Estudo do Impacto do Aquecimento Global no Potencial Eólico do Nordeste Brasileiro

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Transcrição:

Estudo do Impacto do Aquecimento Global no Potencial Eólico do Nordeste Brasileiro Study of the Impact Global Warming on Wind Power Potential in the Northeast Brazil Bruno Lopes Faria Instituto Federal do Norte de Minas Gerais IFNMG Pirapora, MG blfaria@gmail.com Flávio Barbosa Justino Universidade Federal de Viçosa UFV, Viçosa, MG fjustino@ufv.br Resumo: As fontes de energias renováveis ou limpas, tais como a eólica, apresentamse como uma opção para a redução do uso de energia à base de combustíveis fósseis. O Brasil e, em especial, o território do nordeste brasileiro é privilegiado no potencial eólico, já que a sua localização abrange a área dos ventos Alísios. Diante disso, o presente trabalho visa desenvolver uma metodologia para avaliar o potencial eólico do nordeste brasileiro e avaliar os impactos das mudanças climáticas sobre a energia cinética intensiva dos ventos. Para este estudo, usaram-se dados do modelo climático regional MM5 sob condições de período atual (1980-2000) e futuro (2080-2100), com cenário de aquecimento global. Com os dados provenientes do MM5, os resultados mostraram que em um cenário futuro todas as estações do ano apresentaram tendências de intensificação da energia cinética intensiva dos ventos, sendo que as anomalias mais evidentes ocorrem na segunda metade do ano. Isso mostra a viabilidade de aplicação de plantas eólicas nesta região do Brasil, tanto para o período atual como para um cenário futuro. Predições dos modelos indicam o período de junho a agosto (inverno), como sendo a época mais significativa de potencial eólico, com valores da energia cinética intensiva ultrapassando 15 J/Kg. O estudo sugere ainda que a aplicação de modelos de diferentes complexidades, bem como a aplicação de diferentes Recebido em 21/04/2011 - Aceito em 01/12/2011. RECEN Guarapuava, Paraná v. 13 n 2 p. 257-269 jul/dez 2011

Revista Ciências Exatas e Naturais, Vol.13, n 2, Jul/Dez 2011 metodologias para o cálculo do potencial eólico, é importante para aumentar a precisão e a confiabilidade das estimativas da capacidade de geração de energia eólica. Palavras-chave: energia eólica; modelagem numérica; vento. Abstract: Renewable or clean energy sources, like wind power energy, is seen as an option for reducing the use of fossil fuels ones. Northeastern Brazil is a privileged region in Wind Power potential, due to the presence of Trade Winds. In this sense, the present study aims at developing a tool to evaluate Wind Power potential in northeastern Brazil, as well as to assess the climatic changes impact on the intensive wind kinetic energy. In order to carry out this study, data from the regional mesoscale model MM5 under the current period (1980-2000) and future global warning conditions (2080-2100) were used. These data served as boundary and initial conditions for a micro-scale model in order to evaluate the role/impact of different surface conditions and topography of the wind energy. The results show that for the future interval there is a positive trend leading to an intensification of the kinetic energy of the winds, particularly in the second half of the year. This highlights the viability of application of wind farms in this region of Brazil for both, the current period and the future. The models simulations also indicate the winter period, as being the time most significant of wind energy potential, with values of the intensive kinetic energy exceeding 15 J/kg. The application of different methodologies for the calculation of the wind energy potential is extremely useful to increase the accuracy of estimates of the local capacity for the generation of wind power. Key words: mathematical models; wind; wind power. 1 Introdução Há tempos os povos têm percebido a estreita relação entre o homem e o clima. Isto na maior parte das vezes se dá devido à influência de variações climáticas no bem-estar social. Com o incremento das necessidades de consumo associadas ao au- 258

