A aquisição de pronomes sujeitos no PB e no PE

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LETRAS DE HOJE LETRAS DE HOJE LETRAS DE HOJE LETRAS DE HOJE LETRAS DE HOJE A aquisição de pronomes sujeitos no PB e no PE Telma M. V. Magalhães UESB/CNPq 1 Introdução 1.1 O sujeito nulo no Português Europeu e no Português Brasileiro Os estudos que analisam comparativamente o Português Europeu (PE) e o Português Brasileiro (PB) mostram que essas duas variedades do português apresentam diferenças em todos os níveis da gramática. Com relação aos níveis morfológicos e sintáticos, os estudos revelam que é no sistema flexional e pronominal que as distinções são mais visíveis (GALVES, 1983/1988 [2001]; PAGOTTO, 1993; KATO, 1999; entre outros). No que diz respeito ao sujeito nulo, os trabalhos têm mostrado que o sujeito nulo referencial no PB, diferentemente do PE, tem o uso restrito a alguns contextos (cf.: Galves, 1988 [2001]; Figueiredo Silva, 1996; Modesto, 2000; Kato 1999; entre outros): (i) Sujeito nulo referencial de 3ª pessoa em sentenças encaixadas: (1) a. João 1 disse que cv 1/*2 comprou frutas. (PB) b. João 1 disse que cv 1/2 comprou frutas. (PE) A diferença fundamental entre PE e PB na sentença (1) está na interpretação que os falantes de cada uma das referidas línguas dão à cv da oração encaixada. Os falantes brasileiros interpretam o sujeito de comprou como sendo João. Ou seja, a única interpretação possível para as cvs nesses casos no PB é aquela em que o sujeito da matriz é o único referente para o sujeito do verbo da encaixada. Para os falantes do PE, tal interpretação não é obrigatória já que a cv nesses contextos pode tanto referir ao sujeito da matriz como a um sujeito no discurso. Letras de Hoje. Porto Alegre, v. 42, n. 1, p. 97-112, março, 2007

Com relação aos sujeitos nulos referenciais em sentenças simples, os estudos tanto de cunho variacionista como gerativista têm mostrado que o percentual de uso destes sujeitos no PB é menor do que em uma língua tipicamente de sujeito nulo, como o PE, por exemplo. Duarte (1995), ao analisar amostras de fala de adultos, mostrou a preferência dos falantes do PB pelo uso dos sujeitos expressos. Dos sujeitos de referência definida, 29% apresentaram o sujeito nulo, enquanto 71% o sujeito fonologicamente realizado. As restrições ao uso do sujeito nulo referencial no PB têm sido atribuídas ao fato de esta língua ter sofrido um enfraquecimento no sistema flexional. O PB deixa de ser uma língua de flexão rica, tal como é o PE, e passa a exibir um paradigma flexional reduzido: de um paradigma com 6 formas distintas, que representam a expressão da combinação entre os traços de número e pessoa, passa a um paradigma com 3 formas (cf.: DUARTE, 1993). Propõe-se que a redução do paradigma teria começado com a perda da segunda pessoa (cf.: GALVES, 1990 [2001] e DUARTE, 1993) e, posteriormente, com a perda da 1ª pessoa do plural. 1 Galves (1987 [2001]) afirma que as diferenças sintáticas observadas entre o PB e o PE devem-se ao fato de o PB ser uma língua de organização Tópico-Comentário, como já afirmara Pontes (1987). A autora argumenta que, no caso do sujeito nulo, o enfraquecimento da concordância não levou ao abandono total dessa propriedade, mas a uma reorganização da sentença em torno do tópico que pode ser o antecedente direto de objetos nulos e sujeitos nulos. Segundo os trabalhos supracitados, além dos sujeitos nulos referenciais mostrados acima, o PB permite ainda sujeitos nulos somente nos seguintes contextos: (i) Sujeitos nulos expletivos (2) a. Chove. b. Tem cupim nessa casa. (ii) Sujeitos nulos indeterminados (3) a. Aplica sinteco. b. Hoje em dia não usa mais máquina de escrever. 1 Segundo Duarte (1993), o paradigma com a 1ª pessoa do plural restringe-se à língua escrita ou à fala de uma geração situada numa faixa etária mais alta. No entanto, vale a pena ressaltar que há dialetos que ainda apresentam a 1ª pessoa do plural na língua falada. 98 Letras de Hoje Magalhães, T. M. V.

