17, considerando 2º. Os cidadãos da União gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres previstos no presente Tratado. 337

descritas. Em um outro ponto, elaboraremos os fundamentos da proteção diplomática, bem como analisaremos o(s) destinatário(s) da figura da proteção: seriam os próprios cidadãos beneficiários dessa proteção? ou os beneficiários desta figura seriam os Estados? Em um outro momento, abordaremos o âmbito de proteção que consiste nas seguintes espécies: proteção aos cidadãos que trabalham e residem nos países terceiros, na proteção aos familiares que não possuem a cidadania europeia, na identificação e translado de restos mortais e ao fim, nos procedimentos de adiantamentos pecuniários. Porém, faz-se necessário também abordar sobre o consentimento das autoridades dos países terceiros, uma vez que essa proteção ocorrerá em seus territórios, bem como trata-se de uma figura reconhecida e que constitui prática internacional / entre os Estados, embora tratando-se apenas da proteção pelas autoridades Estatais aos seus nacionais. Assim, a proteção de nacionais de outros Estados membros, e não somente dos seus nacionais, como esta estabelecido nas convenções de Viena, constitui uma inovação do Tratado Comunitário no âmbito do direito internacional. CAPÍTULO 1. A CIDADANIA DA UNIÃO EUROPEIA "Para se aprender a cidadania é mesmo indispensável praticar a cidadania nos contextos de aprendizagem." António Sérgio, Educação Cívica 1982. SECÇÃO 1.1. ORIGENS DA CIDADANIA DA UE 1.1.1. Antecedentes ao Tratado de Maastricht Antes de adentrarmos na linha do tempo da cidadania da união europeia, um dado importante foi o comentário do professor doutor Rabkin 5, que lembrou que: Quando os Estados fundadores do mercado comum assinaram o Tratado de Roma, em 1957, ninguém falou de cidadania comum. Apenas três anos antes, a Assembleia Nacional Francesa tinha rejeitado o plano para uma força militar conjunta franco-alemã. É altamente duvidoso que os Franceses pudessem ter aceitado, naquela altura, a ideia de uma cidadania comum com os alemães. Foram precisos mais 30 anos e quase o triplo do número de Estados na Comunidade, para que o Tratado de Maastricht lançasse a noção de uma cidadania europeia comum. A 5 Ver: RABKIN, Jeremy A. Porque é que a Cidadania Supranacional é uma má Ideia (Portuguese translation of "Why Supranational Citizenship is a Bad Idea") in Cidadania e Novos Poderes Numa Sociedade Global ("Citizenship and Powers in Global Society") Fundação Gulbenkian, 2000, pág. 158 a 159. 338

utilização do termo faz parte de um esforço para fortalecer a legitimidade do governo europeu, que já tinha adquirido poderes muito consideráveis. O primeiro momento em que houve um comentário expresso em relação a criação de direitos especiais decorrente de uma cidadania da união, ocorreu na Cimeira de Copenhage, em 1973, embora, tratando-se de uma tímida Declaração sobre a identidade europeia, estabeleceram pela primeira vez os princípios para o desenvolvimento interno da Comunidade, bem como fixaram as orientações e objetivos, tomados por alguns autores como indicações para a concessão de direitos especiais aos cidadãos que vivem em um Estado membro de acolhimento 6. Um ano após a Cimeira de Copenhage, é realizada a sétima Cimeira da Comunidade desde o Tratado de Roma, denominada Cimeira de Paris, realizada em Dezembro de 1974. Tinha como escopo refletir sobre o futuro da Europa e em prosseguir com a sua união política. Estabelecia em seu parágrafo, denominado União de passaportes, a introdução de um passaporte uniformizado, bem como visavam a elaboração de um estudo de condições e prazos para a instituição de direitos especiais para os cidadãos dos Estados membros da Comunidade, seguindo ipsis litteris: União de passaportes 10. Será formado um grupo de trabalho para estudar a possibilidade de uma união de passaportes, e a eventual introdução de um passaporte uniformizado. ( ) 11. Será encarregado outro grupo de estudar as condições e os prazos em que os cidadãos dos nove Estados-Membros poderão usufruir de direitos especiais como membros da Comunidade. 7 Em 29 de Dezembro de 1975, o Ministro Belga Leo Tindemans apresentou o Relatório Europe of the citizens, que em seu Capítulo IV consistia no título A Europa dos cidadãos. O relatorio propunha duas linhas de ações: a primeira linha tratava-se da Proteção dos direitos dos cidadãos europeus, que não poderiam mais ser satisfeitos apenas pelos governos nacionais. Consistiam na proteção dos direitos fundamentais, dos direitos dos consumidores, na proteção ambiental; a segunda linha era a percepção concreta da solidariedade europeia por sinais externos e evidentes na 6 Ver: KOSTAKOPOULOU, Theodora. Citizenship, identity, and immigration in the European Union: between past and future. Manchester University Press, 2001. Pág. 44 e ss. 7 Texto disponível em: http://infoeuropa.eurocid.pt/opac/?func=service&doc_library=cie01&doc_number=000037059&line_nu mber=0001&func_code=web-full&service_type=media. 339

