Conflitos da vida moderna: ética, comunicação e crise



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Transcrição:

Artigo Revista Eletrônica do Programa de Pós-graduação da Faculdade Cásper Líbero Conflitos da vida moderna: ética, comunicação e crise Patrícia Brito Teixeira * Resumo Palavras-chave Ética, moral, jornalismo, crise. Volume 2, número 1 - Junho 2010 Este artigo pretende discutir os fundamentos da ética e as práticas morais associadas à comunicação. Em primeiro lugar, serão apresentadas algumas noções fundamentais de ética e moral, de modo a deixar claros alguns pontos de distinção entre ambas. Em um segundo momento, essas noções serão contextualizadas no âmbito da comunicação, conferindo destaque às normas e princípios que guiam a deontologia do jornalismo. Na parte final do texto, discute-se os problemas decorrentes da ausência de atitudes éticas dos veículos de comunicação, o que pode alavancar ou desencadear graves crises, em especial para grandes corporações. Abstract This article discusses the fundamentals of ethics and moral practices associated with communication. First od all, we will present some fundamental notions of ethics and morality, in order to make clear some points of distinction between them. In a second step, these concepts are contextualized within the framework of communication, with emphasis on rules and principles that guide the ethics of journalism. At the end of the text discusses the problems caused by the absence of ethical attitudes of the media, which can leverage or trigger severe crises, particularly for biggest corporations. Keywords Ethical, moral, journalism, crisis. *Mestranda em Comunicação pela Fundação Cásper Líbero, Comunicação na Contemporaneidade, Tecnologia e Mercado e-mail: patricia@trixe.com.br.

Ética e moral: algumas definições gerais 2 De modo geral, os conceitos de ética e moral, quando referidos aos modos e costumes que definem como os indivíduos se comportam em sociedade, são frequentemente tomados como sinônimos. Contudo, como destacam Sung e Silva (1995), as diferenças entre essas noções podem ser evidenciadas desde a própria etimologia das palavras moral e ética. O significado de moral vem do latim: (mores) e refere-se à maneira de se comportar regulada pelo uso. Em outras palavras, a moral é um conjunto de regras de conduta criadas em uma determinada época, ou por algum grupo de homens, ou comunidade. De acordo com Aranha e Martins (1993), a moral tenta adequar e submeter o indivíduo ao grupo social ao qual ele pertence e, sendo assim, uma pessoa moral é aquela que age seguindo as regras estabelecidas por uma determinada comunidade. Isto significa que o que pode ser imoral para um grupo, pode não ser para outro. A moral foi, então, criada para garantir a sobrevivência de grupos ou comunidades, permitindo que o convívio coletivo seja baseado em regras capazes de organizar as relações entre os indivíduos. O cumprimento de tais regras morais pode ser assegurado por critérios pessoais ou coletivos. Coletivos quando existe uma pressão por parte da sociedade para o cumprimento da regras, sob pena de castigo ou punição com a expulsão da comunidade, ou até mesmo com a morte, dependendo da gravidade da falta. (Sung e Silva, 2004: 44) A moral apresenta-se sob a forma de um conjunto de valores morais que norteiam atitudes, comportamentos, hábitos, ações e pensamentos herdados pelos seres humanos de geração em geração. (Aranha e Martins, 1993). Ao mesmo tempo em que é um conjunto de regras que determina como deve ser o comportamento dos indivíduos do grupo, a moral é também baseda na livre aceitação das normas. Segundo Furrow, um ato só é propriamente moral se passar pelo crivo da aceitação coletiva de uma norma. Para ele, agir moralmente implica a habilidade de tomar as própias decisões, agir de acordo com elas e justificá-las mediante questionamento. Se nossas decisões não fossem livres, mas nos fossem impostas, não seríamos moralmente responsáveis por elas (2007: 29). Da mesma forma, Vázquez salienta que: Uma sociedade é tanto mais rica moralmente quanto mais possibilidades oferece a seus membros de assumirem a responsabilidade coletiva ou pessoal de seus atos; isto é, quanto mais ampla for a margem proporcionada para aceitar consciente e livremente as normas que regulam as suas relações com os demais (Vázquez, 2001: 58). A norma somente tem sentido se orientada para a prática. Comtempo Vol.2, n. 1 - Junho 2010