Propõe-se, assim, que o sujeito nulo no PB é seletivo (cf. KATO, 1999; 2003), uma vez que, diferentemente do PE, as instâncias de sujeito nulo ainda encontradas nesta variedade compreendem os sujeitos nulos referenciais de orações encaixadas, sujeitos nulos expletivos e indeterminados. No que se refere aos estudos sobre a aquisição das duas variedades, Simões (1997) mostra que a criança brasileira analisada por ela tem um uso relativamente estável de sujeitos nulos e preenchidos, em termos de percentuais. A autora afirma que as oscilações com relação ao uso de sujeitos nulos da criança ficam em torno de dez pontos percentuais e não apontam nem para um momento de mudança brusca, nem para um aumento ou uma diminuição gradual das proporções que indique uma direção de mudança. Mas, ressalta que o percentual de uso de sujeitos nulos da criança é mais baixo que o percentual de uso de crianças adquirindo línguas de sujeito nulo típicas, como o italiano e o português europeu. Simões (op. cit.) conclui que o uso de nulos e de pronomes da sua criança é comparável ao de aquisição de uma língua que não permite sujeito nulo, ao invés de se aproximar de uma língua de sujeito nulo típica. Lopes (2003), analisando dados do PB, observa que sua criança passa por dois estágios de desenvolvimento na produção de sujeitos. Um que vai de 1;9.0 a 2;8.0, durante o qual a criança mostra um comportamento muito diferente do esperado para a gramática adulta, e outro quando já está com 3;0.3 onde a produção de sujeitos já se aproxima daquela do adulto. A criança produz no primeiro estágio 47.2% de pronomes e 44.1% de sujeitos nulos; no segundo estágio 52.9% de pronomes e 32.9% de sujeitos nulos. Segundo a autora, os seus resultados são comparáveis aos de Simões (1997) e a criança mostra uma produção esperada para o estágio de sujeito nulo com um crescimento gradual em direção à gramática do adulto. Gonçalves (2004) analisa os dados de sete crianças: três crianças brasileiras e quatro crianças portuguesas. 2 A autora observa que há um peso menor de sujeitos nulos no PB, apesar de a diferença entre as duas variedades não ser substancial. Entretanto, nota-se que os resultados do PE são muito aproximados para todas as crianças, enquanto no PB há grandes diferenças individuais. Esse aspecto, 2 Das 7 crianças, 1 brasileira e duas portuguesas fazem parte do corpus deste trabalho. A aquisição de pronomes sujeitos no PB e no PE 99

segundo a autora, revela realidades distintas para as duas variedades. Os pronomes pessoais na posição de sujeito apresentam flutuações tanto entre as crianças do PE, quanto do PB, tendo um valor mais elevado para uma das crianças brasileiras. Por fim, os resultados encontrados para o PB são semelhantes aos encontrados por Simões (1997). Neste trabalho, apresento e discuto os resultados da produção de pronomes na posição de sujeitos nos dados iniciais de aquisição do PB e do PE encontrados por Magalhães (2006). O principal ponto de discussão será a estabilidade observada nos dados de aquisição do PE vs a instabilidade observada nos dados de aquisição do PB, com relação à produção de sujeitos. O trabalho está organizado da seguinte forma: na seção 2 caracterizo o corpus utilizado no trabalho e na seção 3 apresento a descrição e análise dos dados. 2 Caracterização do Corpus O corpus deste trabalho é composto por dados de produção espontânea de quatro crianças, duas brasileiras e duas portuguesas, com idade entre 1;9.8 e 3;0.15, conforme os Quadros 1 e 2: QUADRO 1 Dados de aquisição do PB. 3 Criança Idade Nº de Arquivos MLU-w Ana 2;4.11-2;10.29 9 1.5-2.7 RAB 1;9.8-3;0.15 12 1.4-3.4 QUADRO 2 Dados de aquisição do PE. 4 Criança Idade Nº de Arquivos MLU-w JOA 2;0.2-2;7.16 8 1.7-2.5 RAP 1;10.2-2;11.22 11 1.4-2.2 3 Os dados de RAB são do banco de dados de Aquisição da Linguagem de Centro de Documentação Alexandre Eulálio (CEDAE) do IEL-UNICAMP, coordenado pela professora Cláudia Lemos. Os dados de An foram coletados pela autora deste trabalho. 4 Os dados do PE são do Laboratório de Psicolingüística da Faculdade de Letras, da Universidade de Lisboa, tendo sido coletados no âmbito do Projeto PCSH/LIN524/ 93, financiado pela JNICT, sob a coordenação da Professora Isabel Hub Faria. 100 Letras de Hoje Magalhães, T. M. V.