vida cotidiana, que consistia no princípio da uniformidade dos Estados, como uma união de passaportes, o desaparecimento gradual de medidas de controle das fronteiras entre os Estados membros, melhorias em relação aos transportes e telecomunicações, simplificações quanto aos procedimentos de reembolso para os cidadãos que gastaram em cuidados de saúde em outros Estados membros, uma maior integração na educação, bem como incentivando o intercâmbio de estudantes e equivalência de diplomas 8. IV. L Europe des citoyens [...] Il reste à définir ici des lignes d action complémentaires. Je propose que nous en retenions deux: - la protection des droits des Européens, là où celle-ci ne peut plus être assurée exclusivement par les États nationaux ; - la perception concrète de la solidarité européenne par des signes extérieurs sensibles dans la vie quotidienne. Entre 07 a 10 de Junho de 1979, ocorreu a primeira eleição por sufrágio universal direto do Parlamento Europeu, uma importante inovação, uma vez que ate a presente data, os seus deputados provinham até então dos parlamentos nacionais, ao passo que agora, eles não estavam mais organizados por delegações nacionais e sim por grupos políticos pan-europeus (conservadores, socialistas, liberais, verdes, etc), tratando-se de um dos primeiros sinais de eclosões de direitos relativos a uma cidadania da União 9. A década de 80 foi um verdadeiro marco para a efetivação da cidadania da União europeia, em decorrência do início da uniformalização/harmonização das normas Estatais, é nesse lapso temporal que é criado um modelo de passaporte europeu uniforme 10 para os cidadãos dos Estados membros, bem como, a uniformalização das cartas de direção dos cidadãos dos Estados membros, uniformalização do controle aduaneiro e de pessoas nos aeroportos e fronteiras, a uniformalização das chapas de matrícula dos veículos auto-motores 11. 8 Ver: Rapport sur L Union européenne (29 décembre 1975) Le 29 décembre 1975, le Premier ministre belge Leo Tindemans rend public son rapport sur L Union européenne en vertu du mandat confié par les Neuf lors du Conseil européen de Paris (9-10 décembre 1974). Disponível em: http://www.ena.lu/. 9 Ver: FERREIRA, Filipa Monteiro César. A Europa da União e da Diversidade: propostas educativas para uma Cidadania Multicultural. Dissertação de Mestrado em Ciências da Educação, Universidade do Porto, 2001. Pág. 32 e ss. LOBO, Maria Teresa de Cárcomo. Manual de Direito Comunitário - 50 Anos de Integração - A Ordem Jurídica O Ordenamento Econômico As Políticas Comunitárias O Tratado Constitucional 3ª Ed. 2007. Pág. 69 e ss. 10 Ver: Resolução complementar da Resolução de 23 de Junho de 1981 relativa à criação de um passaporte de modelo uniforme dos representantes dos governos dos Estados membros das CE, reunidos no âmbito do Conselho, de 30 de Junho de 1982. 11 Ver: Formulários /Modelos europeus em: http://www.eurocid.pt/pls/wsd/wsdwcot0.detalhe_area?p_sub=49&p_cot_id=3351&p_est_id=7923. 340

Em 14 de Fevereiro de 1984, foi apresentado o projeto Spinelli, consistia num projeto de Tratado de criação da UE. Num de seus capítulos, dispunha sobre a Cidadania da União Europeia, cujo teor consistia no sentido de que os cidadãos dos Estados membros são, portanto, cidadãos da União, e a última esta ligada a primeira, não podendo ser ganha ou perdida separadamente. E ainda, os cidadãos gozam de direitos e deverão cumprir as normas do tratado 12. Citoyenneté de l'union. 3. Les citoyens des États membres sont par là même citoyens de l'union. La citoyenneté de l'union est liée à la qualité de citoyen d'un État membre; elle ne peut être acquise ou perdue séparément. Les citoyens de l'union participent à la vie politique de celle-ci dans les formes prévues par le présent traité, jouissent des droits qui leur sont reconnus par l'ordre juridique de l'union et se conforment aux normes de celui-ci. Ainda em 25-26 de Junho de 1984 ocorreu a Cimeira de Fontainebleau Comité Europa dos cidadãos, e dessa forma, o Conselho Europeu aprovou o acordo de princípio sobre a criação de um passaporte europeu e convidou o Conselho a tomar decisões, estabelecendo um prazo de até 01 de Janeiro de 1985 para a disposição do passaporte para os cidadãos dos Estados membros, bem como aconselhou metas a serem cumpridas a curto prazo, como um documento único para a circulação de mercadorias, a eliminação de todas as formalidades aduaneiras e regulamentos para circulação transfronteiriça de pessoas e um sistema geral de equivalência de diplomas 13. 6. Europe des citoyens II demande au Conseil et aux pays membres de mettre très rapidement à l'étude les mesures qui pourraient permettre de parvenir dans un délai rapproché et en tout cas avant la fin du premier semestre 1985: - à un document unique pour la circulation des marchandises; - à la suppression de toutes les formalités de police et de douane aux frontières intercommunautaires pour la circulation des personnes: - à un système général d'équivalence des diplômes universitaires, de manière à rendre effectif le droit de libre établissement au sein de la Communauté. Um ano após, em Milão, 28-29 de Junho de 1985 é apresentado o relatório do Comité Adonnino, relativo a europa dos cidadãos, trazendo em seu ponto dois, os Especiais direitos dos cidadãos, como um resultado do relatório aprovado da Cimeira 12 Ver: Projet de traité instituant L Union européenne (14 février 1984) Le 14 février 1984, le Parlement européen adopte à une très large majorité (237 voix contre 31 moins 43 abstentions) le projet de traité d Union européenne, dit projet Spinelli, qui fixe comme objectif ultime la réalisation d une union fédérale européenne. Disponível em: http://www.ena.lu/. 13 Ver: Conclusions du Conseil européen de Fontainebleau (25 et 26 juin 1984) Le 26 juin 1984, le Conseil européen de Fontainebleau définit de nouvelles orientations pour la relance de la coopération européenne et fixe le cadre d une Europe des citoyens. Disponível em: http://www.ena.lu/. 341