FARIA, B. L. e JUSTINO, F. B. mento da população nos últimos 10000 anos, cresceu em conseqüência a necessidade da geração de energia. Deve-se notar, todavia, que atrelado ao aumento no consumo de energia desde as épocas mais remotas, cresce em consequência a emissão de gases causadores do efeito estufa (GEE). O debate internacional, especialmente durante os últimos dez anos, estabeleceu importantes relações entre o consumo de energia fóssil e suas contribuições para acelerar processos de mudanças climáticas. A convenção do clima das Nações Unidas, que tem como objetivo principal a mitigação dos efeitos nocivos da acelerada emissão dos GEE nos ecossistemas, é a base dos esforços globais para o combate às mudanças climáticas. A questão energética é um dos tópicos de maior importância na atualidade, já que a qualidade de vida de uma sociedade está intimamente ligada ao seu consumo de energia. O crescimento da demanda energética mundial em razão da melhoria dos padrões de vida nos países em desenvolvimento, traz a preocupação com alguns aspectos essenciais para o planejamento energético de todas as economias emergentes. Dentre eles, pode-se citar a segurança no suprimento de energia necessária para o desenvolvimento social e econômico de um país e os custos ambientais para atender a esse aumento no consumo de energia [1]. O objetivo geral deste trabalho foi avaliar o potencial eólico sob duas condições climáticas, denominadas cenário atual (1980-2000) e aquecimento global (cenário futuro). O clima do futuro inclui o efeito do aumento de CO 2 na atmosfera chegando a 757 ppm, de acordo com o cenário A2 do IPCC, para 2080-2100. As análises discutidas aqui são baseadas em 20 anos de dados para ambas as simulações referentes aos dias atuais e as condições futuras de aquecimento global. Faz-se uso de dados do conjunto de modelos matemático climático MM5. Espera-se, ao final, dispor de uma análise sistemática e detalhada do potencial eólico do nordeste brasileiro, bem como dos possíveis efeitos das condições climáticas anômalas (aquecimento global) no ganho/perda da matriz energética brasileira no que tange a energia eólica. 259

Revista Ciências Exatas e Naturais, Vol.13, n 2, Jul/Dez 2011 2 Material e métodos A região de estudo abrange parte do nordeste brasileiro, localizado entre as latitudes 12 e 2 S e longitudes 42 e 34 W, composta pelos estados do Ceará (CE), Rio Grande do Norte (RN), Paraíba (PB), Pernambuco (PE), Alagoas (AL) e Sergipe (SE) (Figura 1). Possui uma área com mais de 1.000.000 km 2 segundo levantamento do IBGE de 2000 e é banhada pelo Oceano Atlântico na costa leste. As altitudes variam desde o nível do mar até altitudes médias de 1000 metros no planalto da Borborema. Figura 1. Região Nordeste abrangendo os estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe A partir dos dados provenientes do MM5, para duas situações climáticas distintas denominadas: período atual (1980-2000) e cenário futuro (2080-2100). As séries de dados de vento do período atual são validadas por Cardoso [2] com reanálises do ERA-40. O European Centre for Medium-Range Weather Forecasts (ECMWF), localizado no Reino Unido, disponibiliza um produto de reanálise denominado ERA-40, o qual é resultante da reavaliação das condições para a atmosfera e superfície compreendendo o período de 45 anos, de janeiro de 1957 a agosto de 2002. 260 A região foi escolhida devido ao constante fluxo combustível vento. A quali-

FARIA, B. L. e JUSTINO, F. B. dade se explica em termos de velocidade de vento, baixa turbulência e uniformidade sem rajadas. A privilegiada localização geográfica dos estados do Nordeste imputa características excepcionais à região. Isto se deve ao fato do fluxo de ar prevalecer em uma extensa cobertura oceânica (livre de obstáculos), de continuidade e constância dos ventos alísios. Com o objetivo de mapear o potencial para geração de energia eólica na região nordeste do Brasil, utilizando dados de um modelo de clima regional (MM5), visando a oferecer orientações para futuras instalações de parques eólicos como gerador de energia renovável, seguindo um modelo sustentável, foram utilizados os dados de vento das predições do modelo MM5 nas suas componentes zonal e meridional a 10m do solo. Dados das duas épocas, a saber: período atual e cenário futuro. 2.1 Descrição do modelo regional (MM5) O modelo MM5 (Figura 2), cuja descrição detalhada pode ser encontrada em Dudhia et al [3],encontra-se na quinta geração e possui como características principais a capacidade de múltiplos aninhamentos de grade, dinâmica não hidrostática e assimilação de dados em 4 dimensões, além de várias parametrizações físicas e portabilidade em diversas plataformas computacionais, incluindo o ambiente GNU/Linux. Figura 2. Interações entre as parametrizações no MM5 261