Os dados foram transcritos com recursos do sistema CHILDES (MacWhinney, 2000). Cada arquivo corresponde à transcrição integral de uma sessão com duração que varia entre trinta e sessenta minutos de gravação. O intervalo entre cada sessão transcrita é de aproximadamente um mês. 5 Os dados considerados para a análise foram as sentenças simples ou matrizes com verbos finitos. Excluíram-se as sentenças que representam contextos de sujeito nulo obrigatório nas línguas imperativas (4a), as sentenças que constituíam casos explícitos 6 de repetições pela criança de sentenças do adulto (4b). Excluíram-se também os contextos tags (4c) e os contextos 1vser=sim (4d) por se considerar que têm características específicas: 7 (4) a. *RAQ: tira minha blusa # aí! PB (2;0.5) b. *JOA: a dormir # o pato. %pho: 6 numi r u pa tu *LUC: (es)tá a dormir? *JOA: está a dormir! %pho: ta 6 numi r@ PE (2;2.9) c. *MÃE: não esse daqui não # <(es)tão aqui oh@p> [>]. *TEL: <(es)tão aqui oh@p> [<]. *ANA: Lala # Pool # vamo(s) b(r)inca(r),, vamo(s)? PB (2;7.3) d. *INV: ah@i. *INV: tens uma p(ara) a Barbie,, não tens? *CRI: é. PE(2;11.22) 3 Descrição e análise dos dados 3.1 O sujeito nulo na aquisição do PE e do PB (Magalhães, 2006) Início esta seção ressaltando que dividi a categoria sujeito da seguinte forma: sujeitos nulos referenciais, sujeitos nulos expletivos (correspondentes a todos os contextos de verbos impessoais), 8 pronomes pessoais, pronomes demonstrativos e sujeitos lexicais 5 Com exceção dos dados de Ana, cujas quatro primeiras sessões foram transcritas com um intervalo de quinze dias. 6 Foram consideradas repetições, aquelas construções em que a criança repete, sem fazer qualquer tipo de alteração, toda a estrutura produzida, anteriormente, pelo adulto. 7 Reservarei estes aspectos para uma pesquisa futura. 8 Entram nesta contagem os casos de verbos precisar e poder usados como impessoais. Ex. Pode pegar a boneca? Precisa enxaguar a mão?. A aquisição de pronomes sujeitos no PB e no PE 101

(correspondentes aos nomes nus e DPs plenos). 9 Para o cálculo dos percentuais de sujeitos apresentados no Gráfico 1, procedeu-se à seguinte divisão: numerador = sujeito nulo referencial encontrado na sessão; denominador = total geral de sujeitos da sessão. Porcentagem 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 número de sessões das crianças ANA RAB JOA RAP GRÁFICO 1 Distribuição de sujeitos nulos referenciais no PB e no PE. Observemos que os percentuais de sujeitos nulos referenciais das crianças brasileiras se distanciam dos percentuais obtidos por Duarte (1995) 10 para os falantes adultos, principalmente até a seção 11 para RAB e seção 8 para Ana. Vê-se no Gráfico 1 que no início da aquisição as crianças brasileiras apresentam percentuais de sujeitos nulos equivalentes aos encontrados para o PE, uma língua tipicamente de sujeito nulo. No entanto, no decorrer do desenvolvimento gramatical, tais percentuais vão caindo até atingirem o percentual que se registra na gramática-alvo. 11 Nas crianças portuguesas, a produção de sujeitos nulos é bastante estável. Há oscilações entre as sessões, mas não se percebe uma queda significativa entre a primeira e a última sessão como acontece no PB. Os percentuais de sujeitos nulos das crianças estão conforme os da gramática-alvo desde o início. Ao compararmos a produção de sujeitos nulos referenciais encontrados nos dados das crianças portuguesas e das crianças 9 Não separei os nomes nus e os DPs plenos por achar que para os meus objetivos, analisá-los em um só bloco não alteraria os meus resultados. Para uma análise desses elementos em separado ver Lopes (2003). 10 Cf. seção 1 deste trabalho. 11 Observe que há uma queda de mais de 40% no percentual de sujeitos nulos referencias da primeira para a última sessão. 102 Letras de Hoje Magalhães, T. M. V.