de Copenhage, bem como em decorrência da evolução da Comunidade e dos seus Estados membros no que respeita aos direitos especiais dos cidadãos da União 14. Dessa forma, após vários esboços decorrente de relatórios, em fevereiro de 1986, no texto do Ato Único Europeu, houve a implantação expressa da disposição que abolia o controle das pessoas nas fronteiras, no caso do mercado interno das pessoas, implementado em 1992. Em 1990 é estabelecida a Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen, e desse acordo, resultam as diretivas 90/364/CEE, 90/365/CEE e 90/366/CEE, que dispoem necessariamente, sobre o direito de residência para os cidadãos não assalariados e estudantes mediante apenas a comprovação de seus meios de subsistência próprios e de um seguro médico-hospitalar válido para a duração da estadia. 1.1.2. Do Tratado de Maastricht aos dias atuais Somente em 1992, com o Tratado de Maastricht, foi cunhado expressamente um conceito de cidadania europeia, que trouxe o direito de residência como um direito fundamental, e ainda trouxe os direitos de eleger e de ser eleito nas eleições municipais e nas eleições europeias, a proteção diplomática e consular e o direito de petição as repartições públicas 15. Em 21 de Dezembro de 1993, é apresentado o Primeiro relatório da Comissão sobre a Cidadania da União, em seu ponto dois tratando-se do conceito de cidadania da União, no ponto três a definição de cidadania da União, bem como citando o caso julgado no Tribunal de Justiça Internacional Micheletti vs Delegacíon de Gobierno en Cantabria, no ponto quatro, a implementação do tratado, com o direito de livre mobilidade, o direito de residência, direito de voto nas eleições municipais, e o direito de voto nas eleições europeias, direito de proteção diplomática e consular, o direito de 14 Ver: Rapport du comité pour L Europe des citoyens remis au Conseil européen de Milan (Milan, 28-29 juin 1985) Lors du conseil européen de Milan des 28 et 29 juin 1985, le comité Adonnino présente un second rapport sur L Europe des citoyens. 15 Nesse sentido: TAVOLARO, Lília Gonçalvez Magalhães. Dilemas da globalização na Europa unificada. São Paulo, 2005. Pág. 74 e ss. 342

petição e o direito de acesso ao Provedor de Justiça 16, sendo que em 12 de Julho de 1995 foi nomeado o primeiro Provedor de Justiça. Em 1997 com o Tratado de Amesterdão, os direitos dos cidadãos europeus foram alargados, houve uma complementação nos enunciados da lista dos direitos cívicos de que beneficiam os cidadãos da União, uma outra inovação considerada uma das mais importantes, foi a introdução de cláusulas de não discriminação para a proteção dos cidadãos da União em razão da nacionalidade 17, bem como especificou melhor, elucidando a relação entre a cidadania nacional e a cidadania europeia. É incorporado ao tratado também, o Acordo de Schengen, abolindo o controle de pessoas nas fronteiras na maioria dos Estados membros. Em Dezembro de 2000, a Revisão de Nice proclamou pelas três Intituições a Carta dos Direitos Fundamentais 18, bem como visou reforçar as medidas contra qualquer forma de discriminação aos cidadãos da União. Em 15 de Dezembro de 2001, a Declaração de Laeken discorreu sobre o futuro da União Europeia, detalhando sobre as expectativas dos cidadãos europeus, concluindo que os cidadãos estão pedindo uma abordagem clara, transparente e democrática da construção de uma Europa como um pólo para o futuro mundial, com mais empregos, qualidade de vida, menos criminalidade, ensino e saúde melhores. Bem como, ao seu final, tende a refletir sobre a criação de uma Constituição para os cidadãos europeus, uma vez que a União Europeia dispõe atualmente de quatro Tratados e os objetivos, competências e instrumentos políticos estão espalhados por esses tratados 19. Se pose enfin la question de savoir si cette simplification et ce réaménagement ne devraient pas conduire à terme à l'adoption d'un texte constitutionnel. Quels devraient être les éléments essentiels d'une telle Constitution? Les valeurs auxquelles l'union est attachée, les droits fondamentaux et les devoirs des citoyens, les relations des États membres dans l'union? 16 Texto disponível em: http://aei.pitt.edu/5025/01/001228_1.pdf. 17 Ver: Jurisprudência Caso C/85/96 Em que o Tribunal de Justiça decide que os nacionais de um Estado membro deverão invocar a cidadania europeia como proteção contra a discriminação por parte de outros Estados membros diversos da sua nacionalidade, em consonância aos direitos abrangidos pelo Tratado. 18 Ver: Título V Cidadania artigos 39 a 46 da Carta de Direitos Fundamentais. Disponível em: http://eur-lex.europa.eu/lexuriserv/lexuriserv.do?uri=oj:c:2007:303:0001:0016:pt:pdf. Da mesma forma, ver artigo 20 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. Disponível em: http://eurlex.europa.eu/johtml.do?uri=oj:c:2008:115:som:pt:html. 19 Déclaration de Laeken sur L avenir de L Union européenne (15 décembre 2001) Un an après la Conférence intergouvernementale de décembre 2000 à Nice, qui lançait «Le débat sur L avenir de L Union européenne», la Déclaration de Laeken du 15 décembre 2001 réaménage et concrétise les questions soulevées à Nice sur la réforme des institutions. La répartition des compétences entre L Union et les États membres, la simplification des instruments législatifs de L Union, L équilibre. 343