3 O foco do raciocínio moral não é simplesmente agir corretamente, mas viver através do dilema com a preocupação moral. Esta última envolve a apreciação de certos aspectos da situação. Ela requer sensibilidade para ver as pessoas como criaturas moralmente importantes que, às vezes, merecem estima, compaixão e apoio, e que experimentam vergonha, culpa, vulnerabilidade e desespero. Ela requer o entendimento de nossas emoções e compromissos, de um modo que revela sua importãncia moral e que é responsivo ao valor dos outros. Essa apreciação, sensibilidade, entendimento e responsividade não são só meros meios de se fazer a coisa certa. Ao invés disso, eles constituem nosso caráter a substância moral de quem somos e de como nos relacionamos com os outros (Martin, 1989: 5). Por sua vez, a palavra ética vem do grego ethos, que por também significar costume, leva à confusão com o termo moral. Na verdade, a ética é a parte da filosofia que se ocupa da reflexão a respeito das noções e princípios que fundamentam a vida moral. O conceito de ética é usado para se referir à teoria sobre a prática moral. Ética seria então uma reflexão teórica que analisa e critica ou legitima os fundamentos e princípios que regem um determinado sistema moral (Sung e Silva, 2004:13). Se as regras morais se alteram com o tempo, uma vez que são transmitidas e modificadas de geração para geração, o modo de julgá-las e de refletir sobre elas também se altera. Nas palavras de Vázquez: A ética, como qualquer teoria, é explicação daquilo que foi ou é, e não uma simples descrição. Não lhe cabe formular juízos de valor sobre a prática moral de outras sociedades, ou de outras épocas, em nome da moral absoluta e universal, mas deve explicar a razão de ser dessa pluralidade e das mudanças de moral, esclarecendo o fato de os homens terem recorrido a práticas morais diferentes e até opostas. (2001: 21) A ética permite o questionamento sobre as práticas, atitudes, regras e ações humanas. Para que isso seja possível, é necessário saber quais critérios serão utilizados para avaliação da ação humana. A função da moral é a obtenção do objetivo de normatizar as relações entre os seres humanos entre si, com a comunidade e com a natureza. Além disso, a ética exige mudança de atitude. O ser humano precisa se conscientizar de que suas atitudes repercutem na vida dos outros. Segundo Herrero: Pertencemos à uma comunidade ilimitada de comunicação: reconhecemos que todos nós, cada um conforme suas forças e competências, temos, em princípio, a obrigação moral de colaborar na realização dos processos de comunicação e cooperação política que possibilitam à humanidade assumir a responsabilidade solidária pelas consequências de suas atividades coletivas (2002: 76). A solução para ações individualistas estaria no debate construído com a participação de todos os grupos envolvidos. Isto exigiria a construção de uma ética com princípios, normas e valores aceitos coletivamente e válidos para todos. A contradição entre os princípios morais e as exigências da vida moderna pode levar as pes- Comtempo Vol.2, n. 1 - Junho 2010