brasileiras, verificamos que nos dados das crianças portuguesas, apesar das oscilações, os percentuais de sujeitos nulos se mantêm quase sempre acima dos 65% em todas as sessões. Nos dados das crianças brasileiras, no entanto, os percentuais começam altos (acima dos 70% ou 80%) e vão caindo até ficarem em menos dos 40%. Magalhães (2006) assume que as crianças brasileiras passam por dois estágios com relação ao uso dos sujeitos. 12 Um estágio durante o qual os percentuais de sujeito nulo distanciam-se daqueles verificados na gramática-alvo (estágio 1), e outro em que se registra um uso mais próximo daquele da gramática-alvo (estágio 2). Entretanto, como veremos na seção seguinte, a análise em termos de estágios não explica satisfatoriamente os resultados quantitativos encontrados para a produção de sujeitos por Magalhães (2006), uma vez que, ao analisarem-se alguns dados qualitativamente, observam-se no estágio 1 contextos em que a produção das crianças apresentam as mesmas restrições encontradas na gramática-alvo. As questões que se colocam em relação aos resultados são as seguintes: (i) o que justifica a alta porcentagem de produção de sujeitos nulos apresentada pelas crianças brasileiras no início da aquisição? (ii) Como explicar a instabilidade observada nos dados iniciais da aquisição do PB em contrapartida à estabilidade observada no PE? Na próxima seção, mostrarei os contextos em que as crianças brasileiras estão usando o sujeito nulo no início da aquisição na busca de uma explicação para os altos percentuais de sujeitos nulos encontrados nesse período. Iniciarei a seção mostrando os contextos em que as produções de sujeitos das crianças brasileiras apresentam as mesmas restrições encontradas na gramática-alvo e que inviabilizam a análise das diferenças percentuais mostradas no Gráfico 1 em termos de estágios. Em seguida, apresentarei os contextos que fazem com que os percentuais de sujeitos nulos sejam tão altos na fase inicial da aquisição do PB. 3.2 Contextos em que a produção inicial do PB obedece as restrições da gramática-alvo a. Contextos de CPs Com relação produção de sujeitos no PB, Duarte (1995) observou que há uma evidente preferência nesta língua pelo uso de pronomes toda vez que o CP está preenchido. 13 12 Vimos na seção anterior que Lopes (2003) faz a mesma afirmação com relação aos resultados de sua criança. 13 Simões (1997) faz a mesma observação nos dados de sua criança. A aquisição de pronomes sujeitos no PB e no PE 103

A observação de Duarte (op. cit.) é confirmada nos dados das minhas crianças. Nos dados de RAB, das 36 ocorrências com elemento em CP 14 ou em tópico, 34 apresentam sujeito pronominal, o que equivale a 94% dos contextos de CP. A mesma situação foi verificada nos dados de Ana, de 16 construções envolvendo CP ou tópico, 14 tinham o sujeito preenchido, ou seja, 87% dos contextos. Eis alguns exemplos destas ocorrências: (5) a. *MAE: hum. %sit: RA decidindo qual estória contar. [...] *RAQ: esse que eu vou contar p(a)ra Teté [=! falando baixo]. (RAB07) b. *RAQ: xxx. *RAQ: esse eu fiz. (RAB06) c. *TEL: (vo)cê vai deixa(r) ela aqui? %com: falam de uma boneca *ANA: vai. *TEL: pendurada? *ANA: pendu(r)ada. *TEL: por que que (vo)cê vai deixa(r) ela aqui pendurada? *ANA: po(r)que # ela vai assim [/] (as)sim. (ANA03) b. Expletivos Outro contexto em que as produções das crianças no estágio 1 estão de acordo com a gramática-alvo, são os contextos de expletivos: (6) a. *PAI: só mais um pouquinho? *ANA: só um pouquinho. *ANA: de novo? *ANA: de novo tem carro não <p(r)a [: para]> [/] p(r)a [: para] sai(r) do shopping. (ANA04) b. *MAE: vou continuar arrumando o armário +... *MAE: vocês (es)tão fazendo cocô na sala? *RAQ: <é> [>]. *DAN: <é> [<]. *MAE: não tem banheiro nessa casa? *RAQ: tem. (RAB05) 14 Ressalto que essas contagens não dizem respeito a sentenças encaixadas. 104 Letras de Hoje Magalhães, T. M. V.