Em 2006, surge o Programa Europa para os cidadãos 2007-1013, destinado a promover a cidadania europeia ativa, uma vez que a Comissão Europeia, o Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia decidiram conjuntamente instituir esse programa, criando um quadro jurídico de apoio a uma ampla gama de atividades e organizações, visando promover o envolvimento de cidadãos e organizações da sociedade civil no processo de integração europeia 20. O Tratado de Lisboa, embora não esteja em vigor, no seu artigo 2º procurou dispor sobre a liberdade de circulação do trabalhador da União, com o escopo de conferir maiores facilidades para a fixação de residência em um dos Estados membros diversos de sua nacionalidade, com a menção das palavras assalariados ou não assalariados, visava mitigar a relação assalariada existente atualmente. 51) O artigo 42.o é alterado do seguinte modo: a) No primeiro parágrafo, o trecho «trabalhadores migrantes e às pessoas que deles dependam:» é substituído por «trabalhadores migrantes, assalariados e não assalariados, e às pessoas que deles dependam:»; Finalmente, em 23 de Março de 2009, é apresentado ao Parlamento Europeu o Relatório sobre os problemas e as perspectivas ligadas à cidadania da União, contendo a Proposta de Resolução do Parlamento Europeu e 4 pareceres de Comissões, bem como o resultado da votação final em Comissão 21. SECÇÃO 1.2. ELEMENTOS DA CIDADANIA DA UE 1.2.1. Conceito Primeiramente, há que se fazer uma diferenciação entre cidadania e nacionalidade 22. Ambos referem-se a uma condição ou status do indivíduo em sua relação com o Estado, e na prática é muitas vezes utilizados como sinônimos, embora 20 Ver: Europa para os Cidadãos Guia do Programa versão final Janeiro de 2007. Disponível em: http://www.anmp.pt/anmp/doc/dint/2007/div/eupg20072001301pt.pdf. 21 Ver: Relatório de 32 de Março de 2009 do Parlamento Europeu Sobre os problemas e as perspectivas ligadas à cidadania da União. Disponível em: http://www.europarl.europa.eu/sides/getdoc.do?pubref=- //EP//TEXT+REPORT+A6-2009-0182+0+DOC+XML+V0//PT. 22 Ver: SILVA, Ana Margarida Perrolas de Oliveira. União Europeia: Cidadania e Imigração. As Sociedades Nacionais perante os Processos de Globalização. Dissertação de Mestrado em Sociologia. Universidade de Coimbra, 2000. Pág. 111 e ss. 344

seus significados não são necessariamente igualitários na descrição de uma mesma relação de um determinado particular com o Estado. O conceito de nacionalidade 23 constitui na qualidade ou condição jurídica, fonte de um vínculo ou de uma relação existente entre uma pessoa e um Estado determinado, e em relação ao momento da sua aquisição poderá ser de duas formas: a originária, decorrente do caráter automático do nascimento decorrente do direito do solo ou do sangue (jus soli / jus sanguinis) 24, bem como a forma derivada, decorrente da naturalização (que deveria chamar-se nacionalização) que em regra, decorre da vontade do cidadão em pertencer a um determinado Estado, desligando-se do anterior ou mantendo-os simultâneamente, sempre em consonância com a Constituição de cada Estado envolvido. Por outro lado, a cidadania constitui em uma categoria jurídica relativo ao vínculo de um determinado indivíduo a uma comunidade política, decorrente de determinadas leis que estabelecem aos indivíduos beneficiários plenos direitos civis e políticos. Dessa forma, esses direitos foram reconhecidos no artigo 25 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos 25, relativos aos direitos de cidadania: Todos os cidadãos gozarão... sem restrições indevidas, dos seguintes direitos e oportunidades: a) Participar na direção dos assuntos públicos, diretamente ou por meio de representantes livremente eleitos; b) Votar e ser eleito em eleições períodicas, autênticas, realizadas por sufrágio universal, igual e por voto secreto que garanta a livre expressão de vontade dos eleitores; 23 Nesse sentido: Pode dizer-se que toda a nacionalidade é efectiva, isto é, que o vinculo de nacionalidade pressupõe uma ligação de carácter sociológico entre indivíduo e Estado, de forma tal que possa dizer-se, que há uma relação de pertença entre aquele e este - é esta ideia subjacente à noção germânica de Staatsangehorigkeit que literalmente significa "pertença ao Estado", ou seja o indivíduo faz parte da população do Estado ( ou mais rigorosamente do povo) - Professor Marques dos Santos, Estudos de Direito de nacionalidade, páginas 279/281, onde apresenta vastíssima recensão de doutrina nacional e estrangeira, sobre nacionalidade e efectividade do vinculo. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 04B2130, de 13 de Julio de 2004. Ver ainda: ICJ, Reports 1955, pág. 23 (sentença de 06 de abril de 1955 no caso Nottebohm), onde o Tribunal de Haia definiu assim a nacionalidade: Segundo a prática dos Estados, das decisões arbitrais e judiciais, bem como das opiniões doutrinais, a nacionalidade é um vínculo jurídico baseado em um feito social de relação, em uma efetiva solidariedade de existência, de interesses e sentimentos, unido a uma reciprocidade de direitos e deveres. Cabe dizer que constitui a expressão jurídica do feito de que o indivíduo ao qual se confere, seja diretamente pela lei, seja por um ato de autoridade, está de feito mais estreitamente vinculado a população do Estado que lhe confere a nacionalidade. 24 Embora, devido ao aumento do número de Brasileiros no exterior, houve uma modificação na Constituição Brasileira, relativizando o princípio do jus soli, anteriormente adotado: art. 12. São brasileiros: I natos: c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira. 25 Adotado pela Assembleia Geral da ONU em seu Res. 2200 A (XXI), de 16 de dezembro de 1966, em vigor desde o dia 23 de março de 1976. 345

