o que interessa é a vida. A biografia de uma agência de propaganda



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Transcrição:

o que interessa é a vida. A biografia de uma agência de propaganda

Meu primeiro encontro com Celso Loducca ocorreu por causa de algo que não faço NUNCA: um livro por encomenda. Mas para ele eu fiz. Não me perguntem a razão não me lembro. Sei apenas que isso me permitiu ter contato com uma pessoa que viria a admirar nos momentos de alegria e consultar nos momentos em que precisava de ajuda. Como a origem desta amizade está no Livro dos Manuais (pág. 168), a seguir vai um curto manual das coisas que aprendi com ele: 1 - Você pode errar. Mas não pode repetir o erro. 2 - Se todo mundo lhe ama, algo está errado. Ninguém pode agradar a todo mundo. 3 - Ninguém aprende coisas importantes apenas assistindo a um curso a respeito. 4 - Por mais que tentemos, não podemos empurrar um rio ou obrigá-lo a correr mais rápido. 5 - É necessário aprender a navegar sem nenhum rancor entre falsos amigos e verdadeiros inimigos. 6 - O mundo está dividido em dois tipos de pessoas: os Chico Buarque e as Lady Gaga. 7 - Os trabalhos criativos são formas socialmente aceitas de desnudar-se em público. 8 - Não há nada de errado em parecer idiota, desde que o que você está fazendo seja inteligente. E para encerrar esta longa orelha de livro (longas orelhas, por sinal, são atributos de coelhos), fica um alerta: não acreditem no tal menino franzino, expressão fartamente repetida no livro. Celso é um leão. E a sua agência é a rainha das florestas. Paulo Coelho. (Escritor)

Superfície do planeta Marte 2 Esse menino vai explodir! 3

Detalhe da obra A Grande Onda de Kanagawa, xilogravura do mestre japonês Hokusai Escritor alemão Hermann Hesse

Jack Lemmon em cena de Se meu apartamento falasse Cena do filme Robocop

Rã-touro Surfista encara tubo em praia do Havaí

Mestre Yoda, personagem da série Guerra nas Estrelas

Lucia Maria Clemente num momento de extrema felicidade Erva-mate para preparo do chimarrão

Notícia sobre o Banco Santos em novembro de 2004 Shiva, deus hindu, meditando

Camisa do Santos F.C. autografada Câmera Leica usada por Cartier Bresson

O Coração, carta do jogo mexicano Loteria Michael Douglas em cena do filme Wall Street

Fender Jazz Bass Royal straight flush, a sequência mais valiosa do jogo de pôquer

Seleção brasileira amadora de beisebol, em 1988

Postal da cidade de Cannes, França O escritor irlandês Oscar Wilde

O que interessa é a vida. A biografia de uma agência de propaganda

Prefácio... 31 I. 01. Esse menino vai explodir... 36 02. Rua Américo Alves Pereira Filho, 57... 56 03. Primeira base... 68 04. Avenida das Nações Unidas, 12.995... 76 05. E = mc²... 118 06. Rua Cristiano Viana, 517... 126 07. Viver é perigoso... 148 08. Rua Colômbia, 325... 156 09. Conexões... 172 10. Avenida Brigadeiro Luís Antônio, 4.980... 180 II. Esse prêmio é nosso... 230 Show de talentos... 235 Agradecimentos... 302 III. Caderno de Referências... 307

PREFÁCIO Não interessa Publicidade não interessa. Interessa a vida. Esta frase nunca me foi dita por ninguém. Ela é a derivação de uma outra, esta sim bem real, que ouvi uns bons anos atrás da boca de Oscar Niemeyer, à época ainda um garoto de 90 e poucos. Logo no início de uma conversa que tomou uma tarde no lendário escritório arredondado do arquiteto em frente ao mar de Copacabana, ele saiu com este extrato de uma vida que já avança pela segunda metade da primeira década do segundo século: Arquitetura não me interessa. Me interessa a vida. Desde o primeiro telefonema em que Celso Loducca lançou à Trip este convite-desafio de mergulhar com ele e mais uma porção de gente genial nessa empreitada para celebrar os 18 anos e contar a história, ou o encadeamento de centenas de histórias, que gerou a empresa que carrega seu sobrenome, concordamos absolutamente sobre algumas premissas. 30 31