4 soas a caminharem para a moral individualista, explicam Sung e Silva (2004: 47). Isso significa deixar de seguir a tradição, as normas, e escolher o que é melhor para si mesmo. As pessoas passam a ter atitudes egoístas, individualistas, sem pensar, nem pesar, suas conseqüências diante o outro. Este pensamento é típico da sociedade capitalista, na qual a concorrência está fortemente acirrada e pisar no outro para crescer, ou subir da vida, é aceitável. Ao aplicar a moral do capitalismo, as pessoas mais tradicionais tendem a dizer que os valores foram perdidos com o passar do tempo. Nesse sentido, pode-se dizer que a moral está em crise, que não se existe respeito como antigamente. Há a forte percepção de que os valores estão ai, mas perderam sua força por conta dos interesses pessoais e imediatistas. O problema do emprego da moral individualista é que ela conduz à seguinte questão: como viver em sociedade, em grupo, se todos aplicarem tal fórmula? Para viver em comunidade não é necessário abrir mão dos interesses pessoais para que a vida em grupo seja minimamente digna. A criação das normas não pode ficar nas mãos de uma minoria que defenda somente seus interesses. A solução para isto é que os membros da comunidade participem na criação das normas. O ideal da participação e a busca de consenso formam a base para a aplicação da ética da responsabilidade. As questões éticas e morais nos processos de comunicação Para falar das questões éticas dos meios de comunicação, é necessário fazer uma reflexão acerca da evolução dos media, a dimensão que eles adquiriram na sociedade e a repercussão em torno do papel que eles desempenham na construção e manutenção das relações sociais. Também é importante apontar a transformação das estruturas culturais em torno da sociedade, salientando a pluralidade dos estilos de vida e a necessidade de respeito às diferenças. Esteves (2003) chama atenção sobre a imagem construída sobre a discussão ética e moral da comunicação em torno dos media. Para ele, uma discussão a respeito da ética e da moral no âmbito dos processos de comunicação não deve perder de vista o universo mais amplo da comunicação aquilo que envolve e funda os próprios media, sempre, numa perspectiva da comunicação pública como teia complexa de simbolicidade e discurso (2003: 146). Outro fator importante a destacar no âmbito do entrelaçamento da comunicação pública e dos processos ético-morais é a evolução dos dispositivos tecnológicos que afetam diretamente os medias e desencadeiam novos questionamentos acerca dos princípios normativos a serem seguidos. Como limitar os usos e seus impactos? A comunicação pública baseada nos media modernos atinge uma circulação cada vez mais generalizada, resultado do tipo de suportes tecnológicos utilizados, o que torna praticamente ilimitadas as possibilidades de extensão no tempo e nos espaços das Comtempo Vol.2, n. 1 - Junho 2010

5 formas simbólicas. (Esteves, 2003: 152) Esteves aponta ainda uma contradição central no entendimento do papel dos meios de comunicação nas sociedades atuais. Se, de um lado, a mídia pode ser concebida como empresa voltada para o aprimoramento da técnica e para a expensão de seus negócios, de outro ela amplia o espaço público, pois além de reproduzirem e disseminarem valores morais, os medias transformam-se em espaços de entrecruzamento de perspectivas, contribuindo na criação de um amplo espaço de argumentação. Assim, a mídia pode mobilizar as pessoas para participarem de debates ao ampliar a visibilidade e a repercussão dos fatos. É ela quem indica, seguindo alguns padrões de destaque e enquadramento, os fatos que a população comentará nos espaços de conversação do cotidiano, nas rodas de amigos, com colegas de trabalho e entre a família. A mídia é, ao mesmo tempo, um ator estratégico, e um espaço de deliberação, de argumentação no qual diferentes atores negociam seus pontos de vista com o intuito de melhor entender e solucionar uma questão de interesse coletivo. Códigos deontológicos no jornalismo Para Esteves (2003), os princípios que regem a atividade jornalística muito se aproximam do ideal de um projeto democrático de sociedade. Contudo, o conjunto de códigos que embasam a atividade jornalística não pode ser confundido com a crença de que os profissionais da mídia podem condicionar o modo