c) Ter acesso, em condições gerais de igualdade, nas funções públicas de seu país. Assim, podemos reconhecer que qualquer pessoa nacional de um Estado será, em regra, cidadão em potencial do mesmo Estado, porém o contrário não seria possível. Um estrangeiro poderá ser cidadão de outro Estado após preencher determinados requisitos, bem como poderá requerer a sua naturalização, porém os requisitos deste último nem sempre estão expressos constitucionalmente e sua concessão é mais complicada 26. Em relação aos não nacionais de determinado Estado, o artigo 1º da Declaração sobre os Direitos Humanos dos indivíduos que não são nacionais do País em que vivem 27, estabelece que são estrangeiros qualquer pessoa que não seja nacional do Estado no qual se encontra, bem como essa declaração não reconhece, nem atribui os direitos do artigo 25 acima citado do Pacto aos não nacionais / estrangeiros. Dessa forma, é cidadão da União todo aquele que tiver a cidadania de um Estado membro, porém, o tratado não define quem é cidadão de um Estado membro. Assim, essa matéria continua aparentemente a ser parte da competência exclusiva dos Estados, em consonância com a Declaração nº.2 da Conferência que afirma que a questão de saber se uma pessoa tem a nacionalidade de um Estado membro é regulada unicamente por referência ao direito nacional do Estado em causa. De acordo com o artigo 17 do Tratado da Comunidade Europeia, esse estabelece no seu considerando 1º que...é cidadão da União qualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado membro. A cidadania da União é complementar da cidadania nacional e não a substitui. Dessa forma, em consonância com o citado artigo, podemos entender que a cidadania da União não constitui uma nova cidadania, sua existência não é autonoma, ela esta vinculada a cidadania estatal. O Estado membro, utilizando-se de sua soberania 26 Ver Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 04B2130, de 13 de Julio de 2004, que estabelece: Não são suficientemente caracterizadores para os fins dessa atribuição (da nacionalidade portuguesa), o casamento recente com portuguesa, a existência de um filho comum do casal; o n.º fiscal e da segurança social, a conta bancária e o trabalho numa embarcação de pesca, bem como a declaração de que o requerente sabe falar português. No mesmo sentido, o Acórdão do mesmo Tribunal, proferido na revista nº. 1645/02, em 11 de Julho de 2002. 27 Adotada mediante consenso pela Assembleia Geral da ONU em sua Res. 40/144, de 13 de dezembro de 1985. 346

determina quem são os seus nacionais, e dessa forma, determinará também quem será cidadão da União. Importante salientar também que o artigo é infeliz em sua denominação, quando estabelece que: é cidadão da união qualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado membro[...]. Dessa forma, devemos ler aqui: qualquer pessoa que tenha a cidadania de um Estado membro. Embora no final do artigo, ele complementa o entendimento utilizando o termo correto, cidadania, a cidadania da união é complementar a cidadania nacional. Assim, a cidadania da União é conferida apenas pelo fato de determinados cidadãos terem a cidadania de qualquer um dos Estados membros, sendo impossível a sua obtenção ou perda de forma separada e autonoma. Conceituando negativamente, qualquer pessoa/cidadão que não tiver a cidadania de algum Estado membro da União Europeia será denominado em termos jurídicos de estrangeiro, ou seja, será estrangeiro, qualquer cidadão com a cidadania de Estados terceiros, não membros da União Europeia. 1.2.2. Natureza Jurídica Nas disposições comuns do Tratado da União Européia houve a implementação de novas disposições com o escopo de reforçar a defesa dos direitos e dos interesses dos nacionais dos Estados membros da União, uma dessas diposições (art. 2, considerando 3º) 28 tratava-se da instituição de uma cidadania da União. Ao passar do tempo, o Tratado da União Européia veio a incluir no Tratado da Comunidade Européia uma Parte II, arts. 17 a 22, sob a denominação de A Cidadania da União. Dessa forma, o professor doutor Fausto de Quadros, ao tratar da cidadania da União, frisa que não se trata apenas de uma simples cidadania da Comunidade Européia, dessa forma, a matéria deveria estar elencada nas disposições comuns do tratado da União Européia e não no tratado das Comunidades Européias 29. Com essa inovação traga pelo tratado da União Européia, podemos perceber que o processo de integração deixou de ser meramente econômico, ao ponto dos tratados 28 Artigo 2º TUE: A União atribui se os seguintes objectivos: (3) o reforço da defesa dos direitos e dos interesses dos nacionais dos seus Estados-Membros, mediante a instituição de uma cidadania da União; 29 Ver: QUADROS, Fausto. Direito da União Européia. Almedina. 2004, Pág. 114. 347