E elas todas, na minha cabeça, podem ser resumidas pela frase lá em cima. E é fundamental que essas palavras sejam lidas sem a mais mínima dose de sarcasmo ou de desprezo pela atividade que alimenta os espíritos de quase todos os envolvidos na epopeia que você vai ler. Trata-se apenas de exibir, desde logo, o que de fato move a propaganda na qual a Loducca acredita e que pratica: uma absoluta e inegociável paixão pelo humano e pela vida. Aliás, é bom que se diga, conheci o Celso por causa da morte. Retificando, por causa da quase morte. Peço licença em nome do jornalismo para resgatar agora uma história que não foi contada no livro, mas que, acredito, aqui ganha uma razão para sair das gavetas do fundo da memória para o presente papel. Há 16 anos, a então modelo e mulher de Celso, Claudia Liz, foi vítima de um procedimento cirúrgico malsucedido que transformou uma aparentemente corriqueira lipoaspiração num quadro de coma e de complicações sérias que por pouco não tiraram sua vida. A indústria midiática das celebridades era mais nova e ainda mais vigorosa e menos escrupulosa do que é hoje. Microfones, gravadores e câmeras se viraram todos para as portas do hospital onde aquela linda e loura modelo e atriz em coma e seu marido publicitário bem-sucedido e charmoso formavam um prato saborosíssimo para ser jantado lenta e prazerosamente por aves de rapina agourentas e cheias de apetite. Fui atrás de fichários antigos e localizei uma das colunas que escrevi por muitos anos no agora finado Jornal da Tarde. A data anotada nas costas do recorte é 4/11/96. Escrevi assim: O acidente de Claudia não trouxe lições só a ela. Ensinou um pouco a todos nós. Uma das mais belas e importantes aulas foi a de amor e transparência dada via satélite diariamente por seu marido, Celso Loducca. Confesso que nunca tive muito interesse pelo publicitário ou por sua obra, que apenas me chamava a atenção pelo volume e pela intensidade do trabalho. O comportamento desse homem durante o período de transe que viveu foi uma das coisas mais elegantes, serenas, humanas e dignas que já presenciei. Com todos os motivos do mundo para ser arredio, deselegante, grosseiro ou se mostrar revoltado e infeliz, Celso optou por abrir seu coração, ser forte sem ostentar machismo, declarar repetidamente seu amor pela mulher, controlar sua revolta por ter sido enganado pelos médicos, olhar com seus olhos vermelhos nos olhos dos outros e pedir ajuda. Celso me fez ter orgulho de ser homem. Fico à vontade para republicar aqui esse trecho de 1996 por muitos motivos, mas especialmente porque não o conhecia naquela altura. Foi exatamente a partir desse episódio que nos aproximamos e que, apesar de distantes e jogando em lugares diferentes do mesmo campo da comunicação, criamos a relação de respeito, amizade e a empatia que acabaram resultando nesse trabalho movido antes de mais nada por essas coisas que não se escrevem em contratos. Muito provavelmente nem eu nem a brava equipe da Trip que passou mais de um ano e meio debruçada nas histórias que teceram a rede da Loducca teríamos motivação para fazer um livro sobre publicidade. Este livro é sobre a construção humana. Sobre magnetizar gente boa a partir de certas convicções, de um tipo de sorriso, de um jeito de cumprimentar com beijo sem que isso corra o menor risco de não ser algo genuinamente carinhoso, de uma coerência que não se negocia. Sobre cada uma das pessoas, dos sócios, dos caras e das meninas que foram chegando e ficando, mesmo depois de saírem. Celso e muitos dos que estão com ele são publicitários e amam o que fazem. Mas podem deixar de sê-lo amanhã. Para ensinar num cursinho, produzir shows de sanfoneiros, laminar pranchas no Havaí, ganhar a vida fotografando, jogar beisebol, fazer wakeboard profissionalmente ou até para criar rãs. Simplesmente porque não dependem da publicidade, dos anúncios, dos prêmios, nem mesmo dos clientes para se sentirem vivos e inteiros. Só dependem de fato da garantia de que poderão continuar cultivando as relações humanas de e com qualidade. E é exatamente aí que talvez esteja o maior ativo da empresa. E a independência que os deixa livres para pensar, dizer e criar aquilo em que acreditam e que talvez seja a continuação do que se convencionou chamar até agora de propaganda. Paulo Lima (Editor e fundador da Trip Editora) 32 33