de funcionamento dos meios de comunicação. Há uma intenção de projetar os media como esteios da democracia, tendo por base a função informativa e um conjunto de valores nucleares do jornalismo: verdade, objectividade, neutralidade distanciamento, imparcialidade, etc.. O aspecto ilusório, desta deontologia e que acaba por lhe conferir um caráter irredutível de ideologia é a crença (explícita ou pressuposta) de que os profissionais (os jornalistas em primeiro lugar) têm a possibilidade de condicionar de forma decisiva (impor) o funcionamento democrático dos media, só por si e sem qualquer mudança estrutural mais profunda ao nível dos próprios media ou da sociedade no seu conjunto. (Esteves, 2003: 149). Caio Túlio Costa (2009) aponta nos veículos de comunicação (jornal, revista, rádio, televisão ou internet), de falta de ética no exercício da profissão. Ele aponta as acusações contra a imprensa norte-americana, reunidas por Niceto Blasques em seu livro Ética e meios de comunicação. Tais acusações foram feitas à imprensa norte-americana na primeira metade do século XX, pelo jornalista Carl W. Ackerman, diretor de jornalismos da Universidade de Columbia: As normas reguladoras do jornalismo são estabelecidas em função das tiragens de jornais, revistas, ou das audiências em televisão e internet; os veículos oferecem ao público o que eles acham que o público pede e não aquilo que ele necessita; a imprensa viola os direitos Comtempo Vol.2, n. 1 - Junho 2010

6 individuais e a intimidade; em termos de negócio, a notícia é proporcional e não informativa; o valor das notícias é superficial e trivial; os repórteres em geral são inexatos quando oferecem a informações baseadas em entrevistas; a imprensa está a serviço das minorias organizadas e apresenta criminosos como heróis; as manchetes não correspondem aos fatos; a imprensa está interessada principalmente nos acontecimentos de um dia para o outro e não oferece ao leitor um relato contínuo; a imprensa serve à maquina política; a imprensa não é sincera quando denuncia a injustiça dos tratamentos privilegiados, porque ela mesma tem os seus próprios interesses empresariais; o maior defeito da imprensa é a propriedade, e ela não pode ser imparcial e verdadeira do bem público; as notícias e as fotografias são muitas vezes falsas; muitos receiam expressar as suas verdadeiras opiniões; nos assuntos religiosos, a imprensa busca o sensacionalismo; a imprensa dá demasiada ênfase as declarações dos políticos. (Ackerman apud Costa, 2009: 229) Apesar de elas terem sido direcionadas aos jornais americanos, essas acusações podem se aplicar também aos demais veículos, e podem inclusive ser transpostas para o contexto no qual atuam as mídias brasileiras. Na mesma linha de raciocínio, Eugênio Bucci (2000) descreve os sete pecados capitais do jornalismo: distorção deliberada ou inadvertida; culto das falsas imagens; invasão de privacidade; assassinato e reputação super exploração do sexo; envenenamento das mentes de crianças; abuso de poder. No meio jornalístico, existem diferentes códigos deontológicos para jornalistas, oriundos de entidades classistas (sindicatos e federações), associações de meios de comunicação ou empresas jornalísticas. No Brasil, vários códigos deontológicos se dividem entre o mercado e as redações, o que impede que o jornalismo seja exercido livremente e aplicado de forma correta. No Brasil, existem diferentes códigos e eles se separam de acordo com a área de atuação jornal, revista, rádio e TV. O exercício da profissão é uma atividade de natureza social, a opinião veiculada deve ser vivida com responsabilidade. O jornalista é responsável e responde pela informação que divulga e tem, ou deveria ter como princípio o combate a corrupção, os demandos, a discriminação e as perseguições. Sua bússola é orientada pelo interesse público e avesso à censura ou a qualquer interrupção do fluxo informativo. Christofoletti (2008). Fazer com que se siga o código de