c. Respostas curtas Magalhães e Santos (2006) argumentam que as respostas curtas representam um contexto de manutenção do sujeito nulo no PB, constituindo-se como mais uma evidência para a hipótese de que nesta língua o uso de sujeito nulo é seletivo. As autoras mostram ainda que as respostas curtas são um contexto em que o PE e o PB apresentam o mesmo padrão. Nos dados das minhas crianças esse é um outro contexto que mostra que as crianças no estágio 1 já produzem sujeitos nulos em concordância com o input. 15 (7) a. *TEL: (vo)cê gosta de conta(r) história? *ANA: gosto. (ANA03) b. *MAE: (vo)cê espera eu aqui? *RAQ: espero. (RAB03) d. Indeterminação do sujeito Galves (1993) afirma que o enfraquecimento do sistema flexional do PB levou à possibilidade semântica de se interpretar o sujeito nulo de terceira pessoa do singular como indeterminada: (8) a. Não vende mais acarajé na Olívia Flores. O contexto exemplificado em (8) é, segundo a literarutura, um dos contextos em que o PB ainda permite sujeito nulo. Nos dados iniciais das crianças estes contextos de uso do sujeito nulo também foram registrados: (9) a. *MAE: hum@i? *RAQ: um caroço. *MAE: um caroço aí no frango,, né? *RAQ: num pode come(r) o caroço #senão engoli. *MAE: é isso mesmo. *MAE: num pode come(r) o caroço senão engole ## e depois machuca a garganta. (RAB04) b. *MÃE: <não que(r) mais> [>]. *TEL: hein@i? *ANA: pode chupa(r) o dedo? (ANA07) Observe-se também em (9a) a construção feita pelo adulto. 15 Para a argumentação de que as respostas curtas no estágio inicial da aquisição são equivalentes a respostas adultas, conferir Magalhães e Santos (2006). A aquisição de pronomes sujeitos no PB e no PE 105

Como podemos ver pelo exposto acima, as produções das crianças correspondentes ao estágio 1 16 de Magalhães (2006) exibem contextos de sujeitos nulos em que são observadas as mesmas restrições encontradas na gramática-alvo. Portanto, não faz muito sentido dizer que há um estágio em que a gramática da criança se afasta da gramático-alvo. Por isso, retomemos, então, as perguntas feitas anteriormente: (i) o que justifica a alta porcentagem de produção de sujeitos nulos apresentada pelas crianças brasileiras no início da aquisição? (ii) Como explicar a instabilidade observada nos dados iniciais da aquisição do PB em contrapartida à estabilidade observada no PE? A minha hipótese é que a inflação de sujeitos nulos encontrada na gramática inicial da criança brasileira é provocada pelo uso generalizado que a criança faz da terceira pessoa do singular. Para mostrar isso, farei uma comparação entre o uso de sujeitos nulos e pronomes por pessoa durante o desenvolvimento gramatical do PE e do PB e mostrarei que a instabilidade observada nos dados do PB é conseqüência do sistema flexional reduzido que esta língua possui. 3.3 A distribuição do sujeito nulo e pronominal por pessoa no desenvolvimento gramatical do PE e do PB Kato (2001) propõe que o sistema verbal da criança no início da aquisição é unipessoal. Por isso, inicialmente, a criança produz sentenças finitas com sujeitos nulos usando unicamente a terceira pessoa do singular. Quando o sistema verbal passa de unipessoal para o pluripessoal, a gramática da criança passa a exibir os pronomes fracos, sejam eles livres, clíticos ou afixos. 17 Em outras palavras, quando o sistema verbal da criança passa a ser pluripessoal, as gramáticas, cuja distinção entre as pessoas gramaticais é codificada através dos afixos de concordância verbal, exibem afixos verbais correspondentes a cada pessoa gramatical, caso do PE. Aquelas, cuja distinção entre as pessoas gramaticais já não é mais 16 Segundo Magalhães (2006), o estágio 1 se estende até a seção 11 para RAB e 8 para ANA. 17 Em Kato (1999), propõe-se, diferentemente de Cardinaletti & Starke (1994), que os pronominais podem ser fortes ou fracos e estes últimos podem ser livres, clíticos ou afixos de concordância. Nas línguas de morfologia rica e tipicamente de sujeito nulo, como é o caso do PE, os pronomes fracos são os afixos de concordância verbal. No PB, em virtude da redução no sistema flexional, os afixos de concordância deixaram de atuar como pronominais e o PB passou a exibir um paradigma de pronominais fracos livres. Para maiores detalhes sobre a proposta, remeto o leitor ao referido texto. 106 Letras de Hoje Magalhães, T. M. V.