I

Esse menino vai explodir! 01. Esta história começa com um rapaz franzino, de fartos cabelos encaracolados, debruçado sobre um caderno de pauta simples. O ano é 1975. A porta do quarto está providencialmente trancada e o rapaz escreve num lampejo febril. Há quase uma semana nem banho nem fome o tiram do que faz. Ele tem pressa, uma pressa aflita. Precisa despejar no papel 17 anos de sua vida antes que aquilo que sente o asfixie. I.01. I.02. Tem um monte de gente que adora a adolescência. Eu adorei sair dela reflete, quase 40 anos depois. Para mim, foram só questões, questões, questões. Eu poderia ter sucumbido a elas, de verdade, mas fiz a opção de dizer: Eu vou ser o dono da minha vida, e não meus medos. Foi aí que me tranquei e escrevi, escrevi, escrevi. Com a compreensão de um moleque de 17 anos, escrevi tudo o que havia vivido até ali. Escrevi porque queria botar minha vida a limpo para começar tudo de novo. No fundo, no fundo, estava tudo certo. A vida que o primogênito de seu Geraldo e dona Eliane tinha a pretensão de rebobinar não havia passado, muito menos estava na iminência de passar, por alguma hecatombe. A infância teve a paz necessária de um ambiente familiar carinhoso, uma alegria e um sentimento de pertencer a algo sólido que só se multiplicavam com as brincadeiras com o pai e os noturnos de Chopin que a mãe tocava ao piano todas as noites antes do sono. Apesar de 37

aprontar algumas com os colegas de escola (uma vez ele e mais alguns soltaram um porco ensaboado no pátio, na hora do recreio), era aluno reconhecidamente aplicado no Dante Alighieri, onde estudava desde os 6 anos de idade. Na adolescência, tinha uma namorada ( Sempre fui sortudo com mulher; feio, mas sortudo ) com quem se dava bem. Morava numa confortável casa de classe média alta no bairro do Brooklin, na zona sul paulistana distante das origens modestas da família, no bairro do Tatuapé, na zona leste, onde havia nascido em 23 de julho de 1958. I.03. Isso mostra um pouco como funcionam os mecanismos de decisão que eu viria a utilizar ao longo da vida. Nunca é pelo mais fácil: é pelo que eu acho que está certo resume. A partir daquela inocente virada de casaca, sem que nem mesmo se desse conta, os questionamentos sobre o que se herda e o que se conquista começaram a pulular na cabeça do menino. De interrogação em interrogação, alguns anos mais tarde, ele já se sentia, termo do próprio, um extraterrestre dentro de sua própria vida: As efemérides desse dia não são lá dignas de nota para a história, a não ser o fato de Pelé, recém-consagrado campeão do mundo na Copa da Suécia, ter chegado ao 99 º gol da carreira depois de encaçapar quatro dos seis aplicados pelo Santos no XV de Piracicaba pelo campeonato estadual. Não é de todo gratuita a citação do Santos de Pelé, Coutinho, Zito, Dorval & orquestra: aquele escrete mítico foi uma das primeiras razões