ética é um dos desafios da classe dos jornalistas. Por ter sanções brandas, não ter uma comissão de ética efetiva e atuante, o Código de Ética dos jornalistas Brasileiros apresenta resistência na sua aceitação e consequentemente pouca eficiência da punição. Christofoletti (2008), Não se tem um estudo que comprove, mas o que se sabe é que os jornalistas seguem mais as recomendações éticas da empresa em que trabalham do que das entidades e órgãos de classe. É entendida que sugestões de conduta são entendidas como ordens do patrão. Christofoletti (2008) chama a atenção que, no jornalismo, ética não é etiqueta, não é bons modos. É necessário ter equilíbrio, bom senso e disposição para refletir sobre a própria conduta. Diante da situação correta, no momento da decisão, o jornalista terá de escolher o que fazer. O jor- Comtempo Vol.2, n. 1 - Junho 2010

7 nalista deverá analisar o que deve e como fazer, quem e quais as partes poderão ser prejudicadas, quais as melhores alternativas, os princípios e valores a aplicar. Seguindo este roteiro, o jornalista poderá caminhar pela trajetória da ética. Quando a falta de ética vira uma crise. Algumas considerações finais Com a chegada da internet, cada vez mais pessoas estão conectadas e realizando suas atividades online. Do carro, do ônibus, metrô, do aeroporto, as pessoas estão vendo notícias, e postando sobre o que está acontecendo. Com base no jornalismo atual, o tempo entre o acontecimento, a produção e a distribuição da notícia é cada vez mais curto. Há uma disputa entre quem dará a notícia mais rápida: site, portais, TV ou rádio? Ao mesmo tempo em que a internet e as facilidades da tecnologia da informação trazem grandes benefícios ao jornalismo, a web também se tornou um grande palco e um potencializador de atitudes antiéticas. Na internet, é possível buscar conhecimento graças aos buscadores de informações, também possibilita disseminar boatos, mentiras ou ajuda a distribuir reportagens inventadas ou não bem-apuradas. Diante disto, pesquisadores, jornalistas e a própria sociedade passam a discutir a ética e princípios como a verdade, a confiabilidade, a qualidade da informação e a credibilidade da fonte. A forma de produção de notícia mudou. Agora, os jornalistas precisam ser mais ágeis, eficientes e competentes, ou alguma etapa da produção da notícia será excluída do processo de produção. Quando não se consegue a qualidade pretendida, a pauta ou a apuração será prejudicada. A matéria pode sair pela metade, ou os dados aparecem incorretos ou incompletos. Geralmente, as primeiras notícias de um desastre, por exemplo, são perdidas pela falta informações, o que pode gerar uma crise muito maior (Christofoletti. 2008). Por que gera-se uma crise? Jornalistas sem informações exatas colocam num site uma notícia a respeito da qual não têm certeza. Num acidente aéreo, ou um desastre de qualquer natureza, existem vidas envolvidas, existe famílias e amigos esperando por respostas exatas. Um erro no número de mortos pode acarretar dores e desesperanças. Qual é a solução? Buscar o furo ou ser cauteloso, dar a notícia certa e chegar depois? No caso do acidente da TAM, em 2007, assim como indicou Christofoletti (2008), foi um exemplo de imprudência e falta de ética do jornalismo. Um avião cai na região de Congonhas, sem informações verídicas, jornalistas baseiam-se em fonte que também não possuíam informações certas. Começaram a trabalhar com suposições. Em poucos minutos, três portais tinham dado informações completamente diferente um do outro. Somente depois do posicionamento da companhia aérea e que se começou a falar do número de mortos. A partir daí, os jornalistas começaram a corrigir suas matérias no ar. Na ânsia de dar notícias quase que instantâneas, os três sites ofereceram conteúdos compro- Comtempo Vol.2, n. 1 - Junho 2010