possível através dos afixos de concordância, exibem pronomes fracos livres, caso do PB. A idéia que vou tentar defender aqui é que nas produções iniciais das crianças brasileiras, além de encontrarmos os sujeitos nulos terceira pessoa do singular que correspondem aos encontrados na gramática-alvo, caso dos expletivos, dos indeterminados, dos contextos de respostas curtas, temos ainda aquelas contruções que são típicas da gramática inicial das crianças: o uso de terceira pessoa do singular para referir a outras pessoas. Logo, há uma inflação de uso de sujeito nulo de terceira pessoa do singular que que faz com que os percentuais sujeitos nulos sejam tão altos na fase incial de aquisição do PB. A partir do momento que a terceira pessoa vai sendo diluída em favor de outras pessoas gramaticais, os pronomes livres começam a aparecer, uma vez que o PB não tem mais afixos pronominais no sentido de Kato (1999), e os percentuais de sujeitos nulos começam a cair. Para compreendermos melhor a idéia acima, vejamos os gráficos que mostram a distribuição de sujeitos nulos e pronomes por pessoa no PB e no PE: 18 100% porcentagem 80% 60% 40% 20% 0% SN1sg SN3sg SN1pl Pro1sg Pro2ind-sg Pro3sg ana01 ana03 ana05 ana07 ana09 sessões GRAFICO 2 Distribuição de sujeitos nulos e pronomes por pessoa de ANA. 18 Legenda dos gráficos: SN = sujeito nulo; Pro = pronome. Para o cálculo dos percentuais fez-se a seguinte divisão: numerador = tipo de sujeito por pessoa; denominador = total de sujeitos (nulos + pronominais) por pessoa. A aquisição de pronomes sujeitos no PB e no PE 107

porcentagem 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% SN1sg SN3sg SN1pl Pro1sg Pro2ind-sg Pro3sg RAB01 RAB02 RAB03 RAB04 RAB05 RAB06 RAB07 RAB08 RAB09 RAB10 RAB11 RAB12 sessões GRAFICO 3 Distribuição de sujeitos nulos e pronomes por pessoa de RAB. porcentagem 100% 80% 60% 40% 20% 0% JOA01 JOA02 JOA03 JOA04 JOA05 JOA06 sessões JOA07 JOA08 SN1sg SN2sg SN3sg SN1pl SN3pl Pro1sg Pro3sg GRAFICO 4 Distribuição de sujeitos nulos e pronomes por pessoa de JOA. porcentagem 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% RAP01 RAP02 RAP03 RAP04 RAP05 RAP06 RAP07 sessões GRAFICO 5 Distribuição de sujeitos nulos e pronomes por pessoa de RAP. 108 Letras de Hoje Magalhães, T. M. V. RAP08 RAP09 RAP10 RAP11 SN1sg SN2sg SN3sg SN1pl SN3pl Pro1sg Pro2sg Pro3sg Pro3pl