que levaram o rapaz franzino e de cabelos revoltos a entender que fazer escolhas na vida implica necessariamente romper certos laços. Aconteceu exatamente na tarde em que ele ligou a TV para ver seu time, o time da grande família italiana, em campo. Depois de alguns minutos de partida, quis saber contra quem o Palmeiras jogava. Santos! lhe responderam. E então ali, em frente à TV Philco em preto e branco, com gabinete de madeira e pés palito, o garoto entrou em êxtase. Quem eram aqueles caras de branco que jogavam tão leve, tão solto, tão bonito? Como faziam aquilo? Sem alarde, decidiu que viraria a casaca e torceria para aquele time, o do futebol vistoso. Trocar o alviverde pelo alvinegro por uma questão puramente estética poderia ser algo banal na vida de uma criança de 5 anos, não fizesse ela parte de uma italianíssima árvore genealógica pelos quatro costados. Mal sabia ele que aquela decisão seria vista como uma falha de caráter, uma traição irreparável, uma ofensa sem igual. Durante muito tempo, o garoto sofreria todo tipo de pressão dos colegas e familiares (menos dos pais), mas bancou a decisão de optar pela beleza, pela harmonia e pela felicidade. Era sua primeira grande escolha na vida. E aquela que lhe mostraria o caminho para todas as outras. I.04. I.05. I.06. I.07. I.08. Quando tinha 10 ou 11 anos conta achava que Deus tinha me mandado para o planeta errado. Naquela época eu acreditava em Deus e achava que era de Marte e tinha caído na Terra por engano. A sensação que eu tinha era que meus pais não sabiam quem eu era. Continuamos falando aqui de escolhas e caminhos. E os caminhos que seu Geraldo e dona Eliane queriam que seu filho seguisse definitivamente não eram os caminhos que o menino gostaria de seguir. Meus pais colocavam muita expectativa em cima de mim, e com muita rigidez prossegue. Talvez tenha faltado a eles perceberem que eu era diferente do resto da família. Mas, justiça seja feita, eu sempre tive dentro de casa o direito de me expressar. O processo de minha educação, em resumo, foi democrático. A palavra final nunca era minha. Não pelo menos enquanto eu não conquistasse minha independência financeira. Conflitos são sempre inevitáveis na vida de uma família. Como a vez em que seu Geraldo, então um bem-sucedido advogado que dava muito valor ao que havia conquistado em nome da família, descobriu que o filho, fiel frequentador do despretensioso Açaí Clube, no Brooklin, havia vendido o título de sócio do clube Athletico Paulistano para fazer uma viagem pelo Sul do Brasil de carro com um amigo. Tampouco deve ter sido pequena a decepção de seu Geraldo, hoje com 80 anos e aposentado, no dia em que ofereceu ao filho a possibilidade de fazer uma viagem internacional ( Que tal a Europa? Ou a Disney? ) e ouviu de volta o agradecimento seco: Não quero. Quando eu puder pagar, eu vou. Esse menino vai explodir! 38 39