8 metedores. Antes da publicação faltou a checagem, típica e importante no jornalismo. Não adianta chegar antes da concorrência se a matéria estiver cheia de erros. Outro recurso tecnológico forte usado atualmente no jornalismo é a fotografia digital, que também pode gerar uma crise no jornalismo e em pessoas envolvidas. Para ganhar uma foto única, é permitido adulterar uma foto? Modificar a realidade unindo cenas? Mesmo com a chegada de tecnologia, onde tudo é possível, manipular a opinião pública é antiético. (Costa, 2009). Outra razão de crise no universo do jornalismo atual, envolve a internet, onde qualquer pode agir como um repórter. Basta um pequeno relato, uma foto de câmera digital para contar uma informação. Podemos chamar isto de jornalismo? Existe uma briga intensa em relação ao tema. Podese chamar de jornalismo cidadão, uma situação em que as pessoas relatam o que acontecem no seu bairro ou na região que vivem. É o tipo de noticiário local que possibilita a participação do público. Sob esta ótica, o jornalismo colaborativo, como aponta Christofoletti (2008), é muito bem-vindo uma vez que ajuda na composição dos fatos. Mas jornalismo continua exigindo responsabilidade, ética e o comprometimento com a credibilidade. Ética na comunicação e a relação com o mundo corporativo No que tange o mundo corporativo, Carvas Junior (2006) destaca que as empresas devem observar a evolução da comunicação em especial no que diz respeito à velocidade dos fatos. É inegável a velocidade com que as informações trafegam, tanto por canais formais quanto informais. Especialmente quando se trata de temas polêmicos ou negativos. Nenhuma empresa que valoriza sua marca e respeita seus stakeholders pode negligenciar esse fato. A rapidez e a consistência de sua resposta têm de estar em total sintonia com esta rapidez da informação. Qualquer segundo perdido sem que se consiga demonstrar perante a opinião pública um comportamento sério, responsável e efetivo pode significar o comprometimento, às vezes irreversível, da imagem da empresa, e consequentemente, causa um impacto negativo em seu negócio. (Carvas Junior, 2006: 42). A falta de ética na comunicação e a evolução dos meios tecnológicos, a qual exige agilidade das informações, são desencadeadores de crises de imagem e reputação. Sendo assim, pode-se afirmar que a velocidade da informação e as notícias mal apuradas são riscos para um negócio de uma corporação. Por outro lado, é com ética e transparência que uma crise é amenizada. Marconi (2000) aponta em seus estudos de crises corporativas que a ética, a honra e a integridade são as bases de formação de reputação e estas geraram negócios, os quais criaram empresas e carreiras. A ética no departamento de marketing é um reflexo da ética na cúpula e em todos os outros níveis da administração de uma empresa. Uma companhia, produto, serviço ou pessoa considerada ética é respeitada por todos. A inter-relação entre honestidade, integridade, produtos e serviços de qualidade, respeito aos consumidores e um perfil digno conquista a confiança. Se a maneira que Comtempo Vol.2, n. 1 - Junho 2010

9 você escolheu para se tonar mais conhecido for por meio de uma presença ética, com alta divulgação, você criará e solidificará uma boa reputação. Essa reputação vale mais do que ouro nos bons momentos, mas muito especialmente nos momento de crise. (Marconi, 2000: 92) Com toda essa análise sobre ética no exercer da profissão da comunicação, percebe-se que a falta de ética se tornou um dos grandes riscos para as corporações. Para fazer com que os códigos de ética passem a vigorar com mais eficácia nas corporações e mesmo entre profissionais, é preciso fazer com que eles sejam constantemente discutidos, revistos e remodelados por todos aqueles que são diretamente ou indiretamente afetados por seus princípios. O diálogo e a transparência são a solução para a prevenção, para a solução e para a criação de uma ética da responsabilidade que considere o conjunto de pessoas e instituições envolvidas em problemas de dimensão coletiva. Bibliografia ARANHA, Maria Lucia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando, Introdução à Filosofia. 