começarem a preocupar com a cidadania da União, estabelecendo uma forte figura integralista sustentada por componentes sociais e humanistas. Necessariamente, o avanço ocorrido decorreu do sucesso da aplicação prática pelos Estados europeus, da aplicação de um mercado único e posteriormente a implantação de uma moeda única. Com isso, os Estados membros sentiram a necessidade da criação de uma europa dos cidadãos, visando reforçar o carácter democrático da união européia. O projeto Spinelli 30, de 1984, em seu artigo 3º dispunha da relação de dependência da cidadania da União para com a nacionalidade Estadual, e que foi tomado de base pelo tratado da União Européia: Os cidadãos dos Estados membros são, por esse simples fato, cidadãos da União. A cidadania da União esta ligada à qualidade de um Estado membro; ela não pode ser adquirida ou perdida separadamente. Uma melhor e mais clara interpretação foi dada pelo Tratado de Amesterdão, ao acrescentar que a cidadania da União é complementar da cidadania nacional e não a substitui. Ao designar o caráter complementar da cidadania da União, podemos concluir que não houve a intenção de criação de uma cidadania europeia, que se manteria sobreposta à cidadania estatal, nem que se acumulasse como uma cidadania autônoma. Dessa forma, é possível compreender que a União Europeia não se trata de um modelo de tipo Estadual, uma vez que a existência de um povo, com a cidadania própria é o primeiro requisito de preenchimento dos elementos constitutivos dos Estados. Dessa forma, uma vez que não existe uma cidadania europeia autónoma, não haverá também um povo europeu em sentido jurídico, e no mesmo entendimento, a União não poderá ser considerada um Estado. Bem como, não haverá o fenómeno que ocorre nas Federações, a dupla cidadania ou dupla nacionalidade, ou seja a sobreposição de duas ou mais cidadanias ou nacionalidades diferentes não ocorrerá na União Europeia, que consiste na nacionalidade do Estado membro e a nacionalidade da União, que não é Federal, pois a União Europeia por não ser um Estado, ela também não é uma Federação. 30 Ver: ZORGBIBE, Charles. Histoire de la Construction Européenne, 2ª ed. 1993, pág. 227 a 236. LESSA, Antônio Carlos. A construção da Europa: A última utopia das relações internacionais. IBRI, 2003, pág. 92 e 93. QUADROS, Fausto. Direito da União Européia. Almedina. 2004, Pág. 116. 348

Esse raciocínio, do Prof. Doutor Fausto Quadros 31 é fundamentado nos artigos 189 e 190, nº.1 do Tratado da Comunidade Europeia, que dispoe sobre a atribuição de competência do Parlamento Europeu. Embora o parlamento seja eleito por sufrágio direto e universal, ele não representa o povo europeu, uma vez que esse juridicamente não existe, mas representa os povos dos Estados membros da Comunidade Europeia. Consoante ao anteriormente estabelecido no relatório da Cimeira de Paris de 1974: Parlamento Europeu 12. Os Chefes de Governo consideram que a eleição da Assembleia Europeia por sufrágio universal, um dos objectivos enunciados no Tratado, devia realizar-se o mais rapidamente possível. Para o efeito, aguardam com interesse as propostas da Assembleia Europeia, sobre as quais pretendem tomada de posição do Conselho em 1976. Partindo deste princípio, podem realizar-se eleições por sufrágio universal directo a partir de 1978. Uma vez que a Assembleia Europeia é composta por representantes dos povos dos estados unidos no seio da Comunidade, cada povo deverá ser representado de uma forma adequada. 1.2.3. Conteúdo e Características 1.2.3.1. O direito a não discriminação em razão da nacionalidade Em consonância com o artigo 12 do Tratado da Comunidade Europeia, o considerando 1º estabelece que No âmbito de aplicação do presente Tratado, e sem prejuízo das suas disposições especiais, é proibida toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade 32, agora, aqui sim podemos dizer o conceito de nacionalidade ( de uma forma ampla, e não apenas da cidadania), uma vez que é vedada a discriminação em razão do local de nascimento do cidadão, não há diferenciação se o cidadão nasceu em um país terceiro ou que nasceu em uma cultura diferenciada, ou ainda, nasceu em uma determinada montanha. É o que comprova o Relatório de 23 de Março de 2009 do Parlamento Europeu Sobre os problemas e as perspectivas ligadas à cidadania da União (2008/2234/INI): 5. Considera que as disparidades existentes entre as disposições que regem o acesso à nacionalidade nos diferentes Estados Membros, de que depende a aquisição da cidadania europeia, podem constituir uma fonte 31 Ver: QUADROS, Fausto. Direito da União Européia. Almedina. 2004, Pág. 117. 32 Ver: Acordão do Tribunal (Sexta Secção) de 29 de Junho de 1999. Comissão das Comunidades Europeias contra Reino da Bélgica. Processo C-172/98, ao decidir que: Ao exigir a presença, consoante o caso, de um associado belga na administração da associação, ou uma presença mínima, além disso maioritária, de associados de nacionalidade belga, para o reconhecimento da personalidade jurídica de uma associação, o Reino da Bélgica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 6._ do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 12._ CE). 349