Nos anos 1970, todo estudante da sétima série do primeiro grau tinha de escolher o curso profissionalizante que pretendia seguir dali a dois anos, quando ingressasse no segundo grau. Escolha complicada na vida de qualquer adolescente, era comum na época a molecada ser submetida a um teste vocacional para descobrir o que gostava de fazer, ou se tinha mais aptidões para biomédicas, exatas ou humanas, as áreas então oferecidas. Aos 14 anos, o filho de seu Geraldo e dona Eliane foi levado para fazer seu teste vocacional com um profissional que, pelos traços finos do rosto, os cabelos prematuramente brancos e o semblante pálido lembravam, na percepção do garoto, um ratinho branco. O resultado do teste não foi muito animador. O garoto tinha vocação para ser qualquer coisa. O que fizesse, sentenciou o ratinho, o menino faria bem uma espécie de doador universal compatível com toda e qualquer forma de trabalho. O ecletismo, como era de se esperar, foi interpretado pela família como um problema indefinido. Na presença do garoto ( Lembro até onde eu estava sentado, numa poltrona alta ), o ratinho fez a seguinte recomendação aos pais: Vocês precisam dar mais liberdade para ele. Senão esse menino vai explodir! Na hora, o garoto tomou um susto. Puta que o pariu, o cara percebeu!, pensou. O conselho, no entanto, não surtiria muito efeito dentro de casa. Seu Geraldo e dona Eliane tinham suas convicções já devidamente formatadas, e uma mudança radical de rumo na educação não só do primogênito, mas também da mais nova, Vera Helena, passava ao largo do programa. O resultado já havia sido anunciado com todas as letras. Quer dizer, não foi exatamente uma explosão o que se sucedeu três anos mais tarde, mas uma implosão. Uma implosão de urdidura lenta e silenciosa, e que levou um garoto de 17 anos chamado Celso Luís Loducca a se trancar em seu quarto para passar a vida a limpo. Eu não tive uma conclusão relata, sobre o processo. O que eu queria era tapar os buracos. E então minha vida recomeçou. Olhando hoje eu penso: Como foi que tive aquela ideia de escrever um I.09. I.10. I.11. I.12. I.13. livro sobre minha vida? Por que fiz isso?. Eu não sei. Mas me parecia que era o certo a fazer. Minha sensação, que é a sensação de qualquer adolescente, era de que minhas fundações eram de areia. Eu não quero viver assim, eu quero cavucar, eu quero enfiar os dedos em todas as feridas. Isso não quer dizer que perdi as dúvidas. Mas mudou minha postura em relação a tudo, porque eu me senti senhor das coisas. Eu não deixei de ter medo, eu não deixei de ter dúvidas, é assim até hoje. Mas é diferente a maneira como vivi a partir dali. Com os buracos da alma devidamente pavimentados, não restava muito senão colocar as mudas na mochila e tentar construir uma nova vida, fora de casa. Celso foi morar na Vila Madalena, naqueles meados dos anos 1970 um bairro ainda periférico e predominantemente habitado por famílias de operários. O aluguel e as despesas da casa eram divididos com sua namorada à época, Marly. O acordo estipulava que morariam juntos por uma necessidade estritamente financeira em nenhuma hipótese aquilo dali podia ser encarado como um casamento. Os tempos, afinal, eram hippies. E Celso bem fez jus aos tempos. Eu queria viver do jeito que eu acreditava diz. E eu não acreditava em não abrir meu coração para o mundo que me rodeava. Paralelamente ao papel de professor de química e de biologia que desempenhou num cursinho pré-vestibular como modo de custear aquele início de vida independente, Celso queria entender o mundo que o circundava. Queria mais que isso. Agora que era o principal piloto de seu destino, tinha ânsia de colocar em prática uma perspectiva formatada a partir dos quatro livros que estão, segundo ele próprio diz, nos alicerces de sua formação intelectual e emocional. Um deles é Walden ou A Vida nos Bosques, do naturalista americano Henry David Thoreau. Leitura clássica dos ecologistas de qualquer latitude, a obra, publicada pela primeira vez em 1854, traz uma reflexão filosófica sobre a vida em sociedade, mais precisamente a capitalista, elaborada a partir dos dois anos em que Thoreau viveu às margens do lago que dá título ao livro, plantando batatas e produzindo o próprio pão, numa vida de autossuficiência exemplarmente aplicada. Bandeira parecida com aquela levantada por outro clássico da prateleira primordial de Celso, O Fio da Navalha, do britânico W. Somerset Esse menino vai explodir! 40 41