Nos Gráficos 2, 3, 4, 5, o sujeito nulo de terceira pessoa do singular corresponde a todos os casos de flexão em terceira pessoa. Portanto, incluem-se aí: os casos de ausência de concordância em favor da terceira pessoa e os casos em que contexto é de segunda pessoa (você), uma vez que a flexão é de terceira. Observe-se que nos 4 gráficos, o maior perecentual de sujeitos nulos corresponde à terceira pessoa do singular. 19 Mas, note-se também que no PB a queda do sujeito nulo de terceira pessoa do singular é acompanhada do crescimento no uso dos pronomes, principalmente, do pronome de primeira pessoa do singular. Enquanto no PE, a redução do sujeito nulo de terceira pessoa é acompanhada do crescimento no uso do sujeito nulo da primeira pessoa do singular. O que se vê então é: (i) os sujeitos nulos de terceira do singular no PB, sendo substituídos por pronomes correspondentes às pessoas gramaticais e (ii) os sujeitos nulos no PE sendo substituídos por afixos pronominais correspondentes à pessoas gramaticais. Vejam que acontece exatamente o que Kato (2001) propõe. Quando a criança está no sistema unipessoal, é o uso de sujeito nulo de terceira pessoa nula o predominante. No momento em que o sistema passa a ser pluripessoal, o PB passa a exibir os pronomes porque esta língua não possui mais afixos pronominais. Já o PE, como possui um sistema de afixos pronominais, continua usando o sujeito nulo com outras pessoas gramaticais. A passagem de um sistema unipessoal para um sistema pluripessoal, faz com os percentuais de sujeitos nulos do PB caiam, porque a gramática desta língua não conta com um sistema de afixos de concordância e vai usar os pronomes como recurso para identificar as diferentes pessoas gramaticais. No PE, os percentuais se mantêm estáveis porque a gramática desta língua dispõe de afixos de concordância para identificar as diferentes pessoas gramaticais. Observe-se que a instabilidade no uso do sujeito nulo observada no PB vs a estabalidade observada no PE reflete as diferenças gramaticais destas duas variedades do Português. No PB, a queda no percentual de uso do sujeitos nulos é conseqüência do sistema flexional reduzido desta língua. Uma vez que a flexão de verbal do PB não é mais capaz de licenciar o sujeito nulo, a gramática sai de um sistema unipessoal, que exibe altos percentuais de sujeitos nulos, para um sistema pluripessoal com pronomes na posição de sujeito. Para o PE, cuja a flexão verbal é capaz de licenciar o sujeito nulo, 19 RAB e RAP são as crianças que apresentam um percentual significativo também de primeira pessoa do singular. A aquisição de pronomes sujeitos no PB e no PE 109

sair de um sistema unipessoal para uma sistema pluripessoal não implica reduzir o uso de sujeitos nulos, daí a estabilidade observada nos dados durante todo processo de aquisição. No caso da criança brasileira, além de ter que lidar com as diferenças gramaticais expostas acima, ela ainda tem que lidar com um input que se apresenta caótico no tange à produção de sujeitos. Por exemplo, com relação à primeira pessoa do singular, há alguns contextos em sentenças simples onde ainda são encontrados sujeitos nulos, é o caso dos verbos no pretérito perfeito. No entanto, quando temos o tempo presente, a possibilidade de sujeitos nulos de primeira pessoa é mais restrita. Essas são questões que também precisam ser exploradas na busca por uma maior compreensão do que acontece com a gramática do PB. Conclusão Tentei apresentar neste trabalho uma explicação para a instabilidade observada na produção de sujeitos nulos no PB vs a estabilidade observada no PE durante o processo de aquisição destas línguas. A minha hipótese é de que as diferenças observadas na produção do sujeito para as duas línguas derivam de diferenças no sistema flexional que ela possuem. Tentei argumentar que o alto percentual de sujeitos nulos apresentado pelo PB no início do processo de aquisição deve-se à inflação de uso de sujeitos nulos de terceira pessoa nos dados da criança. Partindo da proposta de Kato (2001), defendi que a queda no uso dos sujeitos nulos no PB acontece porque a criança sai de uma sistema unipessoal com um uso predominante de sujeitos nulos de terceira pessoa e passa para uma sistema pluripessoal, onde os sujeitos nulos são substituídos por pronomes. No PE, a criança sai de um sistema unipessoal de sujeitos nulos de terceira pessoa e passa para um sistema pluripessoal que continua apresentando sujeitos nulos para todas as pessoas. Referências CARDINALETTI, A.; STARKE, M. The typology of structural deficiency: a case study of the three classes of pronouns. In: v. RIEMSDIJK, H. (Ed.). Clitics in the languages of Europe. Berlin; New York: Mouton de Gruyter, 1999. p. 145-233. (= Empirical Appraoches to Language Typology, 20-5). DUARTE, Mª E. Do pronome nulo ao pronome pleno: a trajetória do sujeito no Português do Brasil. In: ROBERTS, I.; KATO, M. A. (Org.). Português brasileiro: uma viagem diacrônica (Homenagem a Fernando Tarallo). Campinas: Editora da UNICAMP, 1993. p. 107-128. 110 Letras de Hoje Magalhães, T. M. V.

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