Revista Ciências Exatas e Naturais, Vol.13, n 2, Jul/Dez 2011 O MM5 utiliza um sistema de coordenadas sigma que segue a topografia do terreno e resolve as equações de Navier-Stokes em três dimensões, a equação da continuidade, a primeira Lei da Termodinâmica e a equação de transferência radiativa. Numa breve descrição, a simulação inclui: parametrização de cumulus de Kain- Fritsch [4], a parametrização de cumulus raso e o esquema planetário da camada de limite de Medium-Range Forecast [5]. O gelo da nuvem é incluído. A resolução horizontal é de 60 km, com 24 níveis verticais de 55S a 12N, e 28W a 92W. Esse domínio permite que a temperatura do mar perto do continente influencie o clima dentro do modelo regional e coloca os limites laterais quase exclusivamente sobre os oceanos. Isso é importante, porque, desta forma, é possível introduzir as condições dos modelos globais que refletem condições em grande escala. A parametrização do modelo da superfície continental (LSM) acopla os processos/fluxos de superfície à atmosfera. 2.2 A energia dos ventos Neste tópico, serão feitas algumas considerações com relação ao aproveitamento do vento para a geração de eletricidade. Um ótimo indicativo para mostrar o potencial eólico com dados meteorológicos é a energia cinética específica, dada por: Ec = 1 2 V 2 (1) Sendo esta a energia cinética específica ( J/kg), contida em uma determinada massa de ar, passando através de uma área em um dado intervalo de tempo, em que V é a magnitude do vento, obtido através de suas componentes zonais e meridionais, contidas nos dados do MM5, da seguinte forma: V = u 2 + v 2 (2) Os pares (u, v) são as componentes do vetor vento, sendo u a velocidade zonal e v a meridional, ambas em m/s e medidas a 10 metros da superfície. A energia contida no vento, ou seja, a energia cinética específica média em um intervalo de 262

FARIA, B. L. e JUSTINO, F. B. tempo, é um substancial indicativo de potencial eólico, sugerindo o quão favorável é a área em termos de geração de energia elétrica proveniente da energia cinética dos ventos. 3 Resultados Análises preliminares foram feitas utilizando-se o software GrADS, de domínio público. Inicialmente, desenvolveram-se rotinas para extrair dos dados obtidos a magnitude do vento; em seguida, foi feito o cálculo de sua energia cinética intensiva (potencial eólico). É possível uma análise detalhada do potencial eólico da região do nordeste brasileiro, bem como dos possíveis efeitos das condições climáticas anômalas (aquecimento global) no ganho/perda da matriz energética brasileira no que tange a energia eólica. Na região em estudo, foram feitas análises sazonais correspondentes a cada estação do ano. Para verificar as variações no campo de vento a 10 metros para o cenário futuro, apresentadas pelo modelo MM5 na região de estudo, foram analisados dois períodos distintos com base na climatologia de vinte anos. A primeira série correspondente ao intervalo de 1980 a 2000 (cenário presente). Esse período considera os níveis atuais de C O 2 na atmosfera. As predições futuras do modelo levam em conta o aumento nos níveis de C O 2, para o cenário A2. Essas predições compreendem os intervalos de 2080 a 2100 (cenário futuro). Na figura 3 (a) e (b), observa-se a velocidade média do vento para o período atual e o período futuro, respectivamente. O período atual apresenta velocidades variando predominantemente entre 2 m/s a 5 m/s sobre o continente e valores acima de 6 m/s sobre na região costeira. A região central do estado do Ceará apresenta uma célula entre as latitudes 4 S e 6 S com destaque para maiores variações no campo de vento, com um aumento da magnitude do vento nesta área. 263

Revista Ciências Exatas e Naturais, Vol.13, n 2, Jul/Dez 2011 (a) período atual (1980-2000); (b) futuro (2080-2100) Figura 3. Velocidade média do vento (m/s) a 10 metros Na figura 4, tem-se a diferença da velocidade média do vento em 10 metros entre o período futuro em relação ao período atual. Os valores negativos no campo de vento indicam que a velocidade média diminuiu em relação ao período atual, enquanto os valores positivos significam um aumento na velocidade do vento. Note-se que este aumento é predominante na região nordeste do Brasil. Figura 4. Variação da velocidade média do vento (m/s) a altura de 10 metros entre a simulação do clima futuro e atual 264

FARIA, B. L. e JUSTINO, F. B. Destacam-se o interior do Ceará e a região do sertão nordestino com os mais elevados índices de energia cinética intensiva dos ventos. Essas características podem ser vistas na figura 5c e reforçadas por 5d. Tal variação sazonal dos ventos é explicada pela intensificação dos alísios de sudeste influenciados pela intensificação da alta subtropical nesta época do ano. É possível verificar que o outono é a época do ano com menores magnitudes dos ventos, o contrário se observa para o inverno e a primavera (Figuras 5c e 5d), sendo estas as estações do ano com o maior potencial eólico se comparadas com as demais estações do ano (Figuras 5a e 5b). Figura 5. Energia cinética intensiva do vento ( J/kg). Período atual: Análise sazonal (a) Dezembro, Janeiro e Fevereiro (b) Março Abril e Maio (c) Junho Julho e Agosto (d) Setembro, Outubro e Novembro 265