Maugham. Neste livro de 1944, Larry Darrell, o protagonista, é um jovem americano da alta burguesia de Chicago que, depois de retornar dos campos de batalha da Primeira Guerra transformado, abandona todos os confortos materiais (o que inclui a noiva, Isabel) e parte à procura de um sentido para sua existência na Índia e no Nepal. O título é uma expressão tirada por Maugham de um dos upanixades, os textos sagrados da Índia, por onde o próprio escritor perambulou nos anos 1930. A Índia e a busca por um sentido da vida também estão num terceiro livro-chave para Celso, Autobiografia de um Iogue, escrito em 1946 por Paramahansa Yogananda, guru indiano de milhões de iogues de todo o mundo, criador da organização Self-Realization Fellowship, que fundou ao chegar aos Estados Unidos, em 1920. Foi através da SRF que Yogananda difundiu na América do presidente Calvin Coolidge a prática da meditação por meio de lições de Kriya Yoga que os estudantes recebiam em casa, pelo correio. Nos anos 1960, as narrativas de Yogananda formaram a base de leitura para toda uma geração influenciada pelos ecos do movimento hippie juntamente com O Lobo da Estepe, quarta obra definidora da personalidade de Celso. Quando o escreveu, em 1927, o alemão Hermann Hesse, vencedor do Nobel de literatura em 1946, já era o conhecido autor de Sidarta, inspirado nos ensinamentos de Siddartha Gautama, o Buda. O Lobo da Estepe é a história de Harry Haller, um intelectual em crise existencial que prefere viver sozinho a ter de conviver com uma humanidade, na sua concepção, banal e órfã de valores. Numa intensidade talvez um pouco maior que Walden, O Fio da Navalha e Autobiografia de um Iogue, a leitura de O Lobo da Estepe causou tanto impacto em Celso que, a certa altura, ele chegou a acreditar que era a reencarnação de Hermann Hesse. Só desistiu da ideia quando soube que o escritor ainda estava vivo quando ele nasceu. Mas tudo bem. Restava a forte identificação com o personagem em busca de um encaixe no mundo. E encaixe (seja em algum grupo, seja em alguma denominação) era tudo o que Celso queria encontrar para sua vida. I.14. I.15. I.16. I.17. I.18. I.19. I.20. I.21. I.22. Foi por esse motivo que ele fez durante algum tempo incursões noturnas regulares ao centro de São Paulo. O objetivo era mergulhar num mundo que não era o seu, o das putas e dos traficantes. Tomando o cuidado de não atrapalhar o movimento da turma, e mantendo sempre uma distância vamos dizer saudável em suas relações, Celso varava madrugadas batendo altos papos pelas calçadas de bairros como o Glicério. Fez muitas amizades assim entre eles, ele lembra, com um tal Zoinho, que mantinha um ponto de venda nas imediações da rua Major Sertório, uma das artérias da então Boca do Luxo (área famosa pelas boates e chamada assim em contraponto à outra Boca, a do Lixo). Minha vida era muito limpinha Celso explica. Então queria entender como era uma vida que eu não tinha, queria compreender o que eles sentiam. Nunca fui de beber. Então era conversar mesmo. E entender. Entender tudo o que fosse possível. Acho que essa é a minha motivação da vida inteira: entender. No terreno das religiões, Celso frequentou a Rosacruz Áurea, uma fraternidade conhecida na Europa desde o século XVII, inspirada em tradições antigas como a alquimia medieval, o hermetismo e a cabala. Abandonou-a quando se deu conta de que buscas espirituais também passavam pelos domínios nem sempre digestos da demagogia: Procurei o chefe e lhe disse que eles fingiam ser espirituais, mas que ali só tinha política, hierarquias, inveja. O cara me deu uma resposta interessante. Ele disse: Mas isso aqui é feito por gente, com todas as suas fraquezas e defeitos. Gente em busca da luz; não iluminados. Apesar do jogo franco, Celso achou melhor sair. Foi ver se algo lhe interessaria no candomblé, mas logo entendeu que os rituais que podiam incluir matança de bichos e sangue não eram muito a sua. Os transes da umbanda também pareceram fora de sua alçada. Então bateu às portas do espiritismo. A ideia de uma cidade no céu, de espíritos que evoluem e de uma prática mais bondosa do que o catolicismo, todo ele feito de culpas e castigos para toda a eternidade, nas palavras do próprio Celso, até que fez sentido. Mas não demorou para ele se sentir, uma vez mais, um estranho no ninho naquelas sessões espíritas. O futuro ateu ainda experimentaria entoar mantras Hare Krishna, mas não por muito tempo. Só até se dar conta de que, não importasse o caminho religioso que seguisse, ele seria sempre feito por gente (em busca ou não da luz, portanto, sem luz). Foi quando resolveu se afastar definitivamente de toda forma de instituição religiosa, limitando-se a estudar a parte filosófica que lhe interessasse nos mais diversos tipos de crença. Esse menino vai explodir! 42 43