2º edição. São Paulo: Ed. Moderna, 1993. BUCCI, Eugênio. Sobre Ética e Imprensa. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. CARVAS JUNIOR, Waldomiro. Relações Públicas no Gerenciamento de Crises. In. KUNSCH, Margarida Maria Krohling (Org.). Obtendo Resultados com Relações Públicas. São Paulo: Pioneira Thomson, 2006. COSTA, Caio Túlio. Ética, jornalismo e Nova mídia, uma moral provisória. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2009. CHRISTOFOLETTI, Rogério. Ética no Jornalismo. São Paulo: Contexto, 2008 ESTEVES, João Pissara. Espaço Público e Democracia. São Leopolso: Ed. Unisinos, 2003. FILHO, Clóvis de Barros. Ética na Comunicação; atualização Sérgio Praça. 6ºedição, São Paulo: Summus, 2008. FURROW, Dwight. Ética: Conceitos-chave em Filosofia; Tradução Fernando José R. da Rocha. Porto Alegre: Artmed, 2007. HERRERO, Francisco Javier. Ética na construção da política. In: DOMINGUES, I.; MARGUTTI, P; DUARTE, R. (orgs.). Ética, Política e Cultura. Belo Horizonte: UFMG, 2002, pp.69-87. MARCONI, Joe. Marketing em Momentos de Crise. São Paulo: Makron Books, 2000. MARTIN, Mike. Everyday Morality: an introduction to applied ethics. California: Wadsworth Publishing Company, 1989, pp.5-17. SUNG, Jung Mo; SILVA, José Cândido. Conversando sobre ética e Sociedade. Petropólis, RJ: Vozes, 1995 VÁZQUEZ, Adolfo. Ética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. Comtempo Vol.2, n. 1 - Junho 2010

Expediente CoMtempo São Paulo, volume 2, número 1, jun.2010/nov.2010 A revista CoMtempo é uma publicação científica semestral em formato eletrônico do Programa de Pós-graduação em Comunicação Social da Faculdade Cásper Líbero. Lançada em novembro de 2009, tem como principal finalidade divulgar a produção acadêmica inédita dos mestrandos e recém mestres de todos os Programas de Pós-graduação em Comunicação do Brasil. Presidente da Fundação Cásper Líbero Paulo Camarda Diretora da Faculdade Cásper Líbero Tereza Cristina Vitali Vice-Diretor da Faculdade Cásper Líbero Welington Andrade Coordenador da Pós-Graduação Dimas Antônio Künsch Editor Walter Teixeira Lima Junior Comissão Editorial Ângela Cristina Salgueiro Marques (Faculdade Cásper Líbero) * Carlos Costa (Faculdade Cásper Líbero) Luis Mauro de Sá Martino (Faculdade Cásper Líbero) * Maria Goreti Frizzarini (Faculdade Cásper Líbero) Liráucio Girardi Junior (Faculdade Cásper Líbero) * Walter Teixeira Lima Júnior (Faculdade Cásper Líbero) Conselho Editorial Angela Cristina Salgueiro Marques (Faculdade Cásper Líbero) * Antonio Roberto Chiachiri (Faculdade Cásper Líbero) * Carlos Gerbase (Pontíficia Universidade Católica/RS) * Carlos Roberto da Costa (Faculdade Cásper Líbero) * Dimas Antônio Künsch (Faculdade Cásper Líbero) * Dulcilia Helena Schroeder Buitoni (Faculdade Cásper Líbero) * Gilson Schwartz (Universidade de São Paulo) * Heloiza Helena Gomes de Matos (Faculdade Cásper Líbero) * José Augusto Dias Júnior (Faculdade Cásper Líbero) * José Eugenio de Oliveira Menezes (Faculdade Cásper Líbero) * Liráucio Girardi Jr.(Faculdade Cásper Líbero) * Luis Mauro Sá Martino (Faculdade Cásper Líbero) * Maria Goreti Juvencio Sobrinho Frizzarini (Faculdade Cásper Líbero) * Patrícia Bandeira de Melo (Fundação Joaquim Nabuco) * Roberto Reis de Oliveira (Unimar) * Sílvio Henrique Vieira Barbosa (Faculdade Cásper Líbero) * Sonia Castino (Faculdade Cásper Líbero) * Walter Teixeira Lima Junior (Faculdade Cásper Líbero) Assistente Editorial Paulo Lutero * Tel. (11) 3170-5969 3170-5841 * comtempo@facasper.com.br Projeto Gráfico e Logotipo Danilo Braga * Marcelo Rodrigues Revisão de textos Ângela Cristina Salgueiro Marques * Walter Teixeira Lima Junior Editoração eletrônica Walter Teixeira Lima Junior Correspondência Faculdade Cásper Líbero Pós-graduação Av. Paulista, 900 5º andar 01310-940 São Paulo (SP) Brasil Tel.: (11) 3170.5969 3170.5875 Comtempo Volume 2, número 1 - Junho 2010