Revista Ciências Exatas e Naturais, Vol.13, n 2, Jul/Dez 2011 A figura 6 ilustra o cenário futuro da energia cinética intensiva dos ventos. Podese observar uma tendência no aumento do potencial eólico na maior parte do ano, com destaque para o período de inverno observado na figura 6c. No período do ano com maiores médias de temperaturas (Figuras 6a e 6d), as predições do modelo também se destacam para o potencial de geração de energia eólica, indicados pelos altos índices de energia cinética dos ventos em todas as estações do ano. Sendo o outono (Figura 6b) a estação de menor relevância em termos de energia cinéticas provenientes dos ventos. Figura 6. Energia cinética intensiva do vento ( J/Kg) para predição do modelo no futuro. Período sazonal (a) Dezembro, Janeiro e Fevereiro (b) Março Abril e Maio (c) Junho Julho e Agosto (d) Setembro, Outubro e Novembro 266

FARIA, B. L. e JUSTINO, F. B. A figura 7 ilustra a diferença do potencial eólico entre as projeções do futuro (2080-2100) e a simulação do presente (1980-2000) para as quatro estações do ano. Os valores negativos indicam que a energia cinética intensiva do vento a 10m diminuiu em relação ao período atual. Figura 7. Energia cinética intensiva do vento ( J/kg). A Análise sazonal (a) Dezembro, Janeiro e Fevereiro (b) Março Abril e Maio (c) Junho Julho e Agosto (d) Setembro, Outubro e Novembro A distribuição espacial das anomalias sugere que a região nordeste do Brasil, para a simulação do clima futuro, apresenta ligeira intensificação na magnitude dos ventos, com exceção para algumas regiões na estação de inverno e primavera (Figuras 7c e 7d), para qual se observa anomalias negativas influenciadas pela mudança na forçante 267

Revista Ciências Exatas e Naturais, Vol.13, n 2, Jul/Dez 2011 radiativa devido à inclusão do gases de efeito estufa. No cenário de aquecimento global é interessante notar que as anomalias no verão e no outono (Figuras 7a e 7b), são menores que as projetadas para a segunda metade do ano na maior parte do NEB. Mostra-se que o aquecimento global pouco influencia o potencial eólico na referida região, portanto, há viabilidade de aplicação de plantas eólicas nesta região do Brasil, tanto para o período atual como para uma projeção futura. 4 Conclusões O resultado apresentado baseado em simulações numéricas avaliou o potencial eólico sob as duas condições climáticas: cenário atual e aquecimento global. Com isso, foi possível dispor de uma análise sazonal e detalhada do potencial eólico de parte do nordeste brasileiro, bem como das possíveis anomalias em um cenário de aquecimento global. Os resultados das projeções dos modelos mostram a viabilidade da aplicação de plantas eólicas nesta região do Brasil tanto para o período atual como para um cenário futuro. Predições dos modelos indicam o período de junho a agosto (inverno), época muito significativa para o potencial eólico, com valores da energia cinética intensiva variando e ultrapassando 15 J/Kg. Deve-se notar ainda que as estimativas para o cenário futuro são de relevância ímpar no que se refere à mitigação dos efeitos dos gases de efeito estufa, bem como são úteis para um planejamento futuro da matriz energética brasileira. 5 Agradecimentos Ao CNPq, pelo auxílio financeiro; ao professor Marcio Arêdes e à Universidade Federal de Viçosa, pelo fornecimento de material e infraestrutura que permitiram a execução deste trabalho. 6 Referências [1] GOLDEMBERG, J.; VILLANUEVA, L. D. Energia, meio ambiente e desenvolvimento. São Paulo: EDUSP, 2003. 268

FARIA, B. L. e JUSTINO, F. B. [2] CARDOSO, G. M. Estimativas da evapotranspiração de referência a partir de um modelo regional de clima-vegetação sob condições atuais e de aquecimento global. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Viçosa, 2009. [3] DUDHIA, J.; GILL, D.; GUO, Y.; MANNING, K.; WANG, W.; CHISZAR, J. Mesoscale modeling system tutorial class notes and user s guide: MM5 modeling system v. 3, PSU/NCAR, 2004. [4] KAIN, J. S.; FRITSCH, J. M. Convective parameterization for mesoscale models: the Kain-Fritsch scheme. In: Representation of cumulus convection in numerical models, Health & Environmental Research Online (HERO), p. 165 170, 1993. [5] HONG., S. Y.; PAN, H. L. Nonlocal boundary layer vertical diffusion in a medium-range forecast model. Mon Wea Rev, v. 124, p. 2322 2339, 1996. 269