E estudar era com ele mesmo. Foram seis faculdades todas abandonadas no meio do caminho. Como biomédicas havia sido a área escolhida depois do teste vocacional, Celso tentou primeiro concluir biologia. Achei que ia ser médico, mas mais numa questão de querer ajudar a humanidade, e não porque gostava da prática médica. Era uma vocação mais religiosa do que profissional. Insatisfeito, tentaria ainda engenharia e física, psicologia e química. De tanto prestar vestibular, passava sempre em primeiro, segundo ou, na pior das hipóteses, em terceiro lugar. Mas o curso de química também não agradou, e ele então tentou a comunicação, que também terminaria por desistir. As pessoas achavam que eu não sabia o que queria da vida. Mas era o contrário afirma. Sempre soube muito bem o que quero. Eu só não encontro, é diferente. Quando entrava numa faculdade, achava que ia sentir alguma coisa. Depois de um tempo, olhava e pensava: Eu não sinto o que eu achei que ia sentir. Vou mudar de faculdade. E aí tinha a honestidade de largar e começar tudo de novo. Enquanto pulava de uma faculdade para outra, a vida ia acontecendo. Pelo caminho, chegaram as duas primeiras filhas (Mariana é de 1979 e Renata, de 1980), ambas com Marly. Com a paternidade, a grana se fez mais do que nunca necessária. Um dia, o hippie de cabelo comprido e faixa peruana viu no jornal um anúncio da International Horizons em busca de gente para vender cursos de inglês. Celso fez uma prova (passou em primeiro, claro), comprou dois ternos baratos, botou a pastinha debaixo do braço e foi bater de porta em porta. Mas eu era tímido demais para esse tipo de trabalho. Lembro de mim, parado no meio da rua, vendo aquela sequência interminável de casas e pensando: Puta que o pariu.... No fim, só consegui vender um curso, para uma prima minha. I.23. I.26. I.27. I.28. Mais tarde, teve a ideia de promover com amigos da faculdade de Engenharia um megaencontro de sanfoneiros célebres Luiz Gonzaga, Sivuca, Dominguinhos e Oswaldinho do Acordeon no estádio da Portuguesa. Mais de dez mil pessoas lotaram o Canindé, na zona norte da cidade, para ver o show Forró Brasil. Celso, olhando em volta, sentiu orgulho do que havia realizado. O orgulho, contudo, se transformaria em vergonha poucas horas depois. Ao que tudo indicava, a empresa contratada para vender os ingressos havia desviado nove mil entradas e Celso acabaria recebendo apenas o valor de mil pagantes, insuficiente sequer para cobrir o cachê dos sanfoneiros e seus músicos. Endividado, frustrado e desanimado, teve de vender seu Fusca 66 e negociar o parcelamento de todos os cachês. Celso passaria os próximos quatro anos trabalhando para pagar a realização daquele encontro de sanfonas. Para completar, logo depois, o relacionamento com Marly acabou e ele se viu tendo de pagar a pensão das crianças. Por mais que desse aulas e nessa época ele já dava aula de manhã, tarde e noite, 90% do que ganhava escorria para cobrir as despesas das filhas. Não sobrava nada no fim do mês. Foi quando se lembrou dos concursos de redação dos quais participava e invariavelmente vencia no Dante. Poxa, faz tempo que as pessoas acham que escrevo bem. Eu gosto de escrever, vou ganhar dinheiro com isso, pensou. Imaginou então que poderia tentar algo como jornalista ou, quem sabe, seguindo a sugestão de um amigo, publicitário. Como o assunto, no fundo, era dinheiro, Celso partiu para o plano que o levou à sexta faculdade: foi ver o que essa tal de publicidade tinha a oferecer. A certa altura, depois de ainda tentar a vida fazendo pesquisa de rua ( A senhora tem dois minutos pra responder um questionário? ), Celso vislumbrou que ganharia dinheiro promovendo shows musicais. Logo de saída, com a ajuda de alunos do cursinho de química e biologia em que dava aula, organizou shows de artistas como Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção e Sá&Guarabira. I.24 e I.25. Como tinha se transformado no rei do vestibular, Celso entrou sem dificuldade na Escola Superior de Propaganda e Marketing, a ESPM. Em outubro de 1983, depois de abandonar a carreira de professor (e também a ESPM, para não frustrar seu histórico de faculdades abandonadas), conseguiu um estágio como redator publicitário na agência Standard, hoje Ogilvy. Esse menino vai explodir! 44 45