de discriminação entre residentes nacionais de países terceiros ou apátridas, dependendo do respectivo Estado-Membro de residência; sem prejuízo da respectiva competência na matéria, confia que os Estados Membros suprimirão todas as fontes potenciais de discriminação e exorta a Comissão a recorrer aos instrumentos comunitários ao seu dispor para assegurar que a legislação comunitária em matéria de luta contra a discriminação seja devidamente aplicada ; (Parecer da Comissão dos Assuntos Jurídicos 21.01.2009). Dessa forma, esse princípio territorial humano discriminante, esta sendo mitigado, de início regionalmente, como no caso da cidadania da União europeia. E a sua efetivação esta prevista no considerando 2º do art. 12, que estabelece: O Conselho, deliberando nos termos do artigo 251, pode adoptar normas destinadas a proibir essa discriminação. O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias ja decidiu alguns casos a respeito da discriminação de cidadãos de Estados membros que residiam em outros Estados, e que a legislação interna desses Estados eram contrárias ao direito comunitário. Seguem abaixo as decisões: 1. Acórdão do Tribunal de 20 de Setembro de 2001. - Rudy Grzelczyk contra Centre public d'aide sociale d'ottignies-louvain-la-neuve. - Pedido de decisão prejudicial: Tribunal du travail de Nivelles - Bélgica. - Artigos 6.º, 8.º e 8.º-A do Tratado CE (que passaram, após alteração, a artigos 12.º CE, 17.º CE e 18.º CE) - Directiva 93/96/CEE do Conselho - Direito de residência dos estudantes - Legislação nacional que garante um mínimo de meios de subsistência, designado 'minimex, unicamente aos nacionais, às pessoas que beneficiam da aplicação do Regulamento (CEE) n.º 1612/68, aos apátridas e aos refugiados - Estudante estrangeiro que trabalhou para o seu sustento durante os primeiros anos dos estudos. - Processo C-184/99. 31 Efectivamente, o estatuto de cidadão da União tende a ser o estatuto fundamental dos nacionais dos Estados-Membros que permite aos que entre estes se encontrem na mesma situação obter, independentemente da sua nacionalidade e sem prejuízo das excepções expressamente previstas a este respeito, o mesmo tratamento jurídico. 2. Acórdão do Tribunal de 7 de julho de 1992. - Mário Vicente Micheletti e outros contra Delegacion del Gobierno en Cantabria. - Pedido de decisao prejudicial: Tribunal Superior de Justicia de Cantabria - Espanha. - direito de estabelecimento - beneficiarios - dupla nacionalidade. - Processo C-369/90. As disposições do direito comunitário em matéria de liberdade de estabelecimento não permitem que um Estado-membro recuse o benefício dessa liberdade a um cidadão de outro Estado-membro, que 350

possua simultaneamente a nacionalidade de um Estado terceiro, pelo facto de a legislação do Estado de acolhimento o considerar nacional de Estado terceiro. 1.2.3.2. O direito de circular e permanecer A liberdade de circulação de pessoas reconhecido pela figura da cidadania da União Europeia não se trata de uma criação inovadora do Tratado de Roma, uma vez que esse direito já existia quase que paralelamente, decorrente de acordos entre determinados Estados europeus, nomeadamente os países membros do Tratado de BENELUX, assinado em 1958, que entrou em vigor em 1960, bem como em relação a Convenção Nórdica, ambos reconheceram e implementaram a liberdade de circulação de pessoas. Esses direitos decorreram da celebração de tratados bilaterais ou multilaterais que tinham como característica a adoção de cláusulas da nação mais favorecida e aplicavam também a cláusula de igualdade referente aos nacionais 33. Dessa forma, quase que simultâneamente, o Tratado de Roma, que instituiu a Comunidade Económica Europeia, assinado em 1957, introduziu o direito das pessoas à livre circulação nos territórios dos países membros da Comunidade Europeia. Porém, tratava-se de um direito limitado, condicionado a uma ligação estreita com uma determinada atividade económica, necessariamente a um trabalho assalariado, uma atividade independente ou a uma prestação de serviços. Destarte, o beneficiário do direito de permanência em qualquer território de um Estado membro da Comunidade foi reconhecido somente aos trabalhadores assalariados e independentes, bem como aos membros de sua família, com a presença da exigência do exercício de uma atividade profissional no território escolhido. Atualmente, trata-se do primeiro direito do cidadão da União, elencado no artigo 18, o direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados membros. Qualquer cidadão da União goza do direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados membros, sem prejuízo das limitações e condições previstas no presente Tratado e nas disposições adoptadas em sua aplicação. 33 Ver: CRAIG, Paul P. BÚRCA, Gráinne. EU law: text, cases, and materials. 4ª ed. Oxford University Press, 2007. Pág. 847 e ss. SANTOS, António Belo. Os direitos de livre circulação e o estatuto da União Europeia. Relatório de mestrado FDUL. Lisboa, 2000. Pág. 5 a 8. E Acórdão TJCE: Caso Cowan de 02/02/1989, Proc. 186/87. Pág. 195 e ss. 351