Quando decidiu trabalhar com publicidade, Celso pensou apenas no salário três vezes maior do que a dureza de professor. No início, ganhar um beijo da mãe ou um Leão em Cannes não fazia muita diferença para ele o que lhe daria um crédito de curiosidade por parte dos seus primeiros chefes. Contratado pela Standard em janeiro de 1984, já fez dupla com Jaques Lewkowicz, então vice- -presidente de criação da agência, um mestre do humor judaico à la Woody Allen e autor de pelo menos dois slogans que o brasileiro com mais de 30 anos conhece: Gosto de levar vantagem em tudo, certo? (o da Lei de Gerson) e Eu sou você amanhã. No segundo ano de carreira, depois de pular da Standard para a agência SGB, Celso já tinha arrematado um Leão em Cannes em dupla com Lula Carvalho e via seu nome cintilar como grande revelação ao lado das estrelas da propaganda. Mas na gangorra da história veio um período não exatamente feliz, mais precisamente na nova agência montada por Lewkowicz, a SLBB em sociedade com André Brett, Benjamin Steinbruch e Samuel Schwarcz. A agência não foi para frente, o que despertou em Celso alguma consciência sobre a profissão. Naquela época, havia a mística de que quem não fizesse sucesso na publicidade antes dos 30 anos era um fracasso. Celso, que começara nessa carreira aos 25 e, apesar do brilho dos dois anos iniciais, experimentava uma fase de tormenta, pensou: Pronto, acabou. Vislumbrando que estava tudo indo para o brejo, e já que a vida não tem mesmo garantia, decidiu investir em outro negócio: foi fazer um curso de criação de rãs no Parque da Água Branca. Havia, naquela época, muita gente ganhando dinheiro criando rãs para vender a carne para os restaurantes e o couro para a indústria de confecção. Celso resolveu apostar na onda. Chamou um antigo colega de ESPM como sócio e juntaram grana para comprar um ranário em Pernambuco, onde anfíbios como a rã-touro gigante são especialmente rentáveis. I.29. I.30. I.31. I.32. I.33. I.34. I.35. I.36. I.37. Bom, o jeito é tentar sobreviver aqui na publicidade mesmo, pensou Celso, a essa altura já no segundo casamento com Lúcia Helena, que viria a ser mãe de sua terceira filha, Marina. Foi quando Christina Carvalho Pinto, recém-chegada à direção da Young & Rubicam, o chamou para trabalhar na agência e Celso não desapontou. Para lançar no Brasil o carrinho russo Lada, inspirou-se na Perestroika, escolheu uma boa foto de Mikhail Gorbachev e aplicou a legenda: Você compraria um carro desse homem?. Pimba! Leão em Cannes. Brejo, nunca mais. A Talent esticou o olho e Julio Ribeiro convidou Celso para mudar de agência. Celso, já afiado, mais uma vez não decepcionou: Naquela época o fabricante de televisores Semp percebeu que devia aprimorar sua tecnologia e se associou aos japoneses da Toshiba conta Julio. Precisávamos chamar a atenção dos clientes para isso. Celso achou lógico mostrar o japonês e explicar a razão da qualidade do produto. Nossos japoneses são mais criativos que os outros foi além do slogan virou expressão do vocabulário brasileiro, usada até hoje. Mais prêmios vieram. E então Washington Olivetto quis Celso na sua W/Brasil, na época a agência mais vibrante e prestigiada do país. Não havia um criativo que não sonhasse em estar nela. Celso, que não tinha nem dez anos na publicidade, não perderia aquela chance. No final de 1992, ele foi chamado por Gustavo Cubas para se tornar vice-presidente da FCB (Foote, Cone & Belding) e ajudar a integrar duas novas agências recém-compradas (Núcleo e Siboney), criando assim uma nova FCB. Na hora de formar uma equipe, Celso olhou no espelho e enxergou sua geração. Chamou Javier Talavera, Cristiane Maradei, João Muniz, Amaury Balí Terçarolli, Rita Almeida, Márcia Pudelko, uma turma que acumulava prêmios, elogios e passagens estreladas por grandes agências como Ogilvy, Leo Burnett, Talent, W/Brasil e outras do mesmo naipe. O único que já estava na FCB era Mario D Andrea. O combinado era que o sócio iria na frente e Celso tocaria as operações de São Paulo. Quando ficassem milionários, Celso se mudaria para Pernambuco e lá conduziriam juntos o negócio. O sócio, porém, achou mais jogo pegar todo o dinheiro investido pelos dois e abrir uma confecção no Recife sem Celso, claro, a quem só sobrou engolir aquele sapo e tocar a vida adiante. I.38. Cada um a seu modo, esses jovens eram também meio gauche na vida, não muito chegados em regras, desligados dos adjetivos-clichês para publicitários o que, naquele início dos anos 1990, significava ter carrão importado, champanhe no gelo e mulher desinibida para passear em Cannes. Bem, foram todos parar em Cannes, claro. Mas em vez de conversíveis, optaram por uma van para caber todo mundo e curtir a Esse menino vai explodir! 46 47