O atual direito é decorrente da evolução da liberdade de pessoas, proveniente do Tratado da Comunidade Econômica Europeia, referente as quatro liberdades de matéria econômica. Foi uma evolução do direito que antes era meramente de carater econômico, para a transformação do caráter atual de direito pessoal ou em um direito civil. Dessa forma, com o Tratado da União Europeia, o direito de circular e permanecer nos territórios dos Estados membros pertencentes a União é independente de qualquer exercício de atividade econômica, sendo passível para qualquer atividade, seja por exemplo para fins de turismo ou estudo. Assim, qualquer cidadão da União goza do direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados membros 34. Esse direito é dividido necessariamente em dois: o direito de circular pelos Estados membros, bem como o direito de permanecer, podendo em alguns dos Estados membros, até a possibilidade de residir. O artigo 308 do Tratado da Comunidade Europeia contém uma cláusula geral de alargamento de competência que poderá ser utilizado pelo Conselho ao definir as condições de exercício do direito de circulação e permanência, que já são de sua competência, poderá criar ainda, caso haja necessidade, novos poderes, segundo o que dispoe o artigo 18, nº 2 da revisão de Nice. Quanto as limitações em relação ao exercício desse direito, o Tratado prevê nomeadamente, as limitações relativas às matérias de ordem pública, saúde pública e segurança pública, bem como, poderá ser imposto limitações decorrente do direito derivado, como por exemplo, o cidadão beneficiário desse direito deverá estar portando documento de identificação válido para o referido exercício de direito. Dessa forma, alguns autores entendem que a liberdade de circulação ao ser reconhecida aos Europeus na sua qualidade de agentes económicos constituiu o primeiro momento de um posterior reconhecimento de uma cidadania da união europeia sobre os mesmos europeus, representando assim, a concretização da vontade de instituição de uma europa unida politicamente, conforme aos escopos decorrentes da declaração de Schuman de 09 de Maio de 1950 35. 34 Nesse sentido: Caso Martínez Sala Proc. C-85/96, Acórdão de 12/05/1998. Pág. 2691 e ss. Bem como caso Bickel e Franz Acórdão de 24/11/1998, Proc. C-274/96. Pág. 7637 e ss. 35 Robert Schuman, Ministro Francês dos Negócios Estrangeiros, foi o responsável pela apresentação da proposta conhecida como Declaração de Schuman, que visava criar uma Europa organizada, através da manutenção de relações pacíficas entre todos os Estados europeus, considerada como a primeira de uma série de importantes documentos que deram início a atual União Europeia: A Europa não se fará de uma 352

Em 14 de Junho de 1985 foi estabelecido o acordo de Schengen, relativo à eliminação dos controles nas fronteiras internas da Comunidade Europeia, bem como foi complementado por uma Convenção de Aplicação (1990) e por vários outros atos que tinham o escopo de alargar o domínio de aplicação a quase todo o espaço da União Europeia. Embora não sendo parte da União Europeia, em 2008 a Suiça também tornouse membro do acordo Schengen, e a aplicação plena do acordo previa a data de 12 de Dezembro de 2008 e em 29 de Março de 2009 a eliminação dos controles de pessoas no tráfego aéreo 36. Com esses procedimentos permitiu-se uma extraordinária facilidade na prática do direito de livre circulação dos cidadãos europeus 37. 1.2.3.4 O direito de eleger e ser eleito O artigo 19, números 1 e 2, estabelecem o segundo direito decorrente da cidadania da União, consiste no direito de eleger/capacidade eleitoral ativa e ser eleito/capacidade eleitoral passiva em quaisquer eleições municipais do Estado de residência, bem como nas eleições para o Parlamento Europeu também no Estado de residência, garantindo ainda, a igualdade do cidadão beneficiado pela nacionalidade da União, ou seja, nas mesmas condições dos próprios nacionais desse Estado de residência 38. É vedado ao cidadão da União a sua participação ativa ou passiva em mais de um Estado membro na mesma eleição para o Parlamento Europeu. É possível o Estado membro requerer fundamentadamente disposições derrogatórias ao exercício desses direitos, como por exemplo: poderão reservar o exercício do cargo de presidente e vice-presidente do Município aos seus nacionais. Essa inovação decorrente da cidadania da União é considerada pelos autores como modesta, uma vez que em alguns Estados a lei interna já garantia esse direito para os estrangeiros / não nacionais a capacidade eleitoral ativa e passiva em eleições para só vez, nem numa construção de conjunto: far-se-à por meio de realizações concretas que criem em primeiro lugar uma solidariedade de facto. 36 Ver Site oficial da Embaixada da Alemanha em Lisboa. Disponível em: http://www.lissabon.diplo.de/vertretung/lissabon/pt/04/seite Visainfo Botschaft.html. 37 Ver: CAMPOS, João Mota. Manual de direito comunitário: o sistema institucional, a ordem jurídica, o ordenamento económico da União Europeia. 2ª Ed. 2008. Pág. 192 e ss. 38 Ver: Diretiva 93/109/CE do Conselho, publicada no JOCE n.º L329/34 de 30/12/93, a presente fixou as modalidades do exercício do direito eleitoral ativo e passivo nas eleições para o Parlamento Europeu, designadamente para os cidadãos da União que residam em um dos Estados membros de que não